Herta Muller, escritora radicada na Alemanha desde 1987, nascida na Romênia e que viveu 30 anos sob intensa ditadura comunista, vence o Nobel de literatura 2009.
Herta Muller venceu o Prêmio Nobel 2009 na categoria literatura nesta quinta-feira, por conta de uma obra "com a concentração da poesia e a franqueza da prosa, que descreve a paisagem dos excluídos''.
- Minha escrita sempre tratou de como uma ditadura surge, como uma situação pode ocorrer em que um punhado de pessoas poderosas dominam um país e o país desaparece, e só resta um Estado - disse Muller à Reuters.
- Acho que a literatura sempre emerge de coisas que fizeram dano a alguém, e há um tipo de literatura em que os autores não escolhem seu assunto, mas lidam com um que lhes foi lançado - não sou a única escritora assim.
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Muller, que imigrou para a Alemanha após deixar a então comunista Romênia em 1987, fez sua estreia em 1982 com uma coletânea de contos intitulada ''Niederungen'', que foi prontamente censurada pelo governo romeno. O livro relata a vida em um vilarejo na região de Banat, na Romênia, onde ainda vive uma minoria que fala alemão, língua em que a autora sempre escreveu. Em 1984, uma versão sem censura foi publicada na Alemanha e seu trabalho foi devorado pelos leitores.
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- Este país me salvou. Quando cheguei, em 1987, pude finalmente respirar - afirmou. - E quando a ditadura caiu, senti que não estava mais ameaçada. Eu me sinto livre no presente, e as coisas que aconteceram não foram canceladas, estão na minha cabeça. Só tenho uma cabeça, essa que levo por aí, e ela contém tudo aquilo com que cheguei a este país.
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O livro foi seguido por ''Oppresive tango'', lançado na Romênia. Por conta de suas críticas abertas ao governo romeno, e à sua temida polícia secreta, a escritora e seu marido deixaram o país em 1987.
Sua obra é marcada por suas experiências de estranhamento e perseguição política, como no livro "O compromisso", lançado no Brasil pela editora Globo, em que narra as adversidades e humilhações sofridas na Romênia comunista.
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- Não sei se o prêmio tem a ver com os 20 anos do fim do regime comunista. Mas tudo o que escrevi tem a ver com o que tive que viver durante 30 anos sob uma ditadura, disse Herta, em entrevista coletiva, ao ser perguntada sobre o possível caráter político da concessão do Nobel.
- Para as pessoas que viveram nas ditaduras as coisas não terminam quando mudam os tempos, explicou Herta. "Há gente que morreu como vítima da ditadura. Tive amigos que morreram e a queda da ditadura não os reviveu", disse a escritora. Segundo ela, esse é o tema de todos os seus livros e a escritora acredita que "toda a literatura tem a ver com as coisas que fizeram dano às pessoas".
A obra da autora reflete em grande parte o destino das minorias na Alemanha e nos países da Europa Central que, após o fim da Segunda Guerra Mundial, em muitas ocasiões tiveram que pagar duplamente pelas culpas do nacional socialismo em seus países.
Muller, que vive em Berlim desde 1987, nasceu em Nytzkydorf, na Romênia, em 1953 em uma família de minoria alemã - da qual faziam parte outros escritores como Oskar Pastior - e desde muito cedo tentou fazer a ponte entre as duas culturas a quer pertencia. Ela estudou filologia germânica e romena para se aprofundar no conhecimento das duas literaturas das quais se sentia parte.
"Niederungen", seu primeiro livro de contos, foi publicado em 1982, depois de ficar quatro anos na editora e de sofrer cortes impostos pela censura na Romênia do ditador Nicolae Ceaucescu. Antes de se lançar como escritora, Muller chegou a ser demitida de seu cargo de tradutora em uma fábrica de máquinas por negar-se a colaborar com o serviço secreto comunista.
A obra de Muller é uma combinação de uma linguagem especial, por um lado, e o fato de que ela tem uma história para contar sobre como é crescer em uma ditadura, em uma minoria, em outro país. E de como crescer como estrangeira em sua própria família", declarou o secretário da Academia Sueca após o anúncio do Nobel. "É uma escritora fenomenal", concluiu.
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Em seu romance mais recente, "Atemschaukel", Muller conta a história de um jovem de 17 anos que, após a Segunda Guerra Mundial, é levado pelos russos a um campo de trabalhos para ajudar na reconstrução da União Soviética - destino que foi compartilhado por muitos membros da minoria alemã na Europa Central. Os russos acreditavam que, com isso, os alemães estariam pagando suas dívidas por terem sido "cúmplices de Hitler", sem se dar conta que alguns deles também haviam sido vítimas do nazismo.
A obra é uma tentativa de Herta Muller de revelar o que se escondia por trás do silência de sua mãe e de outros romeno-alemães de sua geração que não se atreviam a falar nunca do tempo que haviam passado nos campos de trabalho-escravo soviéticos.
Esta é a primeira vez desde 2003 que o prêmio vai para uma autora em língua alemã, após o recebido pela austríaca Elfriede Jelinek, naquele ano. O último alemão que ganhou o prêmio foi Günter Grass, em 1999. O Nobel da Literatura é entregue anualmente desde 1901. Entre os escritores que já venceram o prêmio estão Thomas Mann, Herman Hesse, Ernest Hemingway, Samuel Beckett, Gabriel García Márquez, José Saramago e J.M. Le Clézio, ganhador do prêmio em 2008.
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