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1/03/09

Para a História do ensino em Cabo Delgado - Parte 2

Do blogue "São Paulo - O Colégio" e de autoria do Professor Carlos Lopes Bento, também colaborador do ForEver PEMBA, transcrevo:

PARA A HISTÓRIA DO ENSINO EM MOÇAMBIQUE
ESCOLAS E ALUNOS DE CABO DELGADO HÁ 150 ANOS:
MATÉRIAS, FREQUÊNCIA, APROVEITAMENTO E PROBLEMAS

Por Carlos Lopes Bento(1)

I I PARTE

Relação dos alunos matriculados e não matriculados, relativos ao ano de 1858(a):

Nomes/Naturalidade/Anos:

José da Silva Calheiros/Ibo/14
António Baptista de Morais/Memba/14
Francisco) Diogo Baptista/Querimba/14
Francisco Luciano de Sousa/Ibo/14
Sefo Bun Falume/Quissanga/15
António Francisco Pereira/Ibo/14
António João de Sousa/Ibo/11
Jorge da Silva Resende/Mocimboa/12
Abu Bacar Sadique/Quissanga/14
João Barros Coelho/Ibo/9
José Barros Coelho/Ibo/8(b)
Luís Maria Dias/Ibo/9
Francisco José Romão/Ibo/8
Pantaleão José Pinheiro/Ibo/7
Francisco Domingos Baptista/Ibo/13
Luís Vicente Dias/Mocimboa/13
Agostinho Ferreira Soares/Ibo/15
Domingos Lopes de Sousa/Ibo/13
João Barros Coelho/Ibo/9
António José Baptista/Ibo/6
Constantino Guedes/Ibo/6
António Augusto Resende/Ibo/9
João Caetano Resende/Ibo/5
Miguel Coelho Pereira/Ibo/16
Francisco da Costa Portugal/Ibo/13
Luís João de Sousa/Ibo/6
Josefa de Lima Valente/Ibo/8
Joaquina de Lima Valente/Ibo/6
João da Silva Teixeira/Ibo/11
Manuel do Sacramento Lisboa/Ibo/6
Miguel de Sousa/Ibo/12
Domingos Luís do Rosário/Ibo/15
Inácio Ferreira Soares/Ibo/14
Rajabo Abdalá/Ibo/15
Domingos José Bernardo/Ibo/11
Esmeralda Martins/Ibo/8
Marcos José/Ibo/10
José de Brito/Ibo/10

Alunos não matriculados:

António José Coelho/Ibo/12
Luís de Brito/Memba/8
Agostinho João Resende/Ibo/15
Augusto Resende Soares/Ibo/11
Francisco Carvalho de Menezes/Ibo/12
Mendo António de Lima/Ibo/11
Bernardino da Costa Portugal/Ibo/12.
_________________________________
(a)- Os dados apresentados foram extraídos do Mapa acima referenciado
(b)- Tem a indicação de Falecido.
_________________________________________
Quanto às naturalidades destes alunos constata-se, segundo a dita Relação, a seguinte distribuição geográfica:

- Vila do Ibo........................................................38
- Povoação da ilha de Querimba....................... 1
- Povoação de Quissanga................................... 2
- Povoação de Memba.........................................2
- Povoação de Mocimboa....................................2

Com a excepção de 7 provenientes da ilha de Querimba, Quissanga e Memba, povoações próximas da ilha do Ibo e de Mocimboa mais a Norte, a grande maioria dos alunos, 38, eram naturais da ilha do Ibo.
Em virtude de a escola para meninas estar encerrada, pelos motivos acima apontados, vamos encontrar três raparigas matriculadas na escola masculina: todas naturais do Ibo, duas, com 8 anos e, uma, com 6.

No que toca à idade, que variava entre os 5 e 16 anos, a sua distribuição:

5 anos......................................................... 1
6 anos..........................................................5
7 anos..........................................................1
8 anos..........................................................5
9 anos..........................................................4
10 anos........................................................2
11 anos........................................................5
12 anos........................................................5
13 anos........................................................5
14 anos........................................................7
15 anos........................................................4
16 anos........................................................1

Mostram estas frequências que quase 50% dos alunos tinha 12 ou mais anos.

No que se refere à religião a informação dada pelo Governador Romero: “N.B.- Os alunos uns são cristãos, outros mouros e um só escravo cristão.”.
Pela estrutura dos nomes dos alunos constantes da relação supra é fácil deduzir estarem matriculados apenas três alunos que eram denominados mouros, isto é, que professavam a religião islâmica: um natural do Ibo e dois de Quissanga, povoação onde predominava aquela religião.

Para além da naturalidade, da idade e da religião, eram considerados, ainda, na escola pública de instrução primária do Ibo, a aplicação, a frequência e as notas das lições dos alunos.

Na aplicação estavam incluídas as seguintes matérias escolares:

-ABC
-Sílabas e seus exercícios
-Leitura de letra redonda
-Leitura de manuscritos
-Gramática portuguesa
-História de Portugal.

Relativamente ao comportamento, os alunos foram classificados de:

- Bom........ 44
- Mau........... 1

A frequência às aulas constituía um dos principais problemas que afectava o aproveitamentos dos alunos, sendo estes classificados em duas categorias:

Frequente e Não é frequente.

Da análise da citada Relação podemos deduzir que: 34 alunos frequentavam as aulas regularmente, contra 10 que faltavam normalmente. Aqui estavam incluídas as 3 raparigas.

Segundo J. Romero: “Alguns não frequentam a escola por motivo justificado e outros porque os seus maiores não sabendo dar o devido apreço à instrução, deixam-nos divagar. As faltas constantes e a falta de livros próprios é a causa de haver atraso do adiantamento dos mesmos. A câmara Municipal dá doze mil réis anuais para serem distribuídos pelos referidos alunos da classe proletária, em penas, papel e tinta, o que muito concorrem para não ficarem sem lição.”

As notas dadas nas lições eram variáveis e tinham como classificação:

-Bom.........................................4
-Suficiente..............................12
-Regular...................................8
-Sofrível...................................2
-Mediocre................................5
-Insignificante........................3
-Sem nota...............................11

Neste tempo, a Escola Primária da Vila do Ibo, estava a cargo do professor José Vitorino Alexandre de Brito, nomeado professor da 1ª classe de I. P. da vila do Ibo, pela Portaria nº 674 de 4.8.857. Também desempenhou as funções de Juiz Ordinário e de Presidente da Câmara da Vila do Ibo.

Segundo informação fornecida por este docente, foram matriculados no tempo respectivo e fora dele, na Aula de Instrução Primária da Vila do Ibo, nos anos 1857, 1858 e 1859:

ANOS Nº DE ALUNOS MATRICULADOS:
1857 .................................46
1858................................. 45
1859.................................. 44


"N.B. Os alunos que frequentam a Aula são, todos os anos, 30 a 35 com regularidade. No tempo da colheita do milho poucos aparecem: os seus maiores que não sabem dar apreço à instrução, deixa-os alardear."

Os habitantes da Vila do Ibo, para além desta Escola de Instrução Primária, ainda, podiam mandar os seus filhos para a Escola Principal de Instrução Primária da Província de Moçambique, que, então, ministrava um ensino de nível mais elevado, frequentado não só por moçambicanos da sua Capital e dos seus principais Portos da Costa, como também por alunos provenientes de outras cidades da África Oriental e da Ásia.
Dada a sua importância socioeconómica e cultural no contexto da sociedade moçambicana e tendo em consideração o papel que desempenhou na época, merece que sejam divulgados os seus principais traços.

(1)- Prof. Univ. e Antropólogo.
(CONTINUA)

12/17/08

Para a História do ensino em Cabo Delgado.

Do blogue "São Paulo - O Colégio" e de autoria do Professor Carlos Lopes Bento, também colaborador do ForEver PEMBA, transcrevo:

PARA A HISTÓRIA DO ENSINO EM MOÇAMBIQUE
ESCOLAS E ALUNOS DE CABO DELGADO HÁ 150 ANOS:
MATÉRIAS, FREQUÊNCIA, APROVEITAMENTO E PROBLEMAS

Por Carlos Lopes Bento(1)

I PARTE

Conhecer os problemas, relacionados com a instrução e a educação, que, através dos tempos, foram postos e preocuparam, no território moçambicano, os responsáveis pelo sector e, ainda, como procuraram resolvê-los, é contribuir para um conhecimento mais aprofundado e esclarecido da História do Ensino em Moçambique.

Nesta perspectiva, proponho-me, hoje, começar a divulgar alguns factos que tiveram lugar, há século e meio, relacionados com o ensino primário, então, vigente.

O Decreto com força de lei, de 1.9.1854, fixou o número de Escolas de Instrução Primária da Província de Moçambique, sendo em 14.11.1857, designados os locais onde as mesmas deveriam ser estabelecidas, segundo o preceito do §1º do art. 1º, do Dec. De 14.8.1845, determinando, então, o Governador Geral que se observasse o seguinte:

“As oito cadeiras de primeira classe de Instrução Primária fixadas pelo Decreto do 1º de Setembro de 1854, serão estabelecidas nos seguintes pontos:

-Na cidade de Moçambique, uma, incumbindo ao respectivo Professor, as obrigações de substituir o professor da escola principal e de ajudá-lo no ensino dos alunos, visto que não pode ser cumprido o preceito do artº.12º do decreto de 14.8.1845, por não haver pessoa habilitada;
-Na vila do Ibo, uma;
-Na vila de Quelimane, uma;
-Na vila de Sena, uma;
-Na vila de Tete, uma;
-Na vila de Sofala, uma;
-Na vila de Inhambane, uma;
-Na povoação de Lourenço Marques, uma”.

No ano de 1852, o governador Jerónimo Romero, escrevia sobre a Instrução Pública, na sua Memória Ácerca Distrito de Cabo Delgado, publicada em Janeiro de 1856, nos Anais do Conselho Ultramarino- Parte não oficial:

É mau estado em que se acha este ramo de administração. Há na Vila do Ibo uma aula de instrução primária, regida por um professor régio, natural do país, que, conquanto empregue todos os esforços para servir bem, não pode desempenhar, com proveito público, as funções de que está encarregado, por não ter as necessárias habilitações.
Alem desta, há outra para meninas, também de instrução primária, dirigida, na falta de mestra, por um professor a quem a Câmara Municipal arbitrou um subsídio.
Estas aulas eram frequentadas, em 1853, por 30 alunos e 8 alunas.
Na Quissanga existe um mouro que ensina mal o árabe. Os principais habitantes desta povoação mandam seus filhos a Zanzibar para aprender aquele idioma


Poucos anos mais tarde, o mesmo Governador, no Suplemento à Memória Descritiva e Estatística do Distrito de Cabo Delgado, com uma Notícia Acerca do Estabelecimento da Colónia de Pemba, de 1858 e publicada, em 1860, dava a sua opinião -diga-se euro-cêntrica- sobre o mesmo assunto:

Se o estado físico dos habitantes do distrito deve merecer a atenção do governo de S. Majestade, muitos maiores cuidados reclamam o seu estado moral.
Podem-se promulgar as leis mais humanitárias tendentes a regenerar aqueles povos, se estas não forem acompanhadas dos elementos indispensáveis para os tirar do embrutecimento em que jazem há tantos anos, tornam-se decerto ineficazes; e dessa liberdade, que o futuro lhes mostra, nenhum proveito lhes resulta, não sendo acompanhada da instrução e moralidade, tão necessárias para que de ociosos se tornem cidadãos úteis e amantes do trabalho.
A educação dos pretos está inteiramente desprezada e sem esta o gozo da liberdade, que para os povos civilizados é um bem, para eles é um mal. Se o governo mandar bons mestres e bons sacerdotes para a costa de África e bem remunerados, cedo colherá o fruto dos sacrifícios que fizer, por isso que a raça preta tem a melhor disposição para aprender e moralizar-se.
Em todo o distrito há apenas uma escola de instrução primária na vila do Ibo, por conta do Estado, frequentada por 38 alunos do sexo masculino. Para o sexo feminino não há uma só escola no distrito!
Quando em 1852 tomei posse do governo do distrito, o meu primeiro pensamento foi criar uma escola para meninas, consegui com os pequenos meios de que podia dispor, estabelecer uma, que começou logo a ser frequentada.
Apenas porém larguei o governo, em 1853, fechou-se imediatamente a escola e nunca mais continuou a funcionar, pelas simples razão de destruírem uns governadores o que os outros fazem- mau sistema de há muito adoptado na África e cujas consequências são tão fatais ao desenvolvimento daqueles povos- Esta escola ainda não foi restabelecida, porque distraído com a ocupação da Baía de Pemba e depois com a fundação da Colónia, não pude providenciar a este respeito, sendo contudo o estabelecimento desta escola uma das primeiras providências que é necessário tomar, atendendo à sua grande conveniência e utilidade.
Em 1858 os alunos matriculados foram trinta e oito e os voluntários sete. Uns e outros regulavam entre os cinco e quinze anos, como se vê do mapa que se segue
.”

(1) - Prof. Univ. e Antropólogo.
(CONTINUA)

8/28/08

Ronda pela net: Um pouco de prosa virtual - Seis meses em Cabo Delgado descritos por missionária brasileira.

Vida sofrida em Moçambique.
Moçambique. Seis meses já se passaram desde que cheguei aqui em Moçambique. Quem diria que o tempo passaria tão depressa. Recordo-me de estar fazendo as malas cheias de repelente, mosquiteiro e outras coisas partindo em direção ao desconhecido. Muita coisa aconteceu, momentos felizes, tristes e até engraçados. Vou embora com a consciência de que realmente fiz um bom trabalho aqui.
Foram seis meses de muito aprendizado, de alegrias e frustrações, de dias pesados e turbulentos, calmos e serenos. Confesso que a idéia de ir embora daqui é um tanto assustadora. Foram seis meses vivendo no meio do mato, sem muito acesso a outros lugares a não ser o mato atrás da casa. Primeiro tenho que respirar fundo para tentar resumir o que foram estes meses na minha querida e especial Bilibiza.
Para nos situarmos nesta história, estamos em uma Escola de Professores do Futuro, onde os estudantes são treinados para serem professores em escolas primárias de Mocambique. A escola localiza-se na província de Cabo Delgado, no extremo norte de Mocambique. A aldeia é Bilibiza, digamos que é um pontinho esquecido por Deus, no meio do mato, onde a energia ainda vai demorar algumas décadas para chegar, e está localizada dentro do Parque Nacional das Quirimbas. A escola e nossa moradia ficam a cerca de 25 minutos a pé da aldeia. E posso dizer que a escola é único movimento que pode existir em Bilibiza diariamente. A aldeia tem em torno de quatro mil habitantes, uma das mais pobres da região.
Estou indo embora muito feliz com o trabalho que consegui realizar em Bilibiza. Rapidamente na primeira semana já começamos a trabalhar. Iniciei com aulas de música, sociologia, inglês e ciências. Sempre tentava apresentar os assuntos de uma maneira em que eles pudessem aplicar isto com as crianças também, quando fossem para as práticas. O nível de conhecimento dos alunos que para cá vêm é baixo.
No mesmo tempo estava a dar aulas na Escola Primaria de Montepuez, na aldeia. Tive duas turmas e seis classes. Uma tinha em torno de 55 alunos e outra 63 alunos, com idades entre 10 e 30 anos, e distribuídos em duas salas com apenas algumas mesas e cadeiras. Os resultados foram positivos, não digo que isto se deva principalmente a mim, mas ao interesse deles em aprender. Parecia que a fome não era mais de comida, mas de conhecimento.
O nível escolar é muito baixo. Nem todos os alunos disponibilizam de livro didático, sendo que o meu recurso foi elaborar a aula pelos meus próprios conhecimentos. Lembro-me do primeiro dia que entrei na sala. Mais ou menos 60 sorrisos para você, mas logo de início já apresentei meu nome e disse que a partir daquele momento eu seria Jucyara.
Sentirei muitas saudades deles, pois aprendi a cada segundo estando juntos com eles. Sobre a cultura, hábitos e modos de pensar, sobre como professor e alunos podem ser tão amigos e não perder o respeito, mesmo eu sendo mais nova que todos eles. Estarão sempre em meu coração.
Enfim, o tempo acabou. Feliz de ir? Sim, porque tenho certeza de ter realizado um bom trabalho. Saudades? Com certeza. Para sempre ficarão em minha mente, rostos sofridos, mas com sinal de um dia melhor. Permanecem em minha mente os dias de caminhadas para a aldeia, passando por crianças a gritar meu nome, passar pelo costureiro e dizer “salama”, ou pela Barraca do Mussa ou da Mama Sifa e tomar um refresco gelado.
Agradeço aos professores que nunca hesitaram em nos ajudar em qualquer situação, agradeço às “chapas” por nos levarem a destinos tão desconhecidos, aos elefantes que se fizeram presentes em um dia de viagem, aos macacos por tentarem roubar a comida perto de casa e ao leão que somente rugiu no mato atrás da casa e não chegou mais perto. Agradeço principalmente aos estudantes, pois sem eles não estaríamos aqui e não conseguiríamos fazer um bom trabalho. E acabo deixando uma frase que um estudante disse ter se inspirado em mim para escrever: “Quanto mais conhecimento eu adquiro, mais eu quero”. Parto feliz esperando que a vida destas pessoas realmente possa ser mais digna um dia!
-Juciara Prado *Especial para o Diário do Nordeste de Fortaleza-Brasil.
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Acrescento: Obrigado Juciara. Não em meu nome ou em nome dos que, sob o cómodo viver das cidades urbanas onde já chega algum progresso ou modernização, nem se aperceberam de seu trabalho, sacrifício e dedicação. Mas sim em nome do povo, aquele povo macua carente que, lá pelo mato esquecido, belo, selvagem de Bilibiza, Montepuez, Cabo Delgado e Moçambique recebeu sua Amizade, seus ensinamentos, seu sorriso bem ao jeito caloroso e brasileiro que atravessou o oceano e aportou no interior quase virgem de um Moçambique rico para uns poucos e pobre para uma imensa maioria desprotegida de tudo... Povo que, certamente, por si sente saudades já, sem saber como as manifestar! Nem como agradecer!