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10/24/09

A Intrusa - Um conto de Allman Ndyoko (Francisco Absalão)


:: Allman Ndyoco pode ser lido em "Contos e Poesias do Índico" ::


É noite. O céu escuro e baixo hospeda nuvens brancas que refletem o seu clarão aos bairros menos iluminados. De longe, ouve-se dois bêbedos cantarolando numa barraca em tom alto e num outro ponto do bairro um pastor prega o evangelho, em changana, aos crentes e a sua voz melódica atravessava o bairro na boleia do vento que sopra fraco.

Um avião estrangeiro aterra na pista que fica defronte da casa do Leo. O barulho do aparelho se prolonga até junto do limiar da pista e os reactores cumprem um silêncio tumular. Junto a relva, em frente à casa, grilos cantam pausadamente preenchendo o silêncio com musicalidade natural e hábitual.

Sentado na varanda da cozinha, Leo aprecia a noite e deixa a imaginação percorrer o caminho do passado: lembra-se de momentos alegres da vida, sorrí perceptivelmente, depois puxa o ar da noite para os pulmões e no fim, liberto-o demoradamente como se os pulmões fossem duas câmaras-de-ar pequenas em pleno vazamento.

A brisa nocturna acompanha-lhe amigavelmente e pouco-a- pouco, Leo perspectiva o amanhã ordenando as ideias no meio do silêncio e do escuro da noite. De repente, uma mulher, dos seus vinte e nove anos de idade, irrompe o quintal correndo apavorada.

- Hei, onde pensa que vai? – Gritou Leo aborrecido pela invasão inesperada ao domicílio e interrupção involuntária dos seus pensamentos.

A mulher, gorda, baixinha e trajada de uma calça e camiseta branca aproximou-lhe ofegante. Estava exausta de tanto correr. Medrosa dos seus perseguidores procurou, como se de um cão se tratasse, esconder-se ao lado do Leo olhando assustada por todos cantos da direcção por onde havia surgido. Leo olhou-a debaixo ao topo e vice-versa, e, depois quis saber:

- De quê foges, mulher?
- De polícia, tio. – Respondeu visivelmente dominada pelo medo. – Eu vinha do salão de cabeleireiro e junto ao muro do Durão avistei três policias a patrulhar o bairro.

Fez uma pausa para descansar. A mulher estava realmente exausta! A respiração ofegante dificultava a fala. Nisto, após um compasso de espera, prosseguiu:

- Fugi dos polícias com o medo de exigir-me bilhete de identidade que nem tenho.
- Achas que isso é motivo suficiente para empreender uma fuga de natureza a que agora acabas de me mostrar?
- Héeee. – Encolheu os ombros esboçando um sorriso forçado, depois, lançou o olhar a rua e acrescentou: – Fiquei com medo. É que, os homens quando me viram a fugir, perguntaram-me do que fugia, mas como tenho esse hábito de fugir autoridade, logo as pernas obedeceram ao impulso de fuga.
- Eles não te vão exigir absolutamente nada! – Sossegou-a. – Estão simplesmente a fazer seu trabalho de rotina, como forma de prevenir qualquer acção criminosa.

A mulher sob o domínio de medo ainda mantinha-se escondida nas costas do Leo, que não parava de se divertir com aquele espectáculo gratuito. Ela estava demasiadamente apavorada e o seu interlocutor achou anormal esse seu estado de espírito. Nisto, saiu para confirmar o facto. Espreitou a rua nas duas extremidades e não achou polícia algum. Deu meia volta e juntou-se novamente a mulher que agora se mantinha apeada na sombra escura da casa.

- Já devem ter ido. – Disse-lhe exibindo um leve sorriso nos lábios. – Agora penso que já podes retirar-se do meu quintal.
- Foram mesmo? – Saiu do escuro segurando chinelos nas mão para qualquer eventualidade empreender mais uma fuga espectacular. – Mas podem estar escondidos algures a minha espera.
- Não pode ser. – Atalhou. – Eles não precisam de ti e por isso se foram. E mais, hoje em dia já não é prática da polícia, em alguns pontos do país, exigir na rua e de qualquer maneira a identificação do cidadão, salvo em casos de extrema desconfiança…

Leo pareceu ter sido insuficientemente convincente com a sua argumentação, pois, em seguida, a mulher assustou-se em demasia ao avistar dois crentes de uma seita religiosa trajados de batinas brancas e azuis. A mulher riu-se perdidamente do sucedido e no final, disse:

- Não sei o que tenho ao certo com a farda policial ou militar. – Deixou cair no chão os chinelos propositadamente e calçou-os retomando no ponto onde havia interrompido. – Sempre que vejo alguém uniformizado com aquelas fardas entro em pânico. O meu desejo nesse momento é sumir do sítio.
- É estranha a sua atitude. - Observou Leo parado em frente da mulher. – Já foste presa alguma vez?
- Que isso, tio. – Fez vinco na testa e continuou. – Vira a boca p´ra lá. Shiii, deus me livre.
- Então, donde vem o seu medo por alguém fardado a polícia ou a militar?
- Não sei dizer.
- Quantos anos tens?
- Advinha.
- Vinte e dois…
- Não. – Sorriu. – Trinta e três.
- Então, viveste os tempos difíceis do país?
- E como! – Abraçou sua bolsa e iniciou a caminhada até ao limiar do quintal.

Em pouco tempo Leo percebeu o trauma da mulher e para confirmar, inquiriu:

- Nesse tempo passado terás sido submetida a uma situação embaraçosa em que no meio disso te exigiram identificação?

Atravessaram a porta do quintal que se encontrava entreaberta e já na rua iluminada, respondeu-lhe:

- Foram várias situações. Lembro-me que há muito tempo, quando voltávamos da escola a noite sempre eu e minhas colegas éramos interpeladas pela polícia, pelos militares e milicianos e exigiam-nos identificação. Quem não tivesse passava uns bons bocados.
- Como?
- Dormir na cela, limpar casas de banho das esquadras, subornar para ser liberto ou então, se for mulher, entregar as partes íntimas ao chefe ou então assistir impotente a sua própria agressão física…

Leo acompanhou a mulher até ao ponto onde dissera ter visto agentes policiais. Pararam alguns instantes e não viram nenhum polícia por ali. Retomaram a marcha conversando e andando lentamente como se se conhecessem há anos. Agora a mulher achava-se tranquila e conversava sem preocupar-se em olhar nos lados.

- Quer me parecer que você não consegue esquecer esse maldito tempo.
- Não consigo esquecer. Marcou-me prufundamente e fico aterrorizado quando vejo alguém vestido a polícia ou a militar.
- Estás traumatizada. – Balbuciou Leo extremamente comovido.

No entanto, mais adiante Leo despediu-se da mulher, encorajou-a a esquecer o passado e prometeram-se avistar mais vezes quando a oportunidade permitisse.
- Por Allman Ndyoko - 09/10/2009

10/26/07

Um conto Macua...

Morreu pelo conselho
Havia um homem chamado Kitheliwa que tinha dois sobrinhos.
Certo dia levou-os à caça.
Andando pelo mato, viram um buraco num murro-muxé.
O buraco era de um animalzinho chamado Niphire*.
Como eram 5 horas da tarde, o tio resolveu que deviam dormir ali no mato para, a coberto da noite, poderem matar o niphire.
No lugar onde iam dormir acenderam fogo e combinaram:
- Cada um que acordar primeiro deve entrar no buraco do niphire.
Mas o animal tinha dois buracos lá por dentro da sua casa, pois o buraco de niphire é grande e uma pessoa entra até uma distância de cinco passos.
O tio dos rapazes começou a aconselhá-los, dizendo:
- Quando ouvirem o barulho do niphire a vir lá do fundo do buraco, zagaiem-no logo, porque ele é muito esperto. Se ele disser "Ai! Já me mataram!" dai-lhe outra zagaiada.
Tudo ficou combinado.
Pensando terem sido os primeiros a acordar, os dois sobrinhos resolveram ir ver o niphire.
Não sabiam que o tio já estava lá no buraco.
Os dois rapazes ouviram barulho a sair do buraco e, seguindo os conselhos recebidos do tio e pensando que era o niphire, zagaiaram o tio.
Quando o tio disse:
- Ai! Já me mataram! - Zagaiaram-no outra vez, seguindo os conselhos do tio.
Depois disseram:
- Vamos acordar o nosso tio! Já matámos o niphire*.
Não sabiam que tinham matado o tio e foram para o lugar onde tinha dormido o tio e não o encontraram.
Reacenderam a fogueira e encontraram, no buraco do niphire, o tio morto.
Logo um dos irmãos disse:
- O nosso tio morreu pelo conselho.
Tive anakitheliwa akhwile ikano saya (Os conselhos falsos vêm em prejuízo de quem os dá).
Glossário:
*Niphire: Rinoceronte
.
Tradução em dialeto macua:
Akwale Ikano Saya
Ahihkala mulopwana mnosa aihamiwa Kitheliwa, ahikhalana asisulwawé anli.
Nihikunimosa ahakuxa arówanaka otakhwani oxaya.
Yethaka mutakhwane yahona mwithé, musulo wa muruni mwithi olé wari wamwaynama onihaniwa Niphire.
Yethaka ywora thanu, samkaripi, vano atataya amiravo ale, yahilavula órupa.
Otakhwani wira ohiyu eriyani emwive Niphire.
Nto, niporo nle narowaya órrupa, yahinsela moro.
Nto yahiwahana:
- Khula nmosa onrowa ovenya ohona evolowa omwithine wa Niphire.
Masi Niphire ahikhalano mithe mili mulina, nto, mwithe wa Niphire onihkala mutokwéne, ophyerya ovolowa muthu emenlene.
Atataya amiravo ale, yahipatthuya wa vaha mirruku eriki: mwaiwa oruma wa niphire muhina wamuithe nmuive mána niphire mulavilavi.owo ahima:wira ai, mokiva!
Mutthikhe nivaka nikina:
- Awo khiwiwanane nto asisuwawe mulopwna ole, khupuwela orowa oweha niphire, nto ehisuwelaka wira atataya arinmwithine.
Masi amiravo awo yahiwa ekukuru-ekukuru ekhumaka omwithini wa niphire ettarihaka ikano yahimeriwaya, yupuwelaka ka wira niphire, yahahoma atataya, nto atataya, khwira:
- Ai mokiva! – Khuahima tho emara yanenli ettharihaka ikano satataya.
Nave atataya, ekhhwiyene, nmosa ahira murowé mwawense atata, wira:
- Nomwima niphire. Nto, khiyasuwela wira yawivale atataya.
A miravó ali mmosa ahirowa oweha hipuró narrupaya Atataya, nto khuhaowiwanya.
Masi amiravo ale yahipatthiha moro khwapanya atataya ekhwiye.
Nananoru muhimawe khwira!
Atatihu akhwanle miruku saya.
Walá ikano saya.
Tive anakitheliwa akhwiye ikano saya.
In - Boletim do Centro de Lingua Portuguesa - Instituto Camões - Nampula - Nov/Dez 1999 - Recolha de Edgar P. Augusto.