9/29/07

De Porto Amélia a Nangororo...

A casa da saudade chama-se memória: é uma cabana pequenina a um canto do coração.
(Henrique Maximiliano Coelho Neto - Romancista e contista brasileiro - 1864/ 1934)
Passo por lá todos os dias (ou madrugadas) para "tomar uns copos"...
É um Bar sem igual onde consigo "embriagar-me" descobrindo o som suave, cadente das ondas que buscam as areias brancas das praias de Pemba, a sombra dos palmares da Maringanha, o cantar das cigarras no tempo da primavera, o cheiro das acácias rubras e os Amigos que descobriram caminhos e horizontes diversos...
É, afinal, magia que suprime a distância e permite continuemos juntos e presentes em nossa Pemba, como conta e ensina Helena Vilas Boas:
Foi há muitos anos atrás.
Tantos, que até lhes perdi a conta.
Frequentava o Colégio Liceal de S.Paulo um grupo de alunos, onde imperava a amizade e camaradagem que perdura ao longo dos tempos.
Amigos, que quis o destino, um dia se separassem e cada um seguisse a sua caminhada pela longa estrada da vida, mas sem nunca se esquecerem uns dos outros.
Uns, foram partindo para a eterna caminhada, outros continuam lutando pela sua sobrevivência até quando a saúde lhes permitir.
Pois esse grupo de alunos era orientado pelo bem conhecido Padre Joaquim Antunes Lopes Valente, se a memória não me falha.
Homem de grandes conhecimentos, participativo,muito activo e empreendedor, adorava os seus alunos, preocupando-se com os seus estudos e pelos caminhos que iam trilhando na vida.
Participativo nas horas de recreio mas exigente nas aulas, estava sempre reclamando por uma melhoria nas notas.
Um dia resolveu proporcionar-nos uma visita de estudo até à Companhia Agrícola de Nangororo!
Sabendo ele que na dita companhia trabalhavam o Pai do Júlio Carrilho (Sr. José Franco Carrilho) e o meu Pai também (Jaime Correia de Sousa), resolveu por intermédio dos mesmos, chegar a um acordo com o Gerente, Sr . Soromenho e assim se fixou a data e os pormenores da viagem.
No dia aprazado, às 7 da manhã, lá estavam alguns dos muitos alunos que fizeram parte da visita!
E enquanto aguardávamos pela chegada do machimbombo, foram-nos tirando umas fotografias para a posteridade, fotografias essas que conservo com muito carinho ainda que envelhecidas pelo tempo...como nós! ... ... ...
E eis que finalmente chega o tão desejado machimbombo!
Um transporte colectivo de 50 lugares, que fazia regularmente a carreira Montepuez/P.Amélia e pertencia a ADELINO COELHO, Pai do Tó Coelho (Namarrocolo).
Toca a tomarem os seus lugares e lá vamos nós cantando e rindo, todos felizes, na companhia de quase todos os Professores/as que compunham o quadro de ensino do nosso Colégio.
Rumámos em direcção ao Alto Gingone, passámos em frente ao aeroporto por uma estrada de terra batida, que deixava um rasto de poeira vermelha tonalidade muito característica daquelas terras.
Daí a pouco e já de rota batida, passámos em frente à casa do Dias da cal, homem de muitos afazeres e com uma magnífica prole que vivia na sua humilde casinha rodeada de uma grande extensão de cajueiros e mangueiras, onde se respirava aquele cheirinho tão característico de África!
Pouco depois já atravessávamos os terrenos do Sr. Karling, um alemão que habitava para os lados do Miéze e de seguida estávamos a passar ligeiros por Muaguide/Metuge, rumo a Nangororo.
Quando chegámos ao alto da colina donde se avistava praticamente uma grande extensão de terreno a perder de vista, toda ela pertencente à Companhia, o machimbombo parou para contemplarmos a paisagem imponente, que se apresentava aos nossos olhos.
Hectares enormes de sisal, de diversos tamanhos, plantados por mãos de mestre, alinhados em autênticos corredores de um verde intenso, onde se destacavam de vez em quando na paisagem, um ou outro embondeiro ou uma ou outra sumaumeira.
Então começámos a descida até ao Rio Ride, atravessando a ponte, que apesar de estreita tinha sido bem construída.
Era impressionante.
Olhando para o fundo, o rio corria por um desfiladeiro muito estreito e as suas margens eram perigosas devido ao declive.
No entanto, por altura das cheias, as águas inundavam tudo, deixando de se ver inclusivé a ponte, ficando a população isolada por terra, vindo as mercadorias que necessitavam através de "machileiros" que, por mar, iam e vinham, fazendo o trajecto entre Nangororo/P.Amélia, desembarcando ora em Bandar, ora na Missanja, dependendo do vento, das correntes marítimas, da chuva, fazendo depois todo o percurso a pé!
Transposto o Rio Ride, entrámos na recta final com destino aos escritórios, não sem antes passarmos pelos acampamentos dos contratados, que trabalhavam na dita companhia.
Ainda tivemos oportunidade de vislumbrar um comboio carregado de sisal, que lentamente se deslocava pela planície, arrastando as suas "zorras" com destino à fábrica de transformação, mais se assemelhando a uma enorme serpente deambulando pela selva africana!
Ao chegarmos ao destino, já nos aguardava o Sr. Soromenho, gerente da dita compª. que prontamente entrou na viatura e nos serviu de cicerone.
Levou-nos até à Marunga e Kelimaquito e posteriormente à fábrica.
Aqui merece um certo destaque a visita .
Observámos a colocação das folhas de sisal recolhidas em bruto numa passadeira rolante que as conduzia para uma prensa, onde sob jactos de água a polpa da folha se ia soltando (vulgo taca-taca) e restavam os fios amarelados, que eram transportados para uns estandais e aí ficavam a corar e a secar até que estivessem capazes de serem enfardados e enviados em navios para a Alemanha.
Ao meio dia estávamos de regresso aos escritórios que tinham sofrido uma enorme transformação, pois era a sala de recepção aos Professores e Alunos que os honraram com a sua visita.
Havia de tudo um pouco. Desde os salgados aos variados doces, todos eles feitos pelas hábeis e prendadas mãos das várias Senhoras que fizeram parte da organização e recepção.
No final fomos saindo e tomando um ar fresco debaixo das acácias, outros jogando à linha e ao ringue, outros ao paulito, outros ainda deixando-se fotografar para a posteridade...
E, enquanto divertíamo-nos, os mais "velhos" iam trocando impressões em amena cavaqueira !
E assim se foi aproximando a hora da partida... ... ...
Meus Amigos, muito chorei eu!
Não dá para relatar....eheheheh!
Ainda por cima, o Padre Valente lembrou-se, em sinal de agradecimento, de cantarmos todos a tradicional canção "CHEGOU A HORA DO ADEUS IRMÃO, VAMOS PARTIR...
Recordo-me muito bem de olhar para o Júlio Carrilho...Até ele chorava!
Mas tinhamos que regressar e para animar a malta, todo o caminho cantaram o Frère Jacques , o kossac cow-boy kossac, entre outras, mas eu é que viajei todo o tempo muda que nem um penedo, sonhando com o sítio onde muito aprendi da vida selvagem, caçadas, pescarias, batuques durante a noite, enfim onde durante anos fui muito feliz e onde sonho regressar um dia!
Abraços a todos vós.
Lena Sousa
In - Bar da Tininha - MSN - 28/09/07 - onde poderão encontrar fotos de Helena Vilas-Boas com alguns Amigos e alunos do Colégio de São Paulo, pertencente à época à Diocese de Porto Amélia e funcionando inicialmente nas instalações da antiga Escola D. Francisco de Almeida, recordando aquele dia passado em Nangororo. Complemento que a autora do texto, porque seu Pai Jaime Correia de Sousa era funcionário da Companhia Agricola de Nangororo, cresceu práticamente na povoação de Nangororo, só se deslocando a Porto Amélia para formação colegial.

PEMBA - Uma tarde no aeroporto...

“Preso” à procura da notícia.
É tarde de quinta-feira, dia 27 de Setembro, Dia Mundial do Turismo, na cidade turística de Pemba.
Estamos a utilizar normalmente o dia, nos nossos afazeres do dia-a-dia, com os políticos a povoarem a província, porque, já se sabe, a antecipação aos processos eleitorais que se aproximam é o que está a dar.
Recebemos dos nossos habituais amigos a informação de que um avião das LAM, procedente de Dar-es-Salaam, não estava a conseguir prosseguir a viagem para Maputo.
Algum problema técnico estava a ditar a sua demora em Pemba, com os passageiros encurralados na sala de embarque.
Fomos, como é da nossa obrigação profissional.
Afinal, o avião é daqueles de 30 lugares, que a LAM voltou a colocar na rota Maputo/Pemba/Dar-es-Salaam, vice-versa e entre os passageiros há o assédio ao jornalista para, sobretudo, o influenciar a escrever a notícia, alegadamente porque “se se tratasse de um avião da “Air Corridor” estariam aqui todos vocês da Imprensa”.
Boca para fora, mas a situação real era que a aeronave não estava a sair.
A pouco e pouco fomos sabendo que um dos pneus do trem de aterragem estava vazio, os pilotos não queriam levantar o voo em tais condições por justificadas razões de segurança.
Solicitou-se o compressor da própria companhia, encheu-se o pneu e lá se chamaram os passageiros impacientes para irem a bordo.
Cá fora vimos viaturas que falavam do poder, entre elas do camarada primeiro-secretário do partido da maioria, o que nos indicou haver na sala dos “VIPs” muita Frelimo grande.
O chefe da bancada, Manuel Tomé, havia regressado a Maputo mas outros nomes viajariam naquele voo.
Era o presidente do Conselho Municipal de Maputo, Eneas Comiche, na sua qualidade de membro da Comissão Política do seu partido, e Mateus Kathupa, igualmente nas suas atribuições partidárias.
Calcula-se que, quando se devia desejar as boas-vindas aos passageiros o pneu decidiu inviabilizar, vazando de novo e, mais uma vez a lenga-lenga dos senhores das LAM, tendo à cabeça o comandante.
Outra vez o compressor, outra vez tentar encher, mas outra vez negar ser enchido.
Solução, vamos descer, até novas ordens!
O repórter está no patamar do aeroporto a ver no que viria a dar o que estava a ver.
Provávelmente o assunto viesse a dar numa notícia.
Já parece que vale a pena ir perguntando o que se está a passar na verdade.
Parece que as pessoas não voltam mais ao avião, a coisa é, por isso, séria.
Ora, sendo um dia de avião pequeno, o aeroporto aparentava deserto, não haviam nem aqueles vendedores de objectos de arte, nem aqueles psicologicamente “apanhados” que também se fazem regularmente presentes ao aeroporto.
E no restaurante, lá de cima, estava apenas o servente e o repórter que ia sorvendo um duplo de uma “bebida séria”, enquanto assistia ao teatro que estava a acontecer com os passageiros, a tripulação e os outros funcionários das LAM.
Os pilotos usando os telefones celulares iam sugerindo a Maputo de que, em vez de esperar por um avião que de lá viesse para o socorro fossem, só os dois, à Beira onde substituiriam o pneu e a seguir voltariam a Pemba para reaver os passageiros. Essa não passou.
Ficámos a cochichar nos seguintes termos: “Como uma empresa tão grande não tem acessórios nas principais escalas, incluindo o mais simples, mesmo para um motorista de “aviões” que anda na estrada, pneu sobressalente...”.
E ficava claro que nem em Nampula havia pneus!
Sendo assim eu vou fechar cedo, diz o servente quase a obrigar que a conta fosse paga naquele instante, porque não tinha muitas razões para ali permanecer.
Foi paga.
A seguir, o repórter vai aos lavabos do restaurante.
De regresso descobre que as portas estavam todas fechadas a todas chaves possíveis.
Afinal o empregado havia ido embora.
Ficaram no restaurante o repórter e todas aquelas garrafas de tudo, incluindo bebidas que o restaurante vende muito caro.
Não parecia sério, mas o homem estava preso e o servente havia já apanhado o “chapa” para a sua casa.
Lá em baixo a movimentação de passageiros e dos tripulantes, mais os funcionários das LAM e do aeroporto ia diminuindo, sinal de que o risco de ficar fechado por muito tempo era cada vez mais provável.
Um polícia passa por baixo e pelas persianas o “preso” grita a pedir socorro pois havia sido “esquecido” no restaurante.
Alguém se lembrou que o restaurante era explorado pela esposa do primeiro-secretário da Frelimo que ainda se encontrava no aeroporto a estudar a forma de (re)acomodar os seus chefes.
Olha que (só para desfazer equívocos) a mulher do secretário explora o restaurante muito antes de sonhar que um dia o seu esposo seria grande na Frelimo.
Portanto, isto não significa aquilo e nem tem a ver com isso.
Enquanto se começa a aproximar do chefe, os bombeiros solicitados aproximavam o seu carro de combate a estudar como fazer subir a escada ao encontro do cativo, sem fazer danos.
Discute-se isto e aquilo, na mesma altura em que a esposa do chefe da Frelimo, que explora o restaurante do aeroporto de Pemba, chega muito preocupada, descalça, porque havia recebido a informação do marido.
E abriu as portas.
Haviam passado cerca de 50 minutos!
Pedro Nacuo - Maputo, Sábado, 29 de Setembro de 2007:: Notícias