O livro "Os Senhores da Floresta", da autoria do Prof. Eduardo Medeiros, docente do Departamento de Sociologia da Universidade de Évora e membro do Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades da UE, acaba de ser publicado pela "Campo das Letras". Esta obra constitui uma referência fundamental para a compreensão da temática dos ritos de iniciação das populações macua e lómué do norte de Moçambique. Sobre esta obra, leia o texto do Prof. Francisco Martins Ramos, Antropólogo e docente da UE. A obra que acaba de ser publicada pela "Campo das Letras" é uma referência fundamental para a compreensão da temática dos ritos de iniciação das populações macua e lómué do norte de Moçambique. Para além disso, devo realçar o facto de o Professor Eduardo da Conceição Medeiros ter colectado, analisado, sistematizado e explicado informação que corria o risco de se perder na voragem oportunista dos novos tempos, que primaram por branquear a história, a cultura e a memória de tradições moçambicanas ancestrais. A tese de doutoramento de Eduardo Medeiros, construída religiosamente ao longo de vários anos de trabalho de campo antropológico, é um documento etnográfico de valor incalculável para o entendimento das sociedades em estudo, num período crucial da vida moçambicana na sua dolorosa transição colonial para um estado soberano. O autor teve o bom senso, a capacidade intelectual e o sentido ético de doar ao Arquivo Histórico Moçambicano um acervo documental único, para benefício de outros investigadores, para salvaguarda da memória colectiva e para enriquecimento do património nacional. Tal atitude contrasta com oportunismos conjunturais baseados em inconfessáveis interesses pessoais que penalizam a comunidade e o bem comum. "Os Senhores da Floresta" sistematiza-se em cinco partes, constituídas por vários capítulos, que nos ajudam de maneira estruturada a seguir o pensamento do autor e o modo como aborda a problemática dos ritos de iniciação masculinos macua-lómué, em sociedades marcadas pelo seu perfil matrilinear. Apesar das vicissitudes porque passou o processo dos ritos de iniciação (tempo colonial, período de luta pela independência, guerra civil, período revolucionário da soberania e a fase última de consolidação da paz), Eduardo Medeiros apresenta uma análise diacrónica da forma e da substância dos "ritos de passagem" dos adolescentes, enfatizando o significado dos cerimoniais: "A iniciação constituía, antes de mais, um ensinamento progressivo destinado a familiarizar a pessoa com as significações do seu próprio corpo chegado à maturidade e com o significado que ela deveria dar ao universo que a envolvia". Esta investigação, apesar de se ter prolongado ao longo dos anos, foi uma verdadeira "pesquisa de urgência", designação atribuída a trabalhos antropológicos que abordam temas, situações, práticas e comportamentos em processo de mudança galopante ou em vias de extinção. O crédito desta salvaguarda vai todo para Eduardo Medeiros. Portugal, potência colonial, não aproveitou a possibilidade de alargar e aprofundar outros estudos antropológicos em Moçambique, quando apenas nos vem à ideia a investigação de Jorge Dias sobre os Macondes. Sem desprimor para muitos padres, administradores, missionários e militares anónimos que realizaram recolhas etnográficas de valor. Assim, "Os Senhores da Floresta" é um texto de leitura obrigatória e de reflexão permanente para todos aqueles que se interessam pela cultura moçambicana.
Francisco Martins Ramos Antropólogo - Universidade de Évora OnLine