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7/22/11

O Curandeiro N'Kanga entre os Wamwuani do IBO

Trabalho do Dr. Carlos Lopes Bento* que pretende dar a conhecer parte do profundo saber médico-religioso dos curandeiros na sociedade tradicional mwani da Ilha do Ibo, pertencente ao Arquipélago das Quirimbas em Cabo Delgado - Moçambique, apresentado em 16 de Dezembro de 2003, no Seminário “Perspectiva Antropológica das Práticas e Conceitos Tradicionais de Saúde”, realizado na Sociedade de Geografia de Lisboa, organizado pela Secção de Antropologia da mesma Sociedade.


(Use as 'ferramentas' disponibilizadas acima pelo 'Issuu' para ampliar e ler).
Alguns trabalhos do Dr. Carlos Lopes Bento publicados neste blogue
Link - O Curandeiro N'Kanga entre os Wamwuani do IBO
  • *Carlos Lopes Bento - Doutor em Ciências Sociais, especialidade História dos Factos Sociais, Licenciado em Ciências Antropológicas e Etnológicas pelo ISCSP, UTL e professor universitário. Faz parte da Direcção da S.G.Lisboa, desempenhando as funções de tesoureiro. É antropólogo e foi antigo administrador dos concelhos dos Macondes, do Ibo e de Porto Amélia (Pemba) na época colonial. Publicação neste blogue cedida e autorizada pelo autor.

11/24/07

Pemba - Curandeiros e o Estado...

Crónica de Pedro Nacuo publicada no Notícias deste sábado, 24 de Novembro de 2007:
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EXTRAS - Estado e os curandeiros
Vamos combinar que para o âmbito desta crónica, curandeiro possa significar ou não feiticeiro, ou que feiticeiro possa significar curandeiro, apenas para sermos flexíveis na abordagem do assunto. Está?
Um curandeiro chega a Montepuez, sul de Cabo Delgado, convidado por quem o acredita, que no caso é a maioria de pelo menos da região onde esteve aquartelado e fazia o seu trabalho, quando agentes do Estado moçambicano foram escorraçá-lo, alegando que estava a criar instabilidade social. Na acção violenta da polícia, que veio representar o tal Estado invisível, as populações sentem-se, só agora, perante uma instabilidade social criada por estranhos à sua vida normal.
Quem criou a instabilidade em Montepuez? Resposta, o Estado. O Estado que não se deu ao tempo de perceber como é que uma sociedade se organiza, atravessa o maior rio nascido em Moçambique e vai a outra província, Nampula, para convidar um curandeiro que acredita que viria limpar males que grassam a região. Um Estado que não se questiona, ainda que se tivesse que rotular de muitos nomes, como ignorância, superstição ou obscurantismo, mas que havia mobilizado mais gente do que para receber qualquer chefe mortal!...
Ao cortar o desejo do povo, que era ver a sua terra limpa, a pretexto de uma pretensa instabilidade social, o Estado não só criou condições para que tal recrudescesse, como deixou nos seus cidadãos muitas dúvidas sobre quem são os seus servidores. Na realidade, filhos de mães de Montepuez, moçambicanas, em geral, que não acreditam, durante o dia, naquilo que seus pais ainda crêem...e não crêem usando força contra quem crê. Em Montepuez, como em qualquer lugar deste país, isso é muito! Do ponto de vista antropológico-cultural.
Enquanto ouvíamos que à calada da noite, altas patentes policiais e outras figuras directamente interessadas pelos pleitos que se aproximam iam tentando saber se, de facto, o curandeiro havia atravessado o rio Lúrio, de regresso, e alguns terem sido vistos na aldeia do velho, já em Nampula, em carros luxuosos vindos de Cabo Delgado, eis que chega de novo o bicho da instabilidade social, já no distrito de Pemba-Metuge.
Aqui o povo se havia organizado para defender o seu convidado, por isso pagou caro. O Estado, através dos servidores que tem, foi atirar para matar. De novo estamos perante aquele Estado que só age assim de dia, e à noite “estamos todos lá” a querer perceber como é que quando achamos que somos donos da terra, é na altura precisa em que os outros nos ordenam: “sai daqui, hoje mesmo!”
De novo, entre o Estado e os cidadãos que haviam convidado um seu semelhante para lhes fazer aquilo que crêem ser capaz, quem criou a instabilidade? Aliás, quem foi criminoso, já que houve pelo menos uma morte? E se acha que a morte ficou perdoada, se quem morreu deixou uma bicha de seus dependentes, outros ainda só se vão recensear agora no prolongamento do período...isso é muito, não só em Pemba-Metuge! É o Estado que está a consolidar sem nenhumas bases sócio-antropológicas nem culturais do povo que gostaria um dia bem servisse.
Para variar, um procurador na província que nunca acreditei, do ponto de vista geográfico, ser do centro, Zambézia, tem uma ideia brilhante de reunir com os curandeiros. É, como não é de duvidar, o polícia do Estado. Quando esperávamos que fosse mais moçambicano, tentando perceber um fenómeno que até pode fazer faculdades de qualquer universidade virada para a Antropologia e Sociologia, acabou sendo o melhor polícia dos tempos que correm em matéria de curandeirismos. Ameaçando os anciãos.
Fê-lo acusando-os de promotores de muitos crimes que acabavam no ajuste de contas. Até pode ser! E disse que se não os tinha naquele momento, todos na cadeia, era por falta de condições logísticas. Quer dizer, no dia em que Moçambique tiver muitas celas, na Zambézia, com aquele procurador, os primeiros a encherem-nas são os curandeiros ou feiticeiros, agitadores do crime!
Que tal? Os curandeiros fazerem com que nunca mais haja condições e transferir o senhor procurador para a província de Tete, onde o fenómeno é mais familiar...juro que há-de ir, não a esses que ameaçou, mas a outros, noutras paragens, para fazer com que o Dr. Augusto Paulino mude de ideias!
E aqui nascem as questões: como é que este Estado, fundado e está a ser desenvolvido conforme modelos completamente estranhos à realidade local e servido por quem de dia é uma coisa e à noite outra, pode lidar com este povo que tem as suas crenças? E o povo moçambicano é este!
Que teatro estamos a fazer contra nós próprios, filhos de mães que já nos vêem estranhos por simplesmente termos usado uma farda ou porque a proliferação de faculdades trouxe-nos algum título e ficamos obcecados para nunca mais estudarmos a vida real das pessoas do campo, que é a quase totalidade do território nacional?
Há muitas formas de criar instabilidade social (como age o inimigo no seio do povo?), mas a pior é alguém parecer lobo no meio duma sociedade de pessoas organizadas como estamos no nosso país. De cima para baixo, há poucos lobos em Moçambique, a maioria acredita que nasceu sob um sistema que está proibido de ignorar o curandeiro ou feiticeiro. Ainda que façamos muito esforço!
O que está a ser mesmo difícil de compreender é que tais rusgas contra curandeiros ou feiticeiros apareçam normalmente em momentos pré-eleitorais ou politicamente quentes e sempre um pouco por todo o lado. Resta saber quem manda a quem, precisamente para fazer o quê? PS – Na quarta-feira desta semana, o país real não se entendeu com o país imaginário (aquele que gostaríamos que fosse), como, infelizmente, acontece amiudadas vezes. A partir de Maputo o tema central era o Dia Mundial das Televisões, mas as crónicas que vinham das províncias falavam do Dia Internacional do Pescador.
Pedro Nacuo