2/12/10

Em nome da Pátria - Portugal, o Ultramar e a Guerra Justa


O Tenente-Coronel, piloto Aviador, Comandante de Linha e Mestre em Estratégia, João José Brandão Ferreira é um dos autores militares que merece palmas por não se enfeudar ao espírito corporativista da geração que renegou os seus deveres e traiu o juramento que fez em relação à guerra do Ultramar.

Ainda está por escrever a História do golpe militar que de cobardes fez heróis e de golpistas fez mitos que começam, agora, a desdizer-se, uns aos outros, em obras de saldo que se inspiram umas nas outras, não para cada qual aperfeiçoar a verdade, mas para se defenderem das recíprocas acusações e contradições que se avolumam e que daqui a cem ou duzentos anos, quando já não existirem o medo e o complexo, vão reduzir-se ao oportunismo primário. Poucos serão aqueles que ainda não escreveram o seu testemunho sobre a Guerra do Ultramar. Uma das provas do que deixamos dito é a contradição crescente, por cada mais um protagonista que surge no mercado. Nenhuma bate certo, porque a essência do golpe foi a revolta dos capitães do quadro contra uma lei que saiu e que dava oportunidade aos milicianos de continuarem, querendo, a prestar serviço. Essa possibilidade amedrontou os militares profissionais que temiam a concorrência dos milicianos. Retardavam as promoções, interferiam na antiguidade, nas comissões de serviço, nas condecorações, nos proventos. Salvar o povo, foi o pretexto. Mas não o motivo primeiro. Que a guerra do ultramar teria que ter um fim, é inegável. Mas mais o desejavam os milicianos e os filhos do povo que nada tinham a ver com a guerra do que aqueles que, sabendo dela, acorriam à Academia militar e se preparavam para a enfrentar, profissionalmente.

As montras das livrarias estão hoje cheias dessas resmas de papel, porque todos reclamam uma heroicidade que só resultou em sucesso, porque a opinião pública não percebeu os intentos da revolução. Hoje, friamente, pode concluir-se por essa evidência.

Entretanto chegou-nos um volume de 600 páginas do Tenente-Coronel Brandão Ferreira, que é uma honrosa excepção. Preocupou-se ele em explicar o modo como se processaram as últimas campanhas militares ultramarinas, entre 1954 e 1975. Está longe de ser consensual na sociedade portuguesa. Bem pelo contrário, tem-na dividido profunda e transversalmente. Por isso começam a ser horas de encontrar consensos baseados na correcta interpretação dos factos históricos e nas verdadeiras intenções dos principais protagonistas do momento.

«Tudo não terá passado de uma «grande traição»? A pergunta pertence ao ilustre militar que acrescenta: «falamos de questões incontornáveis no panorama da história contemporânea portuguesa, aqui abordadas de um modo muito pouco ortodoxo em relação às ideias que a «história oficial» nos apresenta».

O autor começa por explicar a sua motivação: «decidi enveredar pela «carreira das armas» quando terminei o antigo 5º ano, no Liceu de Oeiras. Estávamos no ano de 1969. Preparei-me e entrei para a Academia Militar, em 20 de Outubro de 1971. Foi aí que o 25 de Abril me apanhou...

Nunca me conformei com a perda das nossas províncias ultramarinas, que na altura representavam cerca de 95% do território nacional e 65% da população portuguesa. Sobretudo pela forma iníqua e desastrosa como tudo se processou, já para não falar dos indecorosos comportamentos políticos e militares que então se registaram. Mais: até hoje, nunca houve a coragem de se assumir isso, nem de retirar as respectivas consequências. Em seguida, assisti ao desmantelamento de umas magníficas Forças Armadas que chegaram a dispor de 220 mil homens espalhados por quatro continentes e outros tantos oceanos. Motivado por todas estas perplexidades, decidi estudar o que se tinha passado, bem como a verdadeira razão que estava por trás dos acontecimentos.

O objecto deste livro é a justiça da guerra e o direito de fazê-la». O autor cita Melo Antunes que «pouco antes de morrer acabou por reconhecer que se tinha tratado de uma tragédia». E também Almeida Santos que, publicou uma obra onde declara «reconhecer que toda uma série de coisas que tinham corrido mal - «obviamente por causa dos militares, que não quiseram combater mais». Por outro lado, os combatentes começaram por ser execrados e condenados por lutarem numa guerra «imperialista», ao serviço dos «colonialistas» e de um «governo fascista». «Cerca de um milhão de homens ficou arrumado nas prateleiras do esquecimento e da ignomínia. Exaltaram-se desertores». E Brandão Ferreira é mais claro: «Este livro pretende demonstrar que Portugal fez uma guerra justa e, além disso, tinha toda a razão do seu lado!»

Adriano Moreira, afirma no Prefácio que nos Estados Unidos, em 1971, se verificou uma manifestação da sociedade civil contra o envolvimento do país na Guerra do Vietname. E que entre 19 e 24 de Abril desse ano, mais de 500 mil pessoas convergiram para Washington com o propósito de convencer a Administração a mudar de rumo. Os veteranos, os mutilados daquela guerra, deitaram fora as suas medalhas, cansados e arrependidos de terem participado nela. Não foi o aparelho militar que forçou o governo, mas o cansaço da sociedade civil. «Em Portugal, pelo contrário, foi uma decisão militar que colocou um ponto final na guerra», mas por razões paradoxais: eles tinham escolhido a profissão da armas. Tiveram de ser chamados, em reforço, aqueles que nada tinham a ver com essa profissão. Ora, em vez de serem os milicianos e os soldados em geral, a revoltar-se, deu-se o contrário: com medo de serem prejudicados nos direitos, os profissionais traíram os seus deveres. E aqueles que foram em seu socorro, provando ser tão bons como eles, foram traídos, perseguidos e enxovalhados.

Este livro é a voz dessa ignomínia.
- Peso da Régua, Barroso da Fonte, Dr. - bf@ecb.hopto.org - In Notícias do Douro, 12/02/10

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