Sei que depois do que vou dizer corro o risco de jamais ser convidado para me apresentar num show no Vaticano, mas, com todo o respeito, não posso deixar de lamentar o que foi feito com a cantora Daniela Mercury, castigada com um veto por ter participado de uma campanha de prevenção da Aids em que incentivava o uso de camisinha.
Na minha opinião, que não vale muita coisa porque, criado dentro da religião, nem católico posso dizer que sou mais, foi uma decisão anacrônica e um gesto indelicado.
Antes de ser feito o convite para que Daniela se apresentasse no show religioso de Natal, já era público e notório que ela estrelara o tal comercial amplamente divulgado pela televisão.
Por que convidá-la para em seguida desconvidá-la?
Nesses casos, recomenda-se fazer uma pesquisa antes, ainda mais que em 2003 houve aquela saia justa da cantora Lauren Hill.
Diante de João Paulo II, a artista afro-americana sugeriu que a Igreja pedisse perdão pelos abusos sexuais cometidos por padres nos EUA.
Pode-se imaginar o mal-estar.
Daniela jamais cometeria uma grosseria dessas, como prova sua reação.
Ficou “indignada”, principalmente pela falta de diálogo, por ninguém lhe perguntar nada:
“Sou uma pessoa que tem um histórico de vida, de coerência e seriedade”.
Mas, em vez de esbravejar, ela disse coisas muito sensatas, até porque começou cantando na igreja, teve formação católica e, como alegou, jamais faria intencionalmente qualquer coisa “para ferir o Vaticano”.
“Acho que, independentemente de respeitar a religião católica, existe o compromisso com a vida”, ensinou a seus censores.
Esse talvez seja o maior paradoxo da posição doutrinária da Igreja.
Se é contra o aborto em nome da preservação da vida, por que não usar o mesmo princípio para evitar a morte que a Aids traz consigo?
Estamos lidando com um dos maiores flagelos da humanidade.
Como a cantora informa, a cada minuto, quatro adolescentes são contaminados com o vírus HIV. Só na África, bilhões de crianças perderam os pais, vítimas da doença.
Em pleno século XXI, pregar que uma epidemia como a Aids seja combatida com a castidade é de um irrealismo que seria só ingênuo, se não causasse também trágicas conseqüências.
Daniela Mercury não desembarcou nessa causa ontem, não é uma arrivista que pega eventuais caronas em campanhas beneméritas.
Seu trabalho é sério e não é de hoje.
Há seis anos foi nomeada embaixadora da Unesco e, há dez, embaixadora de boa-vontade do Unicef, o Fundo das Nações Unidas para a infância.
Além disso, participa do Instituto Ayrton Senna, trabalha na Santa Casa de Misericórdia, é membro do Young Global Leaders e do Conselho da Bolsa de Valores da Bovespa.
A cantora que o Vaticano acusa de ter pecado contra a doutrina moral da Igreja é uma honrada e exemplar cidadã que se dispôs a lutar e a colocar sua arte a favor da vida.
Se alguém deve se penitenciar nesse episódio, certamente não é ela.
Via: "NoMínimo"
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