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11/19/09

Brasil: Consciência Negra - Como era a vida no quilombo dos Palmares?

O Dia da Consciência Negra é celebrado em 20 de Novembro no Brasil e é dedicado à reflexão sobre a inserção do negro na sociedade brasileira.
A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695. Apesar das várias dúvidas levantadas quanto ao caráter de Zumbi nos últimos anos (comprovou-se, por exemplo, que ele mantinha escravos particulares) o Dia da Consciência Negra procura ser uma data para se lembrar a resistência do negro à escravidão de forma geral, desde o primeiro transporte forçado de africanos para o solo brasileiro (1594).

COMO ERA A VIDA NO QUILOMBO DOS PALMARES?
O maior símbolo da resistência à escravidão apareceu nas últimas décadas do século 16, em uma área onde hoje fica a divisa entre Alagoas e Pernambuco. No começo, o quilombo dos Palmares (cujo nome vem das palmeiras que compunham a vegetação local) era formado por escravos de origem angolana, fugidos das fazendas de cana-de-açúcar da região. Mas, nos 100 anos de existência do lugar, índios e brancos marginalizados também se juntaram à população negra.

No auge, Palmares era um povoado grande para os padrões da época: abrigava 20 mil habitantes e incluía nove aldeias, chamadas de mocambos ("esconderijos", no dialeto banto falado pelos negros).

Apesar da aura utópica, o quilombo tinha pouco de sociedade alternativa. Pelo contrário. A própria palavra kilombo, em banto, quer dizer algo como "sociedade guerreira com rigorosa disciplina militar". "Havia pena de morte para adultério, roubo e deserção", afirma o historiador Dagoberto José Fonseca, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Araraquara (SP).

Como os quilombolas não deixaram registros escritos, seus hábitos não são totalmente conhecidos. Sabe-se, porém, que eles eram governados por um rei, com o título de Ganga Zumba ("grande chefe"), assistido por um conselho composto pelos chefes dos vários mocambos.

Como a existência do quilombo estimulava as fugas de escravos, os fazendeiros da região reuniram milícias para atacar Palmares durante todo o século 17. Diante dos conflitos constantes, Ganga Zumba aceitou um acordo de paz com os brancos, em 1678. Isso enfureceu os palmarinos, que assassinaram Ganga Zumba dois anos mais tarde. Seu sucessor assumiu o título de Zumbi (uma derivação da palavra "deus" em banto), liderando uma guerra contra os invasores. Mas na manhã de 6 de fevereiro de 1694 a Cerca Real do Macaco, capital de Palmares, foi ocupada por um batalhão comandado pelo bandeirante Domingos Jorge Velho. Nos meses seguintes, as outras aldeias caíram. Zumbi escapou do massacre inicial e liderou uma luta de guerrilhas, mas acabou morto em 20 de novembro de 1695.

REFÚGIO VIGIADO
Para proteger Palmares, os quilombolas construíram três cercas e dezenas de armadilhas.
Até hoje, não se sabe com precisão a localização de todas as nove aldeias que formavam o quilombo dos Palmares. O certo é que a capital, chamada Cerca Real do Macaco, ficava na Serra da Barriga, em Alagoas.
As outras oito aldeias eram distribuídas ali por perto, mas em locais ainda desconhecidos.

ENTRADA RESTRITA
A capital do quilombo era circundada por três cercas de madeira, reforçadas com pedras e guardadas por sentinelas armados. O acesso era feito por portões de madeira reforçados. A segunda cerca ficava a 300 metros de distância da primeira, e a terceira, a 500 metros da segunda. As linhas de defesa estendiam-se por mais de 5 quilômetros, com guaritas a cada 2 metros.

ALÇAPÃO HUMANO
Dezenas de buracos de alguns metros de profundidade e camuflados com folhagens circundavam a povoação. Para empalar aqueles que caíam nos fossos ocultos, os fundos das armadilhas tinham estacas de madeira afiadas e lanças de ferro com mais de 1 metro. Apenas os quilombolas conheciam o caminho certo para entrar na capital de Palmares.

MIX RELIGIOSO
A religião praticada em Palmares era um catolicismo misturado com tradições da cultura banto. Na capela do Cerco Real do Macaco, foram encontradas imagens de São Brás, do menino Jesus e de Nossa Senhora da Conceição dividindo os altares com estátuas de divindades africanas. Muitos negros haviam se convertido ao catolicismo ainda antes de serem trazidos ao Brasil.

DIETA REFORÇADA
Em volta da cidadela ficavam as roças de alimentos. A lavoura mais importante era o milho, mas também eram plantados feijão, banana, batata-doce, mandioca e cana-de-açúcar. Além desses vegetais, o cardápio era completado com a coleta de frutos e a caça de pequenos animais das matas próximas.

CASINHAS DE SAPÊ
Os moradores viviam em casas de madeira cobertas de folhas de palmeira, com iluminação artificial que usava azeite como combustível. Algumas delas tinham saídas ocultas, que permitiam escapar para o mato em caso de perigo. A mobília incluía panelas e utensílios domésticos feitos por artesãos locais ou roubados em incursões pelas fazendas vizinhas.

DIRETAS JÁ!
Os membros do conselho que chefiavam o povoado eram escolhidos em assembléias que reuniam todos os habitantes na praça central. Lá ficavam a própria sede do conselho, uma capela, poços para armazenar água, um galpão sem paredes que servia como mercado e oficinas de artesãos - entre eles, ferreiros que faziam armas e ferramentas agrícolas.

CONJUNTO HABITACIONAL
No interior do forte havia quatro ruas, cada uma com pouco mais de 2 metros de largura e 1 quilômetro de extensão. Ao longo delas, alinhavam-se cerca de 2 mil casas, onde viviam 8 mil moradores. Eles falavam português misturado ao dialeto banto e a palavras indígenas. Animais domésticos, principalmente galinhas, eram criados nos quintais das casas ou soltos pelas ruas.
- Dados recolhidos na Wikipédia e Mundo Estranho.

8/26/08

Problemas laborais em Cabo Delgado - A sul-africana Claudine Mery, do “Pemba Beach Hotel”, suspensa e impedida de voltar a trabalhar em Moçambique.

(Clique na imagem para ampliar)
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Segundo o Notícias - Maputo de hoje:
Depois de visitar 40 empresas em Cabo Delgado : Inspecção do Trabalho confirma haver muitos problemas laborais.
Doze dias depois da equipa dos sete inspectores do Trabalho ter começado a fiscalização da aplicação da lei laboral na província de Cabo Delgado, em obediência à decisão ministerial respectiva, em face da detecção de diversas irregularidades na visita que a titular do pelouro, Helena Taípo, efetuou no mês passado, o inspector-geral, Joaquim Siúta, falando em exclusivo ao “Notícias” e num balanço preliminar repetiu que “nesta província há muitos problemas”.
Joaquim Siúta confirmou a suspensão sem recurso da sul-africana, Claudine Mery, do “Pemba Beach Hotel”, que os trabalhadores, em reunião com a ministra, Helena Taípo, haviam dito tratar-se do principal empecilho para o desenvolvimento de relações harmoniosas de trabalho, dada a sua alegada cultura racista, o que minou o ambiente no maior hotel da província de Cabo Delgado.
“Os problemas no “Pemba Beach Hotel” começam com a ultrapassagem da quota fixada de admissão de estrangeiros, pois tendo em conta que tem 300 trabalhadores, a empresa só podia admitir até 19, não nacionais. Acontece que o hotel ultrapassou esta quota, tendo aceite para o trabalho até 30 estrangeiros”, explica a fonte.
A sul-africana em referência constava do grupo a que se poderia considerar de excedentários em relação à quota fixada e pesou sobre si, como agravante, as acusações de ser a principal fomentadora da divisão com base na nacionalidade, raça, entre outros tipos de segregação.
Os trabalhadores, com efeito, haviam dito que aquela colega era responsável principal de tal tratamento discriminatório e na oportunidade haviam avisado à ministra do Trabalho que caso lhe chegasse uma informação sobre “algo estranho” na relação entre os moçambicanos e os estrangeiros, seria porque os nacionais já se encontravam com os caminhos esgotados visando o fim da prepotência daquela sul-africana.
“Na verdade, é no “Beach Hotel” onde encontramos directores com as mesmas qualificações a desempenharem funções similares, a serem tratados conforme a raça ou cor. Encontrámos casas para directores moçambicanos e outras para directores estrangeiros. Refeitório separados para trabalhadores com as mesmas qualificações e funções, simplesmente porque uns são de uma cor outros da outra. Uma parte para nacionais a outra para estrangeiros. Isso é violação flagrante da nossa Constituição”.
Em função da gravidade do problema da Claudine, a Inspecção do Trabalho decidiu suspendê-la definitivamente, não lhe assistindo nenhuma outra possibilidade de voltar a trabalhar na República de Moçambique. Em relação a seis outros estrangeiros do “Pemba Beach Hotel” suspensos, o inspector-geral disse tratar-se de um caso a ponderar, pois o mal foi terem sido encontrados a trabalhar sem autorização do respectivo ministério, mas tudo poderá passar pelo cumprimento da quota estabelecida.
O gerente da Wood Export, o israelita Daniec Cinat, no distrito setentrional de Mueda, empresa onde a ministra se havia confrontado com um trabalhador mutilado sem a respectiva indemnização e a informação de que outro havia perdido a vida no mês anterior, está suspenso. Joaquim Siúta, explica as razões:
“Está suspenso porque estava a trabalhar com uma autorização caducada desde Abril deste ano e não se quis dar à maçada de renová-la. Mas por outro lado, segundo viemos a saber, não conseguia renovar porque tinha problemas com a segurança social, não tinha como reunir documentos de prova. Está nesta situação até que regularize”.
Em relação ao horário de trabalho que ia das 6.00 às 16.00 horas, segundo a fonte, tudo voltou ao legalmente estabelecido, assim como foram regularizados os contratos de trabalho para todos os trabalhadores.
Enquanto isso, a empresa madeireira Miti, Lda, cuja laboração foi suspensa a 30 de Julho passado, pela Ministra do Trabalho, Helena Taípo, por ter constatado atropelos à lei laboral, que considerou intoleráveis, incluindo a inexistência de condições de higiene e segurança no trabalho, para além de salário muito abaixo do mínimo nacional, continua parada, mas um grupo técnico da equipa de inspecção encontra-se no terreno para averiguar mais elementos visando a regularização da sua existência.
Num outro gigante, desta feita, na cidade de Pemba, a Carpintaria Nito, foi encontrada uma situação igualmente fora das normas laborais que regulam o emprego em Moçambique. “Encontrámos na Carpintaria Nito trabalhadores que há 10 anos são classificados como aprendizes, sem nenhum documento que os vincula à empresa”.
Os inspectores, provenientes de vários pontos do país, encontram-se neste momento espalhados pelos distritos do sul da província, nomeadamente Montepuez, Balama e Namuno, na mesma altura em que se confirma que o passo seguinte é “atacar” as estâncias turísticas espalhadas pelas ilhas do arquipélago das Quirimbas.
- PEDRO NACUO - Maputo, Segunda-Feira, 25 de Agosto de 2008:: Notícias.
  • Trabalho sem Lei: Inspectores do trabalho vasculham empresas em Cabo Delgado... - Aqui!
  • Pemba Beach Hotel - Trabalhadores de bolso quase vazio... e outras coisitas mais! - Aqui!

8/13/08

Trabalho sem lei: Inspectores do Trabalho vasculham empresas suspeitas de explorar trabalhadores em Cabo Delgado!

(Imagens recolhidas na net. Clique na imagem para ampliar.)
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Inspectores do Trabalho já estão em Cabo Delgado.
Sete inspectores do Trabalho encontram-se desde ontem em Cabo Delgado, em cumprimento da ordem dada pela ministra do sector, Helena Taípo, na sua recente visita a esta província, onde constatou inúmeras irregularidades em muitas empresas, incluindo aquelas que são consideradas de grande nível.
A equipa de inspectores, seleccionados de diferentes províncias do país que é chefiada pelo respectivo inspector-geral, Joaquim Siúta, já começou a trabalhar no sentido de cumprir a tarefa dada a nível mais alto do ministério de tutela, nomeadamente de “vasculhar a província, empresa por empresa, com vista a repor a legalidade laboral”.
Helena Taípo que há uma semana visitou três distritos da província de Cabo Delgado, confrontou-se com atropelos à lei laboral, tendo ficado surpreendida em muitos casos, por a sua Direcção Provincial nunca ter reportado semelhantes violações e, em contrapartida, deparou-se com uma instituição que no segundo ano consecutivo não cumpre as metas constantes da estratégia do ministério a que responde.
Para algumas situações consideradas por Taípo “visíveis a olho nu e intoleráveis”, a ministra do Trabalho havia estabelecido prazos para serem resolvidas, tal como são os problemas de higiene e segurança no trabalho das empresas madeireiras Wood Export e Miti-Lda, nos distritos de Mueda e Mocímboa da Praia e a algodoeira Plexus e de processamento de pau-preto, Mbigo, em Montepuez.
Conforme disse na altura, a titular da pasta do Trabalho, a equipa de inspectores deverá regressar a Maputo com um relatório completo do actual quadro laboral em Cabo Delgado, sendo que poderá ir à profundidade de alguns aspectos relacionados com a forma como os trabalhadores são tratados nas empresas, contratos e a legalidade da presença de trabalhadores estrangeiros em algumas delas.
No “Pemba Beach Hotel” igualmente visitado pela ministra do Trabalho, os inspectores terão uma semana para perceberem os contornos pelos quais se baseiam algumas queixas dos trabalhadores dirigidas ao Ministério de Trabalho de tutela, incluindo actos flagrantes de racismo e discriminação baseada na nacionalidade ou região de origem.
- Maputo, Quarta-Feira, 13 de Agosto de 2008:: Notícias.
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4/09/08

Moçambique 1980 - Operação Produção ...

(Imagem original daqui)
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Encontrei hà pouco na net sobre a injustificável, preconceituosa e aviltante "Operação Produção":
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Omar Ribeiro Thomaz-historiador e antropólogo fala sobre a Frente de Libertação de Moçambique e sobre os campos de reeducação que existiram no país por volta de 1980:
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"... ... Há uma série de lideranças africanas que vão se destacar tentando construir uma opção à Frelimo, e que serão classificados como inimigos, tais como Joana Simão e Uria Simango, entre outros. Eles foram enviados para um campo de prisioneiros no Niassa, ao Norte de Moçambique e ali morreram. ... ..."
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Em um processo difícil, de guerras entre brancos e negros, nativos e colonizadores, Moçambique conseguiu sua independência em 1975, mas o período de transição foi marcado pela instituição de medidas impopulares que deixaram cicatrizes em boa parte da população.
O historiador e antropólogo Omar Ribeiro Thomaz, da Universidade Estadual de Campinas, voltou recentemente de uma de suas viagens a Inhambane, uma província de Moçambique, onde tem acompanhado um grupo de pessoas que foram levadas pela Frelimo – Frente de Libertação de Moçambique, na década de 1980 - para trabalhar em campos que abrigavam pessoas tidas como desocupadas, inúteis, indesejadas, pelo governo e que, então, deveriam ser reeducadas, a partir do trabalho braçal no campo. Esse projeto, denominado Operação Produção, foi uma das medidas adotadas. Nesta entrevista, Thomaz dá uma idéia do contexto histórico em que essas ações acontecem e fala um pouco sobre o destino das pessoas que passaram pela Operação Produção.
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ComCiência - Em seu trabalho o senhor trata dos deportados no período pós-colonial em Moçambique, pessoas que eram levadas dos centros urbanos para os campos de reeducação criados logo após a independência. O que o senhor tem descoberto pelas narrativas dessas pessoas? A atuação da Frelimo marca realmente uma ruptura entre o período colonial e o pós-colonial?
Omar Ribeiro Thomaz - A primeira coisa a dizer é que trabalho com a idéia de deportado, mas as pessoas que passaram por essa experiência se dizem raptadas. Em alguns contextos elas de fato foram seqüestradas pela Frelimo ou pela Renamo (Resistência Nacional Moçambicana) durante a guerra civil. Eu uso o termo deportação, que não é o termo que o Estado da Frelimo usava, para me referir às pessoas que eram enviadas para os campos, fossem os de reeducação ou os de trabalho. E uso o termo raptados para aqueles que foram seqüestrados durante a guerra civil, por parte da Renamo, que era o movimento que se opunha ao governo da Frelimo, e que compunha a maior parte de seu exército com jovens que pegavam nas ruas, sem consultar os pais e sem nenhum processo formal. Isso era um rapto, um seqüestro. As pessoas que eu entrevistei diziam: “fomos raptadas”. Elas faziam uso do mesmo termo que se usa para falar das pessoas que foram raptadas efetivamente pelos exércitos, quer da Renamo, quer da Frelimo, que muitas vezes usava do mesmo expediente.
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ComCiência – Em que contexto surgiram os campos de reeducação?
Thomaz – O contexto é o da guerra de independência de 1964 a 1974. Em abril de 1974, a Revolução dos Cravos em Portugal acabou ditando uma certa disponibilidade dos portugueses para negociar com a Frelimo que, na prática, tinha também uma vitória militar, pois os movimentos de libertação africanos estavam ganhando as guerras em Moçambique, Guiné Bissau e Angola. A Frelimo já sinalizava a formação de um regime de natureza revolucionária, marxista-leninista, e mesmo sem clareza do que estava por vir, a maioria da população branca, criada na sociedade colonial fascista portuguesa – cerca de 200 mil pessoas, que moravam em Moçambique – não se mostrava disposta a viver uma revolução ou sob um regime de maioria negra, onde não pudessem manter privilégios. Nesse período, de muitos conflitos entre brancos e negros nas cidades, boa parte dessa população branca abandona o país rumo a Portugal. Alguns permaneceram, mas procuraram sabotar iniciativas do regime que se instalava. Outros eram apenas suspeitos de sabotagem. A esses, sendo portugueses, era aplicada uma punição: tinham 24 horas para abandonar o país e podiam levar 20 quilos de bagagem. Essa medida ficou conhecida como o 20-24 e aconteceu com uma certa freqüência nos anos posteriores aos acordos entre a Frelimo e Portugal e após a independência, em junho de 1975. Logo após o estabelecimento dos acordos entre Portugal e a Frelimo – em 7 de setembro de 1974 – ocorreu o início de uma série de expedientes de ordem administrativa que vão dar origem ao que posteriormente vão se chamar de campos.
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ComCiência - Que expedientes foram esses?
Thomaz – A primeira coisa foi eliminar o habeas corpus. Foi criado um regime de exceção, conferindo à Frelimo ou a órgãos ligados ao regime, poderes extraordinários no tratamento de pessoas acusadas de sabotadoras, ou que teriam um comportamento moral inadequado – mulheres suspeitas de prostituição, indivíduos alcoólatras, pessoas consideradas vadias ou ligadas ao tráfico. Essas pessoas foram enviadas para o que foi chamado de campos de reeducação, pois deveriam ser re-socializadas pelo trabalho. Deveriam trabalhar na roça, que se chamam machambas e, nesse processo, deveriam aprender os princípios do marxismo-leninismo e os da construção do homem novo. Para esses campos eram levadas também pessoas consideradas suspeitas ou que teriam conexão com o antigo regime colonial, colaboradores da polícia política portuguesa, ou régulos, que eram as autoridades tradicionais atreladas ao funcionamento do Estado colonial. Também eram levados indivíduos acusados de curandeirismo e feitiçaria e os Testemunhas de Jeová. Isso porque o novo regime pretendia superar não apenas o colonialismo, mas também o obscurantismo e o tribalismo. Portanto os régulos, os curandeiros e os feiticeiros seriam representantes do obscurantismo e do tribalismo que segundo uma análise das elites da Frelimo teriam promovido, em conjunto com os portugueses, o sistema colonial fascista que tinha perdurado em Moçambique por tanto tempo.
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ComCiência – A esse processo deu-se o nome de Operação Limpeza?
Thomaz - A Operação Limpeza foi implantada ainda em 1974. Já existiam os acordos entre o Estado português e a Frelimo, mas pouca clareza sobre o futuro do país, e muitos rumores. A população branca estava muito assustada, inclusive porque ocorreram dois dias de enfrentamento violento entre brancos e negros, em Lourenço Marques, atual Maputo, nos dias 7 de setembro e 21 de outubro. Foram dias muito difíceis. No 7 de setembro há um levante branco. A população branca se organiza e dá um golpe de Estado, tentando promover uma independência branca em Moçambique. Ela fracassa, mas nesse enfrentamento ocorreram muitas mortes, sobretudo de negros, porque as milícias brancas saíam matando nas ruas. E no dia 21 de outubro, em um enfrentamento no centro da cidade, militares portugueses matam um adolescente e provocam um outro levante da população branca com a morte de negros, mas dessa vez de brancos também. Esse processo fez com que aqueles que estavam dispostos a permanecer, resolvam sair do país com medo.
Nesse processo a Frente estabeleceu novas medidas, em acordo com as tropas portuguesas, a começar pela eliminação do habeas corpus. Iniciou-se então o que eles chamam de Operação Limpeza no centro da cidade de Lourenço Marques (atual Maputo). Isso ocorreu porque havia uma percepção, por parte de Samora Machel e de parte da Frelimo, de que uma cidade colonial como Lourenço Marques era forçosamente corrupta do ponto de vista de seus costumes, ou seja, uma cidade imoral, onde a mulher seria corrompida pela prostituição, e o homem africano, pelo álcool. Lutar contra o colonialismo significava também lutar contra esse tipo de comportamento. Na Beira a coisa foi assim também. Mulheres que usavam minissaia ou pintura nos olhos eram presas acusadas de prostituição, e levadas para algum desses campos. Em 12 de novembro de 1974, dia em que se desencadeia a Operação Limpeza, cerca de 142 mulheres foram enviadas para campos não se sabe onde. Elas simplesmente foram colocadas em caminhões e levadas embora. A prisão de mulheres suspeitas de prostituição foi recorrente em anos subseqüentes. E na Operação Produção também. Uma das senhoras que eu entrevistei, que foi vítima da Operação Produção, foi acusada de prostituição por ser mãe solteira.
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ComCiência - E quantos eram esses campos de reeducação?
Thomaz - Não se sabe ao certo o número desses campos, mas tenho algumas estimativas a partir da documentação encontrada em arquivos do Departamento do Estado Americano. Calculo que, no final da década de 70, havia entre 20 mil pessoas – sem contar os 10 mil Testemunhas de Jeová – que foram enviados para a reeducação. A Operação Produção afetou entre 50 e 100 mil pessoas só na cidade de Maputo. Em Inhambane e na cidade da Beira, a Operação Produção foi marcante também. Um grande número de pessoas foi levado da cidade para os campos, sem nenhuma notificação prévia, julgamento, ou apresentação de provas. A maioria dos campos se concentrava na região do Niassa , e o Estado da Frelimo usava o termo colonização para falar dessa operação. A idéia era tirar o excesso populacional da cidade e levar para regiões vazias, mas não foi só nessa região.
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ComCiência - Mas havia outro tipo de campo também, para prisioneiros políticos.
Thomaz - Sim. Outras pessoas foram enviadas a campos de prisioneiros políticos; aqueles indivíduos, claramente inimigos do regime, que no período em que já se sinalizava a independência cometeram o grande equívoco de se aliar aos portugueses. Há uma série de lideranças africanas que vão se destacar tentando construir uma opção à Frelimo, e que serão classificados como inimigos, tais como Joana Simão e Uria Simango, entre outros. Eles foram enviados para um campo de prisioneiros no Niassa, ao Norte de Moçambique e ali morreram.
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ComCiência - A Operação Produção tinha o objetivo de reeducar os delinqüentes, ociosos, mas tinha também uma função de gerar renda para o país?
Thomaz - A idéia era essa. Existia um expediente punitivo, mas havia uma idéia de fundo de produzir para as pessoas e para o país. No campo que eu trabalhei, por exemplo, eles produziam abóbora, feijão, vários gêneros alimentícios, só que não ganhavam. Era um trabalho escravo, e as pessoas viviam em condições inaceitáveis, muitos não agüentavam. Mas temos que perceber que isso tudo acontecia em meio a um caos que se instaurava no país. O primeiro ponto é a saída dos portugueses que foi bastante complicada porque eles controlavam o aparelho produtivo e burocrático do país. Eles controlavam as escolas e tudo mais. Um exemplo que eu sempre dou é que em 1974 havia 300 maquinistas em Moçambique e desses, somente um era negro. A saída dos profissionais brancos seja médico, burocrata, professor, maquinista, gerou um caos econômico no país, que precisava ser reorganizado.
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ComCiência - Sobre o seu trabalho com as famílias seqüestradas pela Operação Produção, como eles têm vivido depois do abandono dos campos?
Thomaz - No caso da região de Inhassune, eles têm as machambas, essas roças, e graças à Dona Ester, uma senhora que tinha muita experiência em comércio, anterior à Operação Produção, eles organizaram um mercado que se tornou um entreposto de produtos onde os camponeses vendem e encontram mercadorias importantes como óleo, sabão, açúcar, sal, e produtos para sua alimentação em geral. É uma vida bastante digna, não é uma vida miserável.
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ComCiência – E eles arrendam essas roças?
Thomaz - Até hoje a questão de terras é complicada, porque não existe propriedade privada em Moçambique. As machambas comunais não existem mais, foram abandonadas e essas pessoas que ficaram, fazem uso dessas terras abandonadas, reconstruíram suas vidas em torno disso, mas a terra pertence ao Estado. O que pertence às pessoas são as benfeitorias que forem feitas na terra, o que dá direito ao usufruto dessa terra. Para promover algum tipo de desapropriação de terras seria preciso contar com um mínimo de cumplicidade, de legitimidade por parte de algum setor da população. Não é qualquer um que vai tirar a população dali. No período logo após a independência, a Frelimo gozava de imensa legitimidade. Tinha ganhado uma guerra contra uma potência colonial européia, tinha apoio e simpatia da maioria da população moçambicana e do congresso nacional. Hoje em dia, a Frelimo e o governo não contam com o apoio da comunidade internacional, de quem dependem, que são os doadores, que prestam auxílio ao país, e nem têm apoio total da própria população.
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ComCiência - Quais são as reivindicações dessas pessoas que foram raptadas, levadas para os campos de produção?
Thomaz - As reivindicações não são claras. De forma geral, querem o reconhecimento do sofrimento pelo qual passaram. Existe a idéia de que “nós sofremos, foi um sofrimento injusto”, ou seja, “fui injustamente acusado de improdutivo, quando eu não era improdutivo, durante anos eu não tive vencimento” – salário – “e agora eu não tenho reconhecimento, nem um pedido de desculpas”. É muito interessante, conversando com eles, percebemos que não queriam dinheiro, uma indenização, a casa de volta. O que eles gostariam é que o atual presidente de Moçambique, Guebuza, fosse a Inhassune e pedisse perdão, pedisse desculpas pelo que aconteceu. Imagino eu que eles espram um reconhecimento público.
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ComCiência – Essas pessoas não falam em voltar para suas casas, para as cidades de onde vieram ou foram tiradas?
Thomaz - Não, eles consideram que houve uma ruptura. Afirmam claramente que há uma vida antes e uma depois da Operação Produção. Mais de uma vez falaram: “eu não recuperei a minha vida e não vou recuperar nunca”.
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ComCiência - Eles têm medo de sofrer esse tipo de agressão novamente?
Thomaz - Têm. Isso também repetem com freqüência, que não gostariam que isso ocorresse outra vez. O que indica que acreditam que existe essa possibilidade.
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ComCiência – Qual o papel dos intelectuais no processo de libertação de Moçambique e para dar visibilidade aos problemas do país? Essas histórias sobre os seqüestros, por exemplo, chegam ao grande público?
Thomaz – Sim, essas histórias são claras, mas não há uma história oficial do país. A Frelimo se nega a dar qualquer depoimento sobre a morte dos líderes políticos, mas não se tem um silêncio da parte do Estado. Algumas vezes eles fazem referência às lideranças. Mas todo mundo fala, a população comenta o tempo todo. E os intelectuais viveram esse período. No final da década de 80, o editor do principal jornal do país, Notícia, era o Mia Couto. Mas cuidado! Temos que entender que a Frelimo não é um bloco. Dentro do partido havia tendências, oposições, como hoje. Havia pessoas que olhavam a Operação Produção com verdadeiro horror. Há uma concentração de movimentos literários em Moçambique e essa intelectualidade nasce comprometida com a produção do país. Até hoje o compromisso deles – escritores, poetas, professores universitários – com o país é uma coisa extraordinária. Com maior ou menor encanto. Muitos sonharam que a revolução promoveria o fim da pobreza, e isso não aconteceu, o que gerou uma certa amargura. Mas se vê uma ligação muito forte dos intelectuais com toda a história do país.
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ComCiência - Você diria que Moçambique é um país democrático?
Thomaz – O país tem uma imprensa livre, muito mais livre que muitos outros países, comparável à África do Sul. Tem uma universidade livre também, onde é possível discutir praticamente todos os problemas com bastante liberdade, tem livre circulação, as pessoas podem sair e voltar. Tem eleições periódicas, que são mais ou menos honestas. O que não significa que não tenha conflitos, que não haja corrupção, crimes políticos. A questão é até onde chegam as instituições. A esmagadora maioria da população está no campo, não tem acesso a benfeitorias como água, luz. Para essas pessoas a palavra democracia não faz o menor sentido.
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ComCiência – Essa é uma história da África que deveria constar do ensino que se propõe para o Brasil?
Thomaz - O ensino da história da África é obrigatório hoje no Brasil, em diferentes níveis de ensino o que exige um esforço historiográfico sério, o que implica incorporar o trabalho de autores africanos e africanistas que estão trabalhando seriamente para recuperar uma história recente. Acho que temos que tomar cuidado no sentido de tratar apenas de uma África mitológica. Podemos tratar disso também, e é legítimo que os movimentos negros reivindiquem uma África mitológica. Mas, existe uma lei que tem que ser levada a sério e isso quer dizer não tentar fazer uma história de mocinho e bandido. A história da África é complicada, como de qualquer outro contexto. E não tem uma história da África, são histórias da África, são histórias nacionais e também regionais.
Por Simone Pallone In Com Ciência - SBPC/Labjor - Aqui !