11/01/05

branca-negra



Que hei-de fazer desta onda
de tanto amor que há em mim
se eu não percebo ronga
e não sei falar landim?!...

Nunca entrei no caniço,
nunca dormi sobre palha,
não sei arrancar caju
o pão e o vinho da uva,
não compreendo feitiço,
não faço amor onde calha,
não sinto no meu corpo nu
as chicotadas da chuva…

Toda a vida é feita assim
há a quem tudo lhe falte
quem aos outros tudo tome…
que hei-de eu então fazer
deste meu amor sem fruto?...

Nessas bacias de esmalte
em mãos vestidas de luto,
ao gosto amargo da fome,
vou vendê-lo a quinhenta
ao preço do amendoím,
feito de sol e capim
de suor e marrabenta.

Quem compra a minha saudade
de não ter nascido assim,
nas mãos a alma sedenta,
na carne a África a arder…

Ao preço do amendoím,
em saquinhos de papel,
vendo amor a quinhenta
em troca da cor da pele!

E a cada entardecer,
e cada esquina dobrada,
vendo a minha humanidade
que não me serve pra nada.

Riso triste de menina
tempo nenhum pra crescer,
música doce do vento
em dedos de casuarina,
no corpo a fome da manhã,
nas veias o sol a descer,
angústia feita rotina,
meus sonhos sem amanhã…

Resta-me o grito e o tempo
e a esperançade agora,
paz de adormecimento
que me morre vida fora…

Amargo consentimento…
que me acontece hora a hora!

Por: Maria do Carmo Abecassis in "Em Vez de Asas Tenho Braços".
Transcrito do Bar da Tininha MSN onde foi colocado por Belinha Firmino. - 30/10/205-13h49

2 comentários:

  1. Jaime,
    Estou aqui!!!! Escutando Mariza (em Primavera)!
    A essa hora...tão tarde!!!Vou explicar: postei o Branca Negra no Bar da Tininha e fui pesquisar mais alguma coisa sobre a Maria do Carmo Abecassis, e, eis que acho o ForeverPemba (teu)e o comunicado do poema, em 2005,por Belinha Firmino.
    Já coloquei a tua página nos meus favoritos. Adorei mesmo!
    Enfim...estou maravilhada!
    Parabens!!!!

    Deixo aqui outro poema lindíssimo da Maria do Carmo Abecassis.


    VIAGEM

    Parti
    Num comboio chamado desejo
    da estação vulgaridade
    no dia tantos de tal.

    Gastei da vida real
    Para comprar o bilhete
    E o sonho (paguei-lhe o frete)
    tratou-me do passaporte.

    Desde que parti que me vejo
    à janela da imaginação
    do comboio que me leva à morte
    acenando de lenço na mão
    com saudade
    a cada pessoa vulgar
    que vejo ficar
    na estação banalidade
    de onde um dia parti.

    E se acaso desci
    num apeadeiro qualquer
    para beber uma esperança
    de esquecer a partida
    (bebi apoiada ao balcão,
    mesmo de pé)
    paguei sempre a bebida
    com uma desilusão
    e um cansaço mortal
    daquela gente banal
    que enchia o café.

    E cada vez que mudava
    a paisagem lá fora
    (o despertar da aurora
    ou estrelas a nascer)
    eu esquecia-me e olhava
    cada cara que passava
    com dó
    até que me acordava
    essa sede de beber
    uma esperança, uma bebida,
    de um dia ficar esquecida
    num apeadeiro qualquer
    em que o comboio parou.

    E vinha outra vez a partida
    daquela mediocridade
    de onde um dia parti
    só.

    É sempre assim que me vejo
    num comboio chamado desejo
    acenando com saudade
    a cada pessoa vulgar
    que vejo ficar
    do lado de lá da vidraça,
    olhando de má vontade
    o comboio que passa ...




    in «EM VEZ DE ASAS TENHO BRAÇOS»


    Um abraço,
    Mayra

    ResponderEliminar
  2. Obrigado Mayra...pela visita e pelo poema...como vês o "mundo" é pequeno e acabamos sempre por nos encontrar nas esquinas tranquilas e românticas da net e do ForEver PEMBA.
    Beijão e vem sempre, se possível com mais Amigos.

    ResponderEliminar

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