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10/09/08

HÁ 150 ANOS TUFÃO CAUSA TERROR, CONFUSÃO E ANGÚSTIA NA CAPITAL DE MOÇAMBIQUE E TERRAS FIRMES - Parte 2.

- Por Carlos Lopes Bento - Prof. Universitário e antropólogo.
Continuação daqui!

O tufão em Moçambique.

A Cidade de Moçambique acaba de presenciar e sofrer uma das maiores calamidades por que poderia passar.
Como se não bastasse a progressiva decadência que há muitas dezenas de anos tem cabido em sorte a esta Província, digna, por certo, de melhor destino, a Providência permitiu que, nos dias passados, caísse sobre ela um furioso temporal que arruinou, por muito tempo, uma boa parte da sua navegação e comércio; destruiu em larga escala a já de si diminuta agricultura da terra firme, de cujos produtos se alimenta a população da Cidade.
De 14 navios, que se achavam fundeados no porto, apenas escaparam do temporal, e se mantiveram seguros nas suas amarrações, a Barca. Adamastor, a Barca francesa, Charles y George e o Brigue Amizade.
Os demais, parte soçobraram abertos em água, parte foram arrojados às praias pela violência do mar e do vento, uns com ruína total, outros com avaria notável.
Acresce mais a esta desgraça que nem os lucros do abatido comércio animam os armadores às despesas do reparo de suas embarcações, nem Moçambique possui infelizmente um arsenal provido do necessário para acudir de pronto a desastres desta ordem. Dá-se ainda uma outra circunstância que agrava este grande mal. Parte dos navios surtos no porto, estavam próximos a seguir para os portos do sul da Província com os efeitos do comércio trazidos do norte. Haverá portanto dificuldade de abastecer os mercados do sul com os artigos que ali são pedidos, os quais, tendo de ficar detidos na Alfândega da Capital, perderam a oportunidade de boa venda, e serão depreciados, porque a Cidade não oferece proporções de bastante consumo.
Muitas vidas se perderam também neste desgraçado acontecimento; milhares de palmeiras e outras arvores foram arrancadas e arrojadas a larga distância; os campos ficaram talados e as sementeiras e plantações de arbustos inteiramente destruídos nestas vizinhanças, o que há-de, necessariamente, ter decidida influência na subsistência pública deste Distrito.
Havia 8 dias que o mau tempo se tinha anunciado por copiosas chuvas, que levaram a ruína a muitas habitações da Cidade e do Continente, porém, na madrugada do 1º de Abril, o vento declarou-se pelo sudoeste, e foi crescendo com impetuosa fúria durante o dia inteiro até ás 9 horas e meia da noite.
Começou então a abonançar: às 11 o mar caiu de repente, o vento tornou-se perfeitamente calmo e atmosfera mostrava a mais serena aparência.
Mentirosa ilusão!...
O barómetro marítimo tinha indicado com antecedência que um grande temporal ia ter lugar e desceu, progressivamente, até ás 11 horas, a 28 polegadas e 74 centésimos.
Tendo o vento e mar cessado a esta hora, era de esperar que esta circunstância coincidisse com a subida do barómetro; não sucedeu porém assim; pelo contrário continuou a descer até 28 polegadas e 70 centésimos, o que na verdade era de muito mau agouro. E com efeito logo depois o vento saltou a noroeste com mais irosa fúria e com maior estrago.
De sorte que, em quanto o temporal corria desfeito do quadrante do sudoeste, ia arremessando as embarcações ao litoral da Cabaceira, e aluindo as árvores do Continente e depois de saltar ao noroeste arrojava às praias do norte da Cidade os navios e embarcações miúdas que tinham de ser parte desta horrorosa destruição e abatia no Continente o arvoredo, que não poude resistir a tanta violência.
O temporal continuou com força no dia 2; porém, do meio-dia em diante, foi declinando; e a vagarosa subida do barómetro deu sinal de que o mau tempo ia cessar. E na verdade assim aconteceu. O vento rondou, finalmente, no dia 3 para o nordeste: que é este o remate dos tufões ou monomocaias, nestas paragens.
O porto de Moçambique é muito exposto a estes reveses por ser completamente desabrigado, e de mau fundo. E não há meio algum eficaz de pôr termo a tão ruinosas perdas causadas pelos tufões, senão transferindo a sede do Governo-Geral para as margens da baía da Condúcia, onde o comércio achará um bom porto e a desejada segurança e a agricultura do continente maior desenvolvimento e importância.
(Comunicado)”
- Fonte: B.O. nº 14 de 3.3.1858, p.57-59.

O texto transcrito, que deverá constituir um alerta para as Autoridades Moçambicanas, mostra bem as dificuldades que há em controlar fenómenos da Natureza desta índole, em que os meios, por mais sofisticados e abundantes que sejam, serão sempre insuficientes para defender as comunidades humanas e seus bens.
- Almada, 8 de Outubro de 2008, Carlos Lopes Bento.

  • O Autor: Dr. Carlos Lopes Bento - Antigo administrador colonial. Foi presidente da Câmara Municipal do Ibo, entre 1969 e 1972 e administrador do concelho de Pemba entre 1972 e 1974. Antropólogo e prof. universitário é um dedicado amigo das históricas Ilhas de Querimba que continua a investigar, de maneira sistemática, e a divulgar as suas inquestionáveis belezas. É Director da Sociedade de Geografia de Lisboa.
  • Demais posts deste blogue onde se encontram trabalhos do Dr. Carlos Lopes Bento - aqui e aqui.

10/08/08

HÁ 150 ANOS TUFÃO CAUSA TERROR, CONFUSÃO E ANGÚSTIA NA CAPITAL DE MOÇAMBIQUE E TERRAS FIRMES - Parte 1.

- Por Carlos Lopes Bento - Prof. Universitário e antropólogo.
Almada, 8 de Outubro de 2008 - No dia em que se comemora o “Dia Internacional das Calamidades” e, em Moçambique, se vão realizar em 42 dos seus distritos exercícios de simulação para testar o nível de prontidão do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, achei oportuno e pertinente lembrar o dia 1 de Abril de 1858, data em que um tufão assolou a Ilha de Moçambique e terras firmes adjacentes e tantas vidas ceifou e prejuízos causou.
Relembra-se a principal notícia então publicada na folha oficial do Governo Geral:

“Moçambique 3 de Abril.
No dia 1.° de Abril a Cidade e o Distrito de Moçambique sofreram os efeitos de uma tempestade horrorosa que, em menos de 21 horas, destruiu muitas fortunas, matou muitas esperanças e roubou a vida a um grande número de pessoas.
Não temos ainda notícias circunstanciadas sobre a extensão das perdas que o temporal causou. — Esperamos que elas nos sejam fornecidas pelas autoridades competentes, mas infelizmente podemos, desde já informar o público, que elas foram muito grandes tanto do mar, como na terra.
O Porto de Moçambique contava fundeados os navios seguintes — Barca Francesa, Charles & George, — Galera Portuguesa Adamastor, Brigues — Amizade, 2 Irmãos e N.S. do Socorro Flor do Mar, Iates —19 de Maio, Esperança e Livramento, 29 Pangaios Árabes e a Goleta de Guerra Francesa —L'Eglé.
O tempo tinha estado inconstante desde o dia 29 de Março — alguns aguaceiros, ventos variáveis, e a atmosfera coberta de grossas nuvens, carregadas de electricidade, foram princípio do terrível temporal, que começou na manhã do 1.° de Abril. — Até ás 11 horas do dia, os aguaceiros fortes de SO não tinham tido nada de extraordinário.
Mas, ao meio dia, o vento começou de soprar com fúria, os aguaceiros foram mais frequentes, e os horizontes mais curtos, e carregados.
O vento foi constantemente crescendo, e o mar com ele, de sorte (que depois das 4 horas da tarde alguns Pangaios, Iate 19 de Maio, o Iate Livramento, e outros navios haviam garrado, cedendo há violência do vento. As rajadas foram aumentando para a noite de sorte que o temporal era já furioso ao pôr do sol. — Desde então foi ele gradualmente crescendo de modo que todos os Pangaios, excepto um só chamado Mantalla, perderam as suas amarrações e alguns deles, bem como Iates 19 de Maio e Livramento, foram arrojados contra a costa da Cabaceira, e aí encalharam. — O Iate Livramento lançado primeiramente sobre a costa do norte do Porto, virou-se — e depois de ter sido impelindo sobre a outra banda veio soçobrar ao meio do canal grande, quando o vento deu para uma direcção oposta.
Quatro homens que puderam segurar-se ao casco, que não submergiu completamente, foram salvos pela tripulação da Galera Adamastor, cujo Capitão mandou um escaler acudir aos naufragados, que bradavam por socorro.
Às 9 horas da noite o vento abrandou um pouco da sua fúria, e pareceu que a tempestade tinha terminado. Este sossego porém foi de curta duração. O vento pareceu cessar, para começar de novo com maior impetuosidade soprando do NO. — Os estragos que a 1ª parte desta cena terrível tinha causado, eram já bem consideráveis.
As fazendas da outra banda já tinham sofrido bastante. — muitas árvores tinham sido derrubadas, muitas palhotas e casas tinham sido arruinadas — e algumas embarcações tinham sofrido grandes avarias ; mas isto ainda não era bastante; era necessário que esta calamidade- já grande para o estado decadente desta Província, fosse ainda maior, mais completa.
Proximamente às 11 horas. depois do sossego ilusório de que falámos, o vento se desencadeou furioso de NO.
Duras rajadas se sucediam rapidamente umas às outras , aumentando sempre de força. Os aguaceiros se tornaram mais amiudados e violentos. O céu escuro, caliginoso, não deixava perceber uma só estrela.— A escuridão medonha da noite vinha aumentar o horror das cenas que este grande transtorno da natureza produziu.
O trânsito era impossível nas ruas da Cidade, inundadas de água; e a areia levantada das praias, redemoinhava pelos ares, elevando-se a grande altura. As casas ainda as mais sólidas tremiam com a violência impetuosa do vento, que derrubava tudo quanto encontrava.
A chuva copiosa encheu as casas — muitas árvores, e algumas colossais, foram derrubadas, e os arbustos e plantas rasteiras ficaram queimadas pelo vento — grossos ramos foram violentamente arrancados dos troncos, e levados a grande distância. Todos estes sons sinistros, misturados aos gritos dos infelizes, que por intervalos sobressaiam horrorosos ao sibilar do vento, levavam o terror, e o susto à população consternada da Cidade.
Muitos tectos e paredes das palhotas da missanga foram arrebatados pelo vento, muitas outras ficaram quase enterradas na areia, que o mar, e o vento lançava sobre a ilha.
Mas se esta tormenta era horrorosa, e medonha em terra quanto mais o não deveria ser sobre o mar — ali aonde a todos os horrores do temporal, havia a acrescentar ainda a fúria do mar encapelado, a fragilidade das embarcações, a escuridão medonha da noite e a impossibilidade absoluta de esperar socorro alheio; devendo ser bem cruéis as horas de angústia assim passadas pelos infelizes que o temporal colheu sobre as embarcações frágeis refúgios contra a violência de uma tão temerosa tempestade! — Quando o vento se tornou verdadeiramente terrível, isto é depois de 11 horas da noite, os Pangaios começaram a descair uns sobre os outros, sem poderem nem segurar-se, nem evitar-se. Tudo foi desordem, confusão e terror.
Então era triste ouvir os gritos desesperados dos infelizes, que vendo a morte diante de si, bradavam socorro, e levantavam os braços para Deus, que só os podia salvar. — Confrangia ouvir esses gritos penetrantes dados por homens, e crianças no máximo desespero ou quando o mar os envolvia e ameaçava engoli-los ou quando arrojados à praia vinham despedaçar-se contra os rochedos. Alguns Pangaios soçobraram e outros vieram quebrar-se inteiramente na praia da Ilha. Os destroços numerosos que se encontram pela praia atestam ao mesmo tempo a violência do temporal, e a extensão da catástrofe. Com eles alguns cadáveres têm sido encontrados ainda que não em grande número.
Somente puderem conservar-se nas amarrações os três navios que mencionámos. A Galera Adamastor, a Barca Charles e George e o Brigue Amizade.
A Goleta Francesa, L'Eglé, que pôde sustentar-se e, segundo é de crer, ficaria firme sobre os ferros, também garrou depois das 11 horas da noite em consequência de dois Pangaios, que caíram sobre ela, e dos quais pôde ainda salvar 14 pessoas
A perícia e intrepidez dos oficiais, a disciplina da guarnição, e os meios de que dispunha não puderam evitar, que a goleta perdesse alguns ferros, perdesse o leme e, com outras avarias, encalhasse. — Felizmente, a solidez da sua construção a preservou de abrir água e, hoje, está salva, depois de alguns esforços felizes.
O Iate do Estado 19 de Maio também foi lançado sobre a praia da Cabaceira com pequena avaria no casco e bem assim um Pangaio mandado do lbo e retido neste porto, a bordo do qual estavam 4 praças portuguesas de marinhagem, que nada sofreram
Além dos navios, e Pangaios perdidos durante o temporal, um grande número de lanchas e outras embarcações miúdas foram feitas em pedaços contra a praia.
Os Brigues 2 Irmãos, e N. S. Socorro Flor do Mar, varados na praia da Ilha com mais ou menos avarias, ainda se poderão utilizar, fazendo-lhes os grandes consertos de que carecem para navegar.
Na terra firme, outra banda, o temporal destruiu algumas casas, derrubou muitas cabanas, arrancou muitas árvores, matou alguns negros, e gados — e arrasou palmares e plantações inteiras. Nenhuma propriedade ali deixou de sofrer e os estragos, ainda que até agora nos não sejam miudamente conhecidos, sabemos que são muito consideráveis e devem causar senão a ruína completa dos proprietários, pelo menos graves perdas. Na tarde do dia 2, a tempestade foi gradualmente declinando, até cessar de todo durante a noite desse dia.
Enfim, este temporal foi uma calamidade que afectará mais ou menos toda a Província, não só pelos resultados imediatos, como por aqueles que se lhes hão de seguir.
Todas as providências possíveis se adoptaram para pre­venir os roubos, e desordens conseguintes a semelhantes catástrofes. Abriu-se a Alfândega, postaram-se postos Mili­tares em diversos pontos, enterraram-se os cadáveres, fizeram-se recolher à Alfandega os objectos naufragados, e enfim, apesar de grande número de escravos do que a Ilha abunda, não há nem grandes roubos, nem desordem alguma a lamentar.
À medida que obtivermos informações iremos dando conhecimento delas ao público.
Confiamos na Providência, tenhamos ânimo e resignação e esperamos que o Governo da Metrópole não será indiferente a esta catástrofe, que tão terríveis efeitos produziu sobre a fortuna dos habitantes, devendo retardar ainda mais e desenvolvimento agrícola e comercial na Província, já pouco próspero.
É de justiça mencionar que o Sr. Juiz de Direito Silva Campos, o Capitão do Porto, os Empregados do Arse­nal, o Capitão Pereira de Almeida, Capitão Tavares de Almei­da, tenente Carvalho e o Alferes Sá Nogueira, oficiais do Estado Maior, o Snr. Fonseca, Escrivão interino da Fazenda, e os oficiais de Marinha Oliveira,ntinua e Sousa de Andrade, acompanharam o Governador Geral, e o coadjuvaram com os seus serviços, cumprindo as ordens que lhes foram dadas e as circunstancias exigiam, com todo o zelo, e prontidão.
- Continua em próximo post.

  • O Autor: Dr. Carlos Lopes Bento - Antigo administrador colonial. Foi presidente da Câmara Municipal do Ibo, entre 1969 e 1972 e administrador do concelho de Pemba entre 1972 e 1974. Antropólogo e prof. universitário é um dedicado amigo das históricas Ilhas de Querimba que continua a investigar, de maneira sistemática, e a divulgar as suas inquestionáveis belezas. É Director da Sociedade de Geografia de Lisboa.
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