1/28/08

OLAVO BILAC - De Porto Amélia Pemba para o mundo da música

"Olavo Bilac nasceu em Porto Amélia (Pemba), Moçambique. Aos 8 anos chegou a Portugal, sem os pais. Com 21 começou a dar a sua voz aos Santos & Pecadores. Atingiu a fama de imediato mas num outro projecto, os Resistência." - Matéria de José Manuel Simões, Correio da Manhã - 26.01.08.
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Transcrevo:
Aos 40 anos e numa fase de regeneração, o músico vai casar e passar a lua-de-mel na terra onde viveu até aos oito anos.
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- Era um puto traquina?
- Desde miúdo que gosto de pregar sustos, apesar de ser carinhoso e bem-disposto. Caía de bicicleta e rasgava-me todo mas nunca parti nada. Conclusão: estava sempre a acontecer-me alguma coisa.
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- Que lembranças tem desses tempos em Moçambique?
- Lembro-me da cor do Sol, daquela terra de paz e alegria. É quando somos crianças que temos as maiores alegrias da nossa vida, sem preocupações. O clima ameno e os vizinhos com quem saltava de quintal em quintal a roubar fruta.
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- É por essas memórias felizes que vai passar a lua-de-mel na terra onde nasceu, Porto Amélia, agora Pemba?
- Cada vez mais sinto o apelo, o chamamento e a presença de África em mim.
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- Com oito anos chegou a Portugal. Como é que foi a adaptação?
- Foi muito difícil. Lembro-me que chegámos em pleno Inverno, eu vestido com uns calções da farda da escola primária de lá. Chovia imenso, fazia muito frio. Para tomar banho era um Deus que te havia. (risos)
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- Porque é que veio sem os seus pais?
- Viemos com uma senhora amiga, avó dos nossos vizinhos. Só um ano depois é que a minha mãe chegou, com os meus outros dois irmãos mais novos. O meu pai ainda ficou lá mais um ano.
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- E quando a sua mãe chegou...
- Pouco conhecia dela. Foi uma coisa muito crua.
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- Como é a relação com os seus pais?
- Muito boa. Estou sempre com eles. O meu pai tem o maior orgulho em acompanhar a carreira do filho e está sempre muito presente naquilo que faço. Devo-lhe muito o facto de tocar e cantar.
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- E a sua mãe?
- A minha mãe é o colinho, o meu pai é a partilha, o amigo. São amores diferentes.
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- A música sempre esteve muito presente na sua família. Quando é que decidiu fazer carreira?
- As coisas vão andando e não há uma fronteira. Quando te apercebes já cá estás.
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- Os Santos & Pecadores já existiam mas ainda não tinham gravado quando apareceu com os Resistência. Foi um contacto imediato com a fama?
- Era só uma selecção das principais referências da música portuguesa de todas as áreas, do jazz ao pop rock, todas as bandas que estavam na berra, Trovante, Pedro Ayres Magalhães, Delfins, Xutos.
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- Gostaria de reeditar a experiência?
- Não sei. Por acaso estou com uma coisa muito parecida e com a qual ando a divertir-me imenso.
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- Refere-se aos Aliança. Esse projecto não é muito embrionário?
- Está muito em brincadeira. Ainda não gravámos disco mas já demos uns concertos. Somos músicos e amigos, costumávamos beber uns copos – agora, por acaso, não bebo – e perguntámo-nos: “Porque é que não nos vamos rir a fazer música”?
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- Acredita nisso?
- Nada foi pensado nem estudado. A ideia é deixar fluir.
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- É naturalmente brincalhão?
- Sou, mas também gosto de levar tudo muito a sério. Nunca prescindo de sublinhar o humor.
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- E é de riso muito fácil?
- E muito fácil de lidar.
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- Além do humor tem um lado de contador de anedotas. Melhor só mesmo o Paulo Gonzo...
- O Paulo Gonzo é o rei das anedotas. Não há dúvida de que de uma anedota consegue fazer uma história. Nesse sentido, ele é brilhante. Eu sou mais pela gozação e pela brincadeira.
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- Um dia destes foi a Fátima. Tornou-se crente?
- (risos) Esteve cá o irmão da Xana, que é a minha futura mulher, e eles quiseram ir a Fátima. Eu só os acompanhei na peregrinação.
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- E o que é que sentiu lá?
- Incrivelmente, senti um estado de paz. E dá que pensar.
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- Dá que pensar em quê?
- Aquela tranquilidade deixa-me nostálgico, bêbado, saudoso. Os sentimentos misturam-se e tu não sabes bem porquê.
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- Substituiu os vícios pela fé?
- Sempre tenho fé. Acredito muito nas boas energias. As pessoas quanto mais alegres são mais energia positiva emanam de si. É por aí que eu me mexo e é nisso que eu acredito.
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- Sente-se uma eterna criança?
- Sim. E ainda bem. Porquê e para quê ser adulto quando a nossa infância foi tão alegre? Quanto mais facilmente resolver os problemas mais tempo tenho para ser criança.
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- A sua namorada está a mudar a sua vida?
- É um processo que tinha de acontecer agora. Se fosse há cinco anos não aconteceria. A minha namorada é um diamante que chegou na hora certa.
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- Está numa fase de regeneração?
- Estou a chegar aos 40 anos e veio tudo junto. Parei para reflectir. Tenho vontade de assentar, acalmar, de ter crianças, criar sequência. Estou muito contente com esta nova fase da minha vida.
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- Só agora tem vontade de ter filhos?
- Estou uma mãe grávida e em autêntico estado de graça. (risos)
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- Sente que está a assentar?
- Uma pessoa anda a correr de um lado para o outro, sem tempo para pensar em si mesmo. Estou a deixar assentar a poeira e a arregaçar as mangas para outros caminhos.
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- Uma carreira a solo?
- Sim. E outros projectos que me permitam fazer coisas diferentes.
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- Está cansado dos Santos & Pecadores?
- Os Santos são uma família, somos todos muito amigos, mas eu quero aprender para crescer. E estou com muita vontade.
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- Em que pé está a carreira do grupo?
- No ano passado lançámos um acústico ao vivo e em breve estamos a pensar relançar esse CD on-line.
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- Qual é o momento fundamental da sua vida?
- Se eu fosse pai dizia que é por ser pai. Estou à espera de o viver.
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- Gosta de se ouvir cantar?
- Tem dias. Regra geral, nunca me ouço.
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- Porque é que tem a guitarra debaixo da cama?
- Para poder dormir com ela. (risos)
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- Qual é a sua principal qualidade?
- Nas sociedades que correm as pessoas andam sempre com muito stresse, perdem o humor com facilidade, há uma tendência para ver a negação e o mal. Acho que têm de conseguir levantar a cabeça para resolver os problemas com alegria. Eu faço isso todos os dias. Essa é a minha maior qualidade."SOU MUITO APAPARICADO"
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- É alegre por natureza?
- Também tenho os meus problemas mas não é por isso que vou amochar. Vamos é levantar, sacudir o capote e seguir em frente.
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- É uma figura pública. Considera-se um VIP?
- Não me identifico, e acho essa designação hipócrita. O que é ser VIP? Para as mães todos os filhos são VIP. Não me identifico com designações que põem categorias nas pessoas.
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- Como é que se sentiu no programa ‘Casamento de Sonho’?
- Quando me convidaram achei piada porque já estava com a intenção de casar. Diverti-me e ri muito com os elementos do júri. São pessoas que passei a conhecer melhor e que moram no meu coração.
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- Acredita que vai ter ‘um casamento de sonho’?
- Se não acreditasse não pensava em casar.
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- Sente-se bafejado pela sorte?
- Sou muito acarinhado e apaparicado. Nasci com o rabo virado para a Lua.

1/26/08

Há vagas para cobradores de chapa em Pemba...ou cenas do cotidiano.

(Imagem original daqui)
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Escreve o Pedro Nacuo no Notícias (Maputo) deste sábado, 26/01/08 - Há vagas para cobradores dos “chapa” que circulam na província de Cabo Delgado, bem como os mini-“bus” que ligam competentemente esta província à de Nampula, duas vezes ao dia, vulgarmente conhecidos por tanzanianos.
Estes meios de transporte semicolectivos pretendem fechar as lacunas deixadas por aqueles que deixaram o emprego por razões que mais tarde havemos de dizer.
Os requisitos passam por ter, em primeiro lugar, residência fixa em Pemba, por o alojamento não fazer parte das regalias que o trabalhador vai ter na empresa. Portanto, é preciso que vivam em Pemba, de preferência nos bairros Cariacó ou na parte costeira de Natite “Inos”, ou ainda no histórico Bairro de Paquitequete. Outro requisito é ter “partido” o lápis muito cedo, assim, na quarta ou quinta classe.
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Traços Psicológicos: indivíduos que pensam que por terem aquele emprego nada mais lhes resta na vida, que com ele atingiram o apogeu de que ouviam falar e na sequência disso capazes de não respeitar os passageiros, por claramente estarem abaixo do seu nível de vida e existencial, como cobradores. Que pensam que o que lhes interessa dos passageiros é apenas dinheiro e a eles só interessa viajar, aliás, chegar, não importando as condições em que viajam nem do tratamento a que são sujeitos.
Devem, entretanto, ter o hábito de chamar a todos os homens, tios, e as mulheres, tias. Mesmo que seja para a seguir insultá-los. Tio ou tia passa a ser uma terminologia que vale para tudo: respeito ou o seu contrário.
Deve ser capaz de mentir a um passageiro numa paragem instantânea de que há lugar no interior do mini-“bus”, apenas para entrar, e lá dentro não encontrar. Tudo visto que, com a viatura em movimento, mais a necessidade de viajar, incluindo a alergia pelas discussões banais, ao passageiro nada mais lhe restará senão sujeitar-se a tudo que encontrar no interior.
Para os candidatos a cobradores dos “tanzanianos” exige-se mais: fazer de contas que é do outro lado do rio Rovuma. Como? Pronunciando mal as palavras na língua de Camões, parecer que está a aprender as línguas nacionais moçambicanas e falar fluentemente Kiswahili. Nunca dizer que é de Mueda, Nangade (de Muidumbe não é possível apanhar nessa) ou de Mocímboa da Praia.
Vestir calças que descem, com uma camisa que não consegue cobrir o traseiro que de propósito deve ser visto pelos passageiros, e noutros casos, também de propósito, mostrar a 40 porcento as cuecas coloridas e consistentes.
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Traços físicos: os cobradores a admitir devem ser pessoas de entre 17 aos 21 anos. Pretende-se o espaço temporal e etário em que, normalmente, se tem pouca coisa a perder em função das relações humanas estabelecidas. Qualquer atitude não aquece nem arrefece ao seu protagonista!
Tem que ser não muito alto, mas não deve ser baixinho. Se for escuro de pele, melhor, mas se não for corpulento, pelo menos forte (de força), com braços não muito flácidos, pernas que inspirem respeito e um pé que se ajuste ao “respeito” que o resto do corpo obriga.
Ter uma mão dura, que seja capaz de bater no carro, até o motorista ouvir, sempre que seja necessário partir ou parar, associado a uma garganta que se abre tanto quanto pretende gritar, vamos ou paragem!
Deixar sempre o cabelo despenteado pode ser uma vantagem, pois traz a verdadeira diferença entre ele e o motorista, bem assim em relação a todos àqueles que vão no carro em que ele é profissional. Fica ele sozinho: cobrador!
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Habilidades: ser capaz de trocar em segundos um insulto com uma veneração, sem muitos se aperceberem. Conseguir ter na boca ao mesmo tempo um pão inteiro e no canto da mesma um “GT”. Demorar-se um poucochinho enquanto o carro arranca, para depois correr ao seu encontro, sob a vigia do condutor e saltar para o seu interior deixando o braço, normalmente esquerdo esticado cá fora, em sinal de que “já vamos”.
Nos postos de controlo tem que saber saltar antes do carro parar com uma mão amarfanhando umas notas, a mesma que vai directo, agora não é discretamente, à outra mão direita do polícia preto e branco. E dali, já há pessoas que sentaram “cinco, cinco”, o mini-“bus” não está superlotado, nem está com deficiências mecânicas a não tolerar.
Outras vezes deve ser capaz de continuar colado na bagageira, deixar o carro fazer considerável distância, para depois descer, em movimento, pedindo que os passageiros abram algum vidro por onde pretende passar para de novo fazer-se ao interior do mini-“bus”. E quem deixou as vagas que agora devem ser preenchidas? Um grupo de jovens que já passou dos 21 anos de idade, que antes andou nos labirintos do crime de roubo de peças num e noutro lado, chegou-lhes a altura em que pensavam que andando em “chapa” o caminho lhes era facilmente aberto para chegarem a motoristas, depois que o não conseguiram, mais tarde, é verdade, descobriram que perderam muito tempo e agora voltaram à escola, onde à noite estão a fazer as classes interrompidas.