6/25/07

Moçambique - 32 anos de independência !

Em reflexão 32 Anos de (in)dependência.
Hoje Moçambique celebra o seu 32º aniversário de elevação à categoria de Estado independente. Volvidos esses anos, o nosso canal auscultou de alguns académicos o balanço que fazem das acções até aqui empreendidas. Apesar de, na sua maioria, serem favoráveis e reconhecerem o esforço do Governo, reiteram que existe uma estrada longa por se caminhar. E para se alcançar uma independência que ultrapasse as fronteiras políticas, foram unânimes em apontar a aposta na educação como uma alternativa real. Olhando para o passado e para o presente - que ruma à uma integração regional - afirmaram estar receosos...
32 Anos após a proclamação da independência, o filósofo Silvério Ronguane faz um balanço positivo das acções encetadas pelo Governo. Questionado sobre a existência real da independência de Moçambique, Ronguane foi peremptório em afirmar que ela “existe, porque os moçambicanos alcançaram o direito de escolher os seus destinos”.
Para este académico, com a independência, os moçambicanos assumiram a liderança do país em todos os aspectos. “No tempo colonial os aspectos culturais eram tidos como coisas exóticas e para turistas, mas com a independência passaram a fazer parte do nosso espólio cultural. O direito à educação estendeu-se a todos os moçambicanos, houve empoderamento económico (...)”.
Opção socialista não foi má
Depois da independência, o país optou pela via socialista e nos meados da década 80 pela via capitalista. Para Ronguane, estas opções tiveram um contexto próprio que as justificaram, sendo que a opção marxista leninista, que é muito criticada, na sua óptica, não foi má. “Nós estamos a gozar hoje da liberdade de expressão que o comunismo negava, mas na altura em que se assumiu a independência, quantos moçambicanos eram letrados para usufruir da liberdade de expressão”, argumentou.
Para Ronguane, “o maior erro foi a descontinuidade que a revolução marxista leninista criou, no sentido em que de um dia para o outro tudo o que era saber tradicional foi tido como sendo obscurantista, tudo que era atitude da igreja da educação, da moralização, foi considerado ópio do povo, o que fez com que os pais fossem desacreditados diante dos seus filhos e os maridos diante das esposas. Este corte epistemológico teve consequências graves, porque quisemos nascer de novo partindo do nada, quando se podia aprender deste sistema de valores. Até com o sistema colonial os moçambicanos não foram capazes de estender a mão e colher vantagens”.
Outro erro citado por Ronguane é o da incapacidade de equacionar as diferenças, tanto numa como noutra opção política. “O marxismo tem uma extrema necessidade de integrar os desapossados economicamente, mas fá-lo de uma tal maneira que perdeu a sensibilidade daqueles que pensavam diferente. Os nossos méritos estão extremamente ligados aos nossos deméritos porque tanto quisemos olhar para o pobre que esquecemos do diferente. Depois dos acordos de paz, olhámos tanto para o diferente e esquecemos do pobre. No hino nacional dizemos ‘pátria bela dos que ousaram lutar’. E aqueles que não lutaram, não é pátria bela deles (...) sempre houve esta tentação de querer colocar os moçambicanos da primeira e os da segunda”.
Diplomas sobrepõem-se às competências
De acordo com o académico que temos vindo a citar, a independência trouxe inúmeras vantagens e desvantagens. “A independência ensinou que todos podiam ser doutores e abriu as portas para que o moçambicano mais pobre pudesse ter acesso ao ensino. Neste sentido foi bom. Mas com a expansão do ensino ao nível privado tivemos problemas; quando o ensino se tornou negócio, quando os professores passaram a ter condições de vida deploráveis, quando o professor passou a ser um parente pobre da educação, quando permitiu que pessoas alheias à educação, motivadas apenas por motivos economicistas e lucrativos, pudessem abrir escolas de todos os níveis. Então, o ensino deixou de ter o seu sentido e passou a ser a busca do diploma. As competências deixaram de ter sentido e ficamos num país de diplomatas que lutam por diplomas, negligenciando as competências”, lamentou.
“Daqui há dez anos teremos um país cheio de doutores, mas não teremos instrumentos para saber quem são os verdadeiros doutores. Quando se construiu a cidade de Maputo haviam muito menos engenheiros que hoje, mas não se conhece as obras que estes fazem. Hoje há muitos agrónomos, mas não se conhecem os latifúndios e as terras que produzem. Portanto, a educação foi uma porta de entrada para a civilização e para o melhoramento da vida, mas está se tornando, hoje, uma porta aberta para a degradação colectiva do pais”, acrescentou.
“Independência precisa da dependência”
Silvério Ronguane não acredita que a dependência económica do país possa retirar a independência aos moçambicanos porque, segundo ele, a independência precisa também da dependência. “O grande erro que um país pode cometer é pensar que a independência é não depender. É como uma criança que quando chega à adolescência pensa que a independência é se opor aos pais e não depender deles. A independência é traçar os nossos próprios destinos em colaboração com os outros. Devemos aceitar a ajuda dos outros e aceitar que há uma hierarquia, há uma ordem internacional e é nela que temos que nos enquadrar para esta cooperação”, explicou.
Explicou ainda que se nós aceitarmos a ajuda e integrarmo-nos na globalização, também podemos encontrar instrumentos para nos tornarmos cada vez mais livres. Imagine uma jovem que se cansa de depender dos pais e sai de casa. Fora só poderá vincar por excepção. Mas se ficar em casa vai terminar os estudo e criar mecanismos para iniciar a sua independência.
Para melhor sustentar a sua teoria, Ronguane lembrou que os países que colaboraram com o Ocidente e se empenharam nas suas instituições desenvolvendo o sentido de poupança, casos de África de Sul, Namíbia, Cabo Verde, são hoje mais independentes. E os países que hostilizaram o Ocidente, casos de Moçambique, Angola, Somália, são hoje países falhados. “Portanto a nossa independência passa por colaborar”, sublinhou.
Para desenvolver o país.
A solução está na educação e saúde.

Para a académica Iraé Lundi, aquando da independência, o país estava num contexto que não se pode ignorar. Era um contexto de Guerra Fria, de vizinhança com o Apartheid; um contexto em que o poder colonial deixou o país pilhado e podre. Havia pouquíssimos estudantes moçambicanos nas universidades, havia pouquíssimas infra-estruturas, depois houve o conflito armando, e foi empobrecido. Portanto, foi um contexto pesado que não podemos fazer de contas que não existiu, lembrou.
Questionada sobre que acções deveriam ter sido tomadas para fazer face ao contexto, Lundi respondeu o seguinte “(...) se nós tivéssemos tido a possibilidade de viver os 32 anos em paz, nós não estaríamos a repor escolas, a repor unidades sanitárias. Nós estaríamos a fazer mais. Portanto, este foi um facto que empobreceu mais o país.
Entretanto, no computo geral, Iraé Lundi faz um balanço positivo dos 32 anos de independência e justifica. “Houve avanços em todas as áreas. Se formos à educação, quantos moçambicanos tinham nível médio ou superior? Na saúde, quantas unidades sanitárias estavam à disposição do moçambicano. Nós hoje temos mais escolas e mais unidades sanitárias. Temos mais escolas de níveis mais altos e em mais locais.
“Onde eu acho que tivemos altos e baixo é na parte da economia, e aí o empobrecimento do Estado. Na parte da agricultura, da indústria e do comércio a guerra destruiu e fê-lo discriminadamente. Depois do processo e liberalização do mercado nós tivemos uma grande perda na parte da produção industrial. O país já produziu pneus, sapatos, tecidos, e hoje não produzimos nada. Então todo esse contexto fez com que nós andássemos para trás, principalmente na área das indústrias”, disse.
“A educação é uma grande arma”
Para reverter o cenário, esta académica vê na educação a solução e diz que com um livro e uma caneta na mão poderemos ir para frente. “Para você poder dar um salto, a educação é uma grande arma e a saúde também, porque se você está doente também não é possível, e estas duas grandes armas nós temos”, considera.
Outra grande solução é a participação da população no processo de desenvolvimento e cita como um exemplo positivo a alocação dos sete milhões aos distritos, porque vai aumentar a auto-estima da população ao sentir que pode produzir e custear as suas necessidades. “Eu penso que está é uma resposta de mestre”, frisou.
Quanto às políticas que o país adoptou ao longo destes 32 anos, desde o PPI, PRE, PARPA, entre outras, Lundi diz que algumas foram em função de compromissos que assumimos com a comunidade internacional e cita o PARPA como exemplo. “Quem dá o pão dá o castigo”, lembra. Entretanto, elogia o PARPA II porque contemplou a sociedade civil no processo de elaboração e como resultado vê um crescimento. “Se olharmos o nosso grau de dependência, nós já recebemos ajuda ao nível de 70 por cento e o país produzia 30. Neste momento nós estamos mais ou menos com 50 por cento e o país produz 50”, justificou.
“Como princípio, a integração regional é boa”
Olhando para o contexto actual, precisamente no atinente à integração regional, Iraé Lundi mostra-se muito receosa porque, segundo ela, do ponto de vista de fazer frente à globalização, as regionalização são a resposta, e como um princípio também é boa porque cada um dá aquilo que tem de melhor e há uma certa complementarização. Mas nesses 32 anos, 16 foram de guerra, e com o processo de privatização a nossa indústria desapareceu e temos um vizinho que é extremamente forte, que se preparou para isso.
“Desenvolvimento faz-se com homem instruído”
Defende Brazão Mazula
Para o académico e antigo reitor da UEM, Brazão Mazula, os 32 anos de independência nacional foram marcados por muitos avanços e recuos, daí afirmar que o país ainda está a aprender a estabilizar-se. Passados esses anos, a independência ainda precisa de ser consolidada com vários desafios de desenvolvimento económico e humano para eliminar a pobreza.
De acordo com Mazula, a dívida externa é um peso para o país e o problema da pobreza não vai ser resolvida enquanto a dívida continuar muito forte, porque o país produz apenas para pagar a dívida. Aponta como solução o apelo à consciência humanista dos países desenvolvidos para apagarem as dívidas.
Entretanto, existem, para Mazula, aspectos positivos que ao longo destes anos devem ser considerados, casos do fim da guerra civil e estabilização da paz, o que significa ter uma grande capacidade de diálogo, que, no entanto, se está a perder entre as forças políticas, o que é mau, porque cria uma certa intranquilidade; a reconstrução dos postos de saúde e educação destruídos pela guerra; outra área foi a das comunicações, porque as notícias chegam a todos em menos de 24 horas e isso é importante para a unidade nacional; o facto de hoje o jovens entrarem para a universidade com 16 anos de idade, quando antes era com vinte e tal; e o facto de Moçambique ter criado um ambiente saudável para o investimento.
Porém, este académico adverte que para o país avançar, quatro áreas devem ser vistas como prioritárias: educação, porque o desenvolvimento faz-se com o homem instruído; saúde; agricultura; e turismo, porque quando bem projectado melhora as comunicações e a cultura. Também aconselha o país a estudar um sistema próprio que potencie o seu desenvolvimento.
No atinente à integração regional, um tema da actualidade, Mazula, diz ser favorável, porque é um estímulo para o desenvolvimento dos países, aproxima as pessoas, há maior intercâmbio de recursos e capacidades. Mas há desafios, daí que também apresenta algumas reservas. “Ainda são áreas quase exclusivas dos dirigentes e o cidadão comum não sabe (...) E este é o desafio e problema de fundo. O cidadão devia saber o que é SADC, para optar por ele. Também existe o problema de disparidades económicas”, sublinhou.

Olívia Massango
O PAÍS – 25.06.2007

In - "Moçambique Para Todos" do "Macua" Gil.

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