4/17/05

Retrato de Maputo


Posted by Hello
...ou de alguns !

(Foto extraída do "Tributo à Cidade de Maputo" )

REGRESSO A MAPUTO e ÁFRICA DO SUL ou uma carta que chegou na Páscoa...

Pois é meus querido amiguinhos, regressei das terras de África, porque além de Durban, Benoni Sandton, Bruma, também dei um pulinho a Lourenço Marques (na realidade já é história, porque aquilo é mesmo Maputo).
Este último não estava previsto, mas houve um convite irrecusável duma amiga de infância, e passei lá 6 dias, que recordei com muito entusiasmo,fotografei e filmei.

O que lá deixamos no momento da "partida" encontra-se totalmente abandonado, ou seja, quase irreconhecível pelo seu mau estado. Mas, paradoxalmente, as construções mais recentes, são UM LUXO.

A maior parte das estradas da cidade são transitáveis só para jeep.

Lixeiras abertas em plenas ruas, porque, segundo me responderam, se colocarem contentores, são logo roubados...
Todas as casas têm segurança privada sentada no passeio em cadeiras de plástico (daquelas que usamos para o quintal).

Os esgotos vão dar diretamente às praias, e portanto vêm-se dentro de água residuos de restos alimentares que já passaram pelo tracto intestinal...

Não podia faltar ter passado pela Costa do Sol (cheia de gente, com predominância indiana, onde se saboreiam ainda deliciosos camarões e encontrei o Rui Quadros), Desportivo (não entramos, hoje chama-se Clube de Desporto), Zambi (em frente as muralhas destruídas talvez pelas ondas do mar), PiriPiri (fomos aconselhados a não ir lá comer porque por vezes servem frangos requentados), Parque José Cabral abandonado. O Caracol tem imensas vivendas de luxo. Lembram-se do Dragão d'Ouro? Pois é, no “longer exists”, no seu lugar foi construído um espetacular hotel Holiday Inn, (onde fiquei alojada).O Polana agora foi comprado pela Fundação Agha Khan.... Não hajam dúvidas que eles dominam o comércio todo. Também os Indianos estão a construir um Shopping Center para os lados da antiga Fazenda, que deverá ficar aproximadamente do tamanho do Centro Comercial Colombo.

A Terra em si continua fabulosa, apenas mal cuidada.

Neste momento, não me via a viver lá, muito embora haja muito, mas mesmo muito dinheiro a circular, com contraste de gente muito faminta.

A África do Sul é igualmente local onde não me estou a ver viver.

Vivendas espantosas de luxo, carros “top-de-gama” e autenticas bombas de estrada ( BM, Mercedes, Jaguar, Jeep etc.), centenas de cassinos, ótimas redes rodoviárias, mas...vivem todos com grades e cadeados, condomínios fechados com segurança máxima,...mesmo assim continua a haver assaltos e crimes gratuitos, ou seja, matam até depois de roubar. Pessoal que gosta de fazer jogging, só corre a três e, quando eventualmente aparece um singular vem sempre acompanhado do seu pastor alemão. Resumindo, na minha óptica, são prisioneiros das suas luxuosas vivendas, ou então vivem enfiados em Centros Comerciais (também com alta segurança) ou em Cassinos (nunca vi tanta gente viciada em jogo) que funcionam todos, 24 horas por dia. Jamais fecham.

Passear descontraídamente como nós fazemos, na baixa, no paredão da praia, ir ao café com toda a despreocupação, etc., etc., só mesmo cá em Portugal.

O pessoal que vive, tanto na África do Sul, como em Moçambique, não estranha porque já se habituou, mas para nós que lá vamos só de férias, é um pouco limitativo, apesar de por lá igualmente circular muito dinheiro.

A África do Sul agora tem o chamado “Black Empowerment”, ou seja, enquanto houver um candidato negro a qualquer lugar, mesmo sem habilitações, dão-lhe preferência e o branco fica de fora. Afinal passou-se de um regime de apartheid contra os negros virando-se agora contra os brancos. Portanto o racismo continua... Está bem, está bem, vão dizer que agora estão a pagar pelos anos anteriores, mas não é bem assim, porque o sistema governamental Sul Africano está completamente afundado, precisamente porque "dispensaram os brancos todos da função pública" e agora, para não darem o braço a torcer e voltar a chamar os brancos que tinham conhecimento para as funções, foram ao Irão contratar mão de obra daquele país para tentar levantar o desastre governamental em que se encontram...
O indice de criminalidade é 8 vezes superior ao de qualquer país do mundo! Isto li nos jornais locais, além dos meus amigos Sul Africanos que nunca de lá saíram, terem confirmado.Concluindo: Gostei muito de ter feito esta viajem depois de 30 anos, mas como o Ser Humano é Um Animal de Hábitos, já me habituei até certo ponto a viver em Portugal, muito embora, eu e o frio sejamos inimigos figadais.... Chamo a isto, Reviver o Passado em África....mas com um saudosismo saudável.
Foi muito bom.

Beijinhos, BOA PASCOA e cuidado com as amêndoas... engordam!
C.L.

4/15/05

Cultura Macua


Posted by Hello
(Adaptação de textos de Pedro Saleiro, UCM, e Vítor Terra, UP)

A Simbologia da Peneira na cultura Macua
Na cultura macua, alguns objectos, para além do seu carácter utilitário, assumem valores simbólicos que devem ser dominados por homens e mulheres, sendo os ritos de iniciação o momento privilegiado para essa aprendizagem. A peneira constitui um bom exemplo da riqueza simbólica que esta cultura encerra e que importa observar.
A cultura macua é ainda pouco conhecida e, no entanto, apresenta-se como bastante rica em termos da simbologia atribuída a muitos objectos diários. Neste trabalho quero dar o meu contributo para o conhecimentos de alguns dos símbolos da peneira, a partir do que escutei e da realidade dos factos conhecidos e observados nos ritos de iniciação. Não será, por isso, um trabalho exaustivo, mas um levantamento dos principais aspectos.
A peneira, denominada em macua ethekwa, é um utensílio feito de tiras de bambu colhido nos baixios. As canas são expostas ao sol, para secar, e dela são tiradas tiras, raspadas e alisadas nos nós, cortadas em função do tamanho que o artesão quiser. Começa-se por entrelaçar o fundo da peneira, terminando por fechá-lo com um arco de um pau especial, denominado muyepe, bem raspado. Em seguida, cose-se com um tipo de arbusto chamado mutho ou hururi.
A peneira é utilizada para vários fins, particularmente pela dona de casa. Ela serve para transportar, armazenar e conservar produtos agrícolas, frutos silvestres e outros alimentos. O nome vem, porém, da sua função de separar os grãos (que ficam nos bordos) da farinha já moída (que converge para o centro) de cereais como arroz, milho, mapira e mandioca. São, no entanto, sobretudo os usos e valores simbólicos que atribuem à peneira o lugar de relevo que ela ocupa na nossa cultura.
Na cultura macua, a peneira simboliza, antes de mais, estabilidade no lar. Toda a casa tem peneira. Sem ela, um lar torna-se dependente de outro, acreditando-se que a mulher passa, por isso, a estar dependente da vizinha. Lar e mulher estão pois muito ligados à peneira, que simboliza início da vida, ritos de iniciação, o centro da terra. Alguns dizem ainda que a peneira simbolizava aves de rapina, como abutres, milhafres e outras.

Nos ritos de iniciação masculinos, todos os rapazes aprendem a fazer uma peneira, o que revela o seu papel central na estabilidade futura do seu lar. Este aconselhamento, olaquiwa, ensina os rapazes a colocar as primeiras tiras do meio do fundo da peneira, chamado "o centro da terra". no final dos ritos, a peneira também está presente - no final da instrução, o mestre (nakano - conselheiro, em macua), coloca na peneira uma variedade de cereais, coloca-a na cabeça e começa a cantar, andando, seguido pelos rapazes, até a farinha desaparecer, o que marca o fim da cerimónia.

Nos ritos femininos, é ensinada a utilização da peneira como sinalização. Em vez de comunicarem verbalmente ao marido o seu período menstrual e a sua indisponibilidade, a mulher deve pegar a peneira e tapar um dos cântaros e atravessar por cima o remo (pau que amassa a caracata (farinha de mandioca).
Se iniciados, os maridos logo entendem. Uma determinada colocação da peneira em casa pode, ao contrário, simbolizar a disponibilidade sexual. Como iniciação à vida, o papel da peneira é também complexo.
No interior, quando uma criança tem cerca de 30 dias de vida, é realizada a wakulelia muana. Trata-se de dar banho á criança com medicamentos tradicionais, para ela poder sair de casa protegida. Depois desta cerimónia, o recém-nascido é colocado na peneira e lançado aos quatro pontos cardeais, autorizando-o, assim, a casar em qualquer dessas direcções.
No litoral, a criança é posta na peneira ao sétimo dia e passada três vezes das mãos de uma pessoa dentro de casa para outra fora de casa e vice-versa. Depois de um banho de água misturada com medicamentos tradicionais, preparados no pilão, a criança está imunizada contra todos os espíritos.

Se uma criança se atrasa nos primeiros passos, os pais solicitam ajuda ao cunhado, napwera (que significa aquele com quem o pai brinca). Este coloca a criança numa peneira e arrasta-a, dando voltas pela casa. Quando pára, dirige-lhe alguns nomes. Passados alguns dias, a criança começará infalivelmente a andar, com a pressão do movimento simbolizado pela peneira.
Se aparece ligada à vida, também está presente na morte, pois é da tradição que seja usada a peneira quer para abrir a cova da sepultura, quer para lançar a terra que a tapará.

Os rituais de magia são outro dos campos em que está presente a peneira. Quando a mulher abandona o lar, os curandeiros oferecem medicamentos tradicionais ao marido, sivela (que significa gostar), que este deve colocar na peneira, processo que será repetido por três dias. No fim destes, o coração dela começa a palpitar duma forma anormal e surge o desejo de voltar a casa. É por tudo isto que o padrinho nunca se esquece de avisar o seu afilhado quando este prepara a sua vida de casado: "afilhado, não fez nada ainda, pois falta peneira".

A simbologia é, pois, para nós bem diferente da da mentalidade ocidental, que concebe a peneira como a separação da fina flor, através de malhas cada vez mais apertadas, ideia aplicável às relações sociais ou às actividades pessoais.

Do site:

Texto enviado por Armando Silva - Lisboa