2/21/06
Quase sem palavras...ou imagens de uma viagem !
Arranjo em estrofes, do capítulo inicial de Iracema - de José de Alencar (escritor do Ceará), por Soares Feitosa:
Verdes mares bravios de minha terra natal,
onde canta a jandaia
nas frondes da carnaúba;
verdes mares, que brilhais
como líquida esmeralda
aos raios do sol nascente, perlongando as alvas praias
ensombradas de coqueiros.
Serenai, verdes mares e alisai
docemente a vaga impetuosa,
para que o barco do aventureiro manso
resvale à flor das águas.
Onde vai a afouta jangada,
que deixa rápida
a costa cearense, aberta
ao fresco terral a grande vela?
.................. ........... ..... ...
Além,
muito além
daquela serra que ainda azula
no horizonte, nasceu Iracema.
Iracema,
a virgem
dos lábios de mel,
que tinha os cabelos
mais negros
que a asa da graúna
e mais longos
que seu talhe de palmeira.
O favo do jati não era
doce como seu sorriso;
nem a baunilha recendia
no bosque como seu hálito
perfumado.
Mais rápida que a ema
selvagem, a morena virgem
corria o sertão e as matas
do Ipu, onde
campeava sua guerreira tribo,
da grande nação tabajara.
O pé, grácil e nu,
mal roçando,
alisava
apenas a verde pelúcia
que vestia terra com as primeiras águas.
Um dia, ao pino o sol,
ela repousava em um claro
da floresta.
Banhava-lhe
o corpo a sombra da oiticica,
mais fresca do que o orvalho da noite.
Os ramos da acácia silvestre
esparziam flores sobre
os úmidos cabelos.
Escondidos na folhagem
os pássaros
ameigavam o canto.
Iracema saiu do banho; o aljôfar
d'água ainda a rorejava,
como à doce mangaba que corou
em manhã de chuva.
Enquanto repousa,
empluma das penas do gará as flechas
de seu arco e concerta
com o sabiá
da mata
pousado no galho próximo,
o canto agreste.
A graciosa ará, sua companheira
e amiga, brinca
junto dela.
Às vezes sobe aos ramos
da árvore e de lá chama
a virgem
pelo nome;
outras, remexe o uru
de palha matizada,
onde traz a selvagem seus perfumes;
os alvos fios de crautá,
as agulhas de juçara com que tece
a renda,
e as tintas
de que matiza o algodão.
Rumor suspeito
quebra
a doce harmonia
da sesta.
Ergue a virgem os olhos,
que o sol não deslumbra;
sua vista perturba-se.
Diante dela
e todo
a contemplá-la,
está
um guerreiro estranho,
se é guerreiro e não
algum mau espírito
da floresta.
Tem nas faces o branco
das areias que bordam o mar,
nos olhos
o azul triste das águas
profundas.
Ignotas armas
e ignotos tecidos cobrem-lhe
o corpo.
Foi rápido, como o olhar,
o gesto
de Iracema.
A flecha
embebida no arco
partiu.
Gostas de sangue borbulham
na face
do desconhecido.
De primeiro ímpeto,
a mão lesta caiu
sobre
a cruz da espada.
O moço guerreiro aprendeu
na religião de sua mãe, onde
a mulher
é símbolo
de ternura e amor.
Sofreu mais
d'alma do que da ferida.
O sentimento que ele pôs
nos olhos e no rosto
não o sei eu.
Porém a virgem lançou
de si o arco e auiruçaba, e correu
para o guerreiro, sentida
da mágoa que causara.
A mão que rápida ferira,
estancou mais rápida
e compassiva
o sangue que gotejava.
Depois Iracema quebrou a flecha homicida;
deu a haste ao desconhecido,
guardando consigo
a ponta farpada.
O guerreiro falou:
— Quebras comigo a flecha da paz
— Quem te ensinou, guerreiro branco,
a linguagem de meus irmãos?
Donde a estas matas,
que nunca viram
outro guerreiro como tu?
— Venho de bem longe,
filha das florestas.
Venho das terras
que teus irmãos já possuíram,
e hoje têm os meus.
— Bem vindo seja o estrangeiro
aos campos dos tabajaras,
senhores das aldeias, e à cabana
de Araquém,
pai de Iracema.
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