De Angola recordando Pemba ou mais uma "crónica" do Miguel S. em seu "Agora ComDestino" (ex-SemDestino):
parte 3
O C. era um tipo com um carácter particularmente forte. Não era daquelas pessoas com quem se simpatiza logo de início. Era difícil. Foi a primeira pessoa que conheci quando cheguei a Pemba. Ainda por cima, éramos não só vizinhos como os únicos habitantes do acampamento outrora prenhe de italianos.
- Até amanhã! - e lá desapareceu o C. por detrás da porta da sua casa, perpendicular à minha no acampamento do Alto Gingone. Que céu tão estrelado. E que silêncio. A luz na zona era praticamente só e apenas a nossa. Sem sono, bastante cedo ainda, a volta para reconhecimento do espaço que viria a ser também o meu nos meses seguintes.
- Boa noite - respondeu o guarda ao meu cumprimento munido de uma AK-47 a um canto fora do alcance da luz e junto à entrada para o acampamento. Era ainda jovem. Magro, calças descosidas e rasgadas nas pontas terminando ligeiramente acima do tornozelo. Sorriso nos lábios.
Estávamos confinados a um espaço relativamente grande com um campo de ténis, rede algo esburacada, e sem ninguém para jogar. Uma piscina sempre vazia porque tinham rebentado com a bomba. Um ginásio vazio. Salvava-se a mesa de ténis de mesa. Isso e o jardim. Do outro lado a área industrial. Típica. Rapidamente se chegava à entrada. Os guardas makondes. O espreitar cuidado para as palhotas ali mesmo ao lado da fábrica, com as luzes de algo a queimar e as sombras deambulando pelo meio das palhotas ou gente, sobretudo mulheres envoltas em capolanas, sentada nas esteiras.
Após uma noite mal dormida, a alvorada às 5:30 da manhã, já quente e húmida, para iniciar a jornada de trabalho às 6:30, foi algo estranha. E violenta. Sobretudo violenta para quem gosta do silêncio da noite. À entrada do escritório pré-fabricado a telefonista/recepcionista, a Ancha, que sofria de bócio mas era extremamente simpática. À direita e no primeiro gabinete à esquerda a Antónia, anafadíssima e de grande sorriso, tesoureira, com o puto Lourenço, já contabilista em estado inicial. Do lado direito, o gabinete do C.. Ao fundo do corredor a área de Recursos Humanos onde pontificava o inesquecível (e futuro vizinho, uns anos mais tarde) Abdul Ibrahimo Pingalsi. Um espectáculo de pessoa. Ronga, tinha ido parar a Pemba cumprir o serviço militar e por lá ficou com uma mwani. De uma integridade impressionante este Abdul. Com ele trabalhava a makonde com um cú enorme e anca larguíssima, penso que se chamava Z.. As formas mais violentas que jamais vira, em tamanho e consistência encimadas por um tronco e cara incomparavelmente magras. Foi ela que me safou quando as coisas apertaram um ano mais tarde. No sentido oposto ficavam os gabinetes dos Directores, o meu espaço logo a seguir ao do Engº Rangeiro, formado na RDA, em frente o do UP e ao fundo a sala de reuniões (local onde viria a ser apanhado pelo DG a receber uma massagem da mulatíssima Olga...).
"Onde eu me vim meter?", pensei eu inúmeras vezes naquelas primeiras semanas, sobretudo após a fase da descoberta em que tudo é novidade. O escritório era pré-fabricado já com algum tempo, mas cheio de malta simpática a colorir o ambiente. O acampamento pré-fabricado, apesar de alguma qualidade, mas sobredimensionado para apenas dois gatos pingados. Depois das 17h era a solidão alimentada pela escuridão do cair da noite pouco depois. A chuva intensa da época das chuvas. Sem televisão, sem internet, sem jornais, sem revistas, sem bica, sem pastel de nata, quase sem telefone, só restava mesmo a descoberta do desconhecido.
- Até amanhã! - e lá desapareceu o C. por detrás da porta da sua casa, perpendicular à minha no acampamento do Alto Gingone. Que céu tão estrelado. E que silêncio. A luz na zona era praticamente só e apenas a nossa. Sem sono, bastante cedo ainda, a volta para reconhecimento do espaço que viria a ser também o meu nos meses seguintes.
- Boa noite - respondeu o guarda ao meu cumprimento munido de uma AK-47 a um canto fora do alcance da luz e junto à entrada para o acampamento. Era ainda jovem. Magro, calças descosidas e rasgadas nas pontas terminando ligeiramente acima do tornozelo. Sorriso nos lábios.
Estávamos confinados a um espaço relativamente grande com um campo de ténis, rede algo esburacada, e sem ninguém para jogar. Uma piscina sempre vazia porque tinham rebentado com a bomba. Um ginásio vazio. Salvava-se a mesa de ténis de mesa. Isso e o jardim. Do outro lado a área industrial. Típica. Rapidamente se chegava à entrada. Os guardas makondes. O espreitar cuidado para as palhotas ali mesmo ao lado da fábrica, com as luzes de algo a queimar e as sombras deambulando pelo meio das palhotas ou gente, sobretudo mulheres envoltas em capolanas, sentada nas esteiras.
Após uma noite mal dormida, a alvorada às 5:30 da manhã, já quente e húmida, para iniciar a jornada de trabalho às 6:30, foi algo estranha. E violenta. Sobretudo violenta para quem gosta do silêncio da noite. À entrada do escritório pré-fabricado a telefonista/recepcionista, a Ancha, que sofria de bócio mas era extremamente simpática. À direita e no primeiro gabinete à esquerda a Antónia, anafadíssima e de grande sorriso, tesoureira, com o puto Lourenço, já contabilista em estado inicial. Do lado direito, o gabinete do C.. Ao fundo do corredor a área de Recursos Humanos onde pontificava o inesquecível (e futuro vizinho, uns anos mais tarde) Abdul Ibrahimo Pingalsi. Um espectáculo de pessoa. Ronga, tinha ido parar a Pemba cumprir o serviço militar e por lá ficou com uma mwani. De uma integridade impressionante este Abdul. Com ele trabalhava a makonde com um cú enorme e anca larguíssima, penso que se chamava Z.. As formas mais violentas que jamais vira, em tamanho e consistência encimadas por um tronco e cara incomparavelmente magras. Foi ela que me safou quando as coisas apertaram um ano mais tarde. No sentido oposto ficavam os gabinetes dos Directores, o meu espaço logo a seguir ao do Engº Rangeiro, formado na RDA, em frente o do UP e ao fundo a sala de reuniões (local onde viria a ser apanhado pelo DG a receber uma massagem da mulatíssima Olga...).
"Onde eu me vim meter?", pensei eu inúmeras vezes naquelas primeiras semanas, sobretudo após a fase da descoberta em que tudo é novidade. O escritório era pré-fabricado já com algum tempo, mas cheio de malta simpática a colorir o ambiente. O acampamento pré-fabricado, apesar de alguma qualidade, mas sobredimensionado para apenas dois gatos pingados. Depois das 17h era a solidão alimentada pela escuridão do cair da noite pouco depois. A chuva intensa da época das chuvas. Sem televisão, sem internet, sem jornais, sem revistas, sem bica, sem pastel de nata, quase sem telefone, só restava mesmo a descoberta do desconhecido.
Yono.
Miguel S.
(17/06/2005)
Parte 2
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