9/23/12

OS IGNORADOS

Falo-vos da África dos matos sem fim,
Dos ecos perdidos no capim,
Das picadas vermelhas mas livres,
Tão livres como a liberdade.
Em cada curva uma palmeira,
Em cada lugar uma saudade,
Em cada sorriso uma clareira
De brancura e de amizade.

Falo-vos das noites de encantamento,
Das queimadas para lá do pensamento,
Da lua a beijar a baía de Pemba,
Do batuque e das esteiras na temba
Onde o meu corpo se satisfazia
Em outro corpo que, depois, dizia:
« São cinco quinhentas, patrão! »
E eu, cá dentro, aqui onde bate o coração,
Nem sei o que sentia.
Só sei que, depois, voltava
Com mais quinhentas na mão,
Roído pelo tédio e a solidão.

Falo-vos dos poemas proibidos,
Alguns esquecidos,
Outros lembrados
E agora publicados.

Falo-vos dos loucos a berrarem no entardecer,
Das sentinelas a dispararem para a escuridão
Com o medo aos saltos, na indecisão
Da manhã que não se sabe se vai nascer.

Falo-vos dos rios em que lavei o rosto,
Matei a sede ao sol- posto,
Gritei que não queria a guerra,
Mas não desertaria da minha terra.

Falo-vos da África onde não voltarei
Para matar a fome das minhas recordações,
Abraçar os irmãos que deixei
E lamber as feridas de todas as desilusões.

Falo-vos da África dos nossos soldados,
Dos seus sorrisos e dos seus abraços,
Uns, já mortos, outros, vivos-despedaçados,
Mas, todos eles, ignorados.

- De M. Nogueira Borges* extraído com autorização do autor de sua obra "O Lagar da Memória".
  • Também pode ler M. Nogueira Borges no blogue "Escritos do Douro". *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua. A imagem ilustratrativa acima representa parte do Parque Tsavo no Quénia/África e foi recolhida no site "Viajologia-Época-Viajando com Haroldo Castro". Composta/editada em PhotoScape, poderá ser ampliada clicando com o mouse/rato.

7/26/12

AS FESTAS DE SÃO JOÃO BATISTA DO IBO, NO ANO DE 1900

PARA A HISTÓRIA DE CABO DELGADO-MOÇAMBIQUE 
AS FESTAS DE SÃO JOÃO BATISTA DO IBO, NO ANO DE 1900 
Carlos Lopes Bento "1"

A leitura do quinzenário O NYASSA, começado a publicar no Ibo, no primeiro dia do ano de 1900, deu-me a conhecer importantes notícias de natureza social, que nos ajudam a compreender melhor a realidade sócio-cultural e económica da vila do Ibo e demais lugares do seu concelho e de Cabo Delgado, no último ano do século XIX.

Comecarei este trabalho de divulgação, pelas notícias publicadas, nos números 11 a 15, da sua folha quinzenal, relativas aos festejos de São João Batista, o Precursor, padroeiro da Vila do Ibo.

Um grupo de militares em serviço na Vila do Ibo, em missão de serviço, lembrou-se deauxiliar a população mais desfavorecida da ilha. Para levar a efeito a sua louvável ebenemérita iniciativa, criou, em Maio de 1900, uma Comissão, para a qual convidoualgumas pessoas ilustres da Vila.

Seguem-se alguns excertos das notícias publicadas, entre Maio e Agosto de 1900:
Clique para ampliar.



"1" - Antropólogo. Administrador dos concelhos dos Macondes, Ibo e Pemba, entre 1967 e 1974. Diretor-Tesoureiro da Sociedade de Geografia de Lisboa.


  • Fotos do Dr. Carlos Lopes Bento sobre a Ilha do Ibo
  • O Dr. Carlos Lopes Bento no Google
  • A Ilha do Ibo no ForEver PEMBA
  • Colaboração do Dr. Carlos Lopes Bento. Edição de J. L. Gabão para o blogue "ForEver PEMBA" em Julho de 2012. Permitida a copia, reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos.

    7/25/12

    Recortes - Moçambique: a maldição da abundância?

    25/7/2012 15:32,  Por Boaventura de Sousa Santos

    A “maldição da abundância” é uma expressão usada para caracterizar os riscos que correm os países pobres onde se descobrem recursos naturais objeto de cobiça internacional. A promessa de abundância decorrente do imenso valor comercial dos recursos e dos investimentos necessários para o concretizar é tão convincente que passa a condicionar o padrão de desenvolvimento económico, social, político e cultural.

    Os riscos desse condicionamento são, entre outros: crescimento do PIB em vez de desenvolvimento social; corrupção generalizada da classe política que, para defender os seus interesses privados, se torna crescentemente autoritária para se poder manter no poder, agora visto como fonte de acumulação primitiva de capital; aumento em vez de redução da pobreza; polarização crescente entre uma pequena minoria super-rica e uma imensa maioria de indigentes; destruição ambiental e sacrifícios incontáveis às populações onde se encontram os recursos em nome de um “progresso” que estas nunca conhecerão; criação de uma cultura consumista que é praticada apenas por uma pequena minoria urbana mas imposta como ideologia a toda a sociedade; supressão do pensamento e das práticas dissidentes da sociedade civil sob o pretexto de serem obstáculos ao desenvolvimento e profetas da desgraça. Em suma, os riscos são que, no final do ciclo da orgia dos recursos, o país esteja mais pobre econômica, social, política e culturalmente do que no seu início. Nisto consiste a maldição da abundância.

    Depois das investigações que conduzi em Moçambique entre 1997 e 2003 visitei o país várias vezes. Da visita que acabo de fazer colho uma dupla impressão que a minha solidariedade com o povo moçambicano transforma em dupla inquietação. A primeira tem precisamente a ver com a orgia dos recursos naturais. As sucessivas descobertas (algumas antigas) de carvão (Moçambique é já o sexto maior produtor de carvão a nível mundial), gás natural, ferro, níquel, talvez petróleo anunciam um El Dorado de rendas extrativistas que podem ter um impacto no país semelhante ao que teve a independência. Fala-se numa segunda independência. Estarão os moçambicanos preparados para fugir à maldição da abundância? Duvido.

    As grandes multinacionais, algumas bem conhecidas dos latino-americanos, como a Rio Tinto e a brasileira Vale do Rio Doce (Vale Moçambique) exercem as suas atividades com muito pouca regulação estatal, celebram contratos que lhe permitem o saque das riquezas moçambicanas com mínimas contribuições para o orçamento de estado (em 2010 a contribuição foi de 0,04%), violam impunemente os direitos humanos das populações onde existem recursos, procedendo ao seu reassentamento (por vezes mais de um num prazo de poucos anos) em condições indignas, com o desrespeito dos lugares sagrados, dos cemitérios, dos ecossistemas que têm organizado a sua vida desde há dezenas ou centenas de anos.

    Sempre que as populações protestam são brutalmente reprimidas pelas forças policiais e militares. A Vale é hoje um alvo central das organizações ecológicas e de direitos humanos pela sua arrogância neo-colonial e pelas cumplicidades que estabeleceu com o governo. Tais cumplicidades assentam por vezes em perigosos conflitos de interesses, entre os interesses do país governado pelo Presidente Guebuza e os interesses das empresas do empresário Guebuza donde podem resultar graves violações dos direitos humanos como quando o ativista ambiental Jeremias Vunjane, que levava consigo para a Conferência da ONU, Rio+20, denúncias dos atropelos da Vale, foi arbitrariamente impedido de entrar no Brasil e deportado (e só regressou depois de muita pressão internacional), ou quando, às organizações sociais é pedida uma autorização do governo para visitar as populações reassentadas como se estas vivessem sob a alçada de um agente soberano estrangeiro.

    São muitos os indícios de que as promessas dos recursos começam a corromper a classe política de alto a baixo e os conflitos no seio desta são entre os que “já comeram “ e os que “querem também comer”. Não é de esperar que nestas condições, os moçambicanos no seu conjunto beneficiem dos recursos. Pelo contrário, pode estar em curso a angolanização de Moçambique. Não será um processo linear porque Moçambique é muito diferente de Angola: a liberdade de imprensa é incomparavelmente superior; a sociedade civil está mais organizada; os novos-ricos têm medo da ostentação porque ela zurzida semanalmente na imprensa e também pelo medo dos sequestros; o sistema judicial, apesar de tudo, é mais independente para atuar; há uma massa crítica de acadêmicos moçambicanos credenciados internacionalmente capazes de fazer análises sérias que mostram que “o rei vai nu”.

    A segunda impressão/inquietação, relacionada com a anterior, consiste em verificar que o impulso para a transição democrática que observara em estadias anteriores parece estancado ou estagnado. A legitimidade revolucionária da Frelimo sobrepõe-se cada vez mais à sua legitimidade democrática (que tem vindo a diminuir em recentes atos eleitorais) com a agravante de estar agora a ser usada para fins bem pouco revolucionários; a partidarização do aparelho de estado aumenta em vez de diminuir; a vigilância sobre a sociedade civil aperta-se sempre que nela se suspeita dissidência; a célula do partido continua a interferir com a liberdade acadêmica do ensino e investigação universitários; mesmo dentro da Frelimo, e, portanto, num contexto controlado, a discussão política é vista como distração ou obstáculo ante os benefícios indiscutidos e indiscutíveis do “desenvolvimento”. Um autoritarismo insidioso disfarçado de empreendorismo e de aversão à política (“não te metas em problemas”) germina na sociedade como erva daninha.

    Ao partir de Moçambique, uma frase do grande escritor moçambicano Eduardo White cravou-se em mim e em mim ficou: “nós que não mudamos de medo por termos medo de o mudar” (Savana, 20-7-2012). Uma frase talvez tão válida para a sociedade moçambicana como para a sociedade portuguesa e para tantas outras acorrentadas às regras de um capitalismo global sem regras.

    - Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal). Transcrição do "Jornal do Brasil".

    7/24/12

    DICIONÁRIO DE NOMES GEOGRÁFICOS DE MOÇAMBIQUE - PORTO AMÉLIA

    Clique nas imagens para ampliar. A citação a Porto Amélia é nas páginas 131 e 132
    Leia aqui:
    DICIONÁRIO DE NOMES GEOGRÁFICOS DE MOÇAMBIQUE - Sua Origem da autoria de António Cabral ("hospedado" na net por Malhanga (Magno Antunes) em Biblioteca Moçambique)