LUÍS LOFORTE - Falando objectivamente, o problema chama-se luta pela hegemonia entre mwanis e macondes.(...) A população pode estar a servir-se da força política liderada por Afonso Dhlakama para atingir os seus dirigentes políticos históricos.
Só doze anos depois de ter pisado pela primeira vez o solo de Cabo Delgado tive o prazer de conhecer o distrito setentrional de Mocímboa da Praia.
De facto, estávamos em meados de 1980 quando, na companhia de dois colegas, o Carlos e o João, para lá nos dirigimos destacados pela Universidade Eduardo Mondlane para o Recenseamento Geral da População, por sinal o primeiro do país independente.
Foi por aquelas bandas, recordo-me, que vi nascer a nova moeda nacional – o metical.
Depois do censo, mais duas vezes nos anos oitenta para Mocímboa haveria de voltar, mas em mero passeio.
Não vejo Mocímboa, porém, desde 1994, quando para lá fui destacado com vista a desenvolver a campanha eleitoral pelo meu partido de então – a FUMO.
Dois meses e meio de trabalho intenso no senso e convívio gratificante com as populações locais permitiram-me tomar pulso de alguns problemas que podem explicar algumas diatribes que se vivem hoje em Mocímboa da Praia, embora não deixasse de acreditar que muitos deles seriam com o tempo resolvidos pelas autoridades, empenhadas que estavam e muito legitimamente em estabilizar política, social e economicamente o país recentemente libertado do jugo colonial.
No senso de 1980, pude aferir a grande pujança política da FRELIMO.
Sabia disso, mas não tinha a sua real dimensão.
Escusado será dizer que aquela zona foi de grande envolvimento na guerra de libertação.
Posso dizer com toda a segurança que aquele senso, feito com quase absoluta falta de meios e de dinheiro, jamais teria sido bem sucedido sem o profundo enraizamento de uma força política no seio das populações.
Num dia saímos logo pela manhã para, ao longo da costa, percorrermos o Sul ou o Norte vimos muçulmanos e mwanis tomando o pequeno almoço em Luciete, em Nazimodja, em Nakidunga ou em Naquitengue, para depois trabalharmos em Marere, a aldeia mais distante, onde, enquanto almoçávamos precariamente, nos iam contando interessantes histórias da guerra de libertação, com as dos leões e hienas de permeio.
Foi, aliás, em Marere onde vi uma das maiores madrassas (escola do Alcorão?) de Moçambique. No dia seguinte, lá estávamos nós visitando e aferindo os problemas das aldeias macondes do interior, como M’panga, Nambudi, Mbau ou Magaia, em Diaca, a caminho de Mueda.
Comíamos do celeiro pobre da população e dormíamos no melhor que ela podia oferecer, bastando-lhe apenas a garantia de que o fazia obedecendo aos desígnios da FRELIMO, o que quer dizer que não recebia qualquer contrapartida do Estado pela sua total disponibilidade.
Era como se a luta de libertação ainda estivesse em marcha.
Vi o que eram os centros educacionais, como, por exemplo, o de Januário Pedro, do qual, aliás, aproveitaríamos a maior parte dos agentes de recenseamento.
Em todos os locais por onde passássemos, notava que toda aquela gente, desde os mais jovens aos mais adultos, particularmente estes, sabia o sentido do seu sacrifício, mas também se notava algum ar de cansaço, expresso nalguma ansiedade por qualquer coisa que me parecia ser uma compensação que esperava um dia vir a receber por aqueles sacrifícios.
Como?
Se calhar, nem eles próprios sabiam decifrar, o que quer dizer que cabia e cabe ainda à FRELIMO estudar profundamente as soluções.
Os mwanis, concentrados ao longo da costa e particularmente em Mocímboa da Praia, já diziam que os frutos da Independência só se destinavam aos macondes e que eles eram sempre relegados a um plano secundário.
Lembro-me que, na preparação do comício da campanha, fomos logo advertidos para o perigo de buscarmos uma tradução em maconde.
A advertência fez-me logo lembrar os apupos em surdina que o administrador distrital dos anos oitenta recebeu ao pretender fazer-se traduzir em maconde, em comício realizado em Milamba, sede do “fundamentalismo” mwani.
Como lhe ouvira um dia falar em kimwani em sua casa com alguém, apesar de ele ser maconde, sugeri-lhe que se dirigisse alternadamente em português e naquela língua.
Pessoa de bom senso que era o meu saudoso amigo Jonas Cosme N’tave (que Deus o tenha em boas mãos), aceitou a proposta e as coisas correram mais ou menos de feição.
Mas parece-me que ainda hoje a lição está por aprender, pois, segundo sei, as reuniões públicas em Mocímboa da Praia decorrem em português, com tradução em maconde, como se de uma questão de honra se tratasse para quem as orienta.
Porquê, não sei, mas não me restam dúvidas de que isso é apenas a “ponta do iceberg” de um problema real existente em Mocímboa da Praia, o qual tem de ser resolvido pelos políticos, não lhes servindo para nada o tapar o sol com a peneira, tentando fazer crer às pessoas que os problemas lá existentes se prendem, exclusivamente, com as incidências dos pleitos eleitorais, o que não quer que não os há.
Falando objectivamente, o problema chama-se luta pela hegemonia entre mwanis e macondes.
Em 1994, praticamente vinte anos depois da Independência, pareceu-me que os problemas da falta de uma resposta aos sacrifícios consentidos na luta armada não só persistiam como, em alguns casos, até se haviam agravado.
Começava a ficar cada vez mais claro para as populações que não era a exploração desenfreada dos recursos naturais (em particular a madeira) que resolveria os problemas de uma população cada vez mais pobre.
Pior ainda, a população via os seus dirigentes históricos da guerra de libertação associados com a devastação dos seus recursos naturais e sem reflexo no seu desenvolvimento.
Para a população, o dirigente (nomeado ou eleito) parece ser aquele que servirá os interesses da fonte e não a solução dos seus problemas.
Começavam, então, a desenhar-se algumas reivindicações em surdina, mas quase todas elas encapadas, como parece ser esta que se vive agora em Mocímboa da Praia.
Quer dizer, o que se diz não parece ser o verdadeiro problema.
Por isso, não acredito no apoio político genuíno na RENAMO.
A população pode estar a servir-se da força política liderada por Afonso Dhlakama para atingir os seus dirigentes políticos históricos.
Mas a grande questão é saber se a FRELIMO saberá que este não é um problema que se resolve com o ter ou não ter razão.
Há muita vida para além da razão.
Aliás, em Moçambique não acredito que haja quem tenha absoluta razão e quem seja absolutamente culpado.
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Correio da Manhã - Ano IX - Nº 2160 - Sexta-feira, 09/Setembro/2005 - Fundado em 10 de Fevereiro de 1997. Primeiro jornal ilustrado transmitido por FAX, PDF e entregue por estafeta no endereço desejado (só cidade de Maputo), de 2ª a 6ª-feira. Propriedade da SOJORNAL Sociedade Jornalística, Avenida Filipe Samuel Magaia, 528-3º Flat 6, Maputo Moçambique - C.P. 1756. E-Mail: correiodamanha@tvcabo.co.mz – Telef. Redacção: 21305321/3 e 21305325. Editor 21305326 - Fax: 21305328. Delegação na Beira - Praça do Município – 17, 1º andar Direito, Telef/Fax: 23301648
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