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3/19/15

RECORDAR É VIVER… Meu Pai JAIME FERRAZ RODRIGUES GABÃO

(clique na imagem para ampliar)

Por Jaime Ferraz Rodrigues Gabão

Embora amasse muito meus pais o certo é que como meus avós maternos vivessem perto, estava, sempre a “fugir” para junto deles.

Ali recebi a minha educação juvenil e recordo com imensa saudade o amor que me dedicavam. Foi com meu avô que conheci o “Clube da Régua” por cima do estabelecimento do saudoso Sr. Zé Pinto.

Levava-me consigo e ainda me lembro que a sua distracção preferida era o “dominó”. Os parceiros eram uns amigos; um, o Sr. Rocha, outro o Sr. Magalhães e às vezes o Padre Aureliano da Costa Pinto, figura de prestígio e que exercia as funções de Conservador do Registo Civil.

Noutras mesas guardo na lembrança de ver os Sr. António Correia (pai do médico e escritor João de Araújo Correia) o Sr. Figueiredo, sogro do Sr. Zé Pinto, Sr. Lourenço Almeida Medeiros, João Bonifácio, Camilo Guedes Castelo Branco e seus filhos António e Jaime Guedes, Dr. José Meireles da Costa Pinto, Joaquim Guedes da Silva, Alberto e Artur Gonçalves Martinho, Domingos Figueiredo, Artur Carvalho, Arnaldo Monteiro e tantos e tantos outros reguenses que eram pessoas muito consideradas na então Vila da Régua.

Eu gostava de “brincar” com as bolas de bilhar e assim me entretinha muitas tardes. Mas meu avô, Luís Maria da Cunha Ilharco, que havia sido Bombeiro, à noite, ia até ao quartel da briosa corporação ou, então, até à Associação Comercial (que era já onde hoje está).

Meu tio, José Vicente Ferreira da Cunha também era um dos parceiros do meu avô, onde também não faltavam os mais novos, como Arnaldo Vicente Ferreira da Cunha, João da Silva Bonifácio Júnior, Gastão Mirandela, Jerónimo Vasques, etc...

Os Doutores Antão de Carvalho, Júlio Vasques, Afonso de Oliveira. Soares, Francisco Leite Pereira, Antão, Alberto e Acácio Lemos, José Avelino (Pai) e José Avelino (Filho) e muitos outros frequentavam, também, alguns daqueles locais. A todos conheci e recordo no meu espírito.

Aos Domingos e Dias Santos meu Avô levava-me sempre à missa à Capela do então Asilo José Vasques Osório. E se estava um dia bonito, na companhia da minha avó, íamos até à Avenida da beira do rio e dávamos a volta, depois, pela Rua das Vareiras.

Aqui residiam minha Avó paterna e duas tias. Meu Avô - Jorge Gabão - já havia falecido. De origem “Vareira”, meus, avós paternos construíram a sua residência naquela rua que, ainda hoje, ali se encontra e onde tenho direito, um dia, a receber uma telha como herança...

Vivia com meus Avós maternos, meu irmão José Luís Ferraz. Ajudava-os muito no seu estabelecimento e era o “menino bonito” dos avós. Este meu irmão foi um dos fundadores do Futebol Clube do Porto e Régua, do Orfeão Reguense e outras colectividades.

Tinha a simpatia geral e com o João de Almeida Morais e Manuel Matos Rodrigues (Né), faziam um “terceto” inseparável. Isto durou até que meu irmão, apenas com 19 anos de idade, veio a falecer com uma tuberculose (nessa altura ainda não havia os recursos aos medicamentos que hoje existem para essa doença).

Foi um desgosto profundo para meus pais e avós e para tantos e tantos dos seus amigos, Meus avós, passado pouco tempo e devido ao desgosto da perda do seu neto tão querido, faleceram ambos e, por coincidência, os dois em 9 de Abril, embora em anos diferentes.

A morte de meu irmão e avós foi a decadência da minha família. Meus pais tiveram de fechar o seu estabelecimento e passaram horas das mais amargas.

Anos mais tarde meu pai conseguiu, já com mais de 50 anos, ser admitido como fiscal da Casa do Douro, onde se manteve até à hora da sua morte (aos 69 anos).

Não posso deixar de recordar quanto meu pai sofreu perante chefes que eram autênticos “ditadores” e não respeitavam, a idade e o passado de quem quer que fosse.

Estávamos numa época em que predominava o despotismo e a vingança pessoal. Meu pobre pai morreu amparado pelos cuidados de minha saudosa mãe, e irmãos; quando já me encontrava fixado em Moçambique.

O que é verdade era que o espírito da família era evidente. País, irmãos, filhos, avós, todos viviam imanados no mesmo amor paternal, coisa que, infelizmente, hoje já não se encontra com facilidade e até deixou de existir em muitos casos...

Notas:
  1. Esta bela crónica de Jaime Ferraz Gabão foi publicada no jornal O Arrais, em 25 de Abril de 1991.
  2. O seu autor fala com sentimento da sua infância e ainda com muito carinho de seus familiares, grandes amigos e algumas figuras ilustres e respeitáveis da sociedade reguense, entre as quais recordou também grandes bombeiros, como os Comandantes Afonso Soares, Camilo Guedes Castelo Branco e Lourenço Medeiros, os Chefes António Guedes e Gastão Mirandela e – para meu desconhecimento - o seu avô Luís Maria da Cunha Ilharco, também bombeiro da Régua, com o qual chegou a frequentar o Quartel, o que se situava na Rua dos Camilos.
- Colaboração de J. A. Almeida para "Escritos do Douro" em Novembro de 2010.

Obs. - Acrescento minha amizade, gratidão e consideração ao Dr. José Alfredo Almeida  por oferecer e me permitir ler esta crónica de meu saudoso Pai Jaime Ferraz Rodrigues Gabão. Como bem diz caro J A Almeida, é um jóia perdida no tempo de uma Régua que já acabou e que deixa saudades... de uma Régua que levou consigo Familiares, Amigos, lugares e cores inesquecíveis, que fazem falta. E que me emocionou diversas vezes enquanto editava o texto e a imagem que ilustra este post. Mas RECORDAR É VIVER... ou RENASCER!  Muito obrigado mesmo ! - Jaime Luis Gabão, 4 de Novembro de 2010.

7/17/10

Poema a PORTO AMÉLIA

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POEMA A PORTO AMÉLIA
(À Memória de Jaime Ferraz Rodrigues Gabão, escrito em Junho/70)

Terra suada pelo fogo do sol e esquecida lá no norte,
onde tantos ganharam a coragem para refazer a vida
e teimam em ficar, unidos e em comunhão com os lá nascidos.
Terra que ouve tiros ecoando na selva
e sepulta corpos vestidos com sangue de guerra,
poetas gritando justiça e paz, mesmo que ninguém os ouça,
nem os que trincam a alma no amanho da machamba,
nem os que mastigam o tempo no amanho da esperança.
Terra vermelha com cemitério debruçado sobre o mar,
cruzes escurecendo no desfilar da memória,
epitáfios de números e de nomes esquecidos além.
Terra que sente os espaços limitados,
as angústias das palmeiras seculares,
abrigando a sombra de olhos fixos nos corais
e suspirando horizontes na quietude triste de um cais.
Terra que ajudou a criar o poeta, a fazer o poema
e a construir a filosofia do abraço e do sorriso.
Terra que também é minha porque nela chorei de solidão,
chorei amigos que foram mortos sem razão
e nela joguei sem deserções o xadrez da vida;
vi crianças de olhos esbugalhados pelo espanto
e homens hipnotizados pelo minuto seguinte.

Ó terra excitada pelos batuques das gentes negras,
sons perdidos na cumplicidade das tembas!
Eu te lembro deste continente que se chama Europa,
meto o poema numa carta e pergunto quantos selos leva,
sem selos a palavra escrita não salta mares,
deito-a num saco de correio azul – azul como o teu céu
e espero, meu AMIGO, que me respondas do outro lado.
Seria bom – ó terra dos ecos nocturnos! – voltar às tuas manhãs de luz,
aos teus entardeceres como quem fecha os olhos para sonhar,
perder-me nas picadas de fins ignorados e ouvir o eco do meu grito,
aliviar o meu alvoroço oprimido e poder dizer: «Viva a vida!».

M. Nogueira Borges* – Porto, Junho/1970
  • Jaime Ferraz Rodrigues Gabão, cidadão português nascido na cidade de Peso da Régua em 13 de Abril de 1924, falecido em 18 de Junho de 1992, dia do Corpo de Deus e sepultado no Cemitério do Peso (da Régua).
  • *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor e poeta do Douro-Portugal. Nasceu no lugar de S. Gonçalo, freguesia de S. João de Lobrigos, concelho de Santa Marta de Penaguião, em 12.10.1943. Frequentou o curso de Direito de Coimbra, cumpriu o serviço militar obrigatório em Moçambique, como oficial mil.º e enveredou pela profissão de bancário. Tem colaboração dispersa por diversos jornais, nomeadamente: Notícias (de Lourenço Marques); Diário de Moçambique (Beira), Voz do Zambeze (Quelimane), Diário de Lisboa, República, Gazeta de Coimbra, Noticias do Douro, Miradouro, Arrais e outros. Em 1971 estreou-se com um livro de contos a que chamou "Não Matem A Esperança". (In 'Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses', coordenado por Barroso da Fonte. Manuel Coutinho Nogueira Borges está no Google. Pode ler também os textos deste autor no blogue ForEver PEMBA. Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue! Pode ler também os textos deste autor no blog Escritos do Douro. Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue!
POEMA A PORTO AMÉLIA
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8/14/09

Em tempo de Festas de Nossa Senhora do Socorro na cidade da Régua recordo Jaime Ferraz Rodrigues Gabão

Em Memória de Jaime Ferraz Gabão - Por M. Nogueira Borges – Publicado no boletim de Festas de Nossa Senhora do Socorro – Peso da Régua/Douro/Portugal - 1994.

Conheci-o em Porto Amélia. O meu destacamento, sediado em Quelimane, viera substituir uns "cocuanes"* que estavam de regresso à Metrópole. Para trás deixava a luxúria dos palmares de Penabe, o esmagamento das infindáveis plantações de chá do Gurué, o silêncio e os ruídos da selva esplendorosa de Mocubela ou Maganja da Costa, a confraternização da boa gente da capital da Zambézia.

Foi em Março de 1968. Em Lisboa, Salazar ainda não agonizava, e Marcelo Caetano repartia o seu tempo entre a Faculdade de Direito, a reescrita do seu Manual de Direito Administrativo e o seu escritório de jurisconsulto ali para os lados da Rua do Ouro, mal sonhando que, em finais desse ano, ocuparia S. Bento para assistir, num desterro brasileiro, ao funeral do Império. Em Lourenço Marques, a Polana estava cheia de sul-africanos e os ecos do Norte mal chegavam às esplanadas.

O Jaime Ferraz Gabão era, a par da sua actividade profissional numa empresa algodeira, o correspondente, para o distrito de Cabo Delgado, do mais prestigiado jornal Moçambicano - o Diário de Moçambique** - e criava, semanalmente, uma página regional onde dava oportunidade a jovens colaboradores. Uniu-nos a paixão pêlos jornais. Essa afinidade gerou entre nós uma profunda estima e, com o tempo, à medida que nos íamos conhecendo, uma amizade tão grande que, ainda hoje, à distância de vinte e seis anos, nem sei como definir.

O Jaime era uma alma generosa e não queria morrer com remorsos nem deixá-los aos vivos. Abandonara a Régua quando os seus sonhos se desfizeram e a realidade que os seus olhos contemplavam era tão crua que não hesitou quando um velho amigo o convidou para abalar até às paragens do indico.

Feito, posteriormente, o reencontro com a Mulher que sempre o acompanhou até ao fim dos seus dias, o meu saudoso amigo ganhou a paz a que todo o ser humano tem direito quando se está de bem com Deus e os seus semelhantes.

África dera-lhe a razão da vida e a justificação para a partilhar. Sob o tecto africano, nos dias abrasadores ou nas noites do cacimbo, o Jaime consumia e retemperava as energias de um homem que, no nosso Douro, herdara o amor do trabalho honrado. Nunca foi patrão nem capataz, nunca ostentou ou humilhou, nunca cortejou poderosos nem desprezou deserdados, nunca separou brancos de um lado e pretos do outro. Amou a África porque a África - caros leitores - é encantamento deslumbrante, um chamamento emocional que arrebata, uma sedução tão arrepiante que não há palavras para a descrever, só sentindo-a, calcorríando as picadas inóspitas e engolindo o seu pó, bebendo água do coco ou dos pântanos solitários, aganando sob o fogo do seu sol ou tremendo nas suas madrugadas de névoa.

Eu entrava em casa do Jaime Ferraz Gabão sem bater à porta, sentava-me à sua mesa sem perguntar onde era o meu lugar, conversávamos horas sem fim no deleite do entardecer, íamos e vínhamos pelas ruas e cafés de Porto Amélia com a naturalidade de quem vivia o tempo todo na fruição plena da fraternidade e as areias da praia de Wimbe já conheciam os nossos pés nas manhãs de Domingo.

Findo o meu tempo de serviço militar regressei à minha aldeia e o Jaime por lá ficou. Ainda recordo, comovido, as nossas lágrimas de despedida.

Um dia, nas sequelas da tal exemplar descolonizaçâo, ele voltou, também, às suas origens. Foi um trauma de que nunca se curou. Aquilo foi como uma traição que, na sua boa fé, não contava; um murro medonho na esquina da sua vida, na pureza da sua certeza patriótica. Desgastado e amargurado, vendo, mais uma vez, o seu ideal a fugir-lhe, mastigou em seco muitas desilusões e incompreensões. Pertencia àquele tipo de homens que não tem pele de elefante porque cultivava a franqueza e a capacidade de perdão. Custava-lhe a ruindade à sua volta, os anátemas dos retornados, a indiferença por uma terra e por uma causa que interiorizara tão profundamente que alturas tinha em que já não sabia se as raízes eram mais fortes - ou mais fracas - do que as saudades dolorosas dos batuques, do cheiro das queimadas, dos dias em mangas de camisa, da leveza das brisas da baía de Pemba, do carregado das trovoadas no mato, do odor a catinga ou dos gritos da hiena sem companhia.

O jornalismo enganou-lhe as recordações, sublimando-as em descrições sempre apaixonadas mas nunca desonestas. Sabia que um jornal, fosse qual fosse o seu dono, não era um palco de propaganda, nem um púlpito de ressabiados pessoalismos, nem um ócio de frustrados a envenenarem relações, nem um palanque onde os vencidos políticos ruminassem vinganças. Praticou um jornalismo de transparência porque não ocultava o relevante e, quando assumia a opinião, não ofendia sentimentos nem provocava a consciência alheia. Tinha a educação herdada do berço e cultivada no pragmatismo do quotidiano. Escreveu muitas páginas de memórias das terras e das gentes por onde andou e viveu sem verbalismos ou maniqueísmos. Viveu o dilema dos que, conhecedores dos largos espaços, se ressentem, sofrídamente, das estreitezas dos horizontes, onde, afinal, a poesia da alma se reflecte no limite dos muros da indiferença das coisas e das pessoas. Sem sabedorias arcádicas ou carreiras/academistas, mas possuidor de um entusiástico autodidactismo. O Jaime Ferraz Gabão transformava a simplicidade escondida na mais bela descoberta. Homem solidário, condoía-se de um pé descalço e não dominava as revoltas do seu sangue. Se é preferível a responsabilidade dos gestos que não praticamos porque outros nos impedem aos que não fazemos porque a eles nos recusamos, o Jaime culpava-se de todas as injustiças do dia a dia da vida. Era um espírito em permanente responsabilização e nunca contente de ver realizar-se o que se deve. Se aqui recordo o Jaime Ferraz Gabão neste livrinho das Festas em Honra de Nossa Senhora do Socorro, onde ele sempre colaborava com alegria, não é só para que conste, mas também para implorar à nossa Padroeira que, não se esquecendo de todos nós - os vivos - não olvide o meu querido e saudoso Amigo que, na Fé, viveu sempre, mesmo quando a morte já lhe rondava os passos.
- Por M. Nogueira Borges – Boletim das Festas de Nossa Senhora do Socorro de 1994 (“recorte” cedido gentilmente por J A Almeida).

* - "cocuanes" termo adaptado do idioma macua e que quer dizer velho(os), no caso: "...viera substituir uns militares mais antigos".
**retifico - Jaime Ferraz Gabão era correspondente e distribuidor para Cabo Delgado do Diário de Lourenço Marques com sede em Lourenço Marques, atual Maputo. Embora colaborasse eventualmente com outros jornais moçambicanos e portugueses, o Diário de Moçambique estava sediado na cidade da Beira e, se a memória não me falha, seu correspondente para Cabo Delgado era o também saudoso Administrador Zuzarte.
  • Página de Peso da Régua onde recordo Jaime Ferraz Rodrigues Gabão - Aqui!
  • Jaime Ferraz Rodrigues Gabão citado no portal do Sport Club da Régua - Aqui!