Independência 1 - O Primeiro de Janeiro - 24/06/2005:
Às zero horas do dia 25 de Junho de 1975, no estádio da Machava, a bandeira portuguesa era arreada e em seu lugar içada a da nova República Popular de Moçambique.
Foi o fim da presença portuguesa na ex-colónia do Índico e o primeiro minuto de um novo país independente.
Enquanto uns faziam as malas e vendiam apressadamente o que não podiam levar, a maioria da população de Lourenço Marques vivia, em Junho de 1974, o sonho da independência, acreditando que o destino de Moçambique só poderia melhorar.
Na elegante cidade do Índico, a iminente independência, acordada nove meses antes em Lusaca entre Portugal e a FRELIMO, “estava por todo o lado”, do cortejo de contentores em direcção ao aeroporto aos primeiros saltos de pára-quedas por ex-guerrilheiros, na praia da Costa do Sol.Samora Machel cumpria uma visita triunfal às províncias antes de voltar a Lourenço Marques para se tornar o primeiro presidente de Moçambique e na cidade a descolonização chegava aos monumentos com a retirada das estátuas de Mouzinho de Albuquerque, António Enes, cardeal Gouveia e Craveiro Lopes. “Vamos deitar para a fogueira do colonialismo o vício de duvidar”, escrevia-se no «Notícias», diário que nas vésperas do 25 de Junho aumentou bastante a sua secção de pequenos anúncios.
Eram muitos os que queriam vender casas e camiões, terrenos, recheios de habitação, quotas em sociedades, maquinaria agrícola, ao lado de anúncios de cavalheiros que procuravam senhoras “para formar lar feliz”.O mercado do pequeno anúncio era dominado pelos portugueses que partiam e pelos poucos que decidiam ficar e o povo moçambicano enchia as notícias dos comícios, da formação de comités dinamizadores e de angariação de fundos para o novo país.
Em Lisboa, aumentava a tensão entre as facções do Movimento das Forças Armadas (MFA) que conduziria ao 25 de Novembro, Angola e Timor-Leste estavam já no caminho da guerra civil, mas em Lourenço Marques apregoava-se que a “vida é uma festa”. Ou quase: “Fechado por ordens superiores”, anunciava um papel escrito à mão na porta do «cabaret» Tamila, depois dos guardiões do futuro regime terem antecipado a moral revolucionária na célebre rua Araújo, fechando estes bares e afastando as «táxi-girls».
A fé nos bons costumes revolucionários estendia-se a colunistas da imprensa que escreviam contra a exibição de filmes como «O colchão escaldante» ou «westerns» que prometiam “fantásticas cenas de pancadaria”.
Ainda em digressão pelas províncias, Machel avisava oito dias antes da independência que “a terra é do povo” e a religião apenas um compromisso individual.
O futuro presidente, indicado oficialmente pela FRELIMO para o cargo a 22 de Junho, prometia que o país iria apoiar o combate ao racismo sul-africano e rodesiano e o consulado geral da África do Sul na Beira fechava as suas portas.
Em sentido contrário, chegavam os novos amigos para prepararem grandes representações diplomáticas: União Soviética, China, Coreia do Norte, Cuba e de toda a “África negra”, como então se dizia.
Na ainda colonial Lourenço Marques cruzam-se dirigentes de libertação da África Austral, como Agostinho Neto (MPLA), Sam Nujoma (SWAPO), Oliver Tambo (ANC) e Joshua Nkomo (ZAPU), com dirigentes da social democracia nórdica, do leste europeu e representantes das monarquias marroquina e japonesa e do Partido do Congresso Indiano.
A delegação portuguesa à independência, chefiada por Vasco Gonçalves, incluía Melo Antunes, Álvaro Cunhal, Mário Soares e Otelo e teve a saudá-la, à partida da Portela, o coronel Jaime Neves, mostrando que todo o MFA estava ao lado do novo país.
Pela mesma altura, uma missão de Lisboa, liderada pelo jovem secretário de Estado da Cooperação Externa, Jorge Sampaio, ultimava, a poucas horas da independência, os dossiers do BNU, das telecomunicações e da Hidroeléctrica de Cahora Bassa, este ainda em aberto 30 anos depois.No Inverno ligeiramente frio e seco de Lourenço Marques, foi sob chuva torrencial que um cabo da marinha portuguesa arreou a bandeira nacional às zero horas do dia 25 de Junho de 1974 antes de ceder o palco a Alberto Chipande, o general maconde da FRELIMO, que içou a bandeira moçambicana.
A multidão que enchia o estádio da Machava e acompanhou com palmas ritmadas a mudança de bandeiras, ouviu então a estrofe que abria o novo hino do país - «Viva, viva a FRELIMO, guia do povo moçambicano» -, num prenúncio que o regime socialista de partido único estava já ao virar da esquina.
Um longo percurso foi então percorrido pelo novo país ao longo destes 30 anos...