4/15/12

História e histórias d'África no Brasil - NEGRO SULINO



Por Fábio Campos

Santana do Ipanema cidade secular, encravada no médio sertão das Alagoas. Palco de histórias memoráveis, desde o Período Imperial brasileiro. De quando os primeiros desbravadores aqui aportaram resolvidos a cultivar a terra. Dispostos a domesticar e catequizar os indígenas com a ajuda dos missionários. A água em abundância do rio Ipanema garantia de boa caça e pesca. O rio oferecia-se inteiro, para gerar variadas fontes de renda dos seus novos e antigos habitantes. Rio manso deixou-se domar. Deu de si, o massapé para preencher os tapumes de pau-a-pique. Água para o gado bovino. Madeira da mata branca para as edificações e cercados. Argila das encostas do curso d’água, donde se manufaturavam panelas, potes e tachos. O junco e a palha de suas barrancas, com que os rurícolas cobriam suas habitações rupestres. Dele os índios vivam e tiravam seus artefatos de combate, utensílios domésticos e pigmentos para ornar o corpo.

Santana do Ipanema em breve se elevaria a categoria de vila quando aqui chegaram os primeiros negros da descendência dos Bantos africanos – faltavam trinta anos para a princesa Isabel assinar a Lei Áurea - os negros trazidos de África para o Brasil chegavam na condição de escravos. Trazidos de Angola, República do Congo, Moçambique, Guiné Bissau. Pertenciam a grupos étnicos que os traficantes dividiam em Dembos, Macuas, Benguelas e Anjicos. Eram levados pelo litoral, nos porões dos navios, amarrados pelos pés e mãos para não fugirem. Comercializados nos dois grandes centros da época, o cais do porto de Salvador e Rio de Janeiro. Uma vez vendidos, aos mercadores de escravos, viajavam léguas a pé para o interior, para serem revendidos aos senhores feudais. Em Minas Gerais iam para a garimpagem de ouro, na Província do Rio de Janeiro para as lavouras de café, no Nordeste iam para a região Atlântica, para o cultivo da cana-de-açúcar. Parte deles embrenhados nos sertões, iam para a lida com gado bovino e o serviço doméstico das casas grandes de ricos comerciantes e donatários.

Um dia chegou a Vila da Ribeira de Santana, um comboio de mais de vinte pessoas e dez montarias. Havia entre eles mercadores de especiarias, alguns corsários, e um vendedor de escravos que trazia seis negros - quatro homens e duas mulheres - já vendidos. Uma encomenda do senhor Martiniano Vieira, donatário-herdeiro de parte das doze léguas de terras devolutas, compreendidas entre a Serra do Caracol à Ribeira dos Cabaços. Concedidas pelo imperador D. Pedro II, aos irmãos Martins. Os negros em fila indiana chegaram a pé. Traziam argolas, envolta do pescoço, que unia uns aos outros por uma corrente de ferro. Além de terem as mãos amarradas às costas. Cobertos de poeira - não fosse pela respiração ofegante e o andar claudicante - passariam facilmente por estátuas feitas de barro de louça. Sangravam dos pulsos e da sola dos pés. Os tropeiros pararam no largo defronte a igreja de Senhora Santana. Os habitantes da vila se aproximaram por interesses variados. Alguns para compra de manufaturados - vindos da província - tecidos, aguardente, fumo e pólvora. Outros por pura curiosidade.

Os mercadores de escravos aproveitavam a aglomeração no largo, para anunciar a Vila da Ribeira de Santana, sobre os seus mais novos moradores. Os negros de propriedade do senhor Martiniano Vieira. Dali por diante assim deviam ser tratados, como parte dos bens pertencentes ao donatário. Os negros foram levados para um barracão denominado de senzala, construído para aquele fim. Durante o dia os negros realizavam serviços de capina e plantio, pastoreio de gado e mil outras empreitadas. À noite recolhidos na rústica masmorra, cantavam cantigas de além mar. Cantigas de sua terra-mãe África. Canções na língua Haúça, um dialeto onde proliferavam palavras com muitas Gangas e muitos Zumbas. Os negros de origem africana eram rebatizados pelo missionário Francisco Correia, com nomes cristãos. Receberiam do catequista, nomes de santos da igreja católica de acordo com as datas de seus nascimentos. Àqueles não sabia determinar com exatidão a data em que haviam nascido. O frade batizou-os com o nome das principais províncias brasileiras, Salvador, Sebastião, Vicente e Agostinho. As mulheres passaram a se chamar de Tereza Cristina e Isabel, em referência a imperatriz e à princesa, respectivamente esposa e filha do imperador. Muito embora os negros jamais deixariam suas origens e suas crenças. Acreditavam em deuses vários para cada evento da vida. Praticavam rituais de vodun originados do candomblé Jeje. À noite ao redor de uma fogueira dançavam ao som de tambores evocando seus deuses. Sacrificavam pequenos animais, pediam proteção e clamavam pela liberdade perdida. Os brancos da vila passaram a respeitar e temer os negros pelos poderes imputados a eles. Acreditavam que tinham a capacidade de transformarem-se em animais, ou tornarem-se invisíveis em determinadas ocasiões. Poderes de ter o corpo fechado para o ataque com arma branca, e mesmo de serem imortais. Os negros mantinham ainda o hábito de falar no seu dialeto de origem, e seus nomes de batismo na mãe África. O negro Sebastião chamado na tribo afro de Heviassô-Agué que significa deus da caça e da floresta teria se amasiado com a negra Tereza Cristina, Ayizan-fa, rainha do mercado e da adivinhação, tiveram doze filhos. O primogênito cujo nome de batismo no ritual afro era Agassu-Lino que na língua Banto quer dizer “aquele que vem do reinado de Benin do Congo”.

Agassu-Lino tornou-se grande líder do povo afro que residia na Vila da Ribeira. Tornou-se uma lenda viva pelos prodígios a ele atribuídos. As negras Bás contavam histórias de dormir aos filhos dos brancos sobre as façanhas de Agassu-Lino. Histórias de suas caçadas fantásticas. Peripécias de ter matado onças e lobos gigantes com as próprias mãos. A proeza de ter enfrentado o próprio diabo. Os negrinhos da vila deram-lhe o carinhoso apelido de Sulino. Pelos muitos anos viveu, habitou o Alto dos Negros - um reduto Quilombola no Serrote de Seu Marinho - ao lado do seu povo. Originários e descendentes da tribo Banto. Já em idade avançada era consultado pelos brancos, que queriam livrar-se de mandingas e moléstias - que os atormentavam - em corpo ou em espírito. Sulino acabou deixando o morro e foi morar na cidade. Era comum encontrá-lo perambulando pelas ruas na madrugada. Acabaria acusado de bruxaria, de virar lobisomem em noite de luas cheias e de praticar rituais satânicos. Em 1975 quando completou cem anos de idade, entrou em casa, fechou as portas e não mais saiu. Seis meses depois, os moradores da vizinhança tomaram uma atitude, destelharam a casa e entraram, nem vestígio de Sulino. Cobras, sapos, aranhas e ratos foram os únicos ocupantes encontrados lá dentro. 
- Fonte e transcrição "Alagoas na Net"

3/31/12

Claudino Castro de Abreu: Um Homem de Porto Amélia/Pemba

Claudino de Abreu: Ainda há homens como este?
Transcrição - Rádio Moçambique - Sábado, 31 de Março de 2012 - 15:03 - É difícil estar perante quem se deu a tarefa de manutenção de um cemitério municipal, com trabalhadores permanentes por si pagos, constroi esquadras e oferece-as ao Estado e devolve a este mesmo Estado dinheiro que alguém, num negócio escuro, depositou na sua conta, denunciando assim uma burla das mais badaladas que a sociedade em Cabo Delgado já testemunhou.

Claudino Castro de Abreu, a figura que transporta esta personalidade, pensamos não haja quem vive ou tenha vivido em Pemba, não o conheça, apesar de a sua vida ser muito discreta, quase ausente, mas respeitada por todos os segmentos sociais, políticos, empresariais desta parcela do país e não só .

Desde 2006 tomou sob sua responsabilidade o cemitério municipal de Pemba, onde colocou 8 trabalhadores de limpeza permanentes, que diariamente tratam de o assear, pintando-o e ornando-o, do que resultaram as melhorias do local a que ninguém escapa, para ficar como hoje o é: digno.

Em resposta a uma nossa pergunta, Claudino de Abreu diz que se trata duma inclinação que traz da sua juventude, quando militava num movimento de voluntariado, do tipo escuteiros, mas que se tornou mais acutilante, depois que perdeu a sua esposa e ali foi enterrada.

Claudino, como carinhosa e simplesmente é tratado, de nacionalidade portuguesa, vai todos os dias ao cemitério para ver a campa da sua falecida esposa e ver o trabalho dos trabalhadores que colocou para a sua manutenção, tratando de todos cujas almas ali jazem, como se todos eles fossem seus familiares.

Só depois deste ritual se entrega aos outros afazeres, nomeadamente, cuidar dos seus negócios em diferentes frentes, uma forma de vida que vem do longínquo ano de 1957, quando veio para Moçambique, levado por um primo, Matranque, que se juntou a outro, Tambor, que viviam em Namuno.

Pouco tempo depois, soube da existência do terceiro primo, por sinal mais directo ainda, a viver em Balama, aonde teve que ir e lhe pôs a trabalhar nas suas machambas e a controlar mercados de algodão em diferentes zonas da sua influência, incluindo Mesa, na altura pertencente a Montepuez, hoje distrito de Ancuabe.

“Voltei de novo para Namuno, já como empregado duma loja, na região de Perepere, onde havia um centro de leprosos. Depois de algum tempo fui a Montepuez, já em 1962”, recorda Claudino.

Em 1964 é incorporado para o serviço militar e como praça esteve em Boane, tendo como especialidade as transmissões, função que confessa nunca ter chegado a desempenhar.

Voltou para a então Porto Amélia, hoje Pemba, para fazer a tropa como cantineiro, durante três anos, tendo saído com louvor, precisamente no dia 12 de Setembro de 1966, para no mês seguinte começar a trabalhar no emblemático “Niassa Comercial”, um estabelecimento de comércio geral, na então rua Jerónimo Romero, hoje simplesmente rua do comércio, na baixa da cidade, onde se manteve durante 34 anos.

“Eu, no “Niassa Comercial”, era chefe dos serviços, até ao ano de 1975, ano da proclamação da Independência Nacional. Éramos 16 brancos empregados naquela firma, mas com a independência todos fugiram, incluindo o patrão, ficando eu sozinho, com mais 30 trabalhadores moçambicanos” explica o nosso entrevistado.

Ele não fugiu, segundo justifica, porque “desde a primeira hora acreditei na independência. Até porque uns meses antes estava de férias em Portugal e quando soube da data da independência, tive que regressar para assistir a esse momento especial”.

Não é verdade, como a maioria pensa, que o “Niassa Comercial” tenha alguma vez sido sua firma, apesar de ter ficado à sua frente durante 34 anos, de 1966 a 2000, porque o seu patrão, mesmo antes da independência, não tinha residência fixa em Moçambique.

“Durante este período todo o “Niassa Comercial”, que não chegou a ser intervencionado, porque tinha pés para andar sozinha, teve um relacionamento extraordinário com o governo, que era o nosso melhor cliente, que tinha uma grande consideração pela firma”, faz questão de esclarecer o nosso entrevistado.

Deixou a firma em 2000, na sequência duma desinteligência, que envolvia-o ao patrão, que afinal era familiar da sua falecida esposa, tendo decidido largar o emprego, 34 anos depois, sem pedir sequer salário nem indemnização.

Uma das últimas acções consideradas invulgares, foi terem-no tentado meter na burla que o Estado sofreu, no caso dos funcionários das Finanças, que acabou com a condenação, pelo Tribunal Judicial Provincial de Cabo Delgado, de três dos cinco réus, acusados de desvio de fundos do Estado, de forma continuada e que se saldaram, nos anos 2007/8, num prejuízo que totalizou 43.450.123,56 Meticais.

Os burladores haviam transferido para a conta de Claudino parte considerável desta soma e ele, ciente de que não havia feito nenhum negócio que atingisse aquele valor avultado, devolveu o dinheiro, presumindo que tivesse havido algum um erro. Não quis ficar com o dinheiro à espera que eles viessem para a negociação agendada, que era como faziam com os outros estabelecimentos comerciais e de prestação de serviço. E terá sido a gota que encheu o oceano!

É Claudino de Abreu que, atras de quem esteve a iniciativa e suporte da construção das esquadras policiais, na sede do posto administrativo de Murrébué e na Localidade de Muitua, ambos no distrito de Mecúfi.

Por ocasião da gala de personalidades, edição 2011, recebeu um trofeu da confederação das associações económicas de Cabo Delgado, em reconhecimento das suas qualidades em diferentes áreas, incluindo a empresarial.

Por Pedro Nacuo, jornalista do “Notícias”. Publicado no dia 31 de Março de 2012

3/23/12

MEMÓRIAS DE CABO DELGADO COLONIAL - Tese

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MEMÓRIAS DE CABO DELGADO COLONIAL
AS ILHAS DE QUERIMBA OU DE CABO DELGADO. SITUAÇÃO COLONIAL, RESISTÊNCIAS E MUDANÇA. 1742-1822.
Tese de doutoramento, defendida, publicamente, em 5 e 6 de Dezembro de 1994, pelo licenciado Carlos Lopes Bento, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade Técnica de Lisboa.

Por Carlos Lopes Bento - Doutorado em História dos Factos Socias pelo ISCSP, da U T Lisboa. Antigo presidente da Câmara Municipal do Ibo. Antropólogo. Tesoureiro da S G de Lisboa.
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3/15/12

LEMBRANDO OS ÚLTIMOS ANOS DA ADMINISTRAÇÃO PORTUGUESA NO CONCELHO DO IBO - 1973

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MEMÓRIAS DE CABO DELGADO COLONIAL
LEMBRANDO OS ÚLTIMOS ANOS DA ADMINISTRAÇÃO PORTUGUESA NO CONCELHO DO IBO - Ano de 1973
(1969-1974)
Por Carlos Lopes Bento - Doutorado em História dos Factos Socias pelo ISCSP, da U T Lisboa. Antigo presidente da Câmara Municipal do Ibo. Antropólogo. Tesoureiro da S G de Lisboa.
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