5/05/10

Retalhos: De Porto Amélia a Pemba - Memórias a preto e branco...

Entre cidades irmãs (Ovar e Régua) fala-se do construtor de Porto Amélia - Pemba - Afonso Henrique Andrade Paes.
- Transcrição - Jornal João Semana - Ovar - 1 de Junho de 2004.

Achámos curiosa e digna de registo esta referência do Dr. Camilo de Araújo Correia, filho do grande escritor João de Araújo Correia, a um Vareiro que conheceu bem em Porto Amélia, Moçambique, publicada no jornal "O Arrais", da Régua.

“(...) No meu tempo, o grande construtor civil de Porto Amélia era o arquitecto Afonso Henriques de Andrade Paes. Os seus camiões amarelos com grandes letras da cada lado (A.H.A.P.) estavam sempre a passar e repassar.

O encarregado das obras de Andrade Paes era um homem simpático, eficiente e surdo. Para ir ouvindo alguma coisa, usava um aparelho. Um aparelho auditivo de quarenta anos... Constava de uma grande pilha metida no bolso do lado esquerdo do peito e de um fio que, partindo daí, terminava numa oliva introduzida no ouvido. Foi este fio que veio a caracterizar o homem de confiança de Andrade Paes. Entre negros era conhecido por "mucunha narame" (senhor arame).

Porto Amélia... Porto Amélia...”
- Camilo de Araújo Correia ("O Arrais")

O Arquitecto Afonso Henriques Andrade Paes, natural de Válega (da família Soares Paes, comerciantes em Ovar), formado na Escola de Belas Artes do Porto, casado com a escritora Glória de Sant’Ana, nossa ilustre colaboradora, partiu, aos 25 anos, para Moçambique, onde fez trabalhos da sua especialidade em Nampula, cidade que o acolheu por 2 anos e onde fez o seu 1° projecto de construção civil, e em Porto Amélia, para onde partiu, a pedido do Governador, que lhe encomendou um projecto de casas sociais, ali constituindo a sua empresa (A.H.A.P) de Arquitectura, Engenharia e Construção.

Obs.: As cidades de Ovar e Peso da Régua são consideradas "Irmãs"... Existe em Ovar a "rua da Régua" e na Régua a "rua das Vareiras".
*Vareiros(as) são designados os naturais de Ovar.

E é bom lembrar e repetir que as ruas e recantos de Pemba sempre irão "falar" deste seu incansável obreiro...
Muitos durienses viveram e visitaram, quando Moçambique era colónia portuguesa, essa bela cidade, capital da província de Cabo Delgado ao norte de Moçambique. E visitam ainda hoje. Por lá também andou e viveu o saudoso jornalista Jaime Ferraz Rodrigues Gabão... e de lá escrevia as inesquecíveis "Cartas de Longe" para o semanário duriense Notícias do Douro. Tudo isso antes de 1975... Tentando preservar algumas imagens dessa época que já é história, aqui deixamos o endereço do ForEver PEMBA (blogue)  que tenta retratar a Porto Amélia de muitos de nós, portugueses e durienses que a conhecemos com encanto e ajudamos a construir.
- J. L. Gabão


(Transferência de arquivos dos sitios "Peso da Régua/Pemba" que serão desativados em breve. Este post  é reproduzido em simultâneo no blogue "Escritos do Douro")

5/04/10

Retalhos: De Porto Amélia a Pemba - Quem são os Makonde? - Parte 2

Do conhecimento das coisas belas nasce o desejo de as reproduzir...
A Arte Em Cabo Delgado - Máscara Maconde - Significado Litúrgico - As máscaras dos macondes traduzem muitos de seus anseios, usos, costumes tradições e também supertições. Os documentos estatuários da iniciação, tanto masculina como feminina, são de grande interesse etnográfico. É no povo Maconde que se encontra o melhor que a arte nativa Moçambicana pode apresentar neste aspecto. Se é certo que a obra retrata a imagem do sentir do artista, de tal modo que ambas se identificam tantas vezes como sendo a sua representação recíproca, com as máscaras litúrgicas nativas sucede outro tanto, visto ambas viverem essa simbiose mística. O artista só recebe a honrosa incumbência da manufatura das máscaras quando se julga e é julgado por todos em estado de pureza. O trabalho a que põe mãos é feito na clausura de sua oficina ou em lugar retirado, nunca sujeito à observação de quem quer que seja; resulta, assim sob o signo do máximo sigilo e segredo. Quando, dias depois, ultima as máscaras, eles e elas são um todo confundível, pois que o espírito representado na obra é o mesmo que se encontra na alma do artista. O mesmo elo os liga: a liturgia do culto. Não há duas máscaras iguais, nem mesmos padrões a caracteriza-las. Tanto as dimensões, como os motivos decorativos são sempre diferentes.

A sua configuração tanto pode ser dolicocéfala como braquicéfala. Cada máscara é pertença pessoal; não está sujeita a troca, venda ou cedência. Por morte, passa, como herança, aos sobrinhos uterinos.

Se já lhe não é atribuído o poder da virtude, ou julgado te-lo perdido em parte, a máscara é sepultada com ceromónias rituais. Ela compartilha nos atos que traduzem o contato do humano com o mundo dos mortos, e em outros quantos mais constituam ritos.

Entre os macondes há dois tipos de máscaras, representando, respectivamente, animais e homens (ou mulheres). As dos animais e dos homens destinam-se, geralmente, a criar climas artificiais de superstição, excitação colectiva e até pavor; têm o nome de “ lipico”. As máscaras que servem ás mulheres utilizam-se para as ceromónias de iniciação, danças, etc, e designam-se por “ natumbeiro”. São de madeira de uma só peça e cobrem toda a cabeça. Não permitem a visão, a não ser pela abertura da boca, para o que são feitas de maneira a ficarem bastante inclinadas para a retaguarda e a permitirem que os raios visuais passem por exata abertura. A posição da máscara faz levantar a cabeça, dando-lhe uma atitude de decisão e arrogância.

Como convêm aos intentos religiosos, sociais e folclóricos, é o passado que inspira o artista.

Nele todo o nativo encontra a fonte das suas energias físicas e espirituais. As feições escultóricas traduzem espíritos bons e maus, todos, porém, dignos de respeito e atenção. Veneração, nobreza, hilaridade, meditação, etc, tudo isso cabe nas várias expressões das máscaras, enriquecidas pela tatuagem, corte de cabelo, barba e outros motivos decorativos. As máscaras femininas distinguem-se por não serem terríficas e trazerem, em geral, adornos clânicos nas orelhas, nos lábios e no nariz; as suas expressões são suaves e dasanuviadas.
O conhecimento que temos da cirurgia plástica, corrente em muitos países, destinada não só a salvar acidentados ou mutilações ou cicatrizes terríveis, mas também com o fim de suprimir defeitos naturais ou reduzir as superfícies de peles ou carnes flácidas, leva-nos a encontrar explicação para a prática de certos povos nativos que se deixam tatuar ou mutilar em operações dolorosas, seguindo técnicas primitivíssimas.

A curiosidade parece satisfazer-se com analogia que, neste particular, os chamados povos cicatrizados e atrasados revelam.

Ora se nos nativos os desenhos caprichosos das tatuagens que incidem nos seios, peito, baixo ventre e coxas das mulheres podem pretender ter por fim realçar predicados femininos, o fato só por exceção é resultante de preocupações do embelezamento, pois a sua razão de ser baseia-se em valores muito mais complexos, se não transcendentes. Há verdadeiramente como que o mistério das tatuagens. Para o desvendar são necessárias observações e diligências aturadas.

Entre os nativos o conhecimento da vida obtém-se por um exame-prova que promove o adolescente à categoria de homem ou de mulher. É mais do que uma cerimônia, pois constitui um período de provação e promoção, considerado o mais importante da vida do nativo e que o leva da situação neutra, inclassificada, à de elemento da comunidade consciente e idónio. Só assim integrado, será mais uma peça pertencente ao corpo e espírito do clã.Trata-se de uma lei imutável que tem duração milenária, que ninguém discute e todos respeitam; que não pode ser profanada nem sequer pela inconfidência para com os estranhos da tribo e menos para com o europeu. Até mesmo entre si o assunto merece-lhes tal respeito que dele se abstêm de falar até ao momento necessário. O sacrifício da dor, e a sua aceitação, sem o menor gesto de protesto, promove-o à categoria de adulto. O ensinamento das dores é o preço de entrada para a sociedade. A recordação do sacrifício terá de perdurar, por isso é nas regiões mais sensíveis e dolorosas que há que suportar a operação.

A tatuagem, as mutilações e deformações associam-se ao ato de circuncisão, quando não tem lugar antes ou depois.

As cerimônias são antecedidas por provas de obediência, de coragem, de valor moral e físico. Mas todos estes aspectos deverão pertencer à mesma estrutura mística que anima e mantém sagrada a tradição. Trata-se de um padrão cultural, de iniciação nos mistérios da vida, que exige conhecimentos, os quais só podem firmar-se, segundo a ética nativa, pela renúncia, sacrifício, jejum, dor, etc. Daí as grandes manifestações festivas que têm lugar após a entrada na sociedade dos circuncidos.

Mas não é só na iniciação que se executam tatuagens e mutilações. Há graus sociais que exigem dos membros, que a elas pertencem, provas de sangue que servem a trazer presente aos olhares de todos, as insígnias desses cargos de privilégio. Assim acontece, por exemplo, aos grandes chefes tribais, e aos chefes menores. A par das tatuagens que recebem, aqueles chefes prestam também provas de resistência física e coragem moral. As credenciais são assim obtidas , delas fazendo parte igualmente, certos objetos, como a lança de autoridade, a catana, o bastão, etc.

Também para artífices ou cargos especializados se usa, por vezes, para os identificar, a tatuagem, bem como para os que se convertem aos islamismo, apostatando da lei consuetudinária. A configuração esquemática das tauagens varia, em geral, segundo o sexo e a parte do corpo onde incide. Obtém-se por picada ou pontuagem, escarificação, feitas por maio de agulhas, estiletes ou ganchos, empregando-se substâncias cáusticas e matérias corantes, à mistura com cinza, que serve, simultaneamente, para obter altos e baixos relevos, dar cor e desinfectar. O fogo é o agente geral que facilita e purifica a operação.

As tatuagens podem ser feitas em fases sucessivas, nomeadamente quando constituem revelação de identidade dos graus da escala social a que os operados são arvorados.

Os desenhos representam figuras geométricas de retângulos, losangos ou quadrados, curvas, retas, aspectos remiformes, cículos, cruzes, espinhas de peixe, etc.. As figurações naturalistas esquematizadas e estilizadas das tatuagens são exclusivas do povo maconde.

O Lagarto e o Crocodilo figuram entre os animais estilizados nelas representadas. Motivos mágicos como o do sardão, combinam-se, em valores decorativos, com os traçados geométricos já mencionados. A par de ornatos de fantasia há símbolos de fertilidade ou de procriação. Palmeiras estilizadas, molhos de mandioca, etc, ganham aspecto de valor artístico em numerosas tatuagens.
A máscara é um produto resultante do espírito tradicional e religioso do nativo. Com o rosto velado por ela, volta-se virtualmete, para o mundo dos antepassados, mundo de respeito e de virtudes, que se chama o mundo das sombras. Então a alegria irrompe dos corações dos presentes e as mais belas exteriorizações da dança e do canto têm lugar para grande satisfação dos sentidos. O bailarino maconde é a figura principal do Mapico. A máscara de madeira cobre-lhe a cabeça. Uma indumentária estranha, imprecisa, sempre diferente veste-lhe o corpo. Ela constitui o seu melhor atavio. As pernas são tapadas pór mais uma cobertura, assemelhando-se a meias, desde os pés até à coxa. Guizos suspensos ajudam, pelo som, a marcar melhor o ritmo. Em cada “Mapico” há vários dançarinos que ora dançam isolados, ora em conjunto. Os cantadores têm também a sua oportunidade de exibir-se e são numerosos entre os rapazes e os homens. Os chifres dos animais, longos e recurvados, servem de instrumento musical para o “Mapico”. Também se utilizam para outros fins de natureza utilitária, nomeadamente para transmissão de mensagens a distância. A sua presença nas danças e cantares como tubas, tem interesse decorativo e suscita apreço na assistência feminina. Para o “Mapico” não há necessidade de grandes preparativos. Todos são comparticipantes, com exceção, em geral, das mulheres. Deste modo, o passatempo distrai rapazes e homens. A mulher e a adolescente são espectadoras contemplativas, que não obstante, se deleitem com as habilidades artísticas dos homens. Durante a sessão há mudanças de papel. Os músicos passam a dançarinos, os dançarinos a cantores, etc.
A arte as estatuária maconde abre perspectivas de compreensão, entendimento e percepção geral a todo o povo do planalto. A mácara tem o seu significado sagrado, é só para os escolhidos do clã. Com ela não se brinca. A sua presença nos “mapicos” não constitui símbolo decorativo ou de entretenimento. Pelo contrário, a pequena estátua de ébano, pau rosa ou madeira branca ou vermelha, que sai das mãos do artista, essa é simples motivo de exteriorização do seu apreço e predileção por usos, costumes, de expressivas demonstrações de agrado e prazer material ou espiritual. Nasce do povo e ao povo se destina. Não é uma alfaia litúrgica, não reproduz o respeito e o culto dos mortos, não faz parte desse mundo implacável, místico, castigador ou dadivoso, mas sempre considerado secreto.

A estatueta é antes uma expressão de humanidade, de harmonia e de beleza formal.

O curandeiro, o mago, o adivinho são ali representados ao mesmo nível das coisas populares, como o homem a tomar café, ou a mulher que é representada a fumar cachimbo, a farinar cereais, a transportar água, a cozinhar, ou o animal em atitudes peculiares, sempre belas, isolado ou com seus filhotes.

Todos os motivos são tratados como espírito artístico, onde a perfeição e a beleza são predicados indespensáveis, indiferente ao julgamento do europeu, ou de outro povo nativo, só exigente consigo mesmo. Há uma determinate estético-erótica quando realça os dotes femininos, mas tal concepção não coloca em segundo lugar o valor da mulher como mãe e elemento indespensável na ordem e economia do lar.

A estilização faz parte do seu labor artístico, sem deformar ou tornar menos real as fihuras, antes lhes dando um todo belo, mais harmônico e sensíve, sem atingir a sobrenaturalidade ou o irrealismo.
BAILADO GUERREIRO

Gestos que parecem descoordenados, não obstante retratarem com fidelidade os movimentos febrilmente ritmados, aparentemente desconexos das danças macondes, que têm lugar durante os mapicos junto das sanzalas. Movimentos verdadeiramente musicais pela perfeita correspondência com os sons da orquesta.Quase pode afirmar-se que não há notas misicais, sem igual correspondência de gestos, desde os mais suaves, ondulantes, menos perceptíveis, os mais rápidos, lançados ou salteados.

Os braços desenham no ar sucessivas linhas quebradas, correspondentes às partes compreendidas entre as articulações do ombro, cotovelo e pulso. Parecem escrever e marcar compassos musicais. As esculturas são ricas na representação destes movimentos de dança de que as nossas, as modernas, são, muitas vezes, apagada ou esbatida cópia.
(Clique nas imagens acima para ampliar)

Fontes:
A arte em Moçambique - Alberto F. M. Pereira - 1966
Os Macondes de Moçambique - Jorge Dias
In - "Moçambique Arquivo Vivo" - grupo do MSN
Colaboração de Armando Silva - Cascais/Lisboa - Portugal

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Retalhos: De Porto Amélia a Pemba - Quem são os Makonde?


QUEM SÃO OS MAKONDE ? - Os Makondes são um povo da África oriental, que habita 3 planaltos do norte de Moçambique e sul da Tanzânia. Têm como actividades principais, a agricultura e a escultura. Sendo apreciados mundialmente pelas suas belas máscaras e esculturas em madeira, que reflectem a sua estética e cultura ricas.

A maioria dos cerca de 1.260.000 Makondes mantêm uma religião tradicional embora parte da população seja hoje cristã.

Os Makondes são um povo Bantu provavelmente originário de uma zona a sul do lago Niassa – Na fronteira entre Moçambique, Malawi e Tanzania. A hipótese desta origem foi apurada a partir da análise de fontes escritas e orais, e é ainda reforçada por semelhanças culturais com o povo Chewa, que ainda hoje habita uma vasta zona a sul e sudoeste do lago Niassa, no Malawi e na Zâmbia.

Os Makondes teriam assim pertencido, em tempos remotos, a uma grande federação Marave, que teria iniciado a sua migração para nordeste, ao longo do vale do rio Lugenda, em tempos bastante longínquos.

Mantiveram-se muito isolados até tarde, pois só no século XX é que os portugueses, que na altura colonizavam Moçambique, conseguiram controlar as zonas por eles habitadas. Isto deveu-se à sua localização, protegida por zonas ingremes de difícil acesso e por florestas densas. O facto de os Makondes terem ganho uma imagem de violentos e irrascíveis, também ajudou ao seu isolamento.

Desta forma, conseguiram manter uma forte coesão cultural, que apesar de ter diminuido nos anos que se seguiram à chegada dos portugueses, ainda assim conseguiu resistir em vários aspectos. Também a religião tradicional se manteve dominante, tendo as conversões ao cristianismo começado apenas por volta de 1930.

Este povo tem grandes preocupações estéticas, que se podem observar não só nas máscaras e esculturas, mas em todo o tipo de objectos. Também na arquitectura das aldeias e caminhos de acesso, se nota um cuidado estético.

Todos os tipos de objectos são feitos com grande sensibilidade estética e demonstram um amor pela beleza, caixas de remédio e rapé, cachimbos, rolhas de garrafa, bilhas, potes e panelas de cerâmica, tambores, insígnias de poder, instrumentos rituais, etc.

Os Makondes, assim como muitos outros povos, dão muita importância aos ritos de passagem, sendo os mais importantes os ritos de iniciação masculina e feminina. E ligada aos ritos de iniciação masculina, está a mais importante dança dos Makondes, o Mapico, onde são usadas máscaras com o mesmo nome.

Esta dança é muito importante na vida dos Makondes de Moçambique, havendo uma aura de mistério e segredo rodeando a preparação das máscaras e a dança propriamente dita, sendo por exemplo importante que não se saiba a identidade do dançarino.

Para a dança, um jovem mascara-se de homem ou animal, vestindo panos e usando uma máscara Mapico na cabeça. Existem vários passos que o dançarino executa, sempre em sintonia com a música dos tambores, apresentando uma espécie de encenação teatral, que encanta e diverte todos os que assistem.

Depois de um extase de actividade por parte do dançarino, segue-se uma encenação de perseguição e fuga, entre o dançarino e um grupo de aldeões.

O Mapico é o centro das festas tradicionais, em que são realizadas as cerimónias de iniciação.

Depois da chegada dos portugueses às áreas Makondes, muito rapidamente as autoridades coloniais e os missionarios, se aperceberam do grande talento e técnica dos artistas, e usaram esse talento para satisfazer os seus interesses. Dando origem a esculturas de cristos e virgens por um lado, e bustos do ditador Salazar, do poeta camões, Alexandre Herculano, e de outras individualidades da história portuguesa, por outro. Também surgiram esculturas tipificadas, tais como: o fumador de cachimbo, o caçador, o lavrador, a mulher transportando água, a mulher pilando alimentos, etc.

O interesse por esta produção de esculturas foi tão grande que levou a uma maior organização da produção, com diversificação e criação de novos temas.

Este fenómeno mudou por completo o mundo do escultor Makonde, que passou de camponês que também esculpe, a um artista quase a tempo inteiro.

Apesar destas mudanças importantes e do impacto da cultura exterior na sociedade Makonde, a tradição continua a ter muita força e a enquadrar a vida dos artistas, que continuam a cumprir os seus deveres na sociedade tradicional.

Aconteceram grandes alterações económicas e sociais nas últimas décadas na sociedade Makonde, que no entanto tem conseguido adaptar-se relativamente bem às mudanças e manter um saudável equilibrio.
- Do sitio do Escultor Makonde Ntaluma.

Ntaluma é um escultor moçambicano que nasceu em Nanhagaia, distrito de Nangade, província de Cabo Delgado, Moçambique, no último ano da década de 60, num Sábado, com o calor do planalto, onde os homens se assustaram com as gargalhadas das parteiras tradicionais Makondes. Dando grande felicidade ao seu pai que estava muito ansioso.

Iniciou o seu trabalho de transmitir a sua mensagem através da madeira, em Novembro de 1990, no Museu de Etnologia de Nampula. Depois de ter recebido os segredos da escultura Makonde, do seu mestre Crisanto Bartolomeu Ambelikola.

Em 1992 chegou a Maputo onde, com um grupo de amigos, fundou a “Favana Grupo de Escultores Makonde”, no parque de campismo de Maputo. Em 1994 começou a ensinar escultura Makonde a moçambicanos e estrangeiros.

Em 2000, integrou a ASEMA - Associação de Escultores Makonde, que funciona no Museu Nacional de Arte de Moçambique.

Chegou a Portugal em 2002 onde começou a desenvolver com outros artistas, um intercâmbio de sensibilidades artísticas.

Em 2003 assumiu a responsabilidade da escola de escultura da ALDCI – Associação Lusófona para o Desenvolvimento, Cultura e Integração - Portugal, integrada na escola da multi-culturalidade.

Está representado em coleções particulares nos quatro cantos do mundo.

As Origens da arte: Quem não se lembra de alguma vez na vida ter visto uma escultura Makonde, que faz rodopiar as pessoas numa viagem que é de todos nós, numa reafirmação de que a arte está permanentemente nos corações de todas as latitudes.

A humanidade é uma parte da natureza com os seus fenômenos.

Para o escultor, uma imagem não é só um simulacro provido de qualidades vivas, é também uma forma de o homem manifestar o seu imaginário. Desde a idade da pedra que os nossos antepassados esculpem com as suas mãos, as formas naturais da terra.
 - Do sitio do Escultor Makonde Ntaluma.
Makonde - Um Povo repleto de cultura - (Titulo : Arte Makonde por Maria Mhaigue,data : 17/8/2004, Espaço Moçambique) - Estatuária Makonde Moderna - Do estilo moderno há que destacar o Estilo Shetani e o Estilo Ujamaa.

Nos anos 50, é significante um novo desenvolvimento da arte entre os Macondes, que foram para a Tanzânia e tomaram contacto com ideias políticas e sociais. Isto ajudou a alterar as suas consciências.

A escultura Maconde, deixa de ser apenas os objectos tradicionais que eram comercializados ao longo da costa do sul de Tanganyika.

Desde a independência, cabeças esculpidas de quase tamanho real têm aparecido demonstrando versatilidade, que pode ser retirado da imaginação do artista. As cabeças são de uma grande beleza e equilíbrio estético. Em vez de terem cabelo no topo, parecem seres animais e mitológicos a devorar-se simultaneamente.

É uma ilusão impressionante e profundamente dramática. São as preocupações e acontecimentos do dia-a-dia, expressados pelo simbolismo. Símbolos de fertilidade, imagens representativas de luta anti-colonial, o erotismo dos espíritos.

Estilo Shetani
No início dos anos 60 a escultura toma um carácter bizarro, naquilo que viria a ser conhecido como estilo Shetani. Desenvolveu-se entre os Macondes que viviam no exílio na Tanzânia, porque em Moçambique colonial a força da igreja católica proibiu os talhadores de trataram temas das suas tradições ancestrais e espíritos.
Mesmos os rituais como o Mapiko foram proibidos e reprimidos, desde que isto era visto como uma heresia pagã, nos termos dos valores cristãos impostos pelo o colonialismo.

Os Macondes das áreas ocupadas pelos portugueses continuaram a talhar essencialmente figuras realistas, embora umas fossem mais estilizadas do que outras.

O estilo Shetani revelou uma cosmogonia de seres e espíritos malignos que habitam a natureza e forças que o homem tem de enfrentar todos os dias.
A partir do ano de 66 este estilo começou a ganhar reconhecimento a nível mundial.

Shetani é uma palavra usada para traduzir os espíritos Nandenga da cosmogonia Maconde, que também é representada no Mapico.

Contudo é melhor descrito nos contos que são passados de boca em boca.

É um espírito mau que espalha a doença como o vento. Têm só uma perna, um braço, um dedo, um olho, e um cabelo.

No norte da Zambézia, é chamado o “espírito do Mato”.

A palavra Shetani pode ser usada ainda para descrever qualquer figura ou espírito não identificado, como animais de diferentes tamanhos, principalmente nocturnos e misteriosos.

Cada Shetani têm o seu próprio nome e ambiente geográfico. Alguns são das florestas, outros das planícies ou das aldeias. Uns têm prostitutas, e alguns foram trazidos pelos indianos ou pelos europeus.

Os Shetanis não explicam o mundo, mas com todas as suas fábulas ajudam a passar as dificuldades que podem ocorrer no dia-a-dia.

Em suma, eles têm um sentido simbólico, profundamente humano, criativo e estimulador para a imaginação.

Toda esta cosmogonia era expressada na escultura, com um sentido de grande equilíbrio e movimento.

Era uma representação eloquente do sofrimento, angustia e desespero, mostrava uma técnica notável em transformar a fantasia em escultura e expressar novas ideias que surgiam do contacto com outros povos e situações.

Artistas:

Bartolomeu Ambelicola
Nasceu no ano de 1939, Cabo Delgado, oriundo de uma família de escultores. Ainda em criança começa a esculpir fazendo parte da sua infância o convívio com os velhos mestres.

Com a luta armada cedo se passa para as zonas libertadas onde continua a desenvolver a sua arte.

Em 1978 vai residir para Nampula, mas em 1983 por motivos de sobrevivência regressa a Nandimba onde hoje vive como camponês. Tem obras suas na colecção do Museu Nacional de Arte e do Museu de Nampula.

Celestino Tomás
Nasceu em Miúla, Mueda, Cabo Delgado, em 1944, no seio duma família de grandes escultores. Teve como Mestre seu Tio Ndomessa André com quem se inicio verdadeiramente na escultura depois de ter frequentado durante dois anos a Missão de Lipelwa. Em criança já brincava esculpindo em paus leves e mandioca.

Foi emigrante na Tanzania de 1964 a 1972 onde continuou a esculpir tendo-se então instalado em Dar-es-Salam e depois em Arusha. EM 1975 regressa a Miúla e durante três anos faz a sua casa e dedica-se ao trabalho no campo. Em 1978 vai para Nampula numa tentativa de poder vir a dar continuidade à sua arte o que veio a concretizar, e onde se manteve até 1981, data em que se viu obrigado a regressar à sua terra, por questões de sobre vivênvia, vivendo hoje como camponês. Tem obra em colecções de vários países, tendo participado também em exposições colectivas em Moçambique como peçaas da colecção do Museu de Nampula.

Cristovão Alfonso
Nasceu em 1949 em Nampanha, Mueda, Cabo Delgado tendo ainda em criança emigrado para a Tanzânia, com os pais, donde regressa só em 1976, a Namaluco – Quissanga, transferindo-se em seguida para Nampula onde passa a viver. E é já em 1979 – com 30 anos de idade que se inicia na escultura, aprendendo com os seus familiares, entre os quais se conta seu irmão Jerónimo Dinhuassua já falecido.

Lamizosi Madanguo
Lamizosi conta 36 anos e nasceu em Miúla, Mueda, Cabo Delgado. Cedo seguiu a tradição familiar de ser escultor. São seus irmãos, Nkalewa Bwaluka e Cristiano Madanguo tendo já ele um filho a esculpir, Francisco Lamizosi.

Quando inicia os seus estudos, na Missão de Lipelwa, logo os tem que interromper dado o começo da Luta Armada. Iniciada esta, mantêm-se sempre nas Zonas Libertadas desenvolvendo aí a sua arte.

Periódicamente deslocava-se a Mtwata na Tanzânia onde vendia todas as suas obras.

Em 1978 vai para Nampula e integra-se na Cooperativa 16 de Junho, onde ainda hoje vai vivendo da sua arte.

Obras suas pertencem a museus nacionais e várias colecções provadas.

Miguel Valingue
Nasceu em Nanhagaia, Mueda, Cabo Delgado em 1953. Em 1964 entra para a escola primária, junto ao Régulo Likama, aderindo por essa altura também à Luta Armada, o que o leva a optar pelas Zonas Libertadas do Planalto de Mueda e a abandonar os estudos. Em 1968 vai para a Tanzânia com a família, começando em 1969, e tendo como Mestre se irmão Rafael Massude.
Até 1974 vive em Mtawara regressando no Governo de Transição a Mueda.

Em 1978 fica residência em Nampula e passa a fazer parte da Cooperativa 16 de Junho. Em 1986 vem para Maputo em busca de melhores condições de vida. Tentou entrar para uma cooperativa, mas constatou que aí só aceitavam artesanato em série. Hoje, trabalha por conta própria respeitando a sua arte. Tem várias obras nas colecções do Museu Nacional de Arte e do Museu de Nampula.

Nkabala Ambelicola
Nasceu em Miúla, Mueda, Cabo Delgado, em 1930 e como era natural do seu meio familiar, logo em criança abraçou a arte de esculpir em madeira. Pertencendo a uma grande família de escultores, ele tem como Mestres seu pai, Ambelicola Njeu, e seu tio, Kyakenia.

Logo após o massacre de Mueda adere à FRELIMO apoiando a Luta Armada por todos os meios ao seu alcance: desde o transporte de material de guerra à produção no campo, sem contudo abandonar a sua arte.

Quando da Independência sai de Nandimba onde se encontrava e vai para Nampula em busca de trabalho, fixando aí residência e passando a elemento da Cooperativa 16 de Junho.

Participou em várias exposições colectivas no exterior em Moçambique, tendo obras suas em várias colecções nacionais.

Nkalewa Bwaluka
ou Leo, como antigamente assinava as suas obras, nasceu em Miúla, Mueda, Cabo Delgado, em 1928. Pertence a uma família de grandes escultores e tem dois filhos que já o são: Machele Nkalewa e Nancheto Nkalewa. Quando era pequeno acompanhava o seu pai na feitura de máscaras Mapiko que deveriam ser usadas no final das cerimónias de iniciação, começando também com o pai a esculpir figuras humanas.

Em 1963 emigra para a Tanzânia passando a viver em Masunga, Mtwara, onde desenvolveu grande actividade, que depois enviava as peças para a Europa.

Em 1967 instala-se junto à Estrada de Moshi, esculpindo e vendendo aí os seus trabalhos.

Em 1976 regressa a Miúla, passa a Nampula e em 1978, por questões de sobrevivência regressa à sua terra onde hoje é caçador. Obras suas pertencem a museus nacionais e colecções particulares no estrangeiro.

Estilo Ujama
Nos meados dos anos 60, os escultores Macondes, tinham o estatuto de refugiados políticos, uma vez que o seu país estava ocupado pelo poder colonial.

Por esta altura um novo estilo de talhe aparece, o estilo Ujama.

O estilo Ujama embora tenha aparecido mais tarde do que o Shetani, na sua forma compacta é mais aproximado do tipo de talhe tradicional africano.

A base é esculpida bem relevo para representar a família, de forma realista nos corpos e caras, mantendo características típicas Macondes.

Na forma não compacta as figuras formam uma torre acrobática, captando o sentido de movimento expresso no estilo Shetani.

Artistas:

Kauda Simão
Nasceu em Idovo, Mueda, Cabo Delgado, em 1958. Oriundo de uma família de escultores. Ainda em criança começa a esculpur, mas logo no início da luta armada passa-se para as Zonas Libertadas vivendo e convivendo entre escultores mais velhos e em associação com estes.

Integrado na Luta pela Independência ele apoia tomando parte em alguns combates e carregando material de guerra. Reinicia a actividade de escultor em 1979, em Nampula.

Rafael Nkatunga
Nasceu em Ncaja Nasingusa, actual aldeia Litembo, Mueda, Cabo Delgado, em 1951. Tinha apenas um ano de idade quando acompanhouo seu s pais que emigraram para a Tanzânia, indo viver para Dar-es-Salam onde fez instrucção primária, começando então a trabalha como seu cunhado, Constantino Mpakulo, que considera ainda hoje o seu verdadeiro Mestre. EM 1968 instala-se junto à Estrada de Bagamoyo, onde começa a trabalhar, regressando a Moçambique em 1973, indo viver numa base da FRELIMO e passando a trabalhar no campo como a melhor forma de apoio à Luta Armada. Em 1975 volta a Mueda e retoma a sua arte.

Em 1977 fixa residência em Nampula onde trabalha ainda hoje.

Obras suas já participaram em várias exposições internacionais e estão representadas em várias colecções nacionais.
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(Transferência de arquivos do sitio "Pemba" que será desativado em breve)

Retalhos - De Porto Amélia a Pemba - História

A baía de Pemba, a 13º00’ Sul e 40º30’ Este da costa de África, é vulgarmente considerada a terceira maior do mundo, sendo a primeira a de Guanabara no Brasil seguida da de Sidney na Austrália.

As suas águas ondeando tons, ora azuis ora verdes, apresentam-se mansas em dias de bom sol e agradável tempo mas também escarpadas, rugindo de encontro aos rochedos ou regalando pela areia quando os ventos sopram furiosos do Sul.

Este ventos mais conhecidos na região por “kussi” originam, não raras vezes centros depressionários bastante fortes do tipo tropical que arrasam quase por completo a cidade.
O mais antigo temporal que a documentação disponível nos pôde recordar data de 18 de Dezembro de 1904 que causou vários danos assim como levou ao afundamento um pequeno vapor e um iate. É feita referência nessa altura à falta de faróis ao largo da baía, sendo o único o da ponta Said Ali que, para além de ter somente 6 milhas de alcance e não 9 como indicavam as cartas de então, não era aconselhável aos navios que passassem no alto mar.

Outro grande temporal devasta Pemba em 1914, destruindo pratica­mente todas as habitações e provocando grandes embaraços aos serviços da Companhia. (1)

Estes ciclones assolam de tempos a tempos a região de Pemba, tendo o mais recente ocorrido em 1987.

Em sua extensão a baía de Pemba atinge os valores de 9 milhas de Norte a Sul e 6 de Leste a Oeste, perfazendo um perímetro de 28 a 30 milhas.
Mas não só por isso ela goza de tal fama como também pela pro­fundidade do canal de acesso e do porto, com sondas que variam entre 60-70 metros na entrada e 10-40 na parte média, para atingir os 25 metros no fundeadouro junto ao cais diminuindo em direcção á costa.

A sua entrada é, pois, franca a qualquer tempo e hora, podendo nela penetrar à vontade navios até cerca de 6 metros de calado. No entanto, devido a alguns perigos isolados formados por rochas e bancos de coral, é necessária a pilotagem para os navios de alto mar.
A boca de entrada a partir da qual é feita a pilotagem é delimitada a Norte pela ponta Said Ali e a Sul pela ponta Romero, havendo actualmente farolins em ambos os lados.

Desaguam na baía alguns pequenos rios sendo o maior o Meridi cuja foz desemboca nas proximidades do baixo Mueve.

A baía de Pemba constitui, sem dúvida, um porto natural bastante seguro e, apesar de tudo, abrigado dos temporais regionais, tendo sido qualificado por Elton - Cônsul britânico em Moçambique a finais de 1890 - como "O melhor desde Lourenço Marques a Zanzibar”.
Alguns autores supõem que a baía de Pemba possa ter tido uma origem vulcânica, baseando-se no facto de ali se encontrar com abundância a "pedra pomes" própria de rocha vulcanizada. Mas a sua constituição calcária e não basáltica vem a contradizer tal suposição.

Das origens do nome pouco mais se sabe do que as escassas informações recolhidas da tradição oral, algumas das quais baseadas em lendas, e deve tomar-se em consideração que a designação de Pemba para nome da região não foi a única ao longo dos tempos.

Em anos muito recuados da nossa história a baía de Pemba era frequentada apenas por alguns pescadores malgaches e swahilis que em suas pequenas lanchas e pangaios arrecadavam o alimento sem nunca ali se fixarem.

Conta então uma antiga lenda que por essa altura uma de tais embarcações apanhadas por um temporal naufragou tendo como sobrevivente uma mulher que se viu obrigada a procurar algum refúgio nas proximidades da baía.

A mulher importante (“nuno” em língua local ) conseguiu sobreviver e montar ali a sua guarita. Naturalmente conotada a "Nuno" pelos pescadores como "mensageira divina" demonstrando que a zona poderia ser perfeitamente habitada, ela fê-los seguir o seu exemplo.
Nasce a zona de Nuno pelo qual foi conhecido por longos anos o actual bairro do Paquitequete. Mais tarde viria a anexar-se a esta designação a expressão “pampira” (no sitio da borracha) em virtude da grande quantidade da árvore da borracha que no local nascia espontaneamente.

A região servida pela baía de Pemba foi também já conhecida por Mambe expressão que pode simultaneamente significar quantidade e longitude.

Embora certos autores relacionem “mambe” à baía de Pemba, a região a que a administração colonial designa por esse nome se situa mais a norte, no distrito de Macomia.

Uma outra tradição oral refere que um europeu, em data também não precisa, proveniente de Zanzibar faz desembarcar na baía os indígenas que o acompanhavam e, estes, vendo-se assaltados por grandes enxames de moscas gritavam dizendo “pembe” que em swahhili significa mosca.

Teria sido mambe, pembe ou outra a origem da expressão "Pemba" no território moçambicano (2), certo é que ela figura nas primeiras cartas inglesas como "Pembe Bay”.
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 VII - A ocupação colonial definitiva

Abandonada a região de Pemba pelos portugueses, e mais tarde praticamente pelos povos macuas da regedoria Muária, alguns baneanes e mouros ocuparam-na nos finais da década de 1880 sob a chefia de um tal malgache chamado “Muenhe Amade”, fundador da povoação do mesmo nome em Pampira.

Instituída a Companhia do Niassa esta manda, 4 anos mais tarde, ocupar a baía, tomando em consideração o então notável desenvol­vimento comercial dos territórios a Sul de Quissanga bem como a necessidade de controlar o comércio do sertão.

Por outro lado, porque o posto militar criado em Pemba há mais de um ano havia permitido um clima de boas relações com os régulos e consideradas garantidas as condições de segurança, é instituído o Concelho de Pemba com sede na povoação de Pampira.

Assim o comandante do posto militar de Pemba é nomeado chefe do Concelho em acumulação com as anteriores funções.

Projectara a companhia magestática a construção de uma linha férrea que ligasse Pemba ao Niassa no intuito de monopolizar o tráfico de Tanganica /Niassalândia:

"O caminho de ferro de Pemba ao Niassa chamará a meio caminho a mercadoria que for descendo pela boca de Chire, inclusive a que, por ventura proceda da própria bacia do Congo. Hoje que à nossa com­panhia foram concedidos os territórios, será pratica­da a ligação ferroviária do lago com a excelente baía de Pemba, realizando-se assim não só um desideratum da moderna civilização mas também o caminho que será o único e incontestado para o grande co­mércio da África" (12).

Esperava-se que Pemba pudesse ser o porto para o abastecimento do carvão do Medo e do Itule, bem como madeira, metais, nomea­damente o ferro e o cobre e ainda o marfim entre outros artigos originários de zonas do interior.

Para o lisonjeio de Coutinho (13):

"... a explêndida baia de Pemba - está entre aqueles dois empórios comerciais (Zanzibar e Moçambique) em excepcionais condições geográficas numas cir­cunstâncias tais que aproveitadas convenientemen­te, lhe chamarão o que lhe pertence de direito, e pertence de facto o exclusivo do tráfico do Tanganica-Niassalândia”.

Por outro lado, Pemba a um dia das Comores poderia daí receber a borracha, a cera, a copal, a urzela, o marfim e peles.

É ainda a finais do século passado, mais concretamente em 1899 que a companhia do Niassa contrata Gilbom Spilsbury (delegado do Conselho da Administração da Companhia) para uma expedição militar para avaliar as possibilidades de desenvolvimento dos territórios de Cabo Delgado e Niassa mas o facto de se pretender atingir zonas mais para o interior Pemba foi nesse projecto relevada para segundo plano.

Porque se pretendia reabilitar o processo de desenvolvimento de Pemba num momento em que a povoação estava ameaçada ao isolamento devido ao internamento de comerciantes e indígenas no interior para fugir à alçada da autoridade colonial (14) ela é inicialmente considerada terra de terceira ordem e são dispensados de direitos e emolumentos de portos aos vapores que para ali fazem carreiras regulares, nos primeiros anos do nosso século.

Também na primeira década de 1900 é criada em Porto Amélia no ano de 1908 uma escola de sexo masculino denominada "António Centeno” nome de um Administrador de Companhia em Portugal, no qual logo se matricularam 14 alunos dos quais 2 europeus, 1 branco natural, 6 mestiços e 5 negros. (15)

Dados estatísticos da população de Porto Amélia em 1908 indicam haver nessa altura 18.604 habitantes, sendo 18.498 negros, 50 asiá­ticos, 26 europeus e 17 brancos naturais. (16)

Em 1909 é ocupado todo o concelho de Porto Amélia.

A finais de 1917 desembarca em Porto Amélia uma expedição militar inglesa para colaborar com o exército português na luta contra os alemães no decurso da primeira Guerra Mundial.

Foi esta expedição que, aproveitando as condições da lagoa existente na planície de Natite, colocou uma bomba de água e um pequeno sistema de abastecimento de água canalizado.

Como memória dos militares ingleses tombados durante a 1ª Guerra Mundial, ainda hoje se pode ver no cemitério de Pemba uma zona com as suas sepulturas que o governo de Sua Magestade Britânica mandava visitar periodicamente, deslocando navios de guerra com oficiais que no local procediam às cerimónias na presença do capelão do Navio. Este cemitério particular esteve durante longos anos à responsabilidade de Carlos Delgado da Silva.

Pelo Decreto nº 16.757 de 20 de abril de 1929, foram retirados à Companhia do Niassa os poderes de administração dos territórios concedidos em 1894, tomando o Estado posse dos mesmos a 27 de Outubro do mesmo ano. Foi assim restabelecido o Distrito de Cabo Delgado, na Província do Niassa com sede em Porto Amélia, deixando assim esta povoação de estar agregada ao Distrito de Niassa.

Para o período a que nos referimos duas reclassificações sucessivas para o terreno de Porto Amélia têm lugar na sequência da restrutu­ração que se inicia em 1930. A primeira verifica-se a 11 de Janeiro desse mesmo ano classificando-a em 1ª ordem e a outra em Agosto seguinte descendo-a para 2ª alegadamente por se encontrar tal como o Ibo criada à data da passagem dos territórios para a administração portuguesa com aquela ordem.

Em 1936 é aprovada a planta de modificação da vila de "Porto Amélia, Concelho e Distrito do mesmo nome, província do Niassa" (17), constituída inicialmente por 232 talhões para em 1941 entrar em vigor uma portaria delimitando a zona urbana e a suburbana.

Um bairro económico constituído por 16 blocos de aproximadamente 50/80 metros é criado no Cariacó em Porto Amélia no ano de 1943.

Ainda nesse mesmo ano e tomando em conta a necessidade de autonomizar o município da vila e dotá-la de poderes mais amplos em vista do desenvolvimento local é concedido o foral de Porto Amélia.

Em 1953 determinou o Secretário Provincial, Eng. Pinto Teixeira, em nome do Governador Geral, comandante Gabriel Teixeira empreender a construção de um cais acostável para navios de grande porte, obra que viria a ser inaugurada a 26 de Janeiro de 1957 com a acostagem inaugural do paquete "Angola".

Foi só com a materialização desta obra que Porto Amélia inicia a sua arrancada ao desenvolvimento. Assim constata-se que o movimento de mercadorias eleva-se de cerca de 40 mil para 48 mil toneladas aproximadamente.

A Vila de Porto Amélia é elevada à categoria de cidade a 18 de Outubro de 1958.

Contudo o desenvolvimento esperado talvez nunca tenha passado de sonhos e pequenas iniciativas. Um jovem da cidade em 1971 desa­bafava numa entrevista a um jornal:

"... É pena Porto Amélia ser muitas vezes esquecida, pois se podia fazer mais por ela e só os seus ver­dadeiros habitantes é que a podem desenvolver e engrandecer, mas nenhum deles é Onassis ou Rockfeller” (18).

Pemba... A solidão da sua simplicidade parece tão natural quanto a sua beleza e destino à sorte do acaso...
- Luis Alvarinho.

Sobre Luis Alvarinho -  20/06/2002 - Estando em preparação um livro de crónicas em que esta será incluída, envio-a como homenagem ao Luís Alvarinho - Glória de Sant'Anna.

Moçambique – Cabo Delgado - A Escuna Angra é um marco histórico navegando o mar no reinado de D. Pedro V, para as terras de Cabo Delgado ao norte de Moçambique. Comandada por Jerónimo Romero, 1º tenente da Armada, leva consigo sessenta colonos que irão fundar a colónia agrícola de Pemba, em 1857.

Mãos amigas fizeram chegar até mim um livro sóbrio que relata o facto.

Baseia-se ele essencialmente na adenda à memória descritiva de Jerónimo Romero, e na recolha da tradição oral de toda a região que abraça a baía de Pemba.

É seu autor Luís Alvarinho nascido em Pemba em 1959. (1)

Este jovem que na sua meninice por certo correu pela orla das ondas, colheu búzios na praia do Wimbe, bebeu sumo dos cajus, trincou maçanicas e jambalão: e na sua juventude se sentou frente aos microfones do Emissor Regional de Cabo Delgado, cativado pela magia e o poder da Rádio: este jovem, também ele elemento de mudanças políticas, inicia com o livro "PEMBA, SUA GENTE, MITOS E A HISTÒRIA – 1850 / 1960", datado de 1991, um caminho de pesquisa etnográfica e política das terras de Cabo Delgado – Pemba – nos séculos XIX e XX.

Da recolha oral conta o autor uma terna história que transcrevo:

" em anos muito recuados da nossa história a baía de Pemba era frequentada apenas por alguns pescadores malgaches e swailis que em suas pequenas lanchas e pangaios arrecadavam o alimento sem nunca ali se fixarem.

Conta então uma antiga lenda que por essa altura uma de tais embarcações apanhada por um temporal naufragou tendo como sobrevivente uma mulher que se viu obrigada a procurar algum refúgio nas proximidades da baía.

A mulher importante ( NUNO em língua local ) conseguiu sobreviver e montar aí a sua guarita.

Naturalmente conotada a NUNO pelos pescadores como "mensageira divina" demonstrando que a zona poderia ser perfeitamente habitada, ela fê-los seguir o seu exemplo."

Esta obra com a qual me congratulo, não apenas pelo valor que tem, é uma pedra angular no espaço das letras moçambicanas.

Como o próprio autor diz em nota introdutória, "este trabalho não tem pretenções de um rigor histórico, como talvez se possa interpretar. A pesquisa histórica com certa sistematização poderá, isso sim, permitir identificar as raízes do local e da sua gente...

A principal motivação para este empreendimento, foi precisamente a de preservar a tradição oral de Pemba, já bastante perdida."

(1) – Foi meu aluno no ensino secundário e faleceu alguns anos depois de ter escrito este livro histórico a que se refere esta crónica. - Glória de Sant'Anna .

(Transferência de arquivos do sitio "Pemba" que será desativado em breve)