(Gravura fictícia formada por imagens livres recolhidas na net)
Ingumbuli e muaka eram verduras apreciadas pelos makondes antigos e eram muito abundantes na zona baixa do lado sul do planalto makonde, mercê às condições climáticas associadas à humidade oferecida pela natureza naquele recanto do planalto. Estas verduras eram cozidas, temperadas com o pó de amêndoa de frutos silvestre e salgadas com maka e, normalmente, eram acompanhadas com ugwali de farinha de mapira ou mexoeira produzida no planalto pelos aldeões.
Entretanto, as raparigas chegaram junto aos arbustos, embrenharam-se pela pequena mata à dentro e onde se achava muito ingumbuli e muaka pousaram no chão vitumba que cada uma trazia nas costas amarrada com capulana, como se de bebé se tratasse, e que pretendiam enche-las de água do rio Chudi ao regresso. Dimike afastou-se para um lado e Mweda para o outro, não muito distante uma da outra.
A mata estava silenciosa. Aqui e acolá à uma distância razoavelmente distante, ouvia-se aves a piarem nos ramos e no céu azulado andorinhas e outras aves batiam as asas livres e desinteressadas.
As raparigas começaram a colher as verduras em silêncio guardando, punhado por punhado, nas capulanas que haviam servido para amarrar vitumba nas costas. Passado algum momento, Mweda aproximou-se a uma pequena porção de terra, curiosamente, muito húmida. Afastou cuidadosamente a vegetação que crescia em volta e de súbito, uma pequena porção de água borbulhou rapidamente. Mweda assustou-se. Olhou desconfiada a água que brotava da terra e de seguida, gritou:
- Dimike, Dimike... venha ver este incrível milagre!
Dimike assustou-se. Deixou no chão a verdura que colhera e rapidamente precipitou-se para junto da Mweda que não parava de admirar o fenómeno que se manifestava.
- O que foi? – Quis saber Dimike assim que se encontrou junto da amiga.
- Olha para esta nascente! – Mweda sorriu olhando a interlocutora com orgulho próprio. – Não é incrível avistar esta maravilha nestas bandas desprovidas de água?
É... – Concordou Dimike ajoelhando-se maravilhada junto da nascente que ainda borbulhava sem parar.
- Vamos cavar. – Sugeriu Mweda colocando-se de côcora.
- Vamos, vamos.
As raparigas limparam em volta da nascente, cavaram um pequeno buraco que rapidamente foi coberto de água e no fim, encheram vitumba de água limpa e cristalina e de seguida, sairam dali para casa felizes e anciosas de dar a conhecer a toda gente da povoação a boa nova.
Quando chegaram a povoação, o sol estava ao meio do céu. A aldeia estava quase deserta e muitos dos seus aldeões haviam ido às machambas deixando no terreiro da povoação apenas uma dezena de escultores, ferreiros e outros artesãos atarefados nos seus afazeres e embalados numa boa e animadora conversa. Pelas ruelas da povoação pequenos grupos de crianças nuas, na sua maioria, e razoavelmente nutridas brincavam alegres dando vida a pacata povoação dos vamwanga de Kaudje. Pouco tempo depois, Dimike e Mweda chegaram a casa da vovó Nkanama, onde a última vivia, e sem perder o tempo as raparigas contaram tudo o que haviam presenciado na baixa sul do planalto.
No entanto, a noticia não tardou a espalhar-se pela povoação inteira de tal modo que, até ao entardecer daquele magnífico dia a notícia chegou a outras povoações vizinhas. Nisto, na manhã do dia seguinte, muito cedo, o nkulungwa Kaudje mandou homens da povoação para junto com as raparigas irem certificar-se da veracidade dos factos que no dia anterior haviam alimentado, de certa forma, as conversas dos aldeões. Ao chegarem no local indicado, os homens constataram o que as raparigas haviam narrado e maravilhados cavaram em volta da nascente por forma que a água formasse uma lagoa considerável, onde permitisse os aldeões desfrutarem da água sem complicações. Quando terminaram, alguns homens tomaram banho, encheram as cabaças de água e regressaram a povoação, onde perante o conselho dos anciãos confirmaram o que as raparigas haviam narrado. Por unanimidade, o conselho decidiu baptizar a fonte pelo nome de Mweda e os aldeões passaram a desfrutar da sua água limpa, pura e cristalina.
Contudo, como antigamente, entre os makondes, quem descobrisse algo extraordinário morria por forças estranhas, Mweda, como não podia deixar de ser, morreu dias depois! Todavia, o seu nome ficou marcado na memória do seu povo, quem em 1913, aquando do conhecimento e aproximação dos portugueses com os makondes, soube influenciar o colonizador de forma astuta a chamar o planalto dos makondes de Mueda, em memória à Mweda que em tempos muito distantes descobrira a nascente de água limpa, pura e cristalina nas encostas do lado sul do planalto.
Glossário
Vamwanga – Linhagem de Mwanga que também era conhecido por régulo de todos makondes da sua linhagem.
Milandje – Alguém da linhagem milandje.
Kundonde – Nas baixas do planalto.
Ingumbuli – Verdura comestível, espécie espinafre.
Muaka – Verdura também comestível quase com características de cacana muito abundante na região sul de Moçambique.
Vitumba – Plural de cabaça em makonde, recipientes usados pelos makondes antigos e contem porâneos para conservar e transportas água.
Nkulungwa – Ancião que automaticamente era régulo na denominação portuguesa.
Maka – Cinzas de espiga de milho antigamente usado pelos makondes para salgar os alimentos.
Mais um belo conto!
ResponderEliminarParabéns.