(Imagem daqui)Pelo tema e atualidade, neste mundo sem fronteiras ou oceanos que nos dividam, transcrevo:
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Parte I - Bairro da região central de São Paulo é o destino de angolanas que vêm ao Brasil para comprar peças que estão na moda por aqui, e que serão revendidas em seu país de origem. Negócios são desenvolvidos com bastante discrição. No número 37 de uma rua antiga de São Paulo fica um hotel em que é possível comer pratos típicos angolanos, como galinha com muamba, calulu e costela de boi com fungi, entre outros.
Algumas quadras adiante fica uma loja que vende sapatos no atacado.
No seu interior, há uma grande bandeira de Angola pendurada.
Ainda próximo dali está sediado outro hotel onde trabalha um recepcionista de meia idade, cabelos brancos e uma generosa barriga.
De tanto conviver com seus hóspedes, adquiriu um curioso trejeito africano no seu modo de falar, entoando palavras com sons mais abertos e incorporando expressões do português lá do outro lado do Atlântico, como "fixe", que quer dizer "legal".
Finalmente, bem ao lado desse hotel fica uma exportadora chamada Kwanza Sul - kwanza é o nome do maior rio de Angola e da moeda do país.
Esses quatro endereços estão localizados no bairro paulistano do Brás, um dos maiores pólos de venda de roupas no atacado da cidade de São Paulo.
Estão lá para atender a uma fiel clientela: as centenas de sacoleiras angolanas que quase diariamente atravessam o Atlântico e desembarcam em São Paulo à procura de produtos para serem revendidos em seu país de origem.
Elas compram quantidades enormes, despachadas por transportadoras.
O lucro obtido com a transação paga a passagem de avião, que custa mais de mil dólares, e ainda garante o sustento dessas mulheres.
O Brás é um lugar de migrantes, mistura de bolivianos, paraguaios, nordestinos, paulistanos, guinenses, libaneses e, também, de angolanos.
Por onde quer que se ande, nas lojas, nas ruas, entre os camelôs, nos mercados, na feira da madrugada - um mercado aberto que começa às 3h30 da manhã -, nos hotéis ou nos restaurantes, a presença desses últimos é quase sempre notável, seja pelo colorido das roupas e o primor dos penteados das mulheres, nas vozes com sotaque que estão quase sempre a falar alto e, principalmente, comemorada pelos dólares que trazem do seu país natal.
Alguns, geralmente estudantes, vivem em São Paulo.
Mas a maioria está apenas de passagem.
Apesar de numerosos, é grande a dificuldade para conseguir qualquer informação sobre o assunto.
Basta se apresentar como jornalista para rapidamente portas se fecharem, sorrisos se apagarem, rostos se virarem e irem embora, para a conversa terminar subitamente.
Esse tema é um tabu.
Em alguns momentos, a hostilidade é óbvia, porém silenciosa.
Em outros, mais direta. "Já está na hora da senhorita ir embora daqui", insistiu uma turma de amigos angolanos que mora no Brasil e costuma se encontrar no Brás.
Alguns dias depois, foi a vez de a dona de um hotel afirmar nervosa, por telefone: "não tenho nada a declarar sobre isso".
No dia anterior, a repórter esteve no seu estabelecimento na companhia de um angolano, sem se identificar como jornalista, e a situação foi bastante diferente.
Ela conversou com a dona, comeu comida típica e ouviu os cozinheiros dizerem que aprenderam a fazer os pratos africanos e acabaram gostando.
"As angolanas são maioria no nosso hotel. Temos de fazer de tudo para satisfazer os clientes, né?", afirmou, na ocasião, uma das cozinheiras.
A razão para essa espécie de pacto de silêncio é uma só.
Os lucros trazidos com as compras das sacoleiras são fartos.
Acontece que, sob o ponto de vista jurídico, muita coisa é feita de maneira informal: parte do dinheiro é trazido ao Brasil sem ser declarado, compras são feitas sem nota fiscal e, apesar de a maioria dos produtos serem remetidos por meio de exportadoras, muitas mulheres levam o que compraram nas suas próprias malas.
Para os comerciantes, é um dinheiro que ninguém quer perder.
Para as angolanas, é um meio de ganhar a vida.
Por isso, fornecer quaisquer informações que possam comprometer essa atividade econômica tão importante para ambos os lados é desnecessário e arriscado.
Por cerca de um mês, a
Repórter Brasil percorreu as ruas do Brás na tentativa de conhecer um pouco da história dessas sacoleiras.
Depois de muitas portas fechadas, algumas se abriram.
Foi possível, então, perceber que há muito mais aspectos envolvidos nesse processo do que uma simples relação comercial.
Mais importante do que saber quantos dólares elas têm no bolso ou investigar se o dinheiro foi ou não declarado é compreender as mudanças que esse vultoso comércio está trazendo às duas partes envolvidas.
Pois o ser humano, sempre que se coloca em contato com outro diferente, sofre e provoca transformações.
Nesse caso específico, elas aparentemente podem parecer superficiais, mas são profundas.
Por Juliana Borges
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