Já não há poetas que cantem as vindimas da alegria de ontem, hoje da tristeza e do fatalismo; poetas que gritem a angústia desta terra que chora em muitos lares o desfazer dos sonhos do remedeio.
Altas montanhas, ventres inchados de filhos paridos em cada Outono. Rutilância de prata escurecida pelo abandono de quem descuida a necessidade de todos os dias. Vinhas da indiferença de quem só suga o chão sem o tratar como se o sumo brotasse da contemplação da riqueza. Vinhas do desgosto e da inveja, brasões seculares de cepas eternas e de uvas feitas pedras preciosas.
Já não há poetas que denunciem a ambição que escorre pelos montes como lava de um vulcão ciclicamente despertado. Lutas de fortunas beneficiadas no sossego da apatia, na monumentalidade dos cognomes. Alianças toleradas depois difamadas, serpentes metalizadas em rodopio malicioso pelos bardos da madrugada. Virus escondidos no fermentar da revolta, da cobiça e, até, do ódio.
Já não há poetas na minha terra que sejam capazes de denunciar a podridão sem se sujarem, pisadores de cachos sem sacríficio, contadores de almudes sem viciação, mãos abertas ao sol sem se esconderem, louvores para quem trabalha e sua na leira da sua esperança.
Onde estão as palavras da verdade, inventores de moléstias que sangues contaminados propagam nas surribas esforçadas pelos socalcos sem fim deste solo tão severo que só dá vontade de pensar nos que o talharam, há séculos, com pá e ferro, água-pé e vida.
Onde estão os poetas durienses, almas insatisfeitas, atormentadas pela precisão nas margens do rio? Homens e mulheres que colham os poemas nas veias da nossa honra, que esgadanhem a terra até ao sabugo da dignidade, que voem nos sonhos do amor vermelho e verde como as cores de uma Pátria que descobriu palmeiras nas orlas sanguíneas de outros povos.
Já não há poetas na minha terra que chorem por meninos sem olhares de alegria, olhares tristes, tão tristes, tal a renúncia de um carinho. Poetas que cantem os abraços que faltam, que desmistifiquem as uniões falsas que sobram, que apontem o egoìsmo que vai roendo as entranhas da terra duriense, mausoléu do esforço de gerações esquecidas, serras e vales úberes onde aportaram os estrangeiros da exploração, mitologia da submissão que os avoengos sofreram com a amostra numa mão e o chapéu na outra.
Falai poetas sem palavras gastas e enodoadas. Escrevei-as com as mão calosas a cheirar a terra e a mosto, sem distinguir classes ou afinidades. Na terra das podas de Janeiro ou há riqueza na união ou pobreza na inveja.
- M. Nogueira Borges, Porto, 22/06/10.
- Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua. Pode ler também os textos deste autor no blog Escritos do Douro. Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue!
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