9/29/07

Moçambique - Biocombustíveis, é a cura pior que a doença?

Espinhos da Micaia
Por Fernando Lima
Enquanto escrevo estas linhas, panificadores e industriais das farinhas deitam contas à vida se aumentam os preços do trigo moído ou se reduzem os volumes dos produtos fermentados.
Na Itália, as associações de consumidores lançam greves ao consumo da pasta, um protesto simbólico contra a alta do trigo.
No México, ainda não há muito tempo, o Governo foi surpreendido com um protesto monumental contra o aumento do preço da tortilla, um dos produtos básicos na América Latina feito a partir do milho.
Embora as causas sejam variadas para explicar a alta do trigo, o mais recente estudo da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) vem lembrar-nos que uma das principais consequências da conversão de cereais e derivados para a produção de biocombustíveis é o aumento dos preços nos produtos alimentares.
Temos assim que a euforia dos governantes moçambicanos inspirados no etanol brasileiro já nos está a bater à porta errada.
O estudo da OCDE tem um título sugestivo: biocombustíveis, é a cura pior que a doença?
E aponta, para além dos efeitos nos preços dos alimentos, que os novos combustíveis orgânicos não reduzem a volatilidade nos preços da energia nem o efeito estufa da produção de gazes para a atmosfera.
O entusiasmo local assenta na premissa que terra é o que há por demais e o facto de o país produzir tradicionalmente culturas de rendimento como algodão, tabaco e açúcar, não se traduzir mecanicamente em fomes nos extractos mais vulneráveis da população.
Sem se atirar para o caixote do lixo a opção biocombustível, será provavelmente mais ponderado avançar para certezas antes de se proclamarem paraísos de ouro e mel.
A semântica do discurso político teve recentemente de meter apressadamente no saco as hossanas à jatropha do dia seguinte, depois de um sem número de vozes mais ou menos avisadas aconselharem no recato de encontros não politizados, a necessidade de se reflectir melhor sobre opções de fundo que podem ter impactos perniciosos junto das comunidades rurais.
Se se assentar que a produção de novas fontes de geração de energia serão feitas em terras virgens, é preciso equacionar custos e investimentos em infra-estrutura de transporte e acesso, em desequilíbrios ambientais decorrentes de desflorestação, alteração das condições dos solos e complementos tão preciosos como é a água.
É preciso fazer contas e saber quanto custa a produção local de milho, açúcar ou arroz e a importação competitiva de sucedâneos. Fazer a avaliação do custo benefício.
São perguntas e respostas impróprias de comício político que precisam de tempo e seriedade de estudo nas opções.
Não é porque numa bela noite de luar um ministro sonha com a incorporação de mandioca no pão de trigo que os sacos de tubérculo seco produzidos em Nampula e na Zambézia começarão a inundar os principais centros de panificação.
Não é porque um jovem secretário permamente ficou entusiasmado com as tortillas e as enchiladas mexicanas que de repente os moçambicanos vão consumir mais milho "made in Mozambique" em prejuízo do trigo importado, já que o Chókwè e a Angónia ainda não chegam para as encomendas.
Sem estas ponderações e trabalho no duro, fora dos holofotes da política, não se produz seriedade nos anúncios sobre biodiesel.
O que sobra no momento actual são sobretudo os bionegócios, os "business" de terras em repouso que, sempre o mesmo grupo de eleitos, se prepara para oferecer para combater a pobreza absoluta.
Oferecer, pois, já que a lei continua a dizer que a terra não se comercializa.
SAVANA - 21.09.2007-Via Moçambique para Todos.

De Porto Amélia a Nangororo...

A casa da saudade chama-se memória: é uma cabana pequenina a um canto do coração.
(Henrique Maximiliano Coelho Neto - Romancista e contista brasileiro - 1864/ 1934)
Passo por lá todos os dias (ou madrugadas) para "tomar uns copos"...
É um Bar sem igual onde consigo "embriagar-me" descobrindo o som suave, cadente das ondas que buscam as areias brancas das praias de Pemba, a sombra dos palmares da Maringanha, o cantar das cigarras no tempo da primavera, o cheiro das acácias rubras e os Amigos que descobriram caminhos e horizontes diversos...
É, afinal, magia que suprime a distância e permite continuemos juntos e presentes em nossa Pemba, como conta e ensina Helena Vilas Boas:
Foi há muitos anos atrás.
Tantos, que até lhes perdi a conta.
Frequentava o Colégio Liceal de S.Paulo um grupo de alunos, onde imperava a amizade e camaradagem que perdura ao longo dos tempos.
Amigos, que quis o destino, um dia se separassem e cada um seguisse a sua caminhada pela longa estrada da vida, mas sem nunca se esquecerem uns dos outros.
Uns, foram partindo para a eterna caminhada, outros continuam lutando pela sua sobrevivência até quando a saúde lhes permitir.
Pois esse grupo de alunos era orientado pelo bem conhecido Padre Joaquim Antunes Lopes Valente, se a memória não me falha.
Homem de grandes conhecimentos, participativo,muito activo e empreendedor, adorava os seus alunos, preocupando-se com os seus estudos e pelos caminhos que iam trilhando na vida.
Participativo nas horas de recreio mas exigente nas aulas, estava sempre reclamando por uma melhoria nas notas.
Um dia resolveu proporcionar-nos uma visita de estudo até à Companhia Agrícola de Nangororo!
Sabendo ele que na dita companhia trabalhavam o Pai do Júlio Carrilho (Sr. José Franco Carrilho) e o meu Pai também (Jaime Correia de Sousa), resolveu por intermédio dos mesmos, chegar a um acordo com o Gerente, Sr . Soromenho e assim se fixou a data e os pormenores da viagem.
No dia aprazado, às 7 da manhã, lá estavam alguns dos muitos alunos que fizeram parte da visita!
E enquanto aguardávamos pela chegada do machimbombo, foram-nos tirando umas fotografias para a posteridade, fotografias essas que conservo com muito carinho ainda que envelhecidas pelo tempo...como nós! ... ... ...
E eis que finalmente chega o tão desejado machimbombo!
Um transporte colectivo de 50 lugares, que fazia regularmente a carreira Montepuez/P.Amélia e pertencia a ADELINO COELHO, Pai do Tó Coelho (Namarrocolo).
Toca a tomarem os seus lugares e lá vamos nós cantando e rindo, todos felizes, na companhia de quase todos os Professores/as que compunham o quadro de ensino do nosso Colégio.
Rumámos em direcção ao Alto Gingone, passámos em frente ao aeroporto por uma estrada de terra batida, que deixava um rasto de poeira vermelha tonalidade muito característica daquelas terras.
Daí a pouco e já de rota batida, passámos em frente à casa do Dias da cal, homem de muitos afazeres e com uma magnífica prole que vivia na sua humilde casinha rodeada de uma grande extensão de cajueiros e mangueiras, onde se respirava aquele cheirinho tão característico de África!
Pouco depois já atravessávamos os terrenos do Sr. Karling, um alemão que habitava para os lados do Miéze e de seguida estávamos a passar ligeiros por Muaguide/Metuge, rumo a Nangororo.
Quando chegámos ao alto da colina donde se avistava praticamente uma grande extensão de terreno a perder de vista, toda ela pertencente à Companhia, o machimbombo parou para contemplarmos a paisagem imponente, que se apresentava aos nossos olhos.
Hectares enormes de sisal, de diversos tamanhos, plantados por mãos de mestre, alinhados em autênticos corredores de um verde intenso, onde se destacavam de vez em quando na paisagem, um ou outro embondeiro ou uma ou outra sumaumeira.
Então começámos a descida até ao Rio Ride, atravessando a ponte, que apesar de estreita tinha sido bem construída.
Era impressionante.
Olhando para o fundo, o rio corria por um desfiladeiro muito estreito e as suas margens eram perigosas devido ao declive.
No entanto, por altura das cheias, as águas inundavam tudo, deixando de se ver inclusivé a ponte, ficando a população isolada por terra, vindo as mercadorias que necessitavam através de "machileiros" que, por mar, iam e vinham, fazendo o trajecto entre Nangororo/P.Amélia, desembarcando ora em Bandar, ora na Missanja, dependendo do vento, das correntes marítimas, da chuva, fazendo depois todo o percurso a pé!
Transposto o Rio Ride, entrámos na recta final com destino aos escritórios, não sem antes passarmos pelos acampamentos dos contratados, que trabalhavam na dita companhia.
Ainda tivemos oportunidade de vislumbrar um comboio carregado de sisal, que lentamente se deslocava pela planície, arrastando as suas "zorras" com destino à fábrica de transformação, mais se assemelhando a uma enorme serpente deambulando pela selva africana!
Ao chegarmos ao destino, já nos aguardava o Sr. Soromenho, gerente da dita compª. que prontamente entrou na viatura e nos serviu de cicerone.
Levou-nos até à Marunga e Kelimaquito e posteriormente à fábrica.
Aqui merece um certo destaque a visita .
Observámos a colocação das folhas de sisal recolhidas em bruto numa passadeira rolante que as conduzia para uma prensa, onde sob jactos de água a polpa da folha se ia soltando (vulgo taca-taca) e restavam os fios amarelados, que eram transportados para uns estandais e aí ficavam a corar e a secar até que estivessem capazes de serem enfardados e enviados em navios para a Alemanha.
Ao meio dia estávamos de regresso aos escritórios que tinham sofrido uma enorme transformação, pois era a sala de recepção aos Professores e Alunos que os honraram com a sua visita.
Havia de tudo um pouco. Desde os salgados aos variados doces, todos eles feitos pelas hábeis e prendadas mãos das várias Senhoras que fizeram parte da organização e recepção.
No final fomos saindo e tomando um ar fresco debaixo das acácias, outros jogando à linha e ao ringue, outros ao paulito, outros ainda deixando-se fotografar para a posteridade...
E, enquanto divertíamo-nos, os mais "velhos" iam trocando impressões em amena cavaqueira !
E assim se foi aproximando a hora da partida... ... ...
Meus Amigos, muito chorei eu!
Não dá para relatar....eheheheh!
Ainda por cima, o Padre Valente lembrou-se, em sinal de agradecimento, de cantarmos todos a tradicional canção "CHEGOU A HORA DO ADEUS IRMÃO, VAMOS PARTIR...
Recordo-me muito bem de olhar para o Júlio Carrilho...Até ele chorava!
Mas tinhamos que regressar e para animar a malta, todo o caminho cantaram o Frère Jacques , o kossac cow-boy kossac, entre outras, mas eu é que viajei todo o tempo muda que nem um penedo, sonhando com o sítio onde muito aprendi da vida selvagem, caçadas, pescarias, batuques durante a noite, enfim onde durante anos fui muito feliz e onde sonho regressar um dia!
Abraços a todos vós.
Lena Sousa
In - Bar da Tininha - MSN - 28/09/07 - onde poderão encontrar fotos de Helena Vilas-Boas com alguns Amigos e alunos do Colégio de São Paulo, pertencente à época à Diocese de Porto Amélia e funcionando inicialmente nas instalações da antiga Escola D. Francisco de Almeida, recordando aquele dia passado em Nangororo. Complemento que a autora do texto, porque seu Pai Jaime Correia de Sousa era funcionário da Companhia Agricola de Nangororo, cresceu práticamente na povoação de Nangororo, só se deslocando a Porto Amélia para formação colegial.