5/23/09

Os Taxistas de Setúbal vistos por Pedro Nacuo de Pemba

Interessante, como sempre, o que nos conta Pedro Nacuo, jornalista de Pemba, no Notícias de Maputo acabado de ler nesta madrugada de sábado:

""EXTRAS - Os taxistas de Setúbal - Foi boa a nossa estadia, por uma semana, em Setúbal, cidade portuguesa que nos impressionou por muitas razões, desde a sua orla marítima de excepcional riqueza piscícola, uma identidade gastronómica da região que se afirma mormente nos pratos de peixe, de que merecem especial referência a caldeirada, a feijoada de choco, a espetada de tamboril, o choco frito e a sopa do mar, bem assim a variedade de pratos de peixe assado - a sardinha e do carapau ao linguado e ao salmonete. Muito prato cheio, sobretudo de peixe, incluindo amêijoa, camarão (à maneira de um mar menos rico que o moçambicano) e santola, iguarias que podem ser encontradas em esplanadas solarengas.

Muita água na boca, vêm daí a doçaria, as tortas, os queijinhos doces e os “esses” de Azeitão, que gozam, igualmente, de justa fama, como famosos são os taxistas setubalenses, com os quais convivíamos de cada vez que quiséssemos nos deslocar de um ponto para o outro, que não foram poucas. Interessante foi que só no dia de regresso tive um taxista que disse não conhecer Moçambique, pois mais de oito me tinham confidenciado o facto de terem estado no meu país, do qual têm muitas recordações e gostariam de cá voltar.

Mas os taxistas, como em todas as cidades, andam cheios de histórias para contar aos seus clientes e eu fui, mais uma vez, “vítima” do que eles são exímios repositórios, com a desvantagem de que todas elas giravam à volta do país onde uma vez estiveram a cumprir o serviço militar - Moçambique.

O trajecto a utilizar era, muitas vezes, do Novo Hotel, do grupo IBIS, onde nos encontrávamos hospedados, à Estalagem do Sado, outro hotel, onde decorriam os trabalhos do Congresso das Mais Belas Baías do Mundo, ou do local de hospedagem ao JUMBO, o maior Shopping de Setúbal, mas para todos estes lugares quase sempre dava em 6.10 euro, equivalente a 226,00 Mt ao câmbio daquela semana. Sem discussões nem negociações, o taxímetro falava mais alto e certo e estava claro, porque regulado que o ter sido chamado, simplesmente, estava em 80 cêntimos.

Invariavelmente, exibindo sempre o seu “certificado de aptidão profissional de motorista de táxi”, que são obrigados a ter, logo depois de dizer: “Leve-me à Estalagem do Sado ou ao JUMBO” a pergunta seguinte era “o senhor é angolano?”, como acontece sempre que estou na Europa (nunca acertam à primeira, pois na opinião deles o africano que fala a língua portuguesa é normalmente angolano).

- Não, sou moçambicano, senhor Ferreira da Silva.

-Como soube do meu nome?

- Pelo seu certificado de aptidão profissional de motorista de táxi, é a primeira coisa que vejo normalmente.

A seguir a esse intróito, vinham as histórias sobre Moçambique, terra bonita, rica, pena ter ido em cumprimento do serviço militar, cumpri a tropa em Mocímboa da Praia, depois às vezes subia para os macondes, em Mueda, etc. e no fim, 6,10 euro. Obrigado!

Da outra vez foi Jorge da Rocha que, depois de me identificar como acima, foi falando das suas histórias em Nova Freixo (Cuamba), mas já esteve alguns meses em Vila Pery, em Manica e Sofala. Com este taxista o meu trabalho era dizer-lhe os actuais nomes e chamar-lhe à atenção para o facto de que agora Manica e Sofala são províncias separadas uma da outra, a nível da administração territorial.

Rápidos quando chamados pelos recepcionistas dos hotéis, os taxistas de Setúbal iam-me enchendo de histórias da minha terra. O José Neves Capouchinhos trouxe uma sobre a sua digressão, como tropa colonial, em quase todo o norte de Moçambique.

Em Porto Amélia gostava duma pequena aldeia, mas interessante, chamada Paquitequete, confirmei-lhe que ainda era assim que se chamava e expliquei-lhe a razão porquê eu e outros moçambicanos estávamos na sua cidade, precisamente para receber o diploma de Pemba, como uma das Belas Baías do Mundo. O taxista exclama: “Merece, aquela maravilha da natureza, merece, merece, mesmo!”

Depois contou-me das suas andanças por Catur, Cóbwe, em Niassa, esta última região que tinha uma missão. Chamei-lhe à atenção para o facto de que ali saíram homens que agora estão a dirigir com competência o país. Não me pergunta os nomes e logo desvia-se para contar a história dum bairro da cidade de Nampula.

- Uns amigos disseram que havia muita mulher bonita, uma vez, aos copos fomos dar ao Namutequelíua, à porta duma cabana, iluminada apenas por uma lamparina, estava uma africana que era destinada a mim. Sinceramente não cheguei de certificar se aquela também era bonita ou não, estava escuro, mas lá fui eu, só soube que a minhoca lá entrara, dois dias depois a minhoca ficou inchada, estava escantado. Ah, ah, coisas da tropa!

P.S. A equipa do Vitória de Setúbal veio estagiar no hotel onde nos encontrávamos. Conversámos maningue com o treinador, que tinha, dia seguinte, o jogo decisivo em que perderia e por isso lhe afastaria da principal liga. Falou muito bem de Chiquinho Conde, o moçambicano que deixou saudades naquela cidade. Decretou-se que a assistência àquele jogo era gratuita, mas mesmo assim, ficou-se na bicha para adquirir o bilhete, apenas para contar quanta gente entrara. Perdeu, Setúbal emudeceu, até que no dia seguinte apareceu uma satisfação a partir dos feitos de Mourinho, na Itália.
- Pedro Nacuo, Maputo, Sábado, 23 de Maio de 2009, Notícias.

2 comentários:

  1. Há uma saudade sempre presente em todos os que viveram em Moçambique.
    Na minha cidade do Rio Azul não poderia ser diferente.
    Parabéns aos nossos "taxistas" que tão bem representaram, nesta reportagem, a sua tão vilipendiada classe.
    Cumprimentos
    Vítor Baião

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  2. Obrigado Vitor Baião, pela visita e pelas belas palavras dirigidas aos nossos "taxistas", não só aos radicados no recanto luso, mas também para os demais espalhados pelo mundo, como por exemplo Europa e Américas onde não é difícil, ao se chamar um taxi, encontrar o inequívoco sotaque português e a hospitalidade de um "patrício" ao volante desses instrumentos de trabalho e sobrevivência digna, tantas vezes rodedos de perigos tão selvagens como os da mata africana.

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