Não sei se chamaria a estes escritos de carta aberta, ou se me limito apenas a escrever e deixar a cada leitor a liberdade de lhes atribuir o título que quiser. E tudo porque não encontraria uma expressão que resumisse a minha revolta interior em relação àquilo que um conjunto de pessoas, com responsabilidades, deixa fazer à minha cidade, a cidade de Pemba. E para bem dizer, nem sei por onde começar.
Cumpri cedo, este ano, o dever de ir a Pemba.
Infelizmente, o meu desagrado em relação ao que (não) fazem à cidade é recorrente. Na minha opinião, acho que a incúria e a indiferença terão já atingido o limite, o limiar de um desastre social numa cidade que tinha tudo para dar certo.
Literalmente, Pemba transformou-se num mercado de rua, numa pocilga, numa latrina pública, numa lixeira e, pior ainda, numa cidade em que as pessoas supostamente esclarecidas e responsáveis assobiam para o lado, como se nada tivessem a ver com este estado de coisas. Começo pelo aspecto social e económico, pedindo à partida que ninguém me catalogue, maldosamente, pelas minhas simples constatações.
Já observara em Nampula, mas nunca pensei que o fenómeno chegasse a Pemba. A urbe cimentada foi conquistada pelo moçambicano de origem asiática, porque os autóctones, depois de um curto período do usufruto das nacionalizações, alugaram e depois venderam uma bandeira política de Samora Machel.
Os novos ricos ficaram com as casas e com os estabelecimentos de cimento, relegando, temporariamente, os autóctones para as barracas da periferia.
Vieram depois os somális, etíopes, malianos, guineenses, senegaleses. Corromperam as estruturas municipais e construíram lojas de bugigangas por cima dos passeios e a toda a sua largura. Os autóctones, sem meios para concorrer com os expatriados, e muito menos com os seus compatriotas de origem asiática, o seu estabelecimento é o chão firme ou palmilhando a cidade de lés-a-lés.
É assim a cidade de Pemba. Todos vendem e todos compram. E se o produto é comestível, ele é ali adquirido e consumido, e o lixo resultante do seu processamento (o ovo cozido é o paradigma) é ali abandonado; e se o seu consumo obriga a evacuar, fá-lo ali sem qualquer tipo de problema, à vista de todos. Mas o observador engana-se quando pensa que tudo acaba na vista frontal. Se nos embrenhamos pelo interior, por qualquer labirinto entre as barracas em frente das ruas, nós encontramos mundos estranhos, ou melhor, submundos, avenidas labirínticas, restaurantes entre urinóis e charcos de água e imundície, concorridas sessões de bebedeiras, prostíbulos.
Tudo em plena zona urbana e à luz do dia.
Nas zonas residenciais, entre casas maticadas da população, ergueram-se autênticas fortalezas dos expatriados, em violação das mais elementares regras de construção urbana. Muros de três a quatro metros de altura na parte frontal, encimados por arame electrificado; nos tectos, uma infinidade de antenas, entre emissoras e receptoras. Obviamente, nem todas servem para receber sinais de rádio ou televisão por satélite. A conta parece ser simples de fazer, difícil será compreender como as autoridades nunca se indagam, ou nunca indagam.
Este ano, levei comigo alguém que nunca havia estado na cidade de Pemba. Levei-o a conhecer a urbe e não consegui mostrar a casa onde morei ou moraram os meus amigos, os clubes onde jogámos futebol ou dançámos os nossos bailes, os espaços municipais de diversão e de cultura. Não, não consegui, e ninguém por lá conseguirá jamais. E o recurso era sempre o mesmo: por detrás destas barracas! E tudo isto em plena zona urbana!
Em Pemba, as varandas e os seus jardins deixaram de ter a importância que têm em qualquer cidade, os números de endereçamento já não cumprem a sua função, a cidade está totalmente esburacada, até a via que nos leva a passar junto da residência oficial do governador, e isto para não falar do matagal consolidado em toda a sua residência de praia, no Wimbe, onde parece que nunca por lá alguém passou.
Mas eu não quero ser injusto.
O único sítio limpo e arejado é o cemitério de Pemba. Campas e muros caiados. E não se engane, leitor. Quem o cuida não é o município, é um simples cidadão de nome Claudino, que paga a um grupo permanente de homens e mulheres para manter limpa e digna a última residência de todos. Ora, ainda que não trazendo no bolso o nosso cartão político, o que custaria indigitar um homem desses para tomar conta das nossas coisas?
Finalmente, pergunto-me: quem deve arcar com a culpa da destruição de Pemba?
Bem, quando cheguei ao Maputo, de imediato liguei a um amigo, militante superior da FRELIMO, e indaguei: como é que uma cidade de anarquia total, destruída e fedorenta pode albergar um conclave maior da FRELIMO? Como é que convidados do mundo irão por ali circular? Como, como, como?
E porque por lá passara recentemente, o homem limitou-se apenas a concordar, que realmente a cidade de Pemba está de rastos, prestes a explodir, social e economicamente, cujo desfecho ninguém pode imaginar. Sim, é verdade, disse eu.
E porque nos habituamos a ser sinceros e frontais um para com o outro, adiantei-lhe eu as razões de tudo isto. Disse-lhe que na indicação das pessoas para dirigirem as nossas coisas, quaisquer que elas sejam, não bastará pertencer às nossas cores e confissões políticas. Que podia até ser uma exigência estatuída, e eu até não me oponho a isso, mas que dentre elas se identifiquem, claramente, aquelas que sabem e com provas dadas, e não aquelas que se limitem a cumprir ordens e nunca discordarem. E ninguém me vai dizer que na FRELIMO não há pessoas preparadas para colocarem as nossas cidades na senda do progresso!
Texto transcrito do "Correio da Manhã" via "Moçambique para Todos". Edição de J. L. Gabão para o blogue "ForEver PEMBA" em Fevereiro 2012.