1/24/06

A PEMBA do Júlio Carrilho - QUITÉQUETEH (final)


QUITÉQUETEH
Uma oportunidade de estudo
Pemba, capital da Província de Cabo Delgado, é a cidade onde se localizou o tema de trabalho dos alunos da licenciatura da Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da UEM durante o ano lectivo de 2003/2004.
Foi uma boa ocasião para observarmos a cidade, ouvirmos e vermos as razões do desenho e das pessoas, de modo a tentar compreender melhor as razões da arquitectura das áreas em estudo. Estamos perante uma realidade fortemente marcada por contrastes, como acontece com todas as cidades moçambicanas e, de uma maneira geral, com quase todas as cidades por este mundo afora.
Porque a cidade, para além de ser o tipo de aglomerado humano onde a democracia se afirmou como tal, é também a forma de organização espacial humana onde talvez sejam mais visíveis a desigualdade, o desnivelamento social, a luta pelo alcance de metas ou descons­trução das vidas, o exacerbamento de paixões; mas também o sítio da construção frenética, do aparente conforto extremo, do desenvolvimento, da discussão criado­ra, das mentes julgadas mais livres..., por vezes mesmo reféns do seu apego à liberdade.
Tudo isto é bem visível no núcleo inicial do actual bairro de Paquitequete, o mais velho assentamento informal da cidade.
Talvez mesmo um núcleo mais velho do que a própria cidade: a sua povoação de origem?
É sobre este assentamento inicial e mais antigo da zona informal da cidade de Pemba que incidirá a presente análise.
O Bairro Paquitequete está hoje definido como sendo uma agregação de quatro zonas: a zona A, B e C que coincidem respectivamente com os antigos bairros de Quitéqueteh (genericamente designado também por Paquitequete e que incluía a zona do Cufungu), Cumissete/Cuparata e Cumilamba.
No seu conjunto, o Bairro assim definido possuía 9162 habitantes em 1997, distribuídos por 1665 casas.
É servido por quatro escolas primárias, sendo duas do EP1 e uma do EP2, possui um Posto Médico novo, desde meados de 2004 e duas Mesquitas, sendo uma delas, a maior, o edifício mais importante das redondezas.
Neste trabalho abordaremos aspectos espaciais e arquitectónicos apenas da parte mais antiga do actual bairro de Paquitequete (e que hoje se estendeu ao conjunto das quatro zonas referidas), o qual, daqui em diante passaremos a designar por (Pa)Quitéqueteh.

O bairro de Paquitequete: designação e preexistências.
Custa-me apelidá-lo de informal pela sua idade; pela sua personalidade; pela delicadeza da sua gente cheia de regras, de cumprimentos formais, de tradições e de mitos.
Lugares assim como este só são informais porque as leis dos Estados que temos, não apenas no nosso país, não souberam ainda caber neles.
Disse-me um velho morador da cidade, outrora residente no bairro, que o seu nome original não era esse.
Quitéqueteh não foi sempre Quitéqueteh.
Aqui passo as estórias seguintes sem documento escrito que as fundamentem:
- diz-me o Sr. Jacob Mamudo que o nome original, antes mesmo do início do séc. XX, teria sido M'pira ou Nu Pa'mpira.
Sendo Pa'mpíra, era de supor que o nome do lugar resultasse de quaisquer árvores-da-borracha que ali tivessem existido.
O tipo de flora que hoje ali se vê, bem como o típo de solo que caracteriza o local levam-me a duvidar desta explicação.
É dúvida, e não certeza da sua impossi­bilidade, porque está documentada a existência, em tempos idos, do negócio da borracha, o qual atraía mercadores para a região, havendo gente que se lhe refira ainda agora.
De resto, também ainda hoje é possível ver crianças de localidades do litoral Norte de Cabo Delgado, nomeadamente na região de Macomia, a brincarem com bolas feitas com um látex esbranquiçado e translúcido, com um comportamento semelhante aos das normais bolas de borracha.
Quanto à expressão Nu P'ampíra, ela resultaria do facto de o pequeno assentamento, de que eventualmente surgiu o actual bairro, ter tido como chefe local uma senhora de nome Pampíra, e daí Nu Pampíra, o que, traduzido para o português, seria a Senhora Pampíra.
Será?
Cá está um tema interessante para os historiadores, antropólogos, botânicos e outros especialistas, de modo a discernirem sobre a verdade dos factos.
O certo é que, em mapa de Jerónimo Romero, de 1860, no qual a praia localizada na zona do actual bairro de Paquitequete aparece com a designação de Pampira.
E mais ainda: a versão da tradição oral que atribui a origem do nome do bairro à designação M'pira ou Mepira também encontra apoio no mapa de Serpa Pinto, de 1984/53.
Interessante, esta coincidência entre as fontes orais actuais e os documentos antigos.
Outras versões:
- Disseram-me também que, quando no início da primeira década do séc. XX, a sede da Companhia do Niassa mudou provisoriamente do Ibo para Pemba – a Porto Amélia do tempo colonial, nome de uma rainha portuguesa, à maneira da Port Elisabeth sul-africana em nome da rainha inglesa - os pequenos funcionários da administração colonial no Ibo, maioritariamente mestiços e assimilados e outros habitantes da ilha, se estabeleceram naquele bairro.
Era um local povoado, com espaço disponível, e próximo do pequeno estabelecimento formal que hoje configura a parte mais velha (e também a parte mais abandonada) da actual Pemba, a antiga Baixa da cidade, outrora ocupada pelas elites comercial e administrativa do lugar e por algumas instituições.
E deram ao bairro o nome que hoje ostenta: Paquitequete, ou seja, na língua kimwani, «no lugar onde as pessoas residem», ou «no lugar onde há uma aglomeração de pessoas», ou, mais livre­mente, «no povoado».
- Segundo o antigo Presidente do bairro, o Sr. Ahmada Abdala, os velhos do bairro dizem que o lugar em que se ele se erigiu se teria chamado inicialmente Pa Nuno, que quer dizer "o lugar da senhora" (de novo a referência a uma tal senhora local); e que o actual nome do bairro - Paquitequete - deriva da palavra Kutéqueterah, que significa "o acto de sumir sem deixar rasto, o acto de alguém deixar de ser visto no meio de uma densa mata, por exemplo".
Também se referiu à existência de arbustos parecidos com as mandioqueiras, que davam um látex do tipo da borracha, com o nome local de m'pira, dos quais existiriam ainda alguns espécimes em 1950.
De uma das formas descritas por estes testemunhos, ou de parte delas, ou ainda de outras formas, se teria fixado a actual designação do bairro.
Será?
E qual delas é válida?
Da maioria destas versões ressalta a ideia de que o lugar era ocupado por densa vegetação, a qual, de algum modo, teria estado relacionada com a sua designação em algum momento da sua história, e que esse lugar possuía espaço que podia ser reconvertido para ocupação humana, próximo do centro comercial do novo estabelecimento da elite ligada ao poder colonial.
Este local tinha a vantagem de estar dele separado por uma língua de mar, evitando promiscuidades indesejáveis para os colonos e, simultaneamente, permitindo aos novos residentes locais uma maior independência de organização segundo as normas e os usos da sua cultura.
Em conclusão: independentemente das explicações e origem do nome do bairro, ele localiza-se numa mancha de solos dunares de uma língua de terras baixas separada, por uma entrada de mar, do ponto extremo e mais baixo do promontório em que se localiza a parte formal e mais antiga da cidade de Pemba.
Essas terras baixas teriam sido, outrora, ocupadas por uma densa mata de vegetação, em que o mangal também existiria como uma componente importante.
É provável que a escassa vegetação natural que ainda existe junto às margens da lângua, periodicamente alagada pelas marés, seja um resquício da vegetação que, originalmente, povoou a zona de Paquitequete, hoje coberta de coqueiros, uns trezentas no dizer do Presidente do bairro.

Elementos de caracterização urbana.
Aspectos gerais.
Do ponto de vista morfológico, o bairro apresenta um padrão sinuoso de organização espacial, no qual é possível distinguir, no entanto, não só uma hierarquia de ruas, caminhos e passagens, alguns dos quais não têm mais de um metro e meio, bem como uma rede de espaços abertos do tipo largo ou praceta também claramente hierarquizáveis consoante a sua dimensão, funções e história.
Até fins da década de cinquenta do século passado o bairro estava ligado em permanência à cidade formal (a antiga Baixa de Pemba) por uma ponte de madeira para peões, a chamada Ponte Chica.
Esta construção, localizada no enfiamento da velha Mesquita da antiga parte baixa da cidade, foi abandonada e desapareceu depois da construção do drift de betão armado, construido no início da década de sessenta, que hoje permite o acesso ao bairro, não apenas a peões, mas também a veículos motorizados.
Na praia-mar a zona de Quitéquetê é quase completamente rodeada pela água do mar que avança pelo canal que a separa da cidade formal.
Por vezes, nas marés vivas acompanhadas de temporais, Quitéqueteh transforma-se mesmo numa ilha.
Um percurso pela principal via de circulação do bairro, com incursões laterais para o interior do casario, apoiado pelas entrevistas realizadas e pela memória da situação da sua ocupação antes da independência, fez ressaltar as seguintes percepções:
(i) não parece que o bairro se tenha densificado, no seu miolo, a ponto de terem desaparecido os mais importantes espaços livres que existiam no princípio dos anos setenta (ou mesmo antes). Permanecem livres muitos desses espaços característicos dessa altura e que ainda hoje são importantes para o Jazer e a comunicação inter-pessoal e colectiva, e aonde as crianças brincavam e os adultos socializavam ao fim da tarde, e que poderíamos classificar como espaços de tudo e de nada (alguns dos quais do tipo das pracetas quase fechadas, à maneira árabe);
(ii) é possível hoje atravessar o bairro, inclusive de carro, a partir da ponte que lhe dá acesso, voltando ao ponto de orígem, o que significa que o objectivo de possibilitar a circulação de emergência para o interior do bairro terá sido respeitado e realizado;
(iii) o aumento da ocupação do bairro fez-se essencialmente com a utilização de espaços (muito desaconselhável) junto à praia na zona Noroeste do bairro e das franjas livres nas margens do canal de entrada de mar, junto à baixa antiga da cidade, reduzindo-se a vazão deste e agravando-se a sua poluição bem como o maior espalhamento da água do mar e deposição dos lixos, pelas marés-cheias, ao longo da área alagadiça que se prolonga até à zona de Cumilamba.
As ruas e caminhos.
Como se referiu o sistema viário é composto por um sistema de vias desenvolvido organicamente e no qual se pode definir a seguinte hierarquia:
-a(s) rua(s) principal(is), estabelecendo articulação com o resto do tecido urbano da cidade e permitindo o atravessamento do bairro, pelo seu interior; inclusivamente por veículos motorizados de pequena envergadura (carros ligeiros);
-os caminhos de penetração, estabelecendo a ligação entre o subsistema principal com o miolo do bairro (motorizadas e bicicletas);
-caminhos vicinais muito estreitos permitido o acesso directo ás habitações, e em que, geralmente, não podem circular mais de duas pessoas lado a lado.

Os espaços alargados.
Quanto a este tipo de espaços de estar ao ar livre e de integração pudémos estabelecer as seguintes categorias:
-o espaço alargado nucleado (do tipo largo ou praceta), para o qual os caminhos de penetração e vicinais convergem, e que funciona como lugar de socialização e elemento espacial de integração das habitações que dele se servem;
-o espaço alargado linear, que também serve o estar ao livre e a integração das habitações, mas que resulta do alargamento de uma via de circulação, em geral uma via de penetração.
-o espaço misto, no qual se associam o espaços públicos alargado linear e nucleado;
-o espaço alargado indefinido.
Na entrevista ao sr. Anli Abujade, morador da praceta que analisámos com mais detalhe, ele informou-nos que o espaço livre da praceta era muito importante para os moradores.
Foi assim que ele definiu a relevância desse espaço: "Este largo serve para muitas coisas.
São lugares muito importantes para nós.
Serve para os batuques (sessões culturais tradicionais); serve para as cerimónias religiosas, como por exemplo o Maulide; serve para as crianças e jovens se encontrarem e brincarem; areja e desafoga o quarteirão."

Infra-estruturas.
No que respeita a infra-estruturas desta zona, podemos fazer a seguinte caracterização sumária: a maioria das casas tem luz eléctrica, uma parte das casas é servida de água canalizada, outra a partir de poços e outra ainda a partir de fontanários.
O total de fontanários nas três zonas é de 5, sendo dois em Quitéqueteh, dois em Cumissete e um em Cumilamaba.
A água dos poços não é própria para beber.
Ela geralmente é utilizada para lavagens e banho.
Obtivemos no entanto informações de que, em situações de grande carência e de interrupção por avaria do sistema de água potável da cidade, a população recorre ao consumo da água dos poços.

As casas.
No âmbito da arquitectura, a tipologia relevante e que merece uma reflexão mais detida é a habitacional.
Para procedermos a uma abordagem fundamentada deste tema visitamos o bairro e, uma vez detectados os subtipos de casas mais frequen­tes, deu-nos o acaso a sorte e a surpresa de encontrarmos um espaço alargado, de tipo praceta, praticamente fechado, no qual estavam representados esses subtipos mais significativos, não apenas nesse bairro mas também noutros bairros informais da cidade de Pemba.
O efeito surpresa é ampliado pelo acesso à praceta, a partir da via principal, por um caminho curto e estreito e com não mais de um metro e meio de largura, desembocando num espaço expandido cheio de luz, limpo e bem definido.

O desenho.
Na praceta estudada encontram-se em sequência várias casas que, do meu ponto de vista, reflectem por um lado o processo histórico de apropriação local, adaptação e desenvolvimento da casa de matriz swahili e, por outro lado, a influência de casa da cidade moderna.
De facto, nas fachadas Nascente e Norte as casas são de elaboração mais recente e denunciam a atitude de transposição para o informal, pelos respectivos proprietários, de elementos de imagem e volume captados e reinterpretados em exemplos da tipologia habitacional da zona formal da cidade.
Na fachada Poente, de apenas quatro casas, e como se, estivessemos perante um mostruário bem sintetizado da história, no litoral Norte do país, do evoluir da casa popular por aquisição de elementos exógenos, os quais foram repensados sobre uma mesma base arquitectural de tipo swahili, segundo uma lógica de afirmação ou reelaboração de opções espaciais, de natureza endógena.
Parece evidente, neste caso concreto, o facto de estarmos perante influências do desenho das casas da ilha do Ibo, estendendo-se para o Quitéqueteh o processo de transfor­mações ali iniciado.
Pelo seu interesse fez-se a observação mais detalhada das casas do alçado Poente da praceta e entrevistamos alguns dos actuais proprietários para entendermos os processos as técnicas e os materiais utilizados.
Procedeu-se a um levantamento arquitectónico expedito do conjunto de casas desta ala da praceta cujos moradores eram, de Sul para Norte, a Sra. Chamo Arame e os seus netos e bisnetos (seis pessoas), o Sr. Anli Abujade e esposa mais os filhos e cunhado (oito pessoas), o Sr. Mussa Nssaje e esposa, filha e netos (seis pessoas), a Sra. Zainaba Abubacar mais as netas e bisnetas (seis pessoas).
De um modo geral as quatro casas analisadas apresentam uma coerente similari­dade tipológica, particularmente no que se refere à opção básica de organização espacial, caracteristica das casas populares de tipo swahili, e que se reflecte principalmente na sua compartimentação.
Os elementos de diferenciação estão relacionados com (1) as normais necessidades de ampliação comumente realizadas com a adição, ao longo do tempo, de compartimentos nas alas laterais e na fachada frontal; (2) o fechamento da sala, fazendo com que o corredor central se estenda desde a fachada frontal até à fachada posterior; (3) a utilização de elementos construtivos regionais, como o tecto falso e os bancos nos extremos da varanda frontal, sendo estes muito utilizados nas casas do Ibo e também nas casas da zona de macúti da ilha de Moçambique; (4) o uso de materiais e técnicas de construção mais recentes ou modernos, nomeadamente o cimento, o varão de ferro, o bloco de alvenaria, a chapa zincada ondulada, o vidro, as ferragens e as tintas industriais...
A casa de Chamo Arame, a mais antiga do conjunto, é aquela que melhor reflecte a volumetria e a imagem das casas populares do litoral Norte de Moçam­bique.
Por seu lado, e não obstante a extensão do corpo do edifício para a varanda frontal, a casa de Mussa Nssaje é aquela que melhor representa o tipo de habitações de estratos da população relativamente mais pobre, integrada no siste­ma de produção camponesa de subsistência.
A casa de Zainaba Abubacar é aquela que apresenta mais elementos de aculturação a partir da cidade moderna (os materiais, a organização espacial e a definição da cobertura em duas águas, posteriormente transformadas em três por ampliação da casa), sendo tipologi­camente mais próxima das casas de estratos populacionais mais ricos e ou ligados ao sistema de comércio internacional do índico.
Quanto à paleta de materiais tradicionalmente utilizados encontramos aqui: o uso de pau redondo e varas de diversos tipos de espécies vegetais, com particular realce para o pau e varas de mangal colhidos maioritariamente no interior Nordeste da baía de Pemba; o uso do macúti ou de folhas de palmeira brava nas coberturas; o uso, como elemento de amarração, de cordas da casca de espécies arbóreas do interior da província; o uso de terra argilosa obtida nomeadamente na encosta mais próxima do promontório em que se desenvolve a cidade de Pemba e na lângua ou área pantanosa alagadiça junto ao bairro; o uso generalizado do bambu para a construção das paredes com a técnica do maticado e para a construção dos tectos falsos.

Um caso específíco.
Pelo seu interesse tipológico e motivações procedeu-se a um levantamento mais detalhado da casa de Anli Abujade, com quem tivemos uma conversa mais longa sobre os processos, técnicas e materiais de construção, e da qual reproduzimos o seguinte:
-O terreno foi adquirido por dois milhões e quinhentos mil meticais em 1998 e, nesse mesmo ano, foi por ele construída a casa.
Na sua concepção utilizou, como o próprio nos descreveu, o modelo das casas da ilha do Ibo.
Tem duas varandas: uma varanda fachada posterior para serviço e estar privado, onde durante o dia a esposa, filhos pequenos e amigos podem ver a televisão, e outra varanda na fachada frontal, para estar e descanso em contacto público.
Na varanda frontal utilizou os cantos para colocar dois bancos de repouso em cimento (que no Ibo são chamados 'xequina').
A compartimentação interior segue o tipo comum da ilha.
A casa possui uma casa de banho de dentro no corpo principal do edifício, para serventia privativa do casa, e uma casa de banho de fora, localizada no quintal, para serventia geral.
As construções anexas consistem numa cozinha com despensa, um forno coberto e uma capoeira.
Na construção das paredes foi utilizada a técnica do pau-a-pique maticado, tendo sido usados neste caso prumos de madeira de mangal (Ceriops tagal), meias canas de bambu, cordas feitas com tiras de borracha, pedra pequena, terra argilosa e cimento para o reboco, o qual é duas vezes mais espesso no exterior do que no interior.
Um aspecto que vale a pena realçar é o facto de a casa possuir um estrado superior que funciona simultaneamente como tecto falso, como arrecadação e arma­zém de produtos e ainda como base sobre a qual assentam os prumos que conformam a cobertura.
Este estrado, muito comum nas construções populares no campo e que constatámos estar muito divulgado nas zonas informais de Pemba, é construido com canas de bambu inteiras assentes em vigotas de madeira de outro tipo de mangal, (Avicennia marina).
É provável que este tipo de conformação da cobertura com base em dois prumos assentes num estrado, eventualmente suportado pelo conjunto das paredes inferiores, seja uma evolução da estrutura da cobertura das casas swahili que é basicamente constituída por dois prumos contínuos com função verdadeiramente estrutural enterrados na base da casa.
A cobertura, de quatro águas, é feita em placas de macúti, sendo de quinze cen­tímetros a sobreposição das placas (maior do que o espaçamento corrente), o que, segundo o dono da casa, melhora a duração do seu funcionamento eficiente que, normalmente, varia entre um e meio a dois anos.
A habitação é abastecida de água e de energia eléctrica das redes gerais da cidade.
Todo o edifício principal está sobrelevado em relação ao nível natural do terreno, sendo o pavimento em cimento queimado à colher pequena.

Elementos de personalização singularidade do Bairro, ou factores de coesão e resistência?
Logo após a proclamação da independência nacional, Quitéqueteh deveria ter sido objecto de uma operação de des-densificação.
Pretendia-se abrir espaço no então referido como um emaranhado de casas, para criar condições de melhoria da salubridade.
Houve de facto moradores que, no quadro dessa intenção, e entre 1976 e 1978, se mudaram para novos atalhoamentos no bairro de Ingonáni, na zona livre então mais próxima da parte alta da cidade de Pemba.
Mas não foram muitos os que se mudaram.
Não muito mais de três centenas de pessoas.
Parece que não o fizeram cedendo às necessidades de melhoria da salubridade do bairro e nem sequer se tratou de moradores antigos do bairro.
"Fizeram-no porque uma tempestade mais violenta provocou a inundação de partes da zona de Cufungo e da zona de Cumissete".
Se considerarmos que pelo menos esta última zona não fazia parte do que antes da independência se considerava o bairro de Paquitequete, então podemos deduzir que nessa transferência de população para a parte alta da cidade terão participado muito poucos habitantes do núcleo original do actual bairro de Paquitequete.
Na realidade os moradores de Quitéqueteh apresentam fortes elementos de coesão que tornam eventualmente mais complexa qualquer operação de realojamento, nomeadamente as relações de vizinhança, as rotinas diárias conso­lidadas, a utilização da língua kimwani como língua veicular (ao contrário do que acontece no resto da cidade), as fortes referências culturais ligadas aos antepassados das ilhas Quirimbas.
Fui uma das testemunhas da difícil discussão havida nessa altura (em data compreendida entre cerca de 1975 e 1976) com a população desta zona, no sentido de a sensibilizar para a abertura de espaços de circulação e equipamento social, construção de latrinas, melhoria da habitação, prevenção de incêndios etc.
Sim a tudo isso, sempre que possível, mas não à mudança de bairro.
E ficou claro que o apego ao lugar era mais forte do que uma aparentemente «vaga intenção governamental louvável de melhorar a sanidade do bairro», sobretudo porque isso parecia significar para os moradores de Quitéqueteh o despojamento em relação à sua própria identidade de cultura e de história.
É evidente que esta situação terá de se alterar um dia.
Hoje começa a haver jovens que acabam por se mudar voluntariamente para outras áreas da cidade com mais espaço disponível, embora distantes, nomeadamente a área do Wimbi.
Nas entrevistas feitas aos moradores Anli Abudjade, Mussa Nssadji e Ahmada Abdala ficou evidente que as relações da população de Quitéqueteh com o resto da cidade se resumem ao absolutamente necessário.
Vai-se à cidade para trabalhar, para comprar produtos processados ou de produção industrial que não existem nas barracas ou lojas informais locais (por exemplo arroz, açúcar, roupa, instrumentos e utensílios diversos), para tratar de assuntos na Administração e noutras repartições do Estado, para assistência médica no Hospital Provincial e pouco mais.
Os problemas mais comuns e correntes da vida diária acabam por encontrar solução no próprio bairro.
Não existindo um mercado permanente de produtos alimentares frescos, o abastecimento destes produtos essenciais é feito através do que os moradores inquiridos chamaram de mercado temporário que, todos os dias às seis horas da manhã se constitui na praia de Cufungu, a partir de mercadores de frescos que trazem diariamente os produtos obtidos na outra margem da baía, em Metuge, e os colocam à venda, em prioridade à população do Paquitequete, ali mesmo em plena praia de desembarque dos barcos em que se transportam.
Assim se obtêm, nalguns casos de acordo com a época própria, a papaia, a banana verde e madura, a melancia, o pepino, a batata-doce, a abóbora, o tomate, a couve, a cenoura, a cebola branca e vermelha, a beringela, a mandioca fresca e o piripiri, bem como o peixe fresco e o peixe seco.
A importância deste mercado temporário de todos os dias é reforçada pelo facto de muito poucas famílias do bairro possuírem machambas para abastecimento familiar.
Será este um sinal do carácter eminentemente urbano do bairro de Paquitequete, ao contrário de muitos dos bairros da periferia das pequenas e médias cidades do pais?
É que me parece que a distância às áreas agricultáveis não é argumento suficiente para que a maior parte da população de Quitéqueteh não possua machamba, inclusive a sazonal, na qual um membro da família para lá se desloque durante a época de produção, como pudemos observar, por exemplo, na cidade de Lichinga.
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O título desta série de imagens e textos leva o nome do Arquiteto Júlio Carrilho por ser (sem desmérito aos demais autores) um dos obreiros desta publicação da FAPF e, em simultâneo, ter sua origem de nascimento no belo recanto de Cabo Delgado.
Poderão ver este e demais textos com imagens em:
Home Pemba - História em Imagens e Textos(http://geocities.yahoo.com.br/historiapemba/) .
Fotos e textos extraídos da recente publicação "Pemba as duas cidades" de autoria da Sandro Bruschi, Júlio Carrilho e Luis Lage.
Edição
FAPF (Faculdade de Arquitectura e Planeamento Físico da Universidade Eduardo Mondlane - Maputo - http://www.architecture.uem.mz/
Clique nas imagens para ampliar.
São imagens inéditas de Pemba e textos do excelente trabalho "Pemba as duas cidades".
Agradecemos aos autores e a Z. N. C.

1 comentário:

  1. Apreciei essa viagem à cidade e ao bairro (Paquitequete)que deixou marcas na minha vida. Um dia ainda lá voltarei.

    P.Silva

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