8/30/05

Crônica de uma balada...

...ou uma aula de markting:

AS RAZÕES QUE A RAZÃO DESCONHECE

Sou fascinado pelo comportamento humano. Observar pessoas, analisar as digitais de cada personalidade, tentar prever seu modo de agir, tudo é matéria-prima para quem escreve e pratica marketing. Será que as pessoas agem motivadas apenas por necessidades? Não é tão simples assim.
É claro que as necessidades básicas ajudaram a traçar a rota do comportamento humano ao longo da história. Maslow estudou isso e até criou uma espécie de hierarquia que ia além das necessidades fisiológicas ou de segurança, chamando a atenção para aquelas que envolvem o convívio social, a estima e auto-realizaçao. Coisas tão complexas quanto o coração, cujas razões a própria razão desconhece.
Eu tentava explicar isso em uma aula de marketing quando uma aluna contou o que tinha visto no sábado na balada. Atrás dela, um casal que acabara de se conhecer conversava animadamente. Ele falava de suas realizações, querendo mostrar-se capaz de suprir todas as necessidades, desejos e expectativas da jovem. Ela ria risos de pérolas e destilava charme por todos os poros, enquanto tentava descobrir o pedigree real daquele príncipe em potencial.
O jogo da corte, que garante a audiência em romances e novelas, é também um jogo de atração e repulsa. E complexo demais para explicar, aprender ou ensinar. Faz parte da essência e instinto de todo ser vivo de despertar necessidades, desejos e expectativas e mostrar capacidade para supri-las. Nesse jogo de sedução macho e fêmea dançam um para o outro, como fazem os pássaros; exalam aromas cheios de mensagens cifradas, como fazem os leões; e se bicam, como fazem as pombas, antes de alçar vôo.
E era hora de alçar vôo, porque a noite chegava ao fim. Foi quando a garota revelou sua necessidade: alguém para levá-la para casa de carro. O rapaz tirou a chave do bolso e se ofereceu. Ela animou-se com a idéia quando viu a chave da necessidade suprida balançando no ar. A história acabaria aqui se as coisas fossem simples assim. Mas não são.
— Que carro você tem? — perguntou com voz de dengo, interessada na raça do alazão cuja garupa iria cavalgar.
— Fusca.
O "a" de Fusca ainda soava no ar quando o príncipe percebeu que tinha virado sapo na concepção da garota. Não deu tempo de explicar. Ela agarrou o braço de um providencial amigo que passava, pediu carona e despediu-se de modo econômico:
—Fui!
O rapaz achou melhor ir também. Olhando para a chave de seu Volkswagen, sorriu um sorriso maroto e foi.
Na saída os casais esperavam os carros que chegavam pela mão dos manobristas para ver quem ia com quem. O príncipe que virou sapo estava lá, a garota também, retribuindo os olhares do rapaz com nariz empinado de desprezo.
Antes de entrar no carro do amigo, um Corsa azul-brega com camuflagem cinza-chumbo-funilaria, ela ainda olhou para trás sorrindo com desdém para o galanteador fracassado. Amarelou.
Bem atrás do Corsa, o sapo retomava a forma de príncipe enquanto entrava em um novo, reluzente e conversível New Beetle — o novo Fusca. Amarelo como o último sorriso que a garota lhe dirigiu.

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