Março 18, 2005
Paulinho, o homem dos 7 ofícios.
Quando o conheci, em 1995, o Paulinho era o chefe da cozinha em Pemba. Pequenote, cerca de metro e meio, era o melhor cozinheiro que lá tínhamos. Treinado pelos italianos, ele sabia fazer pizzas, esparguete à bolonhesa, enfim um sem número de iguarias para nosso deleite uma vez ou outra. O que mais destoava nele era a troca dos "bês" por "pês" e então, de vez em quando, lá saía um "patatas" em vez de "batatas" quando perguntávamos o que era o petisco.
Macua do Chiúre, o Paulinho, assim chamado por ser baixote e um tipo engraçado para evitar confusões com o Paolo, para além de chefe da cozinha era igualmente pastor e carpinteiro nas horas vagas. E um bom samaritano. Conseguiu arranjar emprego para o sobrinho como ajudante da cozinha e mainato. O puto sorria bué mas não percebia nada do que lhe dizíamos. Ficava a olhar. O nosso Paulinho lá foi andando, chegou até a fazer umas cadeiras para a empresa, até que um dia foi chamado para uma missão que alteraria por completo o seu futuro: tornar-se o cozinheiro e mainato particular do grande chefe em Maputo. Assim foi. O Paulinho meteu-se a caminho todo satisfeito pois nunca tinha ido tão longe na vida dele. Colocámos no seu lugar o Mário Naiona (fica para outra história) que também viria a sair de Pemba para se tornar no meu cozinheiro e mainato particular em Quelimane.
Em Maputo, o Paulinho começou bem. Desempenho exemplar, era o "dono" da vivenda na Avenida do Zimbabwe. Já sonhava em construir casa, a igreja começou a ficar cada vez mais para trás e Paulinho, muito mais atrevidote que no Alto Gingone, começou a meter-se com as maputenses. Ganhava muito mais do que em Pemba, já pensava estar bem na vida. Casa, cama, comida, roupa lavada e muito dinheiro no bolso foram bastantes para que o Paulinho se transformasse. Cheguei a vê-lo algumas vezes em Maputo, quando ficava lá em casa. Até que um dia já não o encontrei. Tinha sido despedido por ter entrado em determinado tipo de "esquemas" por causa das rabudas de capolana que viam no Paulinho o homem das suas vidas.
Com pena, o Paulinho lá acabou por ser admitido na empresa pois já não queria voltar para Pemba, decidira ficar em Maputo e estava a passar mal. Tornou-se rapidamente querido de todos. Sem falhar, sempre à mesma hora diariamente, o Paulinho percorria os corredores com a bandeja ao alto com os cafés e chás do pessoal. E ele era um bom fazedor de cafés e chás. À medida dos gostos de cada um. Muito cedo, fazia a limpeza dos escritórios e, depois da distribuição dos cafés e chás, ainda lhe sobrava muito tempo. Foi então que um dia decidiu tornar-se jornalista, no jornalista da empresa.
Com a ajuda da telefonista, conseguiu começar a escrever à máquina. O que lhe foram ensinar... Todos os dias o Paulinho começou a brindar-nos com as suas crónicas hilariantes, as quais retratavam os seus sentimentos, cartas de amor cuja ousadia jamais lhe imaginávamos, a sua visão da empresa e episódios do seu dia-a-dia que relatava de forma ímpar. Era a viagem de chapa até ao escritório, das conversas dos passageiros, de alguém que tinha comido feijão na véspera, da chuva, dos vizinhos, enfim um ror de histórias para grande admiração de todos nós.
Como em tudo na vida, há os bons e há os maus. Mas é minha profunda convicção que para além destes ainda há outros: os filhos-da-puta! Aqueles que se deleitam em dar cabo da vida dos demais. E foi assim que o Paulinho deixou de escrever, com as mudanças que entretanto se operaram no nosso quotidiano colectivo com a chegada do obtusus irrecuperabilis. O Paulinho era modesto e safava-se como podia, incluindo com a nossa ajuda. Um belo dia, descobrimos que por ordem superior o pessoal teria que chegar como quisesse ao escritório e que o Paulinho tinha que fazer mais de 2 horas a pé em cada sentido todos os dias. Isto porque o que ele ganhava era insuficiente para cobrir as despesas com os chapas e manter uma sobrevivência mínima. Insurgimo-nos contra isto e o obtusus irrecuperabilis, das pessoas que mais me envergonharam e meteram nojo por ter sido português e educado em Portugal até determinada altura da vida dele, respondeu que nada podia fazer pois não se podia suportar os custos de transporte (míseros tostões!)... Passámos nós a contribuir para que o Paulinho não viesse a pé, através de boleias (a casa em que ele vivia era confrangedora) ou dinheiro para os chapas.
Do Paulinho, não mais vieram as crónicas, nem os petiscos italianos, nem os bancos e muito menos as tentativas de conversão religiosa. Tão-só passou ao estatuto de pobre coitado.
E não é que o obtusus irrecuperabilis dizia que era comunista?!
Yono.
Miguel S.
Miguel S.
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