Falar sobre os Bombeiros da Régua
não é difícil para as gentes da Régua. Ao longo da vida e do tempo acompanham-nos
em um quotidiano repleto de episódios reveladores de abnegação, doação ao
semelhante, generosidade desinteressada, modelos de coragem, sacrifício e por
aí adiante. Difícil é para quem como eu, nado e criado até aos 9 anos de idade
na sempre estimada Peso da Régua e posteriormente emigrou por força do destino
e das circunstâncias para lugares distantes que juntam África, Europa e América
do Sul, detalhar o caminho grandioso e beneficente para com o povo vareiro, traçado
por essa Instituição já centenária em período no qual, sem abandonar
espiritualmente as raízes, só vivenciei fatos da Régua por notícias, por cartas
e testemunho de meu saudoso Pai,
Jaime Ferraz Rodrigues Gabão quando vivo, também por estadias curtas no berço
pátrio para colmatar saudades ou ainda por relatos de Amigos.
No entanto, apesar dessa ‘ausência’,
dois acontecimentos marcam nitidamente a minha memoria. Um é o ‘grito’ angustiado
da sirene instalada no característico ‘quartel antigo’ dos bombeiros, que ecoava
tristemente por toda a Régua na minha meninice feliz, chamando os soldados da
paz, ‘grito’ quase desesperado, representativo do acontecer de algum drama em
algum lugar, como tantos que o Amigo
Dr.
José Alfredo Almeida vem descrevendo no
“Escritos do Douro” e vou absorvendo-editando aqui pelos trópicos como
se na Régua estivesse fisicamente, fruindo deste ‘milagre’ da comunicação e da
informação que é a internet e que tanto nos aproxima. De tal forma ficava
apavorado e trémulo em minha ingénua meninice, que buscava aconchego nos braços
de minha Querida Mãe Nair ao ouvir essa sirene aflitiva, assim ela me contava...
E o segundo, refere o dramático e tantas vezes evocado incêndio da
Casa Viúva Lopes, já assim descrito por
mim:
“Na dramática noite do dia 8 de
Agosto de 1953 eu estava lá, em frente à estação da Régua, junto ao muro que dá
para o rio Douro, a assistir ao dantesco espetáculo. Com seis anos de idade na
época, acompanhava meu Pai Jaime Ferraz Rodrigues Gabão. Nunca saiu de minha
memória a beleza assustadora e dramática das chamas envolvendo o edifício
enorme da Casa Viúva Lopes. Foi experiência que marca minhas lembranças com
nitidez impressionante até aos dias de hoje!”. Dessa data e desse
espetáculo belo, dantesco e triste emoldurado pelas sombras de uma noite de
verão há 58 anos passados, resultou a morte do Bombeiro
João Gomes Figueiredo, também conhecido por
João dos Óculos e que o
mestre da escrita do Douro,
João de Araújo Correia, homenageou em
“HISTÓRIA
DE UM SONETO” que pode ser lido aqui (
Escritos do Douro).
Em outras paragens, os Bombeiros são-no
por profissão. Auferem salário e a isso se dedicam inteiramente. Na Régua não,
contava-me meu Pai, ainda em Porto Amélia-Moçambique, enquanto redigia as suas
‘Cartas de Longe’ para o
‘Notícias do Douro’ publicadas nos anos
60/70 ou à mesa de nossa casa africana, em refeições com sabor a Douro e Trás-os-Montes,
elaboradas pela mão atinada de minha Querida Mãe e compartilhadas por reguenses
como meu estimado Irmão Júlio Gabão, o Guedes tipógrafo, o marinheiro de
fragata Zagalo, o Major Leite Pereira, ou mais destacados nas letras como o
alferes
Manuel Coutinho Nogueira Borges, o tenente médico Dr.
Camilo de Araújo Correia (filho de
João de Araújo Correia, escritores já falecidos). Todos eles,
pela guerra colonial de então ou em busca de uma vida melhor, iam parar em
terras de Cabo Delgado e em nossa sala de visitas sempre hospitaleira e de portas
franqueadas, amenizando saudades em longas conversas dulcificadas e entremeadas
por saborosos cálices de Porto e acepipes culinários, nas tardes domingueiras ensolaradas
ou anoiteceres quentes de cacimbo africanas.
Pois e como dizia acima, na Régua
os bombeiros são-no por amadorismo e doação desinteressada. Uns trabalham no
campo, outros são empregados de balcão, outros sapateiros, comerciantes e assim
para diante. E, sem proveito material adicional, nas horas vagas ou, quando
avocados pela tal sirene, são Bombeiros da Régua e de todos que precisam de
socorro e ajuda. Como ininterruptamente aconteceu afinal, quando no antigo e
hoje abandonado cinema sentíamos a segurança tranquila da sua presença física
durante as projeções, quando as velhas bancadas de madeira do campo de futebol
do Peso, nos anos 50, desmoronaram (e eu junto) repletas de adeptos do SC da
Régua, quando de plantão para qualquer eventual acidente em corridas de motos
realizadas na beira-rio (organizadas também pelo SC da Régua de que meu Pai era
diretor), quando o autocarro com estudantes se despenhou da ponte, quando as
ainda existentes casas construídas à moda antiga em esqueleto de madeira se
incendeiam, quando os pinhais e montes são desgastados pelo fogo do estio, quando
alguém submerge no rio Douro ou quando o mesmo rio Douro, corre farto lá de
Espanha e estende com indiferença fria suas águas, transformando em leito as
ruas e caminhos da Régua, quando algum automóvel se acidenta nas encostas do
Marão, quando alguma pessoa adoece e precisa de uma ambulância que o leve à
saúde num hospital do Porto ou mais distante até, quando acompanham à última
morada pessoa querida, quando e ainda hoje (assim lemos na internet) acodem um
barco de turismo avariado, repleto de viajantes admiradores das belezas do
recanto fluvial duriense..., tudo e
sempre num comportamento de grandeza e generosidade, sem diferenças sociais, que
sobrevém ao longo de nossas vidas desde que, em
“1842, a Câmara Municipal do Peso da Régua resolveu enviar um
representante à Câmara dos Deputados a solicitar a concessão de uma bomba, para
que na vila se pudesse acudir aos incêndios que por cá deflagrassem” e,
mais tarde, quando em
“28 de Novembro de
1880, nascia a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários do Peso da
Régua ou Real Associação Humanitária, comandada por Manuel Maria de Magalhães”...
E tivesse eu a sabedoria atilada
e conhecimento de meu querido, saudoso Pai e de Amigos que pela Régua e
arredores pelejam e escrevem, permaneceria horas a fio ‘falando’ sobre os
Bombeiros da Régua, contando a ode de seres anônimos, de parentes, de heróis em
feitos exemplares, já fenecidos como seres físicos, mas não esquecidos como entes
imortais participantes da minha vida, de muitas vidas, da História da Régua e
de um dos seus maiores patrimônios, num hoje ininterrupto, estruturado e
continuado na pujança de
jovens Bombeiros sempre Voluntários.
Portanto, repetirei e para
terminar este meu ‘desabafo’ provocado pelo Amigo José Alfredo Almeida, que é para
eles e por tudo que representam minha inabalável admiração!
30 de Julho de 2011
Texto e edição de Jaime Luis Gabão. Colaboração de imagens do Dr. José Alfredo Almeida para o blogue "Escritos do Douro" em Agosto de 2011. Clique nas imagens acima para ampliar.
Falar sobre os Bombeiros da Régua
Jornal "O Arrais", Quinta feira, 11 de Agosto de 2011
(Click com o "rato/mouse" para ampliar e ler)
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