11/11/05

O IBO na ótica de José Forjaz.


Apresentação
(A propósito de trabalho do arquiteto Júlio Carrilho sobre a Ilha do Ibo).
Apresentar significa conhecer.
Apresentar significa respeitar quem se apresenta e a quem se apresenta.
Eu não conheço o Ibo.
Isto é, nunca lá vivi.
A última vez que lá estive foi há mais de vinte anos, e muito brevemente.
E no entanto respeito esse lugar, e no entanto parece-me conhecê-lo tão bem.
Talvez por ter a sorte de ouvir, dos amigos autores deste livro e de tantos outros, um relato tão vivo e tão intensamente emocionado que lhe sinto os aromas e os calores, a tristeza e a fatalidade, a história e a sensualidade, a fadiga e … a esperança.
Desta costa do Indico conheço alguns milhares de quilómetros, milhões de coqueiros e triliões de grãos de areia e de estrelas.
Descasquei-me em muitos dos seus sóis.
Aprendi como é difícil resistir-lhe ao encanto que nos propõe a miragem da mais nua simplicidade, do sol, da areia e do peixe, do vento e da chuva quente, das caras fantásticas do msiro, do Islão tolerante, e cúmplice das mais humanas fraquezas, e dum cristianismo benevolentemente tolerado.
Daí que tenha eu esta ilusão de que, afinal, também quase conheço este Ibo mágico que não deixa ninguém menos que enrodilhado nos seus próprios sonhos esquecidos.
Mas talvez não seja o Ibo que me pedem para apresentar mas sim a apresentação do Ibo e os seus apresentadores, pois que, neste estudo, o Ibo nos é muito bem apresentado.
Afinal já era de tempo de que algum nosso cientista e analista nos desse a lição que talvez tantos sabemos mas não sabemos transmitir: a lição de saber ver o que neste país temos, e de saber apresentá-lo a nós próprios e aos outros.
É verdade que tivemos que aprender esta lição.
É verdade que saber ver exige método e disciplina mental.
Exige mesmo, tantas vezes, que a razão se sobreponha à emoção, tão tentadora e encandeante que nos leva a intuições fáceis e a superficiais explicações.
Grande virtude essa do Carrilho, a que os outros autores não ficaram imunes, a de dar perfume à ciência e estabelecer-lhe as bases poéticas sem as quais a verdade é apenas uma construção mental.
É, sempre sua, esta virtude de explicar a forma pelo homem e o homem pelo sentimento para que, diz ele: “a história das gentes e das coisas impregnem os processos do saber”.
Muito me orgulho de ser “director” desta gente capaz e completa, que vai juntando a paciência a outras virtudes mais quantificáveis e académicas, sabendo esperar e aproveitar as oportunidades para fazer frutificar um trabalho de pura devoção.
Ao fim de muitos anos de tentar dirigir esta máquina de pensar, que é a Faculdade de Arquitectura e de Planeamento Físico, são trabalhos como este que me dão alguma certeza de que, afinal, valeu a pena insistir na criação de uma tradição de pensamento, de uma atitude mental e de um espírito de constante curiosidade e intransigência intelectual e científica.
Mas, e sobretudo, um espírito aberto à universalidade do saber que reconhece sem paternalismos as sofridas e sofisticadas ciências da sobrevivência e dos conhecimentos que se aprendem no leite da mãe, no exemplo do pai e no esforço da comunidade.
Só com estas armas mentais e com estes instrumentos emocionais se pode fazer justiça a uma cultura que não se encaixa nos códigos da escrita, da fórmula abstracta e da erudição livresca ou literária.
Com cada trabalho publicado vão-se elevando os níveis de referência intelectual da nossa colectânea.
O Carrilho, o Pires, o Cani e o Lage, a que se juntou a colaboração preciosa da visão da história do António Sopa, são parte importante desta fraternidade mental que, há tantos anos, procuramos construir à volta da ideia de que arrumar pessoas na paisagem e na cidade é uma tarefa muito nobre, apaixonante e de grande responsabilidade.
Não tem sido fácil este percurso, onde a distracção é tão frequente e a confusão dos objectivos mais profundos nos aparece tantas vezes mascarada com a capa de uma pretensa liberdade do espírito ou do imaginário feita, as mais das vezes, do móbil mais mesquinho da conquista duma notoriedade irresponsável em relação aos valores mais essenciais da justiça social e do equilíbrio ambiental.
Tem sido mesmo uma luta solitária e sem glória.
Por isso mais importante é que sejam produzidos e publicados trabalhos do pensamento e da emoção como este sobre o Ibo.
Sobre os méritos científicos e metodológicos da obra temos o testemunho importante do Professor Salvatore Dierna que, com a maior paixão e fraternal empenho, nos acompanha nesta campanha de inventar o quadro e a ideia de uma arquitectura moçambicana.
A ele, como a muitos outros dos nossos colegas italianos, ficamos a dever uma grande parte do suporte e do apoio, indispensáveis durante todos estes anos de luta pela qualidade do pensamento e pela intransigência intelectual, como a única via de criação daquela ideia, que este livro, tão justamente, exprime e condensa.
A todos, por isso, os nossos parabéns e os nossos agradecimentos.
José Forjaz. 30 de Novembro de 2004.
Via: Moçambique - Cidades, do portal da Faculdade de Arquitetura e Planeamento Físico da UEM

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