11/13/09

MWEDA


(Gravura fictícia formada por imagens livres recolhidas na net)

O dia estava de inverno, claro, frio e com um grande céu azul e luminoso. Mweda e Dimike, duas belas raparigas vamwanga, desciam alegres as encostas do lado sul do planalto dos makondes, falando do triste fim do Nangonga, um jovem caçador da linhagem milandje, que morrera há dias atrás na floresta de kundonde vitima de ataque de abelhas quando tentava retirar mel de uma colmeia. As raparigas caminhavam cuidadosamente, uma atrás da outra, seguindo um caminho íngreme e serpenteante que descia a encosta abaixo até a um conjunto de arbustos rodeados de um imenso tapete de verdura fresca, onde desde os tempos imemoráveis as mulheres vamwanga colhiam os saborosos ingumbuli e muaka para o consumo.

Ingumbuli e muaka eram verduras apreciadas pelos makondes antigos e eram muito abundantes na zona baixa do lado sul do planalto makonde, mercê às condições climáticas associadas à humidade oferecida pela natureza naquele recanto do planalto. Estas verduras eram cozidas, temperadas com o pó de amêndoa de frutos silvestre e salgadas com maka e, normalmente, eram acompanhadas com ugwali de farinha de mapira ou mexoeira produzida no planalto pelos aldeões.

Entretanto, as raparigas chegaram junto aos arbustos, embrenharam-se pela pequena mata à dentro e onde se achava muito ingumbuli e muaka pousaram no chão vitumba que cada uma trazia nas costas amarrada com capulana, como se de bebé se tratasse, e que pretendiam enche-las de água do rio Chudi ao regresso. Dimike afastou-se para um lado e Mweda para o outro, não muito distante uma da outra.

A mata estava silenciosa. Aqui e acolá à uma distância razoavelmente distante, ouvia-se aves a piarem nos ramos e no céu azulado andorinhas e outras aves batiam as asas livres e desinteressadas.

As raparigas começaram a colher as verduras em silêncio guardando, punhado por punhado, nas capulanas que haviam servido para amarrar vitumba nas costas. Passado algum momento, Mweda aproximou-se a uma pequena porção de terra, curiosamente, muito húmida. Afastou cuidadosamente a vegetação que crescia em volta e de súbito, uma pequena porção de água borbulhou rapidamente. Mweda assustou-se. Olhou desconfiada a água que brotava da terra e de seguida, gritou:

- Dimike, Dimike... venha ver este incrível milagre!

Dimike assustou-se. Deixou no chão a verdura que colhera e rapidamente precipitou-se para junto da Mweda que não parava de admirar o fenómeno que se manifestava.

- O que foi? – Quis saber Dimike assim que se encontrou junto da amiga.
- Olha para esta nascente! – Mweda sorriu olhando a interlocutora com orgulho próprio. – Não é incrível avistar esta maravilha nestas bandas desprovidas de água?
É... – Concordou Dimike ajoelhando-se maravilhada junto da nascente que ainda borbulhava sem parar.
- Vamos cavar. – Sugeriu Mweda colocando-se de côcora.
- Vamos, vamos.

As raparigas limparam em volta da nascente, cavaram um pequeno buraco que rapidamente foi coberto de água e no fim, encheram vitumba de água limpa e cristalina e de seguida, sairam dali para casa felizes e anciosas de dar a conhecer a toda gente da povoação a boa nova.

Quando chegaram a povoação, o sol estava ao meio do céu. A aldeia estava quase deserta e muitos dos seus aldeões haviam ido às machambas deixando no terreiro da povoação apenas uma dezena de escultores, ferreiros e outros artesãos atarefados nos seus afazeres e embalados numa boa e animadora conversa. Pelas ruelas da povoação pequenos grupos de crianças nuas, na sua maioria, e razoavelmente nutridas brincavam alegres dando vida a pacata povoação dos vamwanga de Kaudje. Pouco tempo depois, Dimike e Mweda chegaram a casa da vovó Nkanama, onde a última vivia, e sem perder o tempo as raparigas contaram tudo o que haviam presenciado na baixa sul do planalto.

No entanto, a noticia não tardou a espalhar-se pela povoação inteira de tal modo que, até ao entardecer daquele magnífico dia a notícia chegou a outras povoações vizinhas. Nisto, na manhã do dia seguinte, muito cedo, o nkulungwa Kaudje mandou homens da povoação para junto com as raparigas irem certificar-se da veracidade dos factos que no dia anterior haviam alimentado, de certa forma, as conversas dos aldeões. Ao chegarem no local indicado, os homens constataram o que as raparigas haviam narrado e maravilhados cavaram em volta da nascente por forma que a água formasse uma lagoa considerável, onde permitisse os aldeões desfrutarem da água sem complicações. Quando terminaram, alguns homens tomaram banho, encheram as cabaças de água e regressaram a povoação, onde perante o conselho dos anciãos confirmaram o que as raparigas haviam narrado. Por unanimidade, o conselho decidiu baptizar a fonte pelo nome de Mweda e os aldeões passaram a desfrutar da sua água limpa, pura e cristalina.

Contudo, como antigamente, entre os makondes, quem descobrisse algo extraordinário morria por forças estranhas, Mweda, como não podia deixar de ser, morreu dias depois! Todavia, o seu nome ficou marcado na memória do seu povo, quem em 1913, aquando do conhecimento e aproximação dos portugueses com os makondes, soube influenciar o colonizador de forma astuta a chamar o planalto dos makondes de Mueda, em memória à Mweda que em tempos muito distantes descobrira a nascente de água limpa, pura e cristalina nas encostas do lado sul do planalto.
- Allman Ndyoko, Moçambique, 13/02/2008

Glossário
VamwangaLinhagem de Mwanga que também era conhecido por régulo de todos makondes da sua linhagem.
Milandje – Alguém da linhagem milandje.
Kundonde Nas baixas do planalto.
Ingumbuli Verdura comestível, espécie espinafre.
Muaka Verdura também comestível quase com características de cacana muito abundante na região sul de Moçambique.
Vitumba Plural de cabaça em makonde, recipientes usados pelos makondes antigos e contem porâneos para conservar e transportas água.
Nkulungwa Ancião que automaticamente era régulo na denominação portuguesa.
MakaCinzas de espiga de milho antigamente usado pelos makondes para salgar os alimentos.
Ugwali Xima ou massa de farinha.


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