- Por Carlos Lopes Bento - Prof. Universitário e antropólogo.
Continuação daqui!
O tufão em Moçambique.
A Cidade de Moçambique acaba de presenciar e sofrer uma das maiores calamidades por que poderia passar.
Como se não bastasse a progressiva decadência que há muitas dezenas de anos tem cabido em sorte a esta Província, digna, por certo, de melhor destino, a Providência permitiu que, nos dias passados, caísse sobre ela um furioso temporal que arruinou, por muito tempo, uma boa parte da sua navegação e comércio; destruiu em larga escala a já de si diminuta agricultura da terra firme, de cujos produtos se alimenta a população da Cidade.
De 14 navios, que se achavam fundeados no porto, apenas escaparam do temporal, e se mantiveram seguros nas suas amarrações, a Barca. Adamastor, a Barca francesa, Charles y George e o Brigue Amizade.
Os demais, parte soçobraram abertos em água, parte foram arrojados às praias pela violência do mar e do vento, uns com ruína total, outros com avaria notável.
Acresce mais a esta desgraça que nem os lucros do abatido comércio animam os armadores às despesas do reparo de suas embarcações, nem Moçambique possui infelizmente um arsenal provido do necessário para acudir de pronto a desastres desta ordem. Dá-se ainda uma outra circunstância que agrava este grande mal. Parte dos navios surtos no porto, estavam próximos a seguir para os portos do sul da Província com os efeitos do comércio trazidos do norte. Haverá portanto dificuldade de abastecer os mercados do sul com os artigos que ali são pedidos, os quais, tendo de ficar detidos na Alfândega da Capital, perderam a oportunidade de boa venda, e serão depreciados, porque a Cidade não oferece proporções de bastante consumo.
Muitas vidas se perderam também neste desgraçado acontecimento; milhares de palmeiras e outras arvores foram arrancadas e arrojadas a larga distância; os campos ficaram talados e as sementeiras e plantações de arbustos inteiramente destruídos nestas vizinhanças, o que há-de, necessariamente, ter decidida influência na subsistência pública deste Distrito.
Havia 8 dias que o mau tempo se tinha anunciado por copiosas chuvas, que levaram a ruína a muitas habitações da Cidade e do Continente, porém, na madrugada do 1º de Abril, o vento declarou-se pelo sudoeste, e foi crescendo com impetuosa fúria durante o dia inteiro até ás 9 horas e meia da noite.
Começou então a abonançar: às 11 o mar caiu de repente, o vento tornou-se perfeitamente calmo e atmosfera mostrava a mais serena aparência.
Mentirosa ilusão!...
O barómetro marítimo tinha indicado com antecedência que um grande temporal ia ter lugar e desceu, progressivamente, até ás 11 horas, a 28 polegadas e 74 centésimos.
Tendo o vento e mar cessado a esta hora, era de esperar que esta circunstância coincidisse com a subida do barómetro; não sucedeu porém assim; pelo contrário continuou a descer até 28 polegadas e 70 centésimos, o que na verdade era de muito mau agouro. E com efeito logo depois o vento saltou a noroeste com mais irosa fúria e com maior estrago.
De sorte que, em quanto o temporal corria desfeito do quadrante do sudoeste, ia arremessando as embarcações ao litoral da Cabaceira, e aluindo as árvores do Continente e depois de saltar ao noroeste arrojava às praias do norte da Cidade os navios e embarcações miúdas que tinham de ser parte desta horrorosa destruição e abatia no Continente o arvoredo, que não poude resistir a tanta violência.
O temporal continuou com força no dia 2; porém, do meio-dia em diante, foi declinando; e a vagarosa subida do barómetro deu sinal de que o mau tempo ia cessar. E na verdade assim aconteceu. O vento rondou, finalmente, no dia 3 para o nordeste: que é este o remate dos tufões ou monomocaias, nestas paragens.
O porto de Moçambique é muito exposto a estes reveses por ser completamente desabrigado, e de mau fundo. E não há meio algum eficaz de pôr termo a tão ruinosas perdas causadas pelos tufões, senão transferindo a sede do Governo-Geral para as margens da baía da Condúcia, onde o comércio achará um bom porto e a desejada segurança e a agricultura do continente maior desenvolvimento e importância.
(Comunicado)”
- Fonte: B.O. nº 14 de 3.3.1858, p.57-59.
A Cidade de Moçambique acaba de presenciar e sofrer uma das maiores calamidades por que poderia passar.
Como se não bastasse a progressiva decadência que há muitas dezenas de anos tem cabido em sorte a esta Província, digna, por certo, de melhor destino, a Providência permitiu que, nos dias passados, caísse sobre ela um furioso temporal que arruinou, por muito tempo, uma boa parte da sua navegação e comércio; destruiu em larga escala a já de si diminuta agricultura da terra firme, de cujos produtos se alimenta a população da Cidade.
De 14 navios, que se achavam fundeados no porto, apenas escaparam do temporal, e se mantiveram seguros nas suas amarrações, a Barca. Adamastor, a Barca francesa, Charles y George e o Brigue Amizade.
Os demais, parte soçobraram abertos em água, parte foram arrojados às praias pela violência do mar e do vento, uns com ruína total, outros com avaria notável.
Acresce mais a esta desgraça que nem os lucros do abatido comércio animam os armadores às despesas do reparo de suas embarcações, nem Moçambique possui infelizmente um arsenal provido do necessário para acudir de pronto a desastres desta ordem. Dá-se ainda uma outra circunstância que agrava este grande mal. Parte dos navios surtos no porto, estavam próximos a seguir para os portos do sul da Província com os efeitos do comércio trazidos do norte. Haverá portanto dificuldade de abastecer os mercados do sul com os artigos que ali são pedidos, os quais, tendo de ficar detidos na Alfândega da Capital, perderam a oportunidade de boa venda, e serão depreciados, porque a Cidade não oferece proporções de bastante consumo.
Muitas vidas se perderam também neste desgraçado acontecimento; milhares de palmeiras e outras arvores foram arrancadas e arrojadas a larga distância; os campos ficaram talados e as sementeiras e plantações de arbustos inteiramente destruídos nestas vizinhanças, o que há-de, necessariamente, ter decidida influência na subsistência pública deste Distrito.
Havia 8 dias que o mau tempo se tinha anunciado por copiosas chuvas, que levaram a ruína a muitas habitações da Cidade e do Continente, porém, na madrugada do 1º de Abril, o vento declarou-se pelo sudoeste, e foi crescendo com impetuosa fúria durante o dia inteiro até ás 9 horas e meia da noite.
Começou então a abonançar: às 11 o mar caiu de repente, o vento tornou-se perfeitamente calmo e atmosfera mostrava a mais serena aparência.
Mentirosa ilusão!...
O barómetro marítimo tinha indicado com antecedência que um grande temporal ia ter lugar e desceu, progressivamente, até ás 11 horas, a 28 polegadas e 74 centésimos.
Tendo o vento e mar cessado a esta hora, era de esperar que esta circunstância coincidisse com a subida do barómetro; não sucedeu porém assim; pelo contrário continuou a descer até 28 polegadas e 70 centésimos, o que na verdade era de muito mau agouro. E com efeito logo depois o vento saltou a noroeste com mais irosa fúria e com maior estrago.
De sorte que, em quanto o temporal corria desfeito do quadrante do sudoeste, ia arremessando as embarcações ao litoral da Cabaceira, e aluindo as árvores do Continente e depois de saltar ao noroeste arrojava às praias do norte da Cidade os navios e embarcações miúdas que tinham de ser parte desta horrorosa destruição e abatia no Continente o arvoredo, que não poude resistir a tanta violência.
O temporal continuou com força no dia 2; porém, do meio-dia em diante, foi declinando; e a vagarosa subida do barómetro deu sinal de que o mau tempo ia cessar. E na verdade assim aconteceu. O vento rondou, finalmente, no dia 3 para o nordeste: que é este o remate dos tufões ou monomocaias, nestas paragens.
O porto de Moçambique é muito exposto a estes reveses por ser completamente desabrigado, e de mau fundo. E não há meio algum eficaz de pôr termo a tão ruinosas perdas causadas pelos tufões, senão transferindo a sede do Governo-Geral para as margens da baía da Condúcia, onde o comércio achará um bom porto e a desejada segurança e a agricultura do continente maior desenvolvimento e importância.
(Comunicado)”
- Fonte: B.O. nº 14 de 3.3.1858, p.57-59.
O texto transcrito, que deverá constituir um alerta para as Autoridades Moçambicanas, mostra bem as dificuldades que há em controlar fenómenos da Natureza desta índole, em que os meios, por mais sofisticados e abundantes que sejam, serão sempre insuficientes para defender as comunidades humanas e seus bens.
- Almada, 8 de Outubro de 2008, Carlos Lopes Bento.
- Almada, 8 de Outubro de 2008, Carlos Lopes Bento.
- O Autor: Dr. Carlos Lopes Bento - Antigo administrador colonial. Foi presidente da Câmara Municipal do Ibo, entre 1969 e 1972 e administrador do concelho de Pemba entre 1972 e 1974. Antropólogo e prof. universitário é um dedicado amigo das históricas Ilhas de Querimba que continua a investigar, de maneira sistemática, e a divulgar as suas inquestionáveis belezas. É Director da Sociedade de Geografia de Lisboa.
Eu quero saber história de abdul amade isac
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