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3/18/13

ILHA DO IBO em Março de 2013

O IBO DO MÁRIO LOPES  -  Mário Lopes nada conhecia a norte de Marromeu e foi em busca da história do JOÃO BAPTISTA. Ao chegar à ILHA DO IBO conheceu a força que a natureza impõe ao preservar as vigas de uma História que não quer ruir e, teve em simultâneo, a percepção do que é o paraíso.
Clique nas imagens para ampliar. Imagens cedidos por MÁRIO LOPES, realizadas em sua recente estadia na Ilha do Ibo - Março 2013. Homenagem ao historiador e conselheiro da Ilha do Ibo, 3º oficial da Administração Estatal reformado - João Baptista que perfaz em Junho 86 anos, a Atibo Biché e ao historiador e antigo Administrador da Ilha do Ibo (época colonial), Dr. Carlos Lopes BentoEdição de imagens e texto de J. L. Gabão para o blogue "ForEver PEMBA" em Março de 2013. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores/créditos.

11/11/09

A SITUAÇÃO COLONIAL NAS ILHAS DE QUERIMBA OU DE CABO DELGADO - Senhorios, Mercadores e Escravos 2

(1742-1822)
Por Carlos Lopes Bento
(Continuação)

Os senhorios dispunham de um número variável de escravos, que podiam atingir as três centenas, de ambos os sexos, que se repartiam por escravos de cultura ou de subsistência, e escravos domésticos: os escravos de porta ou de quintal. Todos eles, normalmente, tinham um tratamento familiar. Excepcionalmente, por necessidades económicas do senhorio ou por mau comportamento, podiam tornar-se escravos de tráfico. Face às funções que desempenhavam, a renovação daqueles escravos fazia-se, preferencialmente, pelo processo de reprodução demográfica.

Entre os escravos domésticos, as escravas de quintal desempenhavam papel relevante não só como aias, mas também como preciosas auxiliares das donas, sinharas ou sás7, ilustres senhoras pertencentes à aristocracia local, a quem prestavam uma valiosa ajuda, tanto na satisfação dos seus caprichos e vaidades pessoais, como nos banquetes e convívios familiares. Nestas ocasiões, a ama vestia e enjoiava, ricamente, as suas dedicadas escravas que deste modo procuravam mostrar, publicamente, aos convivas, o status e a riqueza dos seus senhores.

Em 1820, após os saques dos sakalava8, terminados em 1817, as terras dos prazos estavam baldias e despovoadas e os senhorios sem possibilidades de as recuperar face ao crescente aumento do tráfico esclavagista e da sua internacionalização.

Os Portugueses encontraram nas Ilhas uma economia que tinha como base a policultura associada à criação de animais, a pesca e o comércio, acrescentando-se a estas actividades, entre outras artes, a tecelagem, a ourivesaria e a construção naval. Até ao século XVII as terras emprazadas produziam, abundantemente, milho, mapira, arroz, feijão, gergelim e cocos, cujos excedentes, embora escassos, serviam para abastecer a sempre carente Ilha de Moçambique. Para além deste produtos exportavam, para aquela Praça, cauri, âmbar, tartaruga, mauna, madeiras, marfim e escravos.

Com as invasões omanistas, no último quartel do séc. XVII, o desenvolvimento da colonização europeia no continente americano, a queda de Mombaça, em 1729, e a consequente perda do domínio português em territórios litorálicos situados a norte de Cabo Delgado, a presença francesa nas costas de Moçambique e os ataques desferidos contra o território, entre 1796 e 1817, por corsários franceses, por alguns chefados makhwa vizinhos e por invasores sakalava, vindos de Madagáscar, o sector primário entrava em crescente decadência e o modo de vida dos habitantes das Ilhas iria ser profundamente alterado, cada vez mais motivados para a actividade mercantil.

O aparecimento de frequentes crises alimentares no território, como resultado da interacção dos vários factores referenciados, seriam resolvidas pela agricultura suaíli praticada a norte de Cabo Delgado, com a ajuda dos denominados Mouros da Costa, que trocavam marfim e escravos por produtos alimentares, especialmente, gado bovino e arroz.

Para a abordagem aprofundada e sistemática das trocas comerciais foi necessário conhecer o quadro de trocas comerciais internacionais onde tal comércio estava inserido e os princípios económicos vigentes impostos pelas várias potências europeias aos territórios que dominavam. Para a sua concretização, começou-se, primeiro, por examinar como se processava a articulação dos estabelecimentos comerciais costeiros da África Oriental no complexo comercial do Oceano Indico, para depois se encontrar respostas, concretas e objectivas, para um significativo número de interrogações relacionadas com:

- as estratégias, políticas e meios de acção delineadas pelas autoridades portuguesas para se introduzirem no milenário sistema comercial índico e para enfrentarem a concorrência de Árabes, Suaílis e Indianos, nem sempre cooperante e pacífica;
- a funcionalidade das estruturas impostas para alcançar tais propósitos e das suas implicações sobre as realidades sócio-culturais inseridas no dito sistema comercial, particularmente, a das Ilhas e as das terras continentais que lhes ficam geograficamente mais próximas, então, sob o domínio de autoridades políticas independentes;
- os vários tipos de comércio em que as Ilhas estavam envolvidas - marítimo costeiro e com o interior -, e relativamente, a cada um deles, o enquadramento normativo, os circuitos, os comerciantes e outros agentes intervenientes comerciais, os produtos transaccionados, os processos de troca e os meios de pagamento utilizados.

À chegada das suas primeiras armadas à Índia, os Portugueses constataram, por um lado, estar a África e a Ásia, há muito, interligadas por um imbricada rede de relações comerciais servida por um conjunto de circuitos, principais e secundários, destinados a escoar, entre si, produtos de importação e de exportação. Por outro, verificaram a existência de um mercado costeiro pautado por um grande volume de trocas, servido por uma típica e multivariada navegação à vela, ritmada pelas monções, estações do ano e correntes marítimas, que assegurava os fluxos de mercadorias entre os dois continentes. Entre as principais rotas encontrava-se uma que ligava Cambaia e outros portos da Índia aos portos africanos de Mogadíshio, Mombaça, Melinde e Quiloa e uma outra que destes portos se dirigia para os portos de Aden, Zanzibar, Ilha de Moçambique, Angoxe e Sofala. Para além destas rotas existia uma rede de vias ou circuitos comerciais, de natureza secundária, onde se integravam os portos de escala do território, que serviam de base à navegação de cabotagem, essencial, à sobrevivência de centenas de povoações da costa leste de África.


Para defender os interesses da coroa portuguesa, ameaçados por outras potências coloniais europeias, em 1761, para além de reforçar a proibição do comércio a estrangeiros e se conceder a liberdade de comércio a todos os portugueses, Lisboa dá à Praça de Moçambique o estatuto de centro ou empório de todo o comércio, tanto o vindo da Ásia, como o proveniente da Europa e da América. Mas tais medidas não tiveram sucesso e levaram ao desenvolvimento de um sempre crescente comércio clandestino ou de contrabando.


As insistentes ordens para o Capitão das Ilhas, para que não se permitisse a entrada a navios estrangeiros na área da sua jurisdição, demonstram bem o significativo incremento do comércio clandestino e quanto era frágil a acção das autoridades portuguesas face às condições ecológicas existentes e aos importantes interesses dos vários intervenientes (moradores, árabes, mouros da costa e franceses e por vezes as próprias autoridades) envolvidos no complexo processo comercial, que teve como palco a parte norte do território moçambicano.


As fracas condições demográficas e a pouca eficácia das estruturas político-militares, administrativas e económico-financeiras, com que se defrontavam aquelas autoridades, conduziriam a um permanente confronto e conflito entre os agentes de duas estruturas comerciais distintas: uma, multi-secular, instalada e consolidada com as suas regras próprias, adequadas às diferentes condições ambientais e sócio-culturais e anterior ao século XVI; a outra, aquela que os responsáveis pela colonização portuguesa implantaram, com base nos circuitos existentes, impondo-lhe, contudo, algumas alterações que se relacionavam com a navegação, o pagamento de direitos aduaneiros, a restrição do número de intervenientes no processo comercial e a introdução de novos produtos.


As duas estruturas funcionariam em paralelo, cabendo à primeira o predomínio quase absoluto, sempre dominada pelos comerciantes árabes e suaílis/mouros da costa, a que se juntariam, no primeiro quartel do século XVIII, comerciantes franceses e ingleses. Os mercadores das Ilhas, onde se incluíam, por vezes, as principais autoridades civis e militares e alguns frades dominicanos, embora participassem, algumas vezes, na segunda, integravam a maioria do seu negócio no seio da primeira estrutura.


Entre todos agentes, caberia papel de relevo aos mercadores da Costa de Zanzibar e dos demais portos do norte, os denominados Mouros da Costa, que, apesar dos entraves colocados pela autoridades portuguesas, nunca deixariam de extrair das Ilhas e terras firmes, próximas do litoral e do interior, marfim, ouro e escravos, que, depois, através das principais cidades suaílis da costa leste de África, se integravam no comércio a longa distância.


Com a intensificação do tráfico esclavagista, verificada a partir da terceira década do século XVIII, no qual estavam envolvidos Árabes, Mouros da Costa, Franceses, Portugueses e Chefes africanos, acentuou-se a importância dos diversos portos, particularmente, os litorálicos desta parte norte do território de Moçambique, que continuaram a servir de entrepostos comerciais e de locais de descanso das tripulações, de elos de ligação entre o comércio marítimo - local, regional e de longo curso - e o comércio com o interior - local e a longa distância.


Através dessa rede de pequenos portos, aliás, seguros pela protecção que recebiam das ilhas adjacentes, passava toda a importação-exportação dos variados bens, de múltiplas proveniências e destinos. Além dos portos insulares da Querimba, Ibo e Matemo, merecem especial atenção os ancoradouros ou portos de Funzi, Mossimboa, Messano, Samouco, Quissanga, Arimba, Sito e Tari, situados nas terras firmes. De todos eles, as autoridades portuguesas, por falta de estruturas de apoio e de uma fiscalização efectiva e eficiente, apenas controlavam e com dificuldades, o porto do Ibo.

Do conjunto de homens de negócio que integrava esta vasta teia de relações comerciais, faziam parte os mercadores das Ilhas, cuja actividade se estendia à Macuana. As longas distâncias, as condições ecológicas adversas e as restrições na circulação de pessoas e bens impostas pelas autoridades políticas africanas de cada região, eram obstáculos a vencer por todos os que pretendiam mercadejar nas terras do sertão africano.

Estes mercadores, com a ajuda do seu prestígio social, proveniente da ascendência familiar e dos cargos que desempenhavam, sempre propiciadores de grandes benefícios materiais e sociais e aproveitando, ainda, a dupla herança cultural que eram portadores (afro-suaíli e europeia), conseguiam, através de alianças de parentesco e de clientela, introduzir-se, com alguma facilidade, no seio dos diferentes sistemas sócio-políticos e económicos, onde tinham necessidade de exercer a sua actividade, que, deste modo, se estendia até às terras do interior, servindo de elemento de ligação entre as sociedades costeiras e as sociedades africanas do interior. Este seu comportamento levou a permanentes situações de conflito com as autoridades portuguesas que não aceitavam de bom grado situações de ambiguidade: ser autoridade, civil ou militar e ao mesmo tempo prestar ajuda e negociar com mercadores estrangeiros que praticavam o contrabando (Árabes, Mouros da Costa e Franceses).


No comércio Ilhas/interior/Ilhas, que ganhou relevância com o crescente aumento da economia esclavagista, participavam os mouros da costa, os moradores do território, ajudados pelos adimos e escravos e os régulos independentes da Macuana, directamente ou através dos seus enviados.


Dado o significado das mercadorias - fazendas, armas, escravos, ouro e marfim -, que circulavam em tão vasto e diversificado espaço - na investigação levada a cabo procurou-se dar respostas a múltiplas e pertinentes interrogações: Quem eram os responsáveis pela circulação das mercadorias entre o litoral e o interior? Qual o papel de cada um dos agentes intervenientes no processo? Onde, com quem, o quê e como se trocava? Com que estruturas e meios e em que épocas do ano se realizavam as trocas? Por que processos se obtinham os produtos vindos do interior? Como procediam os comerciantes que do interior vinham comerciar no litoral? Pacificamente ou pela violência? Que problemas se colocavam, no processo, aos comerciantes que do litoral se dirigiam para o interior e tinham de atravessar territórios de formações políticas independentes do domínio português? Que soluções encontravam para os resolver? Qual a intervenção das autoridades portuguesas nas trocas comerciais com o interior? Que impacto tiveram estas trocas sobre as diferentes realidades sócio-culturais intervenientes no processo?


Era com a ajuda dos moradores negociantes e dos comerciantes mouros da costa e árabes que as mercadorias desembarcadas nos portos do território passavam às terras continentais adjacentes. Os Franceses estavam menos envolvidos nessa tarefa, limitando-se o seu comércio, quase exclusivamente, às povoações da costa, especialmente, às insulares.


Ao invés do que acontecia com os dois mais importantes e próximos - Moçambique e Quiloa -, os diferentes portos das Ilhas não eram servidos, directamente, por qualquer rota de comércio internacional a longa distância. A falta de uma estrutura de tal envergadura, comprovada pelos estudos realizados, até ao presente, sobre o comércio do interior da África Central e Oriental e o seu litoral, iria influenciar o modo de comerciar e o fluxo de mercadorias circulantes entre o litoral e o interior desta parte do território africano, balizados pelos rios Lúrio e o Rovuma.


Os vários agentes envolvidos no tráfico de homens procuravam, em primeiro lugar, obter o máximo de proveitos nos seus negócios, expectativas, que nem sempre eram concretizadas. Múltiplos factores, em interacção, pesavam sobre os resultados finais da actividade de cada mercador, destacando-se entre outros:

- o preço de compra dos escravos, que dependia das leis da oferta e da procura, do sexo, da idade, da sua etnia e do seu estado físico;
- as distâncias a percorrer entre os locais de compra e os locais de destino;
- as múltiplas dificuldades que se colocavam durante e ao longo desse percurso, nomeadamente, autorizações para se abrirem caminhos, fugas, roubos e outras violências;
- o tempo de demora nos portos a aguardar compradores; e
- a alimentação, vestuário e outros bens destinados a manter a vida, a saúde e o estado físico dos escravos, indispensáveis para valorizar a oferta na altura da sua venda nos portos de destino.


Chegado ao local do interior mais vantajoso, escolhido com todo o cuidado, o mercador contactava com o chefe da povoação e, em breve, começavam a chegar os vendedores com os seus escravos. Iniciava-se, então, um processo moroso com um exame minucioso da mercadoria relacionado com o sexo, a idade, cor da pele, defeitos e estado de saúde.


Salvo raras excepções, a escolha dos escravos ficava limitada a faixas etárias muito específicas, que deviam englobar, tão somente, indivíduos sadios, capazes de fornecer uma força de trabalho vigorosa e lucrativa.


Depois de observados, com todo o rigor, os escravos expostos no mercado, seguia-se o demorado negócio, muito fraseado, tipificado por padrões muito próprios, em que o tempo-horário tinha pouco ou nenhum significado económico. Concluída a transacção e depois de colocadas gargaleiras a quase todos os escravos, para evitar fugas, iniciava-se, por etapas diárias, a viagem de regresso a casa. Após aqui chegarem, recebiam cuidados especiais para melhorar os seu estado físico e serem vendidos por preços mais elevados. Os principais compradores destes escravos eram os comerciantes franceses que, quase sempre, clandestinamente, e em aberta colaboração com as autoridades locais, terão, entre 1742 e 1822, adquirido nos portos das Ilhas, em troca de arroz, patacas, armas e pólvora, para cima de 70 000 escravos, que terão transportado para as ilhas Maurícias, em cerca de 300 embarcações e pelos quais terão pago mais de um milhão de patacas. Estima-se, por outro lado, que os mercadores árabes e mouros da costa terão carregado, no mesmo período, nas 5 dezenas de pangaios ou dalos cerca de 500 escravos/ano, com destino à Ilha de Moçambique e aos portos índicos situados a norte e a leste de Cabo Delgado.


Os preços de cada escravo foram variáveis ao longo do tempo, dependendo não só das leis da oferta e da procura, mas também das categorias e das características dos escravos relacionadas com o sexo, a idade, a compleição física, a etnia, a religião e a ocupação. Até 1780, o custo de cada escravo adquirido para embarque oscilava entre os 24 e 100 cruzados, subindo depois para preços compreendidos entre os 100 e 300 cruzados. Um mercador podia comprar, no interior, um escravo "cafre" por 40 cruzados e depois vendê-lo, nas Ilhas, aos comerciantes franceses por 80 ou 90.


As patacas provenientes, sobretudo, das Maurícias dadas em troca de escravos não permaneciam, durante muito tempo, nas mãos dos mercadores do território, pois, com elas, compravam panos/fazendas e velório que vinham da Índia e produtos alimentares em Moçambique e aos Árabes e Mouros da Costa. Esta moeda metálica espanhola, que valia 6 cruzados, fazia parte de um sistema triangular que englobava as Maurícias( Maurícia e Reunião), os portos de escala Ilhas que exportavam escravos, cauri e marfim e a Índia( Bengala, Surrate, Goa Damão e Diu) donde provinham as fazendas sortidas, o velório sorteado de várias cores e outras bugigangas, com as quais se trocavam escravos, ouro e marfim, nas terras do interior.


O crescente aumento do tráfico esclavagista, em que os chefes africanos tiveram papel preponderante, esteve na génese de algumas pequenas chefados ou chefaturas, sediadas nas terras firmes próximas dos prazos do coroa estabelecidos entre o rio Rovuma e a grandiosa baía de Pemba, como os de Maroro, Mutuga, Malela e Marihé. E mais para o interior o de Mugabo. Os seus chefes controlavam comerciantes e fazendas, marfim e armas, além de outros bens de prestígio, que circulavam pelas terras da sua jurisdição.


Para apoiar os seus desígnios coloniais e a defender os seus interesses económicos ameaçados por mercadores estranhos às Ilhas, as autoridades portuguesas criaram várias estruturas político-administrativas:

- uma capitania-mor e a nomeação regular dos seus titulares;
- o reforço da guarnição militar;
- um corpo auxiliar de milícias;
- três fortificações militares: S José, S.João Baptista e Santo António;
- um corpo de autoridades administrativas auxiliares; e
- uma vila com câmara e tribunal.


As novas estruturas contribuiriam, especialmente, para fortalecer o prestígio e o poder da elite local, cujos membros, a partir do último quartel do séc. XVIII, passariam a intervir, mais activamente, nos diversos domínios da administração colonial, ocupando os seus mais elevados cargos.


Estas novas formas organizativas vieram acentuar a clivagem social existente na situação colonial entre as diversas categorias de indivíduos. Neste processo de diferenciação social, um pequeno grupo de habitantes, que podemos denominar de elite - a maior parte deles filhos da terra -, cada vez com mais poder social e político, passou a monopolizar as recompensas ou vantagens que a situação colonial oferecia, ficando a restante população maioritária delas carente.


Na parte inferior da pirâmide social encontravam-se os escravos, seguindo-se-lhes, em plano superior, os colonos, designadamente, os adimos que estavam ligados à exploração da terra, mas dependentes dos foreiros. Vinham depois os artesãos, os pequenos mercadores, os empregados civis e militares das categorias mais baixas da cadeia hierárquica e as autoridades mouriscas e os dignatários islâmicos. A um nível mais alto estavam situados os médios e grandes comerciantes, os oficiais inferiores da Guarnição Militar, oficiais do Regimento de Milícias menos graduados, sargentos-mores e escrivães da Feitoria e da Câmara. De imediato os oficiais superiores com menos graduação e oficiais do Regimento de Milícias mais graduados e foreiros sem outros desempenhos, e oficiais da Câmara. Nas posições seguintes estavam situados os capitães-mores das terras firmes, os foreiros que simultaneamente desempenhavam funções de oficiais superiores do referido Regimento, os oficiais mais graduados da Guarnição, o feitor, o juiz e presidente da Câmara e o mestre de campo. E, finalmente, no topo da pirâmide social encontrava-se o Governador, símbolo da soberania real e do domínio português nas Ilhas.


A implantação de novas estruturas político-administrativas destinada a consolidar o domínio colonial português geraria, aqui e ali, situações conflituosas de alguma gravidade e agravaria as relações entre os detentores do poder político e as autoridades religiosas- os frades Dominicanos -, encarregadas da missionação do território. Os conflitos de jurisdição eram frequentes e alguns frades, pelas suas práticas desviantes, tornaram-se indesejáveis no território.


As autoridades coloniais portuguesas também tiveram que se confrontar com as rebeldias, desobediências e "alevantamentos" dos filhos da terra, designadamente foreiros e mercadores, que reconheciam a autoridade dos governadores e dos seus auxiliares, apenas nos casos em que as suas ordens não contrariassem os seus negócios e interesses.


Mas situação colonial, não só teve de enfrentar os vários problemas de natureza interna, como também outros de natureza externa consubstanciados nos ataques desferidos contra o território e sua população pelos corsários franceses, pelos vizinhos Makhwa e pelos invasores Sakalava de Madagáscar.


Pelo seu impacto interno e externo, são de salientar os prejuízos humanos, morais e materiais causados pelos Sakalava que atingiram uma dimensão muito difícil de calcular. Segundo dados das fontes documentais portuguesas admite-se que entre 1500 e 2000 pessoas (livres e escravas), terão sido feitas prisioneiras e embarcadas para Madagáscar. Os animais domésticos - gado bovino e caprino - roubado terá atingido os dois milhares e os mantimentos centenas de toneladas.


A presença intercalada dos Sakalava, durante cerca de 17 anos, teve fortes implicações na demografia, cultura, organização social e economia do território, especialmente, no sector primário e no relacionamento, quer entre os seus diferentes grupos étnicos , quer com as várias autoridades suaílis das Ilhas índicas suas vizinhas e as autoridades Makhwa das terras firmes, que, algumas vezes, puseram de lado, as suas rebeldias e desobediências e, momentaneamente, cooperaram com as autoridades portuguesas.

As incursões malgaxes vieram realçar as contradições existentes no seio da situação colonial, destacar as forças antagónicas que se agitavam no seu interior e as dificuldades sentidas pelas autoridades portuguesas para imporem o seu poder político-administrativo e económico e para fazerem cumprir, por parte da sociedade civil, as suas normas.

Terminados os ditos conflitos armados, que causaram profundas alterações na estrutura e no funcionamento das instituições coloniais, a situação no território caracterizava-se, em 1822, por:

- uma fraca densidade populacional;
- uma distribuição espacial irregular da população, concentrada especialmente na ilha do Ibo;
- uma economia que assentava basicamente no comércio clandestino de escravos e de produtos alimentares dominado pelos Mouros da Costa, que a partir da saída dos Franceses de cena e da paralisação parcial da rede administrativa colonial do território, passariam a controlar toda a actividade comercial e a difundir os seus valores religiosos com grande à vontade entre as populações das terras contactadas, tanto do litoral como do interior.

A natureza insular do território, factor mais de repulsão do que de atracção e de desenvolvimento, as fracas possibilidades de sobrevivência - assentes basicamente no comércio - e a falta de horizontes e perspectivas futuras, levariam ao êxodo dos filhos da terra menos aventureiros e com mais posses económicas. Ao longo do tempo foram, com as famílias, abandonando as suas terras, fixando-se em locais mais seguros e promissores, como a ilha de Moçambique, outras vilas da Capitania-Geral, a Índia e o Reino. Os mais ousados e menos afortunados ficaram e continuaram a ajudar os Portugueses a permanecer e a perpetuar o seu domínio colonial, graças a uma política concreta, espontânea, de miscigenação, adaptação, integração e convívio pluri-étnico, respeitadora dos diferentes valores humanos das sociedades afectadas pelo fenómeno da colonização.

O estudo realizado vem confirmar que as políticas de contemporização, acomodação, coabitação e miscigenação, postas em prática, mais do que o resultado de acções planeadas pelo poder político colonial, constituíram uma superior adaptação ao meio, uma criação original de solidariedade comunitária, um produto da necessidade de sobrevivência e resolução, em comum, dos problemas que enfrentavam colonizadores e colonizados, embora os antagonismos e os conflitos dos respectivos interesses. Concretamente, a prática conjugada de tais políticas teve como resultado a manutenção da situação colonial, mesmo nos períodos mais críticos, designadamente durante os golpes desferidos do exterior, a qual, a partir do 2º quartel do século XVIII, iria servir de suporte ao intenso tráfico esclavagista que se desenvolveu em Moçambique e em toda a costa índica de África, no qual as Ilhas e terras firmas e os seus moradores tiveram uma participação muito activa.

Durante os cerca de 80 anos, tal o tempo que abarca a tese apresentada, continuou, embora mais atenuadamente, relativamente a períodos anteriores, o processo de interpenetração e de síntese das culturas em presença (suaíli, mwani, makhwa, makonde, yao, portuguesa e francesa), com trocas recíprocas entre elas, embora menos profundas em relação à cultura europeia/portuguesa.

A concretização do projecto de investigação levado a cabo vem confirmar, por um lado, as potencialidades e a fecundidade da informação oferecida pela documentação escrita, quando articulada com os dados recolhidos directamente no terreno sempre que se pretende compreender e interpretar, em termos de processos ecológicos e sócio-antropológicos, o sentido dos factos sociais de um determinado período histórico e a riqueza, diversidade e o significado da vida humana em diferentes contextos e as suas vicissitudes temporais e espaciais. Por outro lado, realça, apesar das diferenças sócio-culturais, económicas e religiosas existentes, e das situações de conflito e de violência, por vezes geradas em tais situações, o convívio, a solidariedade e a coabitação, no mesmo espaço, entre os membros dos diversos grupos étnicos, com modos de vida e credos religiosos diferenciados e até antagónicos, que integravam a realidade humana, constituída pelas Ilhas e terras adjacentes.

Finalmente, o estudo concretizado, para além do contributo que possa representar para o aprofundamento do conhecimento sobre estas formas específicas de vida em comum e as inter-relações que se estabeleceram entre a África e a Europa e o papel que neles teve o Oceano Indico, constitui uma preciosa achega não só para desmistificar as ideias-fantasma relacionadas com os processos de colonização e descolonização, como também para ultrapassar o sentimento de culpa ainda persistente entre os europeus relativamente aos seus antigos domínios coloniais, ideias que em nada ajudam o novo relacionamento entre as antigas metrópoles e os novos países independentes libertados da situação colonial.

7 -Mulheres mestiças da elite local, de rara beleza, ficando conhecidas por brancas do Ibo. Para mais pormenores vidé BENTO, op, cit. p. 77.

8 - Povos de Madagascar que, entre 1800 e 1817, saquearam, por várias vezes o território.Ver BENTO, op. cit. II Vol. pp 592 e seguintes que faz uma análise profunda sobre as várias invasões e sobre as suas implicações na situação colonial.

9 -BENTO, op.cit. p.575 e segts, Vol II.

1/12/09

Retalhos da História de Cabo Delgado: As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

Depois de um período de alguma prosperidade na passagem do século XVI para o século XVII, em que havia 11 ilhas habitadas e algum comércio, sucedeu o período da decadência portuguesa no Ìndico e a perda de Mombaça, a intensificação do tráfico da escravatura na região e as ilhas Quirimbas entraram em declínio.

De acordo com o comandante Leotte do Rego, em meados do século XIX só 4 ilhas do Arquipélago das Quirimbas eram habitadas: Ibo, Quirimba, Mefunvo e Matemo.

"Algumas dessas ilhas foram habitadas, em tempos mais ou menos remotos; o solo era cultivado; e ainda hoje por lá existem ruínas das antigas edificações, na maior parte conventos. De facto, n'essas regiões, os estabelecimentos portuguezes reduziam-se a isso.
O antigos colonos, pouco numerosos, e em pouca segurança na costa, fundavam as feitorias nas ilhas, de preferência ao continente, onde os indigenas os não deixavam em paz."(*79)

Informa, ainda, que "de todos aquelles estabelecimentos, apenas hoje existe o Ibo; os outros foram devastados por uma horda de Sakalaves, do Madagascar que, por 1837, saindo da sua ilha, infestaram as Comores, passaram às Querimbas e parece que à própria costa de Cabo Delgado.
Na ilha Quiziva, existem as ruínas de uma casa e cisterna ainda com água; na Macalue, os alicerces de um edifício; na Amiza, as paredes de uma ermida, que foi também hospicio dos jesuitas; no Namego um poço com água salobra."

A consolidação da soberania portuguesa na região e a criação de Porto Amélia e Palma, como também de Mocimboa da Praia alguns anos depois, não foram suficientes para atrair de novo as populações das ilhas, enquanto o Ibo entrava em decadência.

Em meados do século XIX, quando a vila do Ibo florescia e já era a capital das Quirimbas, tinha 2422 habitantes, cerca de 20 casas e 400 palhotas, um governador e um posto da alfândega. O forte de S. João Baptista estava fortificado com 17 canhões e era guarnecido por uma companhia de infantaria, enquanto os dois fortins dipunham de 13 peças.

Em 1859 escrevia Lopes de Lima, citado por João Loureiro, que "há no centro da povoação um passeio público, simetricamente arruado com árvores frondosas, tendo numa extremidade a igreja matriz e na outra a nova residência do governador".(*80)

Na segunda metade do século XIX as autoridades portuguesas procuraram definir as suas fronteiras a norte da costa moçambicana até à foz do rio Rovuma e a presença naval tornou-se gradualmente mais frequente.

Porém, o comandante Augusto Castilho depois de recordar os portos e desembarcadouros existentes entre as ilhas do arquipélago e entre elas e a costa, diz que "é muito fácil fazer-se contrabando em muitos deles, pois nada impede que um pangaio venha da Índia carregado de fazendas e vá desembarcá-las em qualquer ponto, visto ser quase nula a nossa fiscalização".(*81)

A fiscalização da extensa costa de Cabo Delgado em 1884, segundo Augusto Castilho, "é feita por dois objectos fluctuantes, um pouco parecidos com navios, construídos ali por um zeloso governador, official de infantaria, muito conhecedor de legislação militar.
Um d'esses objectos a que chamam hiate, a quem deram o nome de Mello Gouveia, e que traz içada a flâmula, virou-se quando o lançaram ao mar, e para conseguirem que tivesse estabilidade e podesse ir até Moçambique, tiveram que lhe encher o porão de pedras e peças velhas.
O outro objecto fiscalizador, que chamam chalupa Andrade Corvo, pouco peior é do que o precedente. O que vale para que os tripulantes de ambos estes pseudo-navios não andem constantemente com o credo na boca, é em primeiro logar serem elles mouros e por conseguinte incrédulos, e em segundo logar passarem a maior parte do tempo(os objectos) em concertos na praia.
Parece-me que o governo devia ser coherente, e assim como creio que não consentiria que um official da marinha dissesse missa, também devia severamente prohibir que um official de infantaria se atrevesse a construir navios. Emquanto os dois ex-ministros quem quiseram honrar, já há muito que deveriam ter querellado da supposta honra."

No seu projecto de orçamento das receitas e despesas da província de Moçambique, António Enes propunha no relatório que apresentou ao governo em 1893, a instalação da administração pública no concelho do Ibo, onde se incluiam a colocação de comandantes militares no Ibo, Palma e Mocimboa, além de outros agentes públicos no concelho do Ibo, como um delegado de saúde, farmacêutico e enfermeiro, um juiz da comarca, uma delegação da fazenda, uma alfândega, missionários e professores da instrução primária nas freguesias do Ibo e Quirimba e, ainda, delegados da capitania dos porto no Ibo, Palma e Mocimboa.

Em finais do século XIX a recém formada Companhia do Niassa estabeleceu a sua sede no Ibo, a administração foi instalada e a vila cresceu. Para além da igreja matriz e do forte que então só tinha 15 peças de artilharia e que no interior dispunha de alojamento para 300 homens, surgiram novos edifícios, como a Intendência do Governo, o Tribunal da Comarca, a sucursal do Banco Nacional Ultramarino, o Teatro Iboense, várias agências de navegação, sete consulados estrangeiros e escritórios de advogados.(*82)

Em 1904, o comandante Leotte do Rego referia que a vila do Ibo dispunha de "grande número de habitações regulares, distribuídas em 10 ruas, com 25 ou 30 edifícios de alvenaria, com um andar e terraço vasto, com mais de 400 casas de madeira, barradas por fora e por dentro caiadas, cobertas de folhas de palmeira a que os naturais chamam macuta. No centro da povoação há um grande jardim público, simetricamente arruado, tendo as árvores mais frondosas da ilha; e junto dele fica, de um lado, a igreja matriz, e, do outro, a residência do governo. Nos arredores da vila não há mais de 300 ou 400 palhotas, mal construídas, mas alinhadas".(*83)

*79 - Leotte do Rego, Op. cit., p. 19.
*80 - João Loureiro, Postais Antigos da Ilha de Moçambique & Ilha do Ibo, p. 12.
*81 - Augusto Castilho, Relatório acerca de alguns portos da província de Moçambique, p. 51;
*82 - João Loureiro, Op. cit., p. 12.
*83 - Leotte do Rego, Op. cit., p. 90.

--> Continua.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.

O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

- Do mesmo autor neste blogue:

  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!


  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!


  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de Mocimboa da Praia - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 1 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 2 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 3 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - A Ilha do Ibo - Aqui!

- Outros post's deste blogue que falam do Ibo e região, com textos e documentos do também historiador e profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas e de Moçambique, Dr. Carlos Lopes Bento - Aqui, aqui, aqui!

11/28/08

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento, parte 4.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.

O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações e continuamos daqui:

PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(Antropólogo e professor universitário)

Continuando...
... ...haver a preocupação de confirmar ou desmentir os factos que serviram de base aos seus trabalhos, aceitando-os sem grandes cuidados de crítica e de análise, como verdadeiros.
Estes são alguns dos dados, produto de uma investigação aprofundada sobre as fortificações da Ilhas de Querimba, sujeitos a alterações sempre que novas pesquisas os infirmem.
Julgo que está justificada a sua divulgação.

BIBLIOGRAFIA
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO
* Códice 1310 - Registo de Instruções (...) e de todas as cartas e mais papéis de serviço que este governo escreveu para os portos de Sena, Quelimane, Sofala, Inhambane, Ilhas de Cabo Delgado e Goa (1753-1756), p.p. 135 e segts..
* Códice 1312 - Sinopse das nomeações e promoções da Administração Civil e Militar (1753-1761).
* Códice 1321 - Copiador de Cartas (1760-1767).
* Códice 1322 - Copiador de Cartas (1760-1778).
* Códice 1352 - Registo dos termos de posse, cartas e ordens do Cap. Gen. de Moç. para o Cap.-Mor das Ilhas (1768-1796).
* Códice 1355 - Registo de portarias, patentes, provisões, cartas de sesmaria, alvarás e alguns treslados de bandos.
* Códice 1427 - Registo de correspondência com as Ilhas de Cabo Delgado (1828-1848), p.p. 161.
* Códice 1474 - Registo do termo de criação da Alfândega e Alvará dos direitos da mesma.
* Códice 1475 - Livro dos registos oficiais do feitor das Ilhas de Cabo Delgado e Balanço Anual da sua receita e despesa (1787-1810), p.p. 170.
* Códice 1477 - Registo do Regimento da Alfândega e de correspondência oficial (1785-1817).
* Códice 1478 - Registo de correspondência oficial do Cap. Gen. de Moç. enviada aos capitães comandantes das Ilhas de Cabo Delgado (1786-1821), p.p. 170.
* Documentação Avulsa de Moçambique - 2ª Secção


Manuscrita
Nº 513 - Plano e perfil da Fortaleza que o IIImº e Exmo. Snr. Governador, Capitão General de Mossambique, António Manuel de Melo e Castro, mandou fazer na Ilha do Ibo, Capital das de Cabo Delgado, que dezenhou por ordem do mesmo Snr. o Cappitão da Primeira Companhia de Granadeiros da Praça de Mossambique António José Teixeira Tigre (c. 1791).
Nas 524-525 - Planta do forte velho da Ilha do Oybo, Capital das de Cabo Delgado/Planta A (tem legenda, c. 1791).
Nº 560 - Planta/Da Fortaleza/De São João da Ilha/do Oibo, com Legenda/levantada em Maio de 1817/Pelo Capitão de Artilharia/António Francisco/de Paula e Hollanda Cavalcanti. [Petipé de] 30 braças [e de] "30 pés"; D. 367x236; MS; Color; Av.


Impressa
Nº 181 - Planta do Forte Velho da Ilha do Ibo, Capital de Cabo Delgado. 0,245x0,390, colorida. Ver Ofício do Governador António Manuel de Melo e Castro, datado de Moçambique, 22/8/1791. Enc. VIII.
Nº 183 - Planta da Fortaleza de São João da Ilha do Ibo. Levantada em 1817, pelo Capitão de Artilharia António Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti. 0,368x0,495, colorida.
Nº 184 - Planta da Fortaleza de São João do Ibo das Ilhas de Cabo Delgado. Tirada em 6/7/1831 e oferecida à Correcção do Governador e Capitão General da Capitania de Moçambique Paulo José Miguel de Brito. 0,330x0,330.

NOUTROS ARQUIVOS E BIBLIOTECAS
BOCARRO, António - "Descrição das Ilhas de Querimba". In Fortalezas Portuguesas de África, B.N., Códice 11057, fls. 12 e 13.
BOTELHO, José Justino Teixeira - "O Naturalista Manuel da Silva e as suas Excursões Científicas a Moçambique nos Fins do Século XVIII". In Separata do Boletim da Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa. Coimbra, 1927.
- "A Primeira Carta Orgânica de Moçambique". In Boletim da Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa, Nova Série, Vol. I, 1929-1930, Outubro, p.p. 24-32.
- História Militar e Política dos Portugueses em Moçambique, da Descoberta a 1833. Lisboa, Centro Tipográfico Colonial, 1834, 2 Vols..
GALVÃO, Henrique e SELVAGEM, Carlos - Império Ultramarino Português - Monografia do Império. Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1953, Vol. IV, p. 440.
MONTEIRO, Fernando Amaro e VERIN, Pierre - "Sites et Monuments de Madagascaret de l'Océan Indian - Notes sur Ibo, Ville du Mozambique attaquée par les Sakalava". In Bulletin de Madagascar, Octobre/Novembre, 1970, nas 293 e 294, p.p. 187-189, mapa e foto.
REGO, Jaime Daniel Leote do - Guia de Navegação do Canal de Moçambique. Lisboa, I.N., 1904.
REIMÃO, Gaspar Ferreira - Roteiro da Navegação e Carreiras da Índia, com os seus Caminhos, e Derrotas, Sinais ... (25/3/1600), tirado do que escreveu Vicente Rodrigues e Diogo Afonso, pilotos antigos, agora novamente acrescentado, por Gaspar Ferreira Reimão ... piloto-mor destes Reinos de Portugal. Lisboa, B.N., Códice 1333, 1612 e A.G.C., 2ª Edição, Códice 1939.
SOUSA, A. Gomes e - "As Ilhas Quirimbas". In B.S.E.M., Ano XXIX, nº 122, Maio/Junho, 1960, p.p. 127-478.
TORRES, José de Castelo Branco Ribeiro - "Resenha Histórica do Regulado da Arimba". In Moçambique - Documentário Trimestral, nº 5, 1936, p.p. 123-127.
- "As Ilhas de Quirimba". In Moçambique - Documentário Trimestral, nº 12, Outubro/Dezembro, 1937, p.p. 107-111.
- "Os Portugueses e as Ilhas de Querimba". In Moçambique - Documentário Trimestral, nº 15, Julho/Setembro, 1938, p.p. 71-85.
Moçambique- Documentário Trimestral, nº 8, Outubro/Dezembro, 1963, p.p. 83-88.
REGO, Jaime Daniel Leote do - Guia de Navegação do Canal de Moçambique. Lisboa, I.N., 1904.
VERIN, Pierre - "Observations Preliminaires sur les Sites du Mozambique".In AZANIA, Vol. V, Dar-es-Salam, Azania, 1970, p.p. 184-188, 1 mapa.

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento, parte 3.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.

O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações e continuamos daqui:

PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(Antropólogo e professor universitário)

Continuando...

Como opção e em sua substituição, para segurança das Ilhas, bastaria proceder à instalação de "uma companhia com o seu capitão, condecorado com algum título", que, com a ajuda da gente da terra, teria capacidade para repelir qualquer ataque do inimigo. Havia a convicção de que os "paisanos cafres e mouros que são os mais poderosos" prestariam valiosa colaboração, que viriam a dar aos Portugueses em momentos decisivos, como, aliás, se verificaria, durante os ataques dos Franceses, em 1796 e Sakalava, a partir de 1800, por não desejarem sujeitar a sua liberdade ao domínio de outras nações que consideravam de cruéis.
As opiniões continuavam a divergir, e à tese dos que defendiam a não construção de uma fortificação, como meio de manter e conservar as Ilhas "debaixo do domínio português", juntava-se outra, segundo a qual seria suficiente, para fiscalizar o porto de desembarque, uma guarnição militar e o levantamento de "uma faxina, com parapeito de mar, de pedra, sobre o canalzinho que está na ponta da Ilha e de onde somente possam laborar 5 peças de calibre 18 e juntamente se arvorará um pau de bandeira".
A antiga ideia da construção de uma obra de defesa vem a ser concretizada quando da implantação, na ilha do Ibo, da nova capital das Ilhas, que teve lugar no ano de 1764. Assim o confirma a nova Câmara e seus vereadores:

Atestamos nós os vereadores da Câmara desta nova vila de São João do Ibo, capital das do Cabo Delgado, com os mais moradores abaixo assinados, em como, aos dezasseis do mês de Junho da era abaixo, chegou a estas Ilhas o Sr. Caetano Alberto Judicie sargento-mor de infantaria, com exercício na Praça de Moçambique, capital deste Estado e nele Comandante da Artilharia, vindo despachado em comandante destas Ilhas, o qual, logo em execução das ordens que trazia (...) estabeleceu em um bom terreno desta ilha do Ibo, a nova vila à qual deu o nome de São João do Ibo, dividindo o terreno em ruas e travessas de boa largura, pondo marcos nos ângulos em que as ruas encontram as travessas. Criou a nova Câmara, fez uma cadeia, de duas casas.
Levantou um pelourinho, tudo à imitação das melhores vilas do Reino, em uma boa praça e no melhor sítio da vila, eleito pelo povo que se achava presente, para a comodidade de todos. Além das referidas obras fez dois armazéns (...). Depois de que construiu um Forte em redentes a que deu o nome de Santa Bárbara (...) e logo junto ao Forte teve o honorífico trabalho e honra de arvorar a Bandeira de El-Rei ...(1).

As obras iniciadas depois de Junho de 1764, viriam a ser concluídas no mês de Dezembro desse mesmo ano.
Este pequeno forte que demora a SW da Ilha, junto ao porto de cabotagem e de pesca, construído de pedra, terra e cal, mede 3,49 m de altura, tendo de parapeito 1,50 m. Estava artilhado, em 1810, com 1 peça de calibre 3, 1 de calibre 4 e 1 de calibre 6, a que se juntava mais a artilharia de campanha (incapaz), constituída por 1 peça de calibre 2 e 2 peças de calibre 3. Nos meados do século XIX continuava guarnecido com 7 bocas de fogo, de ferro. Teve, com o decorrer do tempo, funções militares, de cadeia e de alfândega.
A informação documental recolhida é omissa quanto às razões da escolha de Santa Bárbara para designar o primeiro forte construído pelos portugueses nas Ilhas. Poder-se-ão ligar à data de finalização da obra, mês de Dezembro, que coincide com a festa em que se homenageia aquela Santa, celebrada em 4 de Dezembro ? ou terão alguma coisa a ver com o facto do Governador Caetano Alberto Júdice estar ligado à arma de artilharia, de que a dita Santa é protectora? ou a ambos os factos?. Para além de outras explicações que venham a ser dadas, admite-se serem os dois motivos apontados os principais responsáveis pela evocação do forte a Santa Bárbara, não pondo de parte qualquer tempestade com fortes trovoadas, surgida durante a construção que levasse ao pedido de intervenção daquela Santa.
A designação inicial dada a este forte foi efémera e não se encontra referida na documentação emanada de Moçambique para a Corte, referindo-se a Capitania Geral na sua correspondência para Lisboa apenas a "uma fortaleza com toda a artilharia necessária" ou "um reduto com 7 peças de artilharia". Nos anos posteriores à sua construção é conhecido por "forte do Ibo", "pequeno forte ou reduto" e "antigo forte" e, somente, a partir de Agosto de 1809 aparece a sua evocação a São José, que perdurou até aos nossos dias. Não existe, por agora, explicação para esta nova designação.

FORTALEZA DE SÃO JOÃO BAPTISTA

A total ruína e as fracas possibilidades de defesa que oferecia o forte de São José como consequência da sua má e irregular construção e implantação em terreno arenoso impróprio e das despesas avultadas exigidas para a sua restauração, aconselhavam a "fazer- se antes outro forte novo em terreno melhor para segurança da mesma construção como vantajoso para a defesa dessa Ilha e sua barra do que reparar-se a ruína do velho (...) V.M. proporá a construção de um novo forte no sítio vantajoso ...". No entanto, anos mais tarde, num novo contexto geo-político, o velho forte viria a ser reactivado.
De acordo com estes objectivos, o Governador das Ilhas escolheu o local, desenhou a planta(2) e propôs a construção de uma fortaleza em forma de pentágono regular.
As obras principiaram, em 25/5/1789, com a ajuda de oficiais, cabouqueiros e serventes, vindos de Moçambique e por "serventes e gente de picareta que eram soldados, adimos ou cafres forros, e escravos de alguns moradores e do dito Comandante Tigre, fazendo-se o seu pagamento em milho, aguardente, fato e dinheiro.
Estavam em vias de conclusão nos finais de 1794, embora existam 2 lápides (réplicas) situadas sobre a porta de armas e sobre o túnel de entrada, que apontam para data diferente. Na primeira pode ler-se: "Sendo Governador e Capitão General deste Estado o IIImo. e Exmo. Snr. António Manuel de Melo e Castro se fez esta fortaleza no ano de 1791", enquanto que na segunda: "O Capitão de Granadeiros António José Teixeira Tigre comandando estas Ilhas fez esta fortaleza no ano de 1791". Razões, manifestas e latentes, de ordem pessoal, profissional e política estarão na base desta diferença de datas.
Esta fortaleza, dedicada a São João Baptista, padroeiro da ilha do Ibo, denominação que em 1764 foi dada à Vila do Ibo, que passou a chamar-se “ Vila de São João do Ibo” foi construída em pedra talhada, extraída localmente, tendo no seu interior sido erguida uma capela militar que, depois de ali ser colocada a imagem daquele Santo, foi, convenientemente, ornamentada.
Demorando a NO da Vila, assenta em rocha firme, junto ao mar, mede 3,80 metros de altura e 1,36 metros de parapeito e cada uma das 5 estrelas do pentágono tem 50 metros de extensão. A sua área total é de 6400 metros quadrados.
Nos anos finais da sua construção, a "nova fortaleza", juntamente, com o "forte velho" dispunham das seguintes peças de artilharia: 2 de calibre 2; 6 de cal. 3; 3 de cal. 4; 1 de cal. 6; 8 de cal. 8; 2 de cal. 9; e 1 de cal. 12; num total de 23. Como pertenciam ao "forte velho" 10 peças restavam para a Fortaleza de São João Baptista 13, algumas delas em mau estado por já terem sido usadas em navios. Em 1810 estava equipada artilharia de vários calibres(3).
Ao onstruir-se esta fortaleza tinha-se pensado nos ataques dos inimigos vindos do mar, não se imaginando que um dia seria necessária também a defesa das ameaças provenientes da própria ilha do Ibo. Aconteceria com os Sakalava que, por terra, a partir da Ilha de Querimba, tentaram, mais de uma vez, tomá-la de assalto.

REDUTO DE SANTO ANTÓNIO

Na opinião do novo Governador das Ilhas José António Caldas, as alterações efectuadas no fortim de São José parecem não terem resolvido o problema da defesa da Capital do território, que continuava a ser nula "porque a fortaleza que aqui está não defende nem a entrada do porto nem a terra, apenas pode servir para recolher uma pequena parte de indivíduos da Vila".
De modo a atenuar estes graves inconvenientes e acalmar os moradores em pânico, construiu, numa primeira fase, para protecção da povoação "três redutos de estacas e faxina, com artilharia, que cruzam os fogos de um a outro e com a fortaleza e para esse efeito tirou da fortaleza 12 peças para as guarnecer e evitar os acontecimentos de 1808 em que tudo ficou reduzido a cinzas e nem a Igreja escapou"(4).
Não contente com este novo sistema, muito frágil, optou por tornar a sua construção mais sólida e definitiva. Como a segurança da Vila dependia de estar fortificado o passo em que se fez o reduto de Santo António, que era de estacas e de faxina, congemina um novo plano e informa o Capitão General ter consultado os habitantes da Vila, propondo-lhe que seria de grande utilidade e respeito fazer-se ali um forte de pedra e cal.

  1. A.H.U., Doc. Av. Moç., Cx. 24, Doc. 84, Atestado de 25/12/1764. Assinado por 26 moradores, todos cristãos. A estas obras acrescentava o Cap. Gen. uma pequena igreja (Códice 1321, fls. 191, Carta de 20/8/1766, do Cap. Gen. para o Reino).


  2. Idem, Doc. Av. Moç., Cx. 63, Doc. 17, Carta de 20/5/1792, do Cap. das Ilhas para o Cap. Gen., em que se dá conta que foi encarregado de tirar plantas da fortaleza nova e da Ilha do Ibo, o Capitão Carlos José dos Reis e Gama, plantas que não se encontraram


  3. Idem, Ibid, Cx. 133, Doc. 48, Carta nº 440, de 31/7/1810, do Cap. das Ilhas para o Cap. Gen..


  4. A.H.U., Doc. Av. Moç., Cx. 151, Doc. 101, Carta nº 541, de 3/12/1816, do Cap. das Ilhas José António Caldas para o Cap. Gen...

Por a Fazenda Real não dispor de verbas nem tão pouco haver autorização para a realização desta obra, a mesma população aprovou, prontamente, a diligência "concorrendo todos para esta obra" que teve início nos finais de 1818. A pedra talhada utilizada na dita obra veio de uma casa que se fez demolir, e que, no passado havia servido de cadeia pública da Vila.
A escolha da sua forma quadrada foi justificada pelo facto de ter de "defender 3 lados e outro também se precisa caso tenhamos a infelicidade do inimigo por algum descuido poder entrar". Esta pequena fortificação constituiria, nas palavras do Governador, uma flecha no intervalo da fortaleza e do forte que permitiria uma boa defesa para a ilha do Ibo, sem receio de poderem entrar os Sakalava.
A nova construção foi sancionada por Moçambique que incita o Governador José António Caldas que a planificou e mandou executar, "a concluir a obra no tempo de seu Governo para glória sua e benefício público, pois sua Magestade não deixará de remunerar este serviço".
Em estado de adiantamento nos princípios do ano de 1819 viria a ser dada como acabada nos meados desse mesmo ano quando o dito Governador Caldas terminou a sua primeira comissão.
Ainda que custeado pela população ficaram por liquidar 843 cruzados em dinheiro e 40 alqueires de milho, gastos no pagamento de pedreiros e serventes cativos, produto proveniente do rendimento da Alfândega, não remetido a Moçambique, mas, ilegalmente, depositado, por ordem do Governador, na mão de um particular, com o consentimento do respectivo Juiz.
Situado a SSE da Vila o reduto (em Kimwani =rituto por corruptela) de Santo António, sito na extremidade da Vila e perto da praia, está assente em pedra corálica, possuindo uma construção idêntica às duas outras fortificações. De forma quase quadrada, mede 16,75 metros de frente e 17,35 metros de fundo, rondando a altura da muralha 1,93 metros e o parapeito 1,43 metros. No centro do forte eleva-se um baluarte com a altura de 3,5 metros, com as dimensões de 7,58 metros de frente e 7,64 metros de fundo. Deste local, onde estava um mastro destinado a içar a bandeira real, se avistavam as embarcações a grande distância e se transmitiam as ocorrências, através de sinais, à residência do Governador.
No frontispício deste pequeno forte ainda se encontrava, em 1974, uma lápide cujos dizeres: "MANDADO FAZER EM 1847 POR T. V. N. FERRARI, GOV. DESTAS ILHAS", não estão de acordo com a realidade e terão induzido em erro muitos dos estudiosos que lhe dedicaram a sua atenção. Naquela data ter-se-ia procedido a grandes reparações, mas não à sua construção de raiz, realizada 30 anos antes, aproveitando-se o Governador do facto para se glorificar e perpetuar a sua memória. Em 1969 este reduto servia de cadeia civil (calabouço).
No que respeita às razões que terão levado à sua evocação a Santo António, os documentos compulsados são inteiramente silenciosos. Poder-se-ão ligar ao facto do Governador responsável pela sua construção ter chegado ao Ibo nas proximidades dos festejos populares (tomou posse em 21/6/1816), ao que parece celebrados, intensamente, pelos membros das Ilhas, ou ao facto das obras terem início próximo das festas de Santo António ou ainda ao facto do próprio Governador querer ligar o seu nome a este forte?. São três hipóteses que se levantam e deixam por comprovar.
A fortaleza de São João Baptista, o fortim de São José e o reduto de Santo António, estavam dispostos de forma estratégica, ficando cada um deles sediado nos vértices de um triângulo que continha a Vila de São João do Ibo, no seu interior.
Muitos estudiosos têm-se debruçado sobre estas três obras militares, construídas pelos Portugueses, mas nem sempre as datas da sua construção estão conformes com as evidências factuais. Há divergências em relação ao forte de Santa Bárbara, mais tarde de São José, à Fortaleza de São João Baptista e ao reduto de Santo António, o primeiro levantado em 1764, o segundo entre 1789 e 1795, e o terceiro, em pedra e cal, em 1818 e 1819. Teixeira Botelho assegura que "só em 1760 se construiu um forte na Ilha do Ibo"(1). Gomes e Sousa opina que a Vila do Ibo começou a ser fortificada em 1754 e tendo mais tarde, em 1791, sido construídos a fortaleza de São João Baptista, o forte de São José, em 1816, e o forte de Santo António, em 1847(2). Ribeiro Torres atesta que António de Melo e Castro (...) de 1756 a 1763, "constrói as duas fortalezas de São João e Santo António ..." (3). Leote de Rego fornece a indicação de que a fortaleza de São João Baptista foi construída em 1754 e reconstruída em 1791(4). Amaro Monteiro e Pierre Verin adiantaram as datas de 1791 para a edificação da fortaleza de São João Baptista e de 1847 para o do forte de Santo António(5). Estas discrepâncias de datas devem-se à falta de consulta sistemática das principais fontes documentais primárias e fontes documentais secundárias fidedignas e, ainda, ao facto de nem sempre ... ...

  1. Op. cit., Vol. I, p. 434.


  2. Op. cit., p.p. 136 e 137.


  3. Op. cit., p. 83.


  4. Op. cit., p.p. 90 e 91.


  5. Op. cit., p. 188.

- Continua em próximo post...

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento, parte 2.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.

O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações e continuamos daqui:
PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(Antropólogo e professor universitário)



Continuando...

FORTIM DE SÃO JOSÉ

As autoridades de Moçambique e da Índia, a partir do primeiro quartel do século XVIII, face ao constante aumento de interesse dos Franceses e Ingleses por Moçambique, excelente território para o fornecimento, em condições vantajosas, de escravos, começaram a preocupar-se, seriamente, com as Ilhas de Querimba ou de Cabo Delgado e com a sua defesa, uma vez que estava em jogo a segurança a Moçambique, da capital da Capitania Geral e demais portos da sua jurisdição.

Com o desenvolvimento do tráfico de escravos e consequente aumento do comércio clandestino, as autoridades portuguesas, sem meios de acção, foram perdendo prestígio e capacidade para gerir uma situação cada vez mais complexa e difícil de controlar.

As Ilhas que, até então, tinham constituído uma eficaz e firme barreira, pelo norte, do restante território sob o domínio português, encontravam-se, nos meados daquele século XVIII, sem qualquer fortificação digna desse nome e "em tais termos que é providência grande de Deus não se ter inserido nelas alguma nação estrangeira, mui, especialmente, naquelas que ficam mais a norte, vizinhas de Cabo Delgado, por lá não residir homem branco algum e aqueles cafres serem de condição de amigos de novidade ... ."(1)

Receava-se a perda das Ilhas de Cabo Delgado e, com a sua queda, de todo o território moçambicano. Para ultrapassar esta fase crítica, o Governo da Índia fizera saber a Lisboa da conveniência de "fortificar-se alguma das Ilhas para ao menos se arvorar uma bandeira da nação, porque de não a haver, tomam os Franceses pretexto para entrar nelas".

As suas condições eco-geográficas limitariam essa escolha, pois, nem todas poderiam "ser fortificadas por não haver nelas portos capazes de ancorarem navios e somente na Ilha do Ibo há uma grande baía de fundo para todo o lote de naus e junto a ela uma coroa de areia capaz de fortificação, a qual se deve erigir e por nela um capitão-mor com guarnição (...), porque doutra sorte se virão a perder e por ali entrava primeiro a ruína desta conquista toda". Reconhecia-se a importância e a necessidade urgente de uma obra de defesa, indispensável para proteger a barra do Ibo, manter o respeito dos habitantes ao seu Governador, conter "os diferentes régulos da terra firme com que avizinham, de cujo comércio dependem inteiramente as mesmas Ilhas". Mas mais do que essa obra, procurava implantar-se novos símbolos que aos olhos das populações locais, submetidas ou não, e dos estrangeiros, demonstrassem mais poder, autoridade e força.

Os levantamentos prévios da área pareciam apontar para a escolha da ilha do Ibo, que era aquela que oferecia melhores condições para a implantação de uma fortaleza.

Por influências de moradores locais ou por outras razões, para as quais, por agora, não se encontram explicação, optou-se pela ilha de Matemo, que com as ilhas do Ibo e Querimba forma uma enseada e um surgidouro, sendo o mais capaz e mais seguro o situado "entre a Ilha do Ibo e a terra firme, porquanto todo o fundo é limpo de pedra e consiste o fundo de areia e erva."(2)
As Instruções de 21 de Julho de 1753, provenientes de Moçambique não deixavam quaisquer dúvidas, ao determinarem que na parte sul da ilha de Matemo deveria ser erigida "uma fortificação no melhor terreno e paragem que achar para defender a entrada da barra", sendo suficiente que dispusesse de "uma bateria sobre o canal, que o defenda, capaz de sete ou oito canhões e algum fogo nos lados quanto baste a fazê-la defensável e com a capacidade de ter dentro dos quartéis, para água da guarnição(...) cisterna ou poço de que beba"(3). Para as Ilhas e segundo as mesmas Instruções, foi mandado, expressamente, um Capitão Engenheiro com a missão de examinar:
  • 1- O local mais vantajoso para a nova fortificação;
  • 2- Se no mesmo local existia pedra para a construção e da qual também se pudesse fazer cal, de modo a evitar as despesas de transporte de Moçambique e, igualmente, se havia lenha perto para os fornos de cal;
  • 3- Da existência de ostras na marinha próxima ou de pedra do mar, que localmente é designada por momba de que se faz a melhor cal, devendo na recolha de informação para além de ver, ouvir as pessoas práticas das Ilhas e o Juiz delas;

  1. A.H.U., Doc. Av. Moç. Cx. 6, Doc. 14, Carta do Cap. Gen. para o Reino, de 11/10/1745.


  2. B.N., Códice 617, cit., fls. 13v. O Capitão da Fragata levava ordens expressas para fazer "certa diligência nas Ilhas de Querimba" e para esse efeito se chegaram "para elas para melhor as conhecer". É bem provável que esse reconhecimento estivesse ligado à construção da futura fortificação.


  3. A.H.U., Códice 1310, que contém as Instruções para o Levantamento da Fortaleza da Matemo, de 21/7/1753, dadas ao Cap. Engº António José de Melo, fls. 6, e Carta de 22/7/1753, do Cap. Gen. para o Cap. das Ilhas.

  • 4- O fundo existente entre os canais que separam as diferentes ilhas, elaborando um Mapa de todas elas em que esteja desenhada a fortificação projectada na ilha de Matemo, como também de toda a costa que corre até Moçambique.
Deveria ainda o mesmo oficial elaborar o orçamento das despesas previstas para pessoal, material e fretes, fornecendo indicações sobre o número de oficiais e serventes necessários e o tempo julgado indispensável para a conclusão da obra.
No iate que transportou às Ilhas o dito Capitão Engenheiro e os seus colaboradores, seguiriam, a fazer de lastro, "vinte pipas de cal e vinte milhares de tijolo, a maior parte quebrado" e ainda alavancas, enxadas e picaretas, destinadas a principiar a construção da fortaleza que foram dados à guarda do único português morador na ilha de Matemo.
Antes do início das obras, previsto para Outubro de 1753, com a ajuda de oficiais vindos de Moçambique, havia que preparar, localmente, grande quantidade de cal que seria paga a seis cruzados o moio. Os habitantes das ilhas de Matemo e da Querimba foram convidados a manufacturar 500 moios de cal (chunambo), que seriam pagos em panos.
Tratava-se de uma construção dispendiosa para as débeis disponibilidades financeiras da Fazenda Real, apenas possível, com a ajuda dos foreiros e demais autoridades auxiliares e respectivas escravaturas.
As dificuldades financeiras porque passavam os senhores das Ilhas e algumas daquelas autoridades, especialmente, as cristãs, levou o Capitão General a estender o seu pedido de auxílio à comunidade islâmica, considerada mais obreira e próspera, mas nem sempre colaborante com os detentores do poder colonial.
Os trabalhos topográficos e hidrográficos executados na área levaram à conclusão de que a "fortaleza deve fazer-se na ilha do Ibo porque fica mais próxima ao canal do que a de Matemo" (1), que não tem barra capaz.
A este contratempo outros se iriam somar, que seriam responsáveis pelo atraso no início das obras. Apesar de facilitadas, pela existência próxima de pedra, tanto para as fundações e paredes como para o fabrico de cal, elas não arrancariam pelo facto de não haver oficiais em Moçambique e os 20 recrutados em Damão e Diutardarem a chegar.
O atraso constatado no começo do forte viria a ser aproveitado politicamente para denegrir a acção governativa de um Capitão Generalque era acusado e responsabilizado por algumas desordens provocadas por um mouro da ilha de Querimba, apenas possíveis por não estar construída a fortificação, que, aliás, o mesmo Capitão General achava indispensável para evitar o ingresso de navios estrangeiros nas ditas Ilhas.
Mas as coisas em vez de se tornarem fáceis complicavam-se. O Conselho Ultramarino solicitava a Moçambique, em 23/5/1758, Parecer sobre as fortificações levantadas e por levantar nos portos da costa de Moçambique. Em resposta o Capitão General, no que respeitava às Ilhas de Querimba, prestava uma informação que parecia contrariar todas as expectativas até então existentes. Pura e simplesmente manifestava a opinião "de que na Ilha do Ibo, cuja barra é capaz de nela entrar toda a sorte de embarcações (...) não deve haver fortificação". Como fundamento para a sua argumentação apontava como principais causas:

  • a falta de verbas para suportar as despesas necessárias e não ser possível recorrer-se a empréstimos indispensáveis para as despesas ordinárias, por não haver, baneanes ou moradores, que os possam ou queiram fazer a El-Rei de Portugal;


  • a escassez de efectivos militares para a defesa de qualquer ofensiva do inimigo e a impossibilidade de ser socorrida, com êxito, de Moçambique, devido à distância e aos ventos, por vezes, contrários, levariam a sua queda, dando-se assim ao adversário uma "casa segura" à custa de erário público;


  • a sua queda viria a ser a ruína do resto do território por a praça de Moçambique passar a ter por vizinho um poderoso inimigo que não se limitaria ao domínio das Ilhas mas intentaria alargá-lo a horizontes mais vastos;


  • e, finalmente, a posse das Ilhas por qualquer nação europeia, representaria a perda do comércio dos Yao(2).


  1. Idem, Doc. Av. Moç. Cx. 8, Doc. 41, Carta de 20/11/1753, do Cap. Gen. para a Corte. Junto com esta Carta remete-se uma planta cartografada das Ilhas e uma planta onde está desenhada a Fortificação a fazer no Ibo, que não se encontrou; Ver também Cartas de 21/11/1753, Cx. 8, Doc. 44 e de 27/12/1753, Cx. 9, Doc. 18.


  2. Idem, Ibid, Cx. 15, Doc. 63, Carta de 30/12/1758,cit . do Cap. Gen. para Lisboa e também no Arquivo das Colónias, Vol. IV, 1919, fls. 76 e 77. O Parecer do Cap. Gen. mereceu a concordância de El-Rei de Portugal (Carta de 13/8/1760, do Cap. Gen. para Cap. das Ilhas, Cx. 18, Doc. 56).

- Continua em próximo post...

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.
O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações:

PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(1)

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Pela leitura da obra do sr. comandante Adelino Rodrigues da Costa sobre “As Ilhas de Quirimba”, que tem vindo a ser publicada em http://foreverpemba.blogspot.com/, na parte respeitante à Ilha do Ibo e às fortificações nela edificadas pelos Portugueses, verifico existirem algumas imprecisões, devidas, segundo julgo, à limitação e à natureza das fontes utilizadas. Parte do seu texto:

“Gaspar Ferreira Reymão que em princípios do século XVII invernou na ilha do Ibo na sua viagem para a Indía, refere que a ilha tem "uma fortaleza, cercada bastante para se defender dos cafres, que às vezes passam de guerra de baixa mar a pé as ilhas, com muito bom aposento de casas de pedra e cal, capazes para se aposentar nelas a pessoa de um Vice-rei, como esteve Rui Lourenço de Távora com toda a sua casa".(43)... ...

Quando em 1752 a reforma pombalina decretou uma nova organização para os territórios ultramarinos portugueses, Moçambique autonomizou-se e foi separado do governo de Goa, passando a ser governado por Francisco de Mello e Castro que, de acordo com as instruções recebidas de Lisboa, determinou que a fortaleza existente no Ibo fosse substituída por uma outra, numa tentativa de levar as posições territoriais portuguesas mais para o Norte.
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A nova fortificação foi construída em 1754 e foi baptizada como Forte de S. João Baptista mas, em 1791, foi reconstruída e reforçada na ponta NW da ilha, tendo a forma de uma estrela com muralhas de 16 pés e sem fosso. A protecção da ilha foi ainda assegurada por dois fortins: o fortim de S. José, localizado a SW da ilha e que era artilhado com 9 peças e o fortim de S. António, situado a SE da ilha e que era artilhado com 6 peças.(45)
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Com esta proteção fortificada, a ilha do Ibo ficou mais ligada aos interesses portugueses, garantiu alguma autonomia em relação à influência mercantil e cultural árabe, conseguiu resistir às tentativas francesas e holandesas para dela se apossarem e, também, aos assaltos dos sakalavares de Madagáscar que tinham começado a fazer incursões e assaltos naquela área.”
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Para que os leitores não fiquem com um conhecimento incompleto sobre tal temática, entendi divulgar alguns dados, por mim recolhidos nas pesquisas realizadas sobre os locais fortificados em Cabo Delgado, Moçambique(2) aliás, muitos deles já publicados, dando especial relevo aos edificados pelos Portugueses, no tempo da sua administração colonial. Os factos:

Para assegurarem o seu domínio e manterem uma rota marítima livre de inimigos por onde a sua frota pudesse circular com segurança, os novos ocupantes e senhores do Indico conceberam um plano estratégico e táctico, em que desempenharam papel destacado as fortalezas. Estes baluartes constituíam padrões de soberania cuja missão principal era defender tanto os portos de comércio como a penetração comercial e militar nalguns pontos do interior que, em Moçambique, se processou, numa primeira fase, ao longo do curso do rio Zambeze.

As Ilhas pela sua posição geo-estratégica em relação à ilha de Moçambique e às ilhas situadas a norte de Cabo Delgado e pela importância do seu comércio com as terras adjacentes de Montepuez e do Nyassa, cedo mereceram a atenção dos Portugueses, que nelas construíram locais de defesa adequados. É de admitir, segundo os vestígios existentes nas ilhas de Quisiva, Macaloé, Amisa e alguns locais das terras firmes próximas de Cabo Delgado(3), que muitas delas tivessem sido, anteriormente, fortificadas por Árabes e Suaílis. O seu aproveitamento pelas recém-chegadas autoridades coloniais...


  1. Antropólogo e prof .universitário.
  2. Para uma leitura completa sobre esta temática consultar em http://br.geocities.com/quirimbaspemba/capaeindice.htm, cap. VIII. Aí poderão ser encontradas todas as fontes utilizadas, não publicadas neste pequeno trabalho de divulgação, por razões óbvias.
  3. Ver: VERIN, Pierre - "Observations Preliminaires sur Mozambique", In Azania, Vol. V, 1970; MONTEIRO, Fernando Amaro, "Vestiges Archeólogiques du Cap. Delgado e de Mozambique", In Taloha 3, 1970; e GALVÃO, Henrique, Império Ultramarino Português - Monografia do Império, Lisboa, 1953, p. 24.
...portuguesas seria pouco provável visto as Ilhas ficarem arrasadas "quando as foram conquistando e tomadas (...) aos Mouros".(1)
Após a sua reconquista, no 1º quartel do século XVI, os novos senhores e foreiros, para sua defesa, viram-se na necessidade de construir habitações funcionalmente adequadas para o efeito, de que falam as descrições, desse tempo, chegadas até aos nossos dias.
As primeiras referências sobre a existência de fortificações nas Ilhas surgiriam com António Bocarro e Frei João dos Santos. Este frade dominicano, observador atento das realidades do seu tempo, assegura existir na ilha de Querimba "uma fortaleza cercada, em que mora o senhor da ilha e dono da mesma fortaleza", informação confirmada anos mais tarde por Gaspar Reimão, piloto da carreira da Índia que também esteve nas Ilhas. No seu Diário de Navegação consta:
... quanto aos sinais para identificação da Ilha de Querimba (...) é a 4ª ilha e descobrirdes a ponta da banda norte, vereis um arvoredo alto (...) e ao longo dele há uma praia, que é de areia muito alva e vereis casas grandes que é uma fortaleza e a casa de Santo António.(2)
Ainda em 1744, era feita referência à "ponta do forte da Ilha de Querimba"(3). Como as indicações um pouco anteriores a esta data, todas elas apontam para a não existência de qualquer fortificação nas Ilhas, será de admitir que tal alusão pretenderia querer significar haver ainda habitações como locais de defesa, facto que não será de excluir, uma vez que a Querimba continuava a ser a capital das outras ou então, apenas, desejaria mencionar a parte norte desta Ilha, assim denominada em recordação da localização passada das mesmas habitações. Quanto à ilha do Ibo, Gaspar Reimão não deixa dúvidas quando escreveu: "... Ficam aqui as naus da terra perto da fortaleza e da povoação"(4).
António Bocarro também o atestaria depois, quando na sua obra indicou ter esta ilha a "sua fortaleza com falcões que não mais é que uma casa de sobrado, de pedra e cal, que fez o dito senhorio."(5). Documento da mesma data e dela próxima, de autor anónimo, refere que a mesma Ilha "tem senhorio (...) e fortificação" que se destina a defendê-la "da terra firme que lhe fica perto com vau"(6). De salientar ainda a nota deixada numa carta, por um cartógrafo, segundo a qual o "Oybo tem boa barra e fortaleza"(7).
A norte da ilha do Ibo, o senhorio da Ilha de Macaloé construiu "nela uma casa de pedra e cal assobradada que lhe serve de forte"(8). Testemunhos, dos meados do século XVIII, referem ter existido, naquela Ilha, "uma fortaleza quadrangular, em forma de paralelogramo quase prolongado, com quatro baluartes de pedra e cal, parte da qual que cai para a praia com dois baluartes estava em ruína não há muitos anos e a que olha para terra em muitas partes demolida do tempo."(9)
Mais a norte dá-se como existente, no século XVI, uma fortaleza em Cabo Delgado Palma Velho desenhou-a na sua Carta Corográfica.Perante estas evidências factuais pode avançar-se com a explicação de que nos séculos XVI, XVII e parte do XVIII, os locais fortificados existentes nas ilhas, onde residiam os seus foreiros, então homens poderosos, eram casas assobradadas com falcões, construídas a pedra e cal, que para além de residência, serviriam também de igreja, de local de defesa e até de prisão. Ainda nos finais do século XVIII, as coisas se passavam, um pouco dessa maneira, na jurisdição da Amisa. Os seus principais...


  1. SANTOS, João dos, Etiopia Oriental, Vol. I, p. 274.


  2. REIMÃO, Gaspar, Roteiro da Navegação e Carreiras da Índia, com os seus Caminhos, e Derrotas, Sinais ... (25/3/1600),., fls. 12v.


  3. B. N., Códice 617, "Livro de Bordo da Fragata Nossa Senhora da Oliveira, na sua viagem de Goa para Moçambique", Diário de 19/3/1744, fls. 13v.


  4. REIMÃO, Gaspar, op. cit., fls. 17v.


  5. BOCARRO, António, Fortalezas Portuguesas ..., fls. 12v. Assinalada na carta de Palma Velho.


  6. B. N., Códice 29, cit., fls. 7.


  7. REIS, André Pereira dos, "A Costa Africana de Moçambique às Ilhas de Querimba", Carta de 1654, In Portugalia e Monumenta Cartográfica, cit., Vol. V, Estampa 542A.


  8. BOCARRO, António, op. cit., fls. 12v.


  9. ANONIMO, Notícia acerca da África Oriental Portuguesa. B. N., Reservados, X-2-10, Cx. 16, nº 58, c. 1758. Com pequenas alterações o mesmo texto encontra-se em Notícias dos Domínios Portugueses na Costa Oriental de África de Inácio Caetano Xavier, p. 150. Segundo Alexandre Lobato a elaboração da dita Notícia terá pertencido a Morais Pereira e teria sido escrita em 1758.

...moradores para se prevenirem dos ataques, nocturnos e diurnos, que os povos das terras firmes lhe costumavam fazer, fortificavam-se nas respectivas residências.
As casas fortaleza utilizadas, com o decorrer do tempo e à medida que se intensificava o tráfico de escravos e o número dos seus praticantes, tornaram-se incapazes de cumprir a sua missão de defesa, pelo que foi necessário a construção de locais fortificados próprios.
Sobre as três fortificações erigidas na ilha do Ibo, nos séculos XVII e XVIII e que chegaram aos nossos dias, Fortim de S. José, Fortaleza de S. João Baptista e Reduto de Santo António, alguns dados essenciais:
(clique na imagem para ampliar)
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