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Angola: "Misses" amputadas por minas terrestres sobem ao palco para iluminar luta contra a discriminação.
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Luanda, 01 Abr (Lusa) - Maria Teresa Jacob, 18 anos, Margarida José, 32, Albertina Rosa, 37, têm em comum a nacionalidade angolana, serem mulheres e um passado onde uma mina lhes amputou o corpo e condicionou a vida para sempre
Para o futuro contam com a condição de "Miss Sobrevivente de Minas" como instrumento para melhorar a vida, abandonar a ideia de serem meras sobreviventes e lutar contra a discriminação, que, como contou Maria Teresa à Agência Lusa, a "miss" de Benguela, "muitas vezes é mais fatal" do que os engenhos explosivos.
É já na quarta-feira, no Hotel Trópico, de Luanda, local onde muitos dos dirigentes mundiais que visitam Angola pernoitam, que as 18 "misses", uma por cada província angolana, esperam poder convencer o "mundo possível" - esta expressão é de Margarida José - a apoiar todos aqueles que lutam "mais contra a discriminação" do que contra "o azar" de terem visto a vida "decepada" por um inimigo "traiçoeiro e invisível".
O momento é quando as 18 mulheres subirem ao palco mostrando o "glamour" que as escondidas minas terrestres "não conseguiram apagar", como lembrou Maria Teresa Jacob. Aos 18 anos, a estudar na 10ª classe, vê, assim, "cumprir um sonho que não sabia que tinha", o de se passear num concurso de beleza, mesmo quando falava "com as amigas de beleza e moda", uma "paixão antiga".
O inimigo "traiçoeiro e invisível" apareceu no caminho de Maria Teresa quando tinha sete anos, em Kalekembe, Huila, durante um passeio com a sua avó. Ficou sem uma perna, mas não deixou de "caminhar" para "ir construindo a vida", mesmo que "tenha sido muito difícil manter a escola".
O grande problema de Maria Teresa é poder sustentar a sua ambição de continuar a estudar e lança para a conversa com a Lusa "a maka (problema) do dinheiro", porque é disso que se trata, quando não existem outros apoios, para poder "ir fazendo" o tal caminho.
Maria Teresa é, apesar de tudo, uma privilegiada, tendo em conta que das 18 "misses" é a única que conseguiu chegar "longe" na escola.
"É muito triste reparar que muitas destas pessoas" - apontando para as outras 17 concorrentes - "nem sequer foram à escola ou então não passaram da segunda classe por causa disto". E "isto" são as pernas e os corpos amputados.
Com uma postura díspar da de Maria Teresa, Margarida José é lacónica quando confrontada com a questão sobre o futuro: "Ainda não melhorou nada na minha vida" a condição de "miss minas". Mas deixa cair para o fim da frase"ainda!", palavra que dita solta em Angola pressupõe uma expectativa de que algo mude em breve.
Margarida José tinha 20 anos quando, a caminho da lavra, na província do Zaire, norte de Angola, viu a sua perna esquerda estilhaçada por uma mina. "Caí de manhã cedo, cheguei ao hospital à noite."
Para os dias vindouros, Margarida José não quer muito. Alguma independência para si e para a sua filha de 14 anos. Para isso espera que a participação neste concurso lhe permita angariar apoios para uma ideia antiga.
"Quero poder criar uma cantina no Zaire onde as pessoas possam ir comer. Que possam ter a certeza de que têm uma refeição antes de poderem pensar em soluções para as suas vidas". Eventuais apoios? "Espero que o governo provincial me apoie, apoiando também todos os outros necessitados."
Albertina Rosa repete uma história de vida tão trágica quanto as outras. Tantas vezes contada que, como diz, parece que "quanto mais se conta mais se esquece".
Albertina ficou sem o seu membro esquerdo inferior em 1995, quando a viatura em que viajava accionou uma mina. "Saía da casa dos meus pais, na comuna do Lucapa, para o Dundo (capital da província) quando... pummm."
Na altura tinha 24 anos. "Senti-me muito mal depois do acidente, não conseguia imaginar como iria ser a minha vida depois daquilo", disse.
Mas este sentimento, segundo Albertina, passou e a esperança voltou quando em 1997 surgiu a possibilidade de ir a Luanda, capital de Angola, colocar uma prótese.
"Antes eu andava de muletas e era tudo muito difícil, mas depois com a prótese passei a encarar a minha vida com mais facilidade", frisou.
A prótese é fundamental. Se não muda uma vida, este aparelho pode pelo menos mudar a forma esta é encarada.
O prémio para a candidata que ganhar o concurso Miss Sobrevivente de Minas é uma moderna prótese.
Só que para Albertina, "ser moderno é não discriminar. É apoiar quem precisa apenas de uma oportunidade..."
Na quarta-feira, o Hotel Trópico, no centro de Luanda, assiste à tentativa de mudança de vida destas 18 mulheres que dizem representar as milhares de vítimas das minas terrestres em Angola, "um bocadinho hoje, muito amanhã", como disse à Lusa a concorrente de Benguela, Maria Teresa.
Apesar de todos os esforços do programa de desminagem, as Nações Unidas alertam para a existência de dezenas de milhares de minas que permanecem espalhadas pelo território de Angola, considerado o país com mais campos minados de todo o continente africano.
Segundo dados do último relatório sobre as minas em Angola, da Electronic Mine Information Network (uma rede de informação sobre minas), mais de dois milhões de pessoas foram afectadas por explosões de engenhos explosivos no país.
Por ano, entre 300 e 400 pessoas morrem ou perdem membros do corpo em Angola.
Elsa Cristina Neto, da sub-comissão de Apoio à Reinserção Social da Comissão Nacional Intersectorial de Desminagem e Assistência Humanitária em Angola, sabe que não se podem apagar do mapa todos os engenhos enterrados por todo o país há mais de 40 anos.
Mas sabe que se pode combater o estigma social a que as amputações sujeitaram estas mulheres. E lembra que esta iniciativa tem esse objectivo.
O projecto Miss Sobrevivente de Minas 2008 foi idealizado pelo artista norueguês Morten Traavik, seguindo a tradição de concursos de beleza em Angola.
O concurso de beleza, Miss Sobrevivente de Minas 2008, conta com a colaboração do governo angolano, através da comissão nacional intersectorial de desminagem e assistência humanitária (CNIDAH).
Financiado pela União Europeia, a mais bela será conhecida quarta-feira, dia 2 de Abril, no Hotel Trópico de Luanda, onde as candidatas vão ser avaliadas pelo juri.
Hoje termina a votação pela Internet (http://www.miss-landmine.org/).
"Temos que dar uma atenção especial às mulheres vítimas de minas porque a sua condição de género já é por si um problema e são elas as principais vítimas deste problema", frisou.
Luanda, 01 Abr (Lusa) - Maria Teresa Jacob, 18 anos, Margarida José, 32, Albertina Rosa, 37, têm em comum a nacionalidade angolana, serem mulheres e um passado onde uma mina lhes amputou o corpo e condicionou a vida para sempre
Para o futuro contam com a condição de "Miss Sobrevivente de Minas" como instrumento para melhorar a vida, abandonar a ideia de serem meras sobreviventes e lutar contra a discriminação, que, como contou Maria Teresa à Agência Lusa, a "miss" de Benguela, "muitas vezes é mais fatal" do que os engenhos explosivos.
É já na quarta-feira, no Hotel Trópico, de Luanda, local onde muitos dos dirigentes mundiais que visitam Angola pernoitam, que as 18 "misses", uma por cada província angolana, esperam poder convencer o "mundo possível" - esta expressão é de Margarida José - a apoiar todos aqueles que lutam "mais contra a discriminação" do que contra "o azar" de terem visto a vida "decepada" por um inimigo "traiçoeiro e invisível".
O momento é quando as 18 mulheres subirem ao palco mostrando o "glamour" que as escondidas minas terrestres "não conseguiram apagar", como lembrou Maria Teresa Jacob. Aos 18 anos, a estudar na 10ª classe, vê, assim, "cumprir um sonho que não sabia que tinha", o de se passear num concurso de beleza, mesmo quando falava "com as amigas de beleza e moda", uma "paixão antiga".
O inimigo "traiçoeiro e invisível" apareceu no caminho de Maria Teresa quando tinha sete anos, em Kalekembe, Huila, durante um passeio com a sua avó. Ficou sem uma perna, mas não deixou de "caminhar" para "ir construindo a vida", mesmo que "tenha sido muito difícil manter a escola".
O grande problema de Maria Teresa é poder sustentar a sua ambição de continuar a estudar e lança para a conversa com a Lusa "a maka (problema) do dinheiro", porque é disso que se trata, quando não existem outros apoios, para poder "ir fazendo" o tal caminho.
Maria Teresa é, apesar de tudo, uma privilegiada, tendo em conta que das 18 "misses" é a única que conseguiu chegar "longe" na escola.
"É muito triste reparar que muitas destas pessoas" - apontando para as outras 17 concorrentes - "nem sequer foram à escola ou então não passaram da segunda classe por causa disto". E "isto" são as pernas e os corpos amputados.
Com uma postura díspar da de Maria Teresa, Margarida José é lacónica quando confrontada com a questão sobre o futuro: "Ainda não melhorou nada na minha vida" a condição de "miss minas". Mas deixa cair para o fim da frase"ainda!", palavra que dita solta em Angola pressupõe uma expectativa de que algo mude em breve.
Margarida José tinha 20 anos quando, a caminho da lavra, na província do Zaire, norte de Angola, viu a sua perna esquerda estilhaçada por uma mina. "Caí de manhã cedo, cheguei ao hospital à noite."
Para os dias vindouros, Margarida José não quer muito. Alguma independência para si e para a sua filha de 14 anos. Para isso espera que a participação neste concurso lhe permita angariar apoios para uma ideia antiga.
"Quero poder criar uma cantina no Zaire onde as pessoas possam ir comer. Que possam ter a certeza de que têm uma refeição antes de poderem pensar em soluções para as suas vidas". Eventuais apoios? "Espero que o governo provincial me apoie, apoiando também todos os outros necessitados."
Albertina Rosa repete uma história de vida tão trágica quanto as outras. Tantas vezes contada que, como diz, parece que "quanto mais se conta mais se esquece".
Albertina ficou sem o seu membro esquerdo inferior em 1995, quando a viatura em que viajava accionou uma mina. "Saía da casa dos meus pais, na comuna do Lucapa, para o Dundo (capital da província) quando... pummm."
Na altura tinha 24 anos. "Senti-me muito mal depois do acidente, não conseguia imaginar como iria ser a minha vida depois daquilo", disse.
Mas este sentimento, segundo Albertina, passou e a esperança voltou quando em 1997 surgiu a possibilidade de ir a Luanda, capital de Angola, colocar uma prótese.
"Antes eu andava de muletas e era tudo muito difícil, mas depois com a prótese passei a encarar a minha vida com mais facilidade", frisou.
A prótese é fundamental. Se não muda uma vida, este aparelho pode pelo menos mudar a forma esta é encarada.
O prémio para a candidata que ganhar o concurso Miss Sobrevivente de Minas é uma moderna prótese.
Só que para Albertina, "ser moderno é não discriminar. É apoiar quem precisa apenas de uma oportunidade..."
Na quarta-feira, o Hotel Trópico, no centro de Luanda, assiste à tentativa de mudança de vida destas 18 mulheres que dizem representar as milhares de vítimas das minas terrestres em Angola, "um bocadinho hoje, muito amanhã", como disse à Lusa a concorrente de Benguela, Maria Teresa.
Apesar de todos os esforços do programa de desminagem, as Nações Unidas alertam para a existência de dezenas de milhares de minas que permanecem espalhadas pelo território de Angola, considerado o país com mais campos minados de todo o continente africano.
Segundo dados do último relatório sobre as minas em Angola, da Electronic Mine Information Network (uma rede de informação sobre minas), mais de dois milhões de pessoas foram afectadas por explosões de engenhos explosivos no país.
Por ano, entre 300 e 400 pessoas morrem ou perdem membros do corpo em Angola.
Elsa Cristina Neto, da sub-comissão de Apoio à Reinserção Social da Comissão Nacional Intersectorial de Desminagem e Assistência Humanitária em Angola, sabe que não se podem apagar do mapa todos os engenhos enterrados por todo o país há mais de 40 anos.
Mas sabe que se pode combater o estigma social a que as amputações sujeitaram estas mulheres. E lembra que esta iniciativa tem esse objectivo.
O projecto Miss Sobrevivente de Minas 2008 foi idealizado pelo artista norueguês Morten Traavik, seguindo a tradição de concursos de beleza em Angola.
O concurso de beleza, Miss Sobrevivente de Minas 2008, conta com a colaboração do governo angolano, através da comissão nacional intersectorial de desminagem e assistência humanitária (CNIDAH).
Financiado pela União Europeia, a mais bela será conhecida quarta-feira, dia 2 de Abril, no Hotel Trópico de Luanda, onde as candidatas vão ser avaliadas pelo juri.
Hoje termina a votação pela Internet (http://www.miss-landmine.org/).
"Temos que dar uma atenção especial às mulheres vítimas de minas porque a sua condição de género já é por si um problema e são elas as principais vítimas deste problema", frisou.
- Angola elege Miss Mina Terrestre I...post de 15/Jan/2008 - Aqui !
Que coisa macabra, hein !
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