10/31/08

Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 2

(Continuação daqui.)

Oficialmente, Portugal já proibira em 1761 a importação de escravos no reino e nas Ilhas e, na época em que o tráfico se acentuou na costa oriental africana, o poder português no oceano ìndico declinava, pelo que não havia condições nem meios para controlar essa atividade, já proíbida pela legislação portuguesa de 1836.

No segundo quartel do século XIX, depois de ultrapassada a prolongada crise por que passara o país com as invasões francesas e a guerra civil, o governo português passou a enviar navios militares para Moçambique com a missão específica de reprimir o tráfico da escravatura e, frequentemente, as autoridades moçambicanas armaram navios apresados que utilizaram no combate ao tráfico.

O combate ao tráfico da escravatura intensificou-se então, com particular incidência nas zonas de Angoche e ilha de Moçambique, mas também na área do arquipélago das Quirimbas, como se verifica por alguns registos mais acessíveis.

A corveta Relâmpago, por exemplo, que antes era a barca brasileira Maria da Glória que fora apresada em 1840 por ser negreira, apreendeu no ano seguinte em Lourenço Marques o brigue D. Manuel de Portugal e o patcho Paquete da Madeira, por serem negreiros.(54)

Também o brigue Caçador Africano, que provávelmente era um negreiro apresado nesse ano de 1841, permaneceu na costa moçambicana entre 1841 e 1844 com a missão de perseguir o tráfico de escravos.(55)

O brigue D. João de Castro(56) chegou a Moçambique em Setembro de 1841 e permaneceu regularmente na costa moçambicana até 1855, empenhado na repressão do tráfico da escravatura e em outras missões, tendo apresado em 1842 na área de Quelimane a barca brasileira Inês, por ser negreira.

Em 26 de Julho de 1845 fundeou "entre as ilhas Quirimbas e terra firme", perto de um brigue suspeito de se empregar no tráfico de escravos. "Um oficial enviado a bordo verificou que o navio, além de estar abandonado, dispunha o necessário para o transporte de escravos, a saber: caldeira, grande número de par de machos, mais de 200 pipas de água e muito mantimento".(57)

O comandante mandou que um oficial de 14 praças dele tomasse posse. Não existiam a bordo nem papéis, nem bandeiras e, no porão, foi encontrado um letreiro dourado com o nome de Montevideo, pelo que se presumiu que o navio era brasileiro. Na madrugada seguinte, o comandante mandou dois escaleres apreender as embarcações do negreiro que se achavam em terra. Os negreiros defenderam-se a tiro, pelo que o oficial regressou a bordo sem trazer a lancha do brigue, porque se achava muito arruinada.

Em Março de 1847 o brigue D. João de Castro apresou o brigue americano Commerce of Providence por andar no tráfico negreiro entre Quelimane e Moçambique e, em Novembro, apresou em Angoche o brigue americano Magoum.

Em Setembro de 1843 o brigue Conde de Vila Flor saíu de Lisboa para Moçambique sob o comando do 1º tenente Pedro Loureiro Pinho, a fim de ser integrado na Estação Naval e ser utilizado na repressão do tráfico, nos termos do tratado de 3 de Julho de 1842 para a completa abolição da escravatura.(58)

Em Agosto de 1845 saiu para o Ibo e depois para a baia de Pemba, onde capturou três pangaios por suspeita de serem negreiros, além de diverso armamento.

No dia 9 de Agosto, um dos pangaios capturados que fora baptizado com o nome de Pemba, largou com 24 homens sob o comando do 2º tenente Jerónimo Romero, "a correr os portos do Norte em que se suspeitava haver barcos no tráfico de escravos".

O Pemba regressou à baía de Pemba no dia 1 de Outubro, entregando "157 dentes de marfim com o peso de 85 arrobas e 25 arráteis".(59)

No dia 24 de Novembro, na baía de Pemba, largaram duas lanchas do navio, comandadas pelo 2º Romero e pelo guarda-marinha António Maria Guedes.

Quinze minutos depois de desembarcarem e começou imediatamente um tiroteio, de que resultou a morte de um grumete. No dia seguinte, o brigue Conde de Vila Flor e o brigue inglês Mutine que chegara à baía, fundearam junto à praia onde se fizera o desembarque do dia anterior.

Alguns dias depois, no dia 9 de Dezembro, com o brigue Conde de Vila Flor fundeado no Ibo, saíram 3 lanchas com uma força militar para a ilha Matemo, regressando algumas horas depois com 51 escravos. No dia 11 de Dezembro, o 2º tenente Romero desembarcou "para tomar o governo das ilhas de Cabo Delgado, por ordem do governador-geral".

No dia 19 de Janeiro de 1846 o 2º tenente Romero saiu do Ibo com 30 homens em duas lanchas para "averiguar se existiam escravos na ponta Pangane e ilha de Macaloe", conforme informações que recebera. (60)

Em 28 de Novembro de 1846 o bergantim Tejo cruzava a costa e "tomou um pangaio suspeito de traficar em escravos, fundeado no Ibo no mesmo dia"(61), enquanto a escuna Infante D. Henrique apresou um negreiro sardo nas proximidades de Angoche.

Outro navios, como por exemplo as escunas 4 de Abril e Voador, assim como a corveta Infanta Regente, estiveram envolvidas na repressão do tráfico da escravatura em Moçambique por volta de 1850.
--> Continua...

*54 - António Marques Esparteiro, Trés Séculos no Mar, Vol. XV, p. 82.
*55 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol. XIX, p. 94.
*56 - O brigue D, João de Castro foi construído em Damão em 1841 e, inicialmente, chamava-se Gentil Libertador. Em Agosto de 1841 partiu para Moçambique comandado pelo 2º tenente Jerónimo Romero.
*57 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol XIX, p. 96.
*58 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol XIX, p. 25.
*59 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol XIX, p. 28.
*60 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol XIX, p. 29.
*61 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol XVIII, p. 143.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.

O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

- Do mesmo autor neste blogue:

  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!
  • Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de Mocimboa da Praia - Aqui!
  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 1 - Aqui!

- Em breve neste blogue:

  • A Ilha do Ibo;
  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

Semana cultural de Moçambique acontece no Brasil.

(Imagem original daqui.)
A cidade de Brasília, capital brasileira, vai acolher de 6 a 9 de Novembro próximo a semana cultural de Moçambique, uma acção promovida pela embaixada moçambicana naquele país da América Latina, em parceria com a Cine-Vídeo e a Soico.
Ao Brasil desloca-se a artista plástica Chica Sales, que vai levar para expor doze quadros de óleo sobre tela, dois feitos em tinta de china sobre papel, quatro aguarelas e dois lápis.

No campo musical e da dança tradicional e moderna conta-se com a participação do conceituado saxofonista moçambicano Moreira Chonguiça e do agrupamento de canto e dança Milorho.

Haverá, por outro lado, a exposição de capulanas como forma de mostrar a sua influência cultural em Moçambique e no resto do mundo. Neste campo, a artista Suzeth Honwana irá exibir as suas bonecas produzidas à base da capulana.

No que diz respeito à literatura, o escritor Calane da Silva, que é curador do evento, vai lançar o seu último livro, intitulado “Nhembêti ou a Cor da Lágrima”, estando prevista a projecção de filmes documentários produzidos por cineastas moçambicanos, e far-se-á uma exposição gastronómica moçambicana, destacando-se os pratos tradicionais.

Ao realizar-se este evento pretende-se promover a cultura moçambicana no Brasil, reforçando os laços de amizade e de cooperação, fazendo das artes e cultura um pretexto para a exaltação da cultura, cimentando ainda mais a ideia de que ela não tem fronteiras. Num outro prisma, a ideia é aproximar os povos moçambicano e brasileiro, mostrando o que há de bom, ao mesmo tempo que se vai promover as diferenças e as semelhanças, trocando experiências sobre vários aspectos da vida sócio-cultural e massificando a História de Moçambique e do Brasil.
- In Notícias, Maputo, Sexta-Feira, 31 de Outubro de 2008.

Mocimboa da Praia: Frelimo e Renamo não arredam pé na disputa pelo controlo desta autarquia em Cabo Delgado.

(Clique na imagem para ampliar)
Publica o Notícias-Maputo desta manhã, assinado por Pedro Nacuo:
Mocimboa da Praia. Um município politicamente “quente”. Frelimo e Renamo, os dois principais protagonistas do processo político nacional, não arredam pé na disputa pelo controlo desta autarquia local. E os resultados eleitorais da legislatura prestes a findar são bem elucidativos.

Senão vejamos: na Assembleia Municipal, a Frelimo obteve a maioria, com a diferença mínima de um assento sobre o seu rival – a Renamo. Portanto, Frelimo sete assentos, Renamo seis. Por outro lado, a Frelimo conquistou 51,7 por cento na corrida ao cargo de presidente da Assembleia Municipal, assegurando assim a titularidade do cargo.

No decurso do mandato prestes a terminar a edilidade deparou-se com uma dificuldade que se chama estabilização política. É que no início do mandato houve uma manifesta desobediência civil caracterizada pela recusa da população em pagar os impostos e outros emolumentos afins.

Dados estatísticos indicam que em Mocímboa da Praia residem cerca de 50 mil habitantes. Todavia, no ano passado, do valor que se esperava fosse colectado, sobretudo respeitante ao Imposto de Pessoal Autárquico, nada foi realizado. As contribuições saldaram-se em apenas 380 mil meticais. As receitas cobradas aos funcionários do Estado continuam a não chegar aos cofres do município.

Matematicamente, se o Imposto Pessoal Autárquico é de 15 meticais por munícipe o valor total anual a colectar seria de cerca de 750 mil meticais, facto que demonstra a difícil estabilização política naquela autarquia local.

Mas um dos principais entraves para a referida estabilização política e administrativa é a ausência de quadros qualificados, conforme reconheceu o presidente do Conselho Municipal da Mocímboa da Praia, Amadeu Francisco, quando interpelado recentemente pelo “Notícias” a pronunciar-se sobre o assunto.

Acredito que a vila da Mocímboa da Praia pode, por si só, resolver os seus problemas, pelo seguinte: considero-a bastante privilegiada em termos de infra-estruturas. Apesar de muitas delas serem subaproveitadas. Com tudo em ordem, temos infra-estruturas que quando bem aproveitadas podem introduzir receitas para o desenvolvimento da nossa autarquia. Mas confesso, por outro lado, que há que vencer a resistência dos munícipes no que diz respeito às suas contribuições. Também os órgãos do Estado têm de ser flexíveis no processo de descentralização dos fundos para o funcionamento do município. A aliar-se a isso, sentimos a falta de quadros qualificados que nos possam ajudar a ultrapassar todas estas dificuldades” referiu o edil.

Amadeu Francisco, que no início do seu mandato experimentou algumas dificuldades motivadas pela desobediência civil protagonizada pela oposição, afirmou que com quadros suficientemente qualificados o processo da autarcizacão poderá conhecer novos contornos, pois não falta à vontade política dos munícipes na generalidade para esse efeito. O presidente do Conselho Municipal da Mocímboa da Praia explicou que sendo esta autarquia de natureza semi-rural compreende-se que a população ainda não perceba que deve trabalhar para viver do seu suor.

Amadeu Francisco diz que não raras vezes, os munícipes são instados em campanhas de educação cívica à necessidade de abarcarem hábitos urbanos ... ...
- O texto na íntegra aqui - Notícias, 31/10/08.

10/30/08

Ecos do Brasil - Um site para combater o desemprego.

Um exemplo a seguir no mundo lusófono:

""O Ministério do Trabalho e Emprego brasileiro criou um site para facilitar a pesquisa de empregos no país. A página surge no portal do organismo e reúne dados sobre todas as entidades relacionadas com a área do trabalho e emprego registadas no Sistema Nacional de Emprego (Sine). Este site permite pesquisar as entidades por região, mostrando num mapa as informações mais detalhadas. Além de um motor de busca sobre as entidades, o ministério resolveu criar um site com links de vagas de empregos.""
- iGOV Central, 30/10/08.

10/29/08

Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas.

O arquipélago das Quirimbas está situado numa região que, sobretudo nos séc. XVIII e séc. XIX, foi particularmente assolada pelo tráfico da escravatura, que tinha na ilha de Zanzibar o seu grande mercado na costa oriental da África.(46)

"Em Stone Town, a zona antiga de Zanzibar, homens, mulheres e crianças eram enclausuradas em celas mínimas (duas das quais ainda existem) e deixados sem comida ou bebida. Alguns eram amarrados a um poste e chicoteados para se descobrir até que ponto aguentavam a dor, e depois estabelecer o preço conforme a força e a resistência. Em meados do século XIX eram vendidos todos os anos cerca de 50 mil escravos no famosos mercado de escravos de Zanzibar. Muitos pertenciam a Tippu Tib, o mais famoso comerciante de marfim e escravos de África, que levou a cabo grandes expedições ao interior do continente, onde os chefes tribais lhe vendiam os seus habitantes a preço baixo. Em pouco tempo Tib tornou-se num dos homens mais ricos de Zanzibar, sendo dono de 10.000 escravos e várias plantações. A escravatura persisitiu em Zanzibar até 1897". (47)

O tráfico da escravatura na costa oriental africana foi um fenómeno anterior à chegada dos portugueses e era uma prática corrente na região, a que se dedicavam desde há séculos os negreiros árabes e os swahilis, que eram um povo islamizado e mestiço, cujos centros de comércio eram, principalmente, Zanzibar, Quiloa e as ilhas Comores.

A influência islâmica estendia-se à costa moçambicana e os árabes dominavam o comércio marítimo na costa moçambicana através da sua instalação em Sofala, Quelimane, ilha de Moçambique e ilhas Quirimbas.

Na sua primeira viagem para a Índia, a armada de Vasco da Gama conheceu a hostilidade árabe na costa oriental da África, sobretudo a partir da ilha de Moçambique e especialmente em Mombaça, certamente porque estes anteviam que o seu monopólio comercial iria ser posto em causa pelos portugueses.

Progressivamente, assim aconteceu, porque os portugueses passaram a controlar o comércio do ouro e do marfim, sobretudo em Sofala e na região da Zambézia, enquanto os árabes que tinham recuperado Mascate, Mombaça, e outros pontos a norte do Rovuma, intensificaram o seu negócio da escravatura destinado sobretudo ao mercado de Zanzibar.

No entanto, embora em escala reduzida, os portugueses também estiveram envolvidos nesse negócio e a passagem seguinte, extraída da Etiópia Oriental de Frei João dos Santos, é elucidativa: "Estes escravos de todas estas terras que tenho apontado, todos, ou a maior parte deles nasceram forros, mas estes cafres são tão grandes ladrões que furtam os pequenos, e trazem enganados os grandes até às praias, onde os vendem aos portugueses, ou aos mouros, ou a outros cafres mercadores que tratam nisso, dizendo que são seus cativos."(48)

Porém, até finais do séc. XVIII o tráfico foi diminuto, comparado com o que sucedia na costa ocidental africana, mas começou a intensificar-se quando os franceses passaram a necessitar de mão-de-obra para as suas plantações das ilhas do`Índico, indo buscá-los a Moçambique e às ilhas Mascarenhas. Alguns portugueses estiveram envolvidos nessa actividade, enquanto os franceses fugiam do controlo das autoridades e das taxas aduaneiras portuguesas, negociando directamente com os swahilis, os quais por vezes armamram fortemente para que combatessem as autoridades portuguesas.

O tráfico negreiro desenvolveu-se através de agentes europeus e africanos, porque era necessária a participação activa dos chefes africanos locais que se encarregavam das capturas que depois negociavam com os negreiros.

As necessidades de mão de obra em diversos territórios eram grandes e daí surgiu uma verdadeira indústria da escravatura em que participou gente das mais diversas nacionalidades, tais como portugueses, franceses, holandeses, espanhóis, ingleses, flamengos, alemães, dinamarqueses, brasileiros, americanos e outros, quase sempre clandestinamente, mas também organizados em companhias comerciais.

Ao longo do séc. XIX o tráfico manteve-se muito activo na costa moçambicana, sobretudo nas áreas de Angoche, Infusse, baía da Condúcia, baía de Mocambo, ilha de Moçambique e, em menor grau, no arquipélago das Quirimbas.

Em 1836 o tráfico foi proibidos pelas autoridades portuguesas, mas essa proibição era relativamente simbólica, pois não havia quem quem fizesse cumprir a lei que se opunha aos interesses árabes, swahilis, franceses e aos de alguns administradores e comerciantes portugueses corruptos.

Em Setembro de 1843 o Governo Português recomendava ao Governador Geral de Moçambique "a supressão do tráfico da escravatura, pedindo informações acerca da existência de uma barraca em Quivongo, que faz recair suspeitas sobre o Governador de Quelimane" e, "no mesmo ano, mandava o Governador Geral de Moçambique instaurar acções cíveis e militares contra os implicados no tráfico de escravatura feita pelo brigue Phoca, já condenado pela Comissão das presas da ilha de Bourbon".(49)

Entre 1830 e 1860, a rede afro-islâmica tornara-se a maior traficante de escravos da região, recolhendo-os nos seus pangaios abicados em reentrâncias e rios quase inacessíveis e fazendo depois o seu transporte para Zanzibar, Quiloa, Mombaça e ilhas Comores. Num relatório elaborado pelas autoridades inglesas do Cabo, citado por Eduardo Mondlane, referia-se que em 1866 "no Ibo, Ponta Pangane, Matemo, Lumbo, Quissanga e Quirimba foram vistos 5000 a 6000 escravos prontos para embarque... e no estabelecimento da baía de Pemba não havia outro tráfego que não fosse de escravos".(50)

António Lopes da Costa Almeida, no seu monumental trabalho intitulado Roteiro Geral publicado em 1840, refere-se à vida económica da ilha de Moçambique e escreve que "exportão-se daqui Escravos para a India, ilhas Maurícias, rio da Prata, e Brasil, também raiz de Columbo, Marfim, Ouro, que vem do Zeno, e Sofala, posto que deste género seja pouca quantidade; também Âmbar, e Cauriz (que são uns pequenos búzios, que nas classes indigentes Girão como dinheiro); notando que todo o negócio aqui he por lei exclusivo para os Portuguezes".(51)

Porém, outras informações divergem desta. Segundo António Carreira o comércio de escravos era feito a partir de Mombaça para sul, até Mikindani, que se situa para além da foz do rio Rovuma e fora da área moçambicana.

"Era esse o sector que fornecia maiores contigentes de escravos. Na área própriamente de Moçambique deveriam ser adquiridos alguns escravos, mas numa percentagem muito menor".(52)

Alguns portugueses estiveram envolvidos no negócio da escravatura, como por exemplo o negociante-armador José Nunes da Silveira que possui uma frota de 20 navios.

No entanto, só dois deles, os brigues Delfim e Golfinho S. Filipe Nery, ambos anteriormente ao serviço das carreiras comerciais para o Extremo Oriente, estivertam envolvidos no tráfico de escravos na oriental africana, o primeiro a partir de 1795 e o segundo, a partir de 1801.(53)
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*46 - A ilha de Zanzibar fica situada a cerca de 300 milhas para norte da fronteira moçambicana, tem 1656 km² de superfície, está situada a 35 km da costa africana e atualmente pertence à Tanzânia.
*47 - Christy Ulrich, in http://nationalgeographic.pt/
*48 - Frei João dos Santos, Op. cit. p. 300.
*49 - Repertório remissivo de legislação da Marinha e do Ultramar (1517-1856). Imprensa Nacional, Lisboa, 1856, p. 310.
*50 - Eduardo Mondlane, The Strugle for Mozambique, p. 32.
*51 - Costa Almeida, Roteiro Geral dos Mares, Costas, Ilhas e Baixos Reconhecidos no Globo, Parte V, p. 55.
*52 - António Carreira, O Tráfico Português de Escravos na Costa Oriental Africna nos começos do século XIX, p. 28.
*53 - António Carreira, Op. cit., p. 13.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.

O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

- Do mesmo autor neste blogue:

  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!
  • Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de Mocimboa da Praia - Aqui!

- Em breve neste blogue:

  • A Ilha do Ibo;
  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.