Transcrevo integralmente:
A e-publicação deste texto acontece como uma comemoração, a de o ter encontrado. Dera-o como perdido, de vez, quando, há dois anos, o disco do meu computador foi ao ar. Felizmente, sou desorganizada e, na busca de um certificado, vi-me obrigada a abrir oito ‘dossiers’ que jazem no cimo da estante. Amanhã sai a segunda 'relíquia' – viva o tempo em que imprimia tudo o que escrevia!
Dificilmente, esquecerei estas férias grandes. As primeiras passadas sem o meu pai, que há menos de um mês se tinha separado da minha mãe. Talvez por isso tenhamos sido nós a ir ter com a minha avó materna*, professora de Desenho no norte de Moçambique. Tenho doze anos, acabei de passar para o segundo ciclo do liceu e ando triste. Deus, ao contrário do que até aí julgara possível, tinha-me abandonado e eu, sem o saber teorizar ainda, pagara-lhe na mesma moeda. Apenas o basquetebol me enchia os dias. Lembro-me que foi ainda no velho e frágil 'Dakota' que aterrámos em Porto Amélia, capital de Cabo Delgado, o distrito onde a guerra colonial mais se fazia sentir. Não andava de avião desde que, no final de 1963, tínhamos deixado Nampula, onde pela primeira vez ouvi a palavra ‘terrorismo’. Agora, ela surgia como parte integrante das conversas do quotidiano da 'raça eleita' da cidade, onde a maior parte das raparigas namorava militares vindos da Metrópole, ali aquartelados. Fiz amigos entre esta tribo, que me era inédita, e com eles me estreei nos bailes das verbenas vicentinas, de que a minha avó era uma entusiasta organizadora. “A kind of hush” ou “Sugar Sugar”, que os “The Boys” (vencedores do último concurso de bandas yé-yé da colónia do Índico, a cuja final assistira no Pavilhão do Sporting de LM) não se cansavam de interpretar, são canções que, ainda hoje, me transportam a este ano mítico para os terráqueos. Que o Homem andava a ensaiar o primeiro passeio lunar, não era novidade. Diziam-no os jornais, chegados ao fim da tarde de Lourenço Marques, e os noticiários da rádio local. Mas, naquele dia de fim de Julho, quando, após um prolongado mergulho na magnífica Baía de Pemba, uma das maiores do Mundo, decidimos ir apanhar frangos vadios para o jantar – a quem o namorado da mais nova das minhas tias se encarregou de partir o pescoço, não sem antes lhes lavar a cara no tanque do jardim –, a única preocupação era sair-me com êxito na tarefa para a qual eu e a minha irmã havíamos sido incumbidas: conseguir, com a ajuda de uma faca de cozinha, tirar a casca ao molhe de ramos que, para o efeito, arrancáramos dos pequenos arbustos das redondezas, de forma a que nada viesse a obstar ao acender rápido de uma improvisada fogueira. Julho, para as bandas do Trópico de Capricórnio, é mês da estação seca e fria, motivo porque a noite cai apressada e sem pedir licença, sob a cabeça dos mortais. Surpreendi-me, por isso, quando, de um momento para o outro, o volume dos rádios da vizinhança se elevou vários decibéis, para ouvir a voz longínqua de um 'bife' (cujo sotaque em nada se parecia com o dos locutores da ‘Estação B’) dizer, com tradução quase simultânea, “Um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a Humanidade”. Só segundos depois me apercebi de que, afinal, o inglês era americano, um tal Neil Armstrong. Sentada, no meio do passeio, pousei entre as pernas os ramos e a faca e olhei para a lua cheia no céu africano. Tinha começado outra era.
16 de Julho de 1999
* Na primeira foto deste ‘post’, poderão ver a casa de Pemba em que, então, fiquei (ler a nota em letra miúda ‘do’ Jaime).
Tantos anos depois, como o ano passado escrevi no ‘chuinga.i’, não penso que se deva parar de sonhar, nem ao nível do parafuso tecnológico, mas que gostava de estar viva no quarto crescente em que o Homem se puder vangloriar de ter 'mandado' a fome para a lua, gostava!
editado por IO às 02:01 - "Chuinga.d"
editado por IO às 02:01 - "Chuinga.d"
Ah ah ah, adorei a imagem, que já roubei. Um beijo, Jaime!, IO.
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