Fosse mais novo e sem responsabilidades familiares, quem emigrava era eu. Não para um outro país desta Europa desigual e dependente de soberbas geográficas e políticas, dos cafés e dos bares – como diz George Steiner - , mas para a África onde a pobreza tem sol, e alimento no mato, e água nos rios, e serenidade nas madrugadas das buganvíleas, e espelho no mar azul dos corais, e silêncio nas sombras dos palmares, e emoção num embondeiro perdido na imensidão da savana, e amor na contemplação das estrelas nas noites de arrebatamento.
Fugir desta Europa falida, levada à desgraça por homens e mulheres que atraiçoaram o voto da democracia, servindo-se da crença popular para se encharcarem no enriquecimento, cozinheiros de ementas para os banquetes sequazes; dirigentes de branqueamento intelectual e sem estofo e sem exemplo, mentirosos no limite do desaforo, a pensarem só neles e nos mais chegados, sem letra e sem lei, nomes e caras que só de lembrar ou ver nos revoltam as entranhas. Chegamos à miséria total, a da bolsa e a da alma, onde tudo o que é canalha triunfa, ao ponto em que só nos destinam a tristeza e a solidão, em que temos que aceitar tudo, mesmo o inaudito!
Criou-se a pior violência social: a silenciosa! Um povo infeliz, em que, como dizia o poeta, nos roubaram Deus e a humanidade! Uma Nação de duas classes: os desgraçados e os ricos cada vez mais frios, descarados e milionários.
Em África escolheria o mato das machambas e das palhotas, cultivaria a cana e o caju, escutaria os ecos dos meus gritos nas ”terras do fim do mundo”, andaria descalço nas picadas vermelhas, usaria uma catana só para abrir o coco que matasse a sede, rir-me-ia dos entretidos que dizem que o voto é a arma do povo, revoltar-me-ia contra os que sabem usar gravata e jogam ao poker eleitoral. Longe deles não seria tentado a fazer o que pede o coração.
Pôr-me a milhas deste continente, que criou uma civilização e se deixou afundar por calaceiros e falsos; corruptos sem classificação, que, em nome da Democracia, desempregam trabalhadores aos milhões, arruínam as finanças das pátrias, desviam réditos incontáveis para as latrinas do capitalismo, enquanto apregoam ideais igualitários e se afirmam defensores das doutrinas repartidoras.
Na África recôndita, sem cheiros de perfumes das alcofas de alperce, de tiques dos entendidos serventuários do sistema, dos que jogam e se vendem nos casinos do euro, afastado de toda a súcia desta desacreditada democracia, viveria feliz mesmo com o chirriar da coruja ou o uivo das hienas; é que a verdade é suportável, o fingimento sofrido.
Assim, não tenho outro modo senão partilhar o sofrimento…
- M. Nogueira Borges, 11 de Abril de 2012
- Manuel Coutinho Nogueira Borges no Escritos do DOURO
- Manuel Coutinho Nogueira Borges no ForEver PEMBA
Clique na imagem para ampliar. Imagem original não editada recolhida da net livre. Edição de J. L. Gabão para os blogues "Escritos do Douro" e "ForEver PEMBA" em Julho de 2012 e em homenagem ao saudoso Amigo MANUEL COUTINHO NOGUEIRA BORGES. É proibido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue sem a citação da origem/autores/créditos.
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