7/08/08

Luz e esperança no horizonte dos desfavorecidos - Os milagres do microcrédito no norte de Moçambique. - III

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Água a 30 quilómetros.
Criança com malária deve molhar-se com a capulana, levar ao curandeiro ou ir ao hospital? A doença tem uma incidência de 40 por cento da população, mas só um por cento é letal. As possibilidades de a combater são testadas num teatro que um grupo de jovens de agentes comunitários de saúde apresenta para quem quer ver, junto ao centro de saúde da aldeia. Levar ao curandeiro?
"É melhor dar nome de cemitério, não é bom hábito."
A mensagem tem que passar através do teatro e da música. Ou ensinando, numa demonstração ao vivo, como se faz uma papa nutritiva para crianças com ingredientes que estão à mão: farinha de milho, amendoim, folhas verdes de feijão, açúcar, sal, ovo.
Mas estes grupos também têm uma intervenção mais personalizada: Celso Varinde, médico e director regional da fundação, explica que são estes jovens que vão a casa das pessoas conferir o boletim de vacinas, identificar sinais de malária ou de doenças sexualmente transmissíveis, ver como estão as mulheres grávidas, aconselhar os partos nas unidades de saúde. Só não administram medicação.
O centro de saúde de Bilibiza - pequenas salas de enfermaria e de consulta, maternidade e cinco pessoas chefiadas pela enfermeira Cristina - serve uma população de 14 mil pessoas, 3500 das quais são mulheres em idade fértil.
Em Moçambique, a cobertura dos cuidados de saúde é inferior a 50 por cento, por isso estes grupos de agentes comunitários são importantes.
Nos arredores desta aldeia, há quem tenha que andar 30 quilómetros para ir buscar água. Muitas vezes, tem que se ir num dia e voltar no outro com dois ou três baldes de água na mão. A captação de água é, por isso, o projecto a que neste momento as pessoas mais se entregam.
Na aldeia 25 de Setembro, a população juntou-se. "Fizemos um pedido para o posto administrativo de Bilibiza. Querem que a população também ajude. Vamos buscar água a dois quilómetros. Mas há quem vai buscar a 30 quilómetros, as mulheres e crianças é que vão buscar mais", explica o representante do comité local.
Este pequeno grupo trata da manutenção do furo ou do poço, da cobrança do dinheiro, da promoção de regras de higiene. A aldeia contribui com dois por cento, cerca de dois mil meticais (menos de 60 euros) por furo de água.
No distrito de Quissanga, há neste momento 13 novos furos a serem feitos, além de seis reabilitações e onze poços. Mas o projecto abrange um total de 40 furos, num investimento de cerca de 190 mil euros. No final, 144 mil pessoas terão uma fonte de água mais perto de si. "Estamos a ajudar no cumprimento dos Objectivos do Milénio", diz Celso Varinde.
Neste canto do mundo, lutar contra a adversidade e melhorar as condições de vida tem metas concretas.
Ibrahim, o motorista da fundação, nasceu a 30 quilómetros de Bilibiza, numa aldeia ainda mais interior. "Há 30 anos, nada disto estava no mapa."
- Extraído de PÚBLICO.pt - 06.07.2008 via Moçambique Para Todos.
  • Reportagem original com imagens (em formato pdf) - Aqui!

Luz e esperança no horizonte dos desfavorecidos - Os milagres do microcrédito no norte de Moçambique. - II

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Quando chegou, Rahim Bangy começou por ir aos mercados, conhecer a cidade, falar com as pessoas. Uma prática que mantém: de 15 em 15 dias, das sete da manhã até ao anoitecer, procura passear pelos mercados, conversar com pessoas, visitar mutuários.
O programa não se auto-financia na totalidade. O que falta vem de uma organização norueguesa e do Imamato Ismaili, a instituição assente na autoridade do Aga Khan. A agência para o microcrédito é apenas uma das que fazem parte da Rede Aga Khan para o Desenvolvimento, que agrupa organismos de âmbito económico, desenvolvimento social e cultura, para áreas tão diferentes como turismo, indústria, finanças, ensino, microcrédito, cidades históricas.
Rahim Bangy entusiasma-se com os resultados do programa nas vidas das pessoas.
"Já estive no meio do mato, em sítios em que as pessoas ainda se cobrem com folhas. Nunca viram o mar, mas já ouviram falar do microcrédito. Queremos agora introduzir o financiamento a associações e grupos, porque o impacto será maior."
Está já em marcha o próximo projecto: transformar o programa num Microbanco Rural.
"As pessoas enterram o dinheiro, às vezes encontram-se sacos com dinheiro ou jóias. Há necessidade de a população poder guardar as poupanças."
Até ao final deste ano, o processo legal deverá estar terminado, para que em 2009 o banco possa começar a operar.
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20 filhos.
As placas do programa de microcrédito estão já presentes em muitos locais de Pemba. Faqui Saide Ali está entre pneus, jantes, velas, câmaras de ar. Pediu apoio em Fevereiro de 2007 para montar uma barraca de venda de peças de veículos. "Correu bem mesmo, estou a gostar, comprei uma casa." Falta um mês para acabar de pagar os 10 mil meticais.
"No bairro de Ingonane, Jamal Mbamela, 58 anos, tem uma mercearia com café. Teve 20 filhos de duas mulheres, morreram dois. Não consegue sustentar toda a gente: "Esta vida dá pouco." Mas os 50 mil meticais que pediu em 2004 permitiram melhorar as contas. O filho Abdul, 18 anos, a estudar contabilidade, é um dos que o ajuda.
O café de Lurdes Loureiro, 48 anos, à beira da praia do Wimbe, inovou com os combos - hambúrgueres com batata frita e refresco. E melhorou a vida dela e dos dois filhos que ainda vivem com ela.
Um juro de dois por cento ao mês, uma taxa de incumprimento residual.
Rahim Bangy pretende que tudo seja transparente com os beneficiários. Mas não quer ficar pela relação económica. O microcrédito prevê acções paralelas sobre a sida ou a malária. As mulheres são um alvo importante para o financiamento. São 20 por cento dos beneficiários, mas a meta é pelo menos 30 por cento.
"As noções de saúde e higiene passam melhor através das mulheres."
Esta será uma mensagem repetida pelos responsáveis dos projectos na ilha do Ibo ou na aldeia de Bilibiza, mas já lá chegaremos. "São mais cuidadosas com o próprio dinheiro, porque sabem que têm que alimentar os filhos.
"Até ao final deste ano, Rahim Bangy quer ter pronta um espaço, por detrás do escritório do programa, dedicado a passar a mensagem:
"Nos dias de reembolso, enquanto os mutuários esperam, queremos ter pessoas a falar de sida, malária, amamentação. Assim, ouvirão a mensagem e irão levando essas ideias para suas casas."
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O caderno de João Baptista.
Pode um homem conter toda a história de uma ilha?
João Baptista "tem tudo aí", num caderno escrito com caligrafia aprendida na escola primária. "Ibo é Ilha Bem Organizada", começa o "era uma vez" desta terra no meio do Índico.
Árabes à procura de escravos, depois os portugueses e as especiarias, aportaram ao Ibo.
Hoje, a ilha tem 8700 habitantes, vivendo sobretudo da pesca. Porventura atraídos pela magia do Índico, que neste arquipélago das Quirimbas se pinta de vários tons de azul e verde. Na rua principal da vila, ainda se adivinha a traça colonial das casas, mesmo com décadas de degradação e esquecimento."
Ibo foi governo da província, quando Porto Amélia, hoje Pemba, era simples aldeia.
Era ali o palácio onde está a pensão; tivemos aqui o Banco Nacional Ultramarino, cadeia civil, a fábrica de sabão de Filipe e António Veríssimo, uma fábrica de fósforo, jornais. Foi sítio importante", regista o caderno.
Por João Baptista, cachecol da selecção portuguesa de futebol ao pescoço, passaram duas mulheres (a primeira morreu), doze filhos e 42 administradores coloniais.
"Eu estava no gabinete deles, aproveitava para apontar isto. Eu é que sabia tudo, eu era daqui." Hoje, João Baptista diz que o Aga Khan é que está "a ajudar muito a ilha". O ano passado conheceu-o, quando o líder dos muçulmanos ismailis visitou a ilha.
Elsa Rodolfo, administradora da ilha, confirma a "diferença palpável", desde que as instituições do Aga Khan estão no Ibo: "Anos atrás havia focos de fome, agora já não." Os miúdos já vão à escola - mesmo as raparigas, o que não acontecia antes por uma questão cultural. "Agora, vêem que a mulher pode estudar e ter emprego: já há uma administradora, uma directora de educação..."
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Moedas com 100 anos.
O desejo de Rahim Bangy, de alargar o apoio a grupos e associações, tem também já experiências na ilha do Ibo. A Associação dos Viveiristas do Ibo, presidida por Vita Tuaibo, máquina fotográfica a tiracolo, é uma das beneficiárias.
Criada em 2006, com 19 membros (nove são mulheres), a associação teve um empréstimo de 80 mil meticais (quase 2300 euros).
Alface, couve, batata doce, tomate, laranjeiras, cajueiros crescem numa machamba de 800 metros quadrados. Construir o escritório, usando uma técnica tradicional para a argamassa, é a tarefa imediata. Jason Morenikeji, de ascendência anglo-nigeriana, explica que a forma de construção do telhado permite aproveitar a água da chuva para sistemas de irrigação e canalização.
Ourivesaria Moderna é o nome de uma associação de artesãos. As mãos encurtam-se para pegar nas finas pontas de prata, trabalhando a filigrana com pequenas espátulas, alicates, fios e arames. É uma arte tradicional que vem do tempo dos árabes, explica Susan Esteves, responsável pela ligação com as associações locais. Brincos, colares, pulseiras, anéis que nascem da criatividade de Sufo Sufo, 52 anos, e dos restantes 13 membros da associação (quatro são mulheres). Rendilhados, entrelaçados, floreados vendidos a turistas de passagem, com preços variados, consoante a origem do metal: moedas antigas fundidas ou prata pura.
Na Associação Fortaleza, onde se faz um trabalho semelhante, os 25 artesãos mostram algumas das moedas. Ali estão as efígies do rei D. Carlos ou da República, datadas de 1891, 1899, 1915...
O trabalho das duas associações já permitiu sucessos pessoais. Manlide Amade, da Associação Fortaleza, diz que o artesanato em prata possibilitou construir casas, comprar motorizadas, bicicletas, celulares... E teve sucesso internacional: um comprador da África do Sul fica com uma parte da mercadoria e exporta para a Europa; em 2007, os artesãos levaram peças para uma feira internacional no Maputo. Um êxito e quatro mil dólares, a terceira maior receita bruta da feira.
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Afastar os elefantes.
O piripiri pode ser uma arma contra os elefantes. Há um problema para os agricultores de Bilibiza, no interior da província de Cabo Delgado, 200 quilómetros a norte de Pemba, e das aldeias vizinhas: os elefantes e os macacos destroem grande parte das culturas, porque homem e animais ocupam o mesmo espaço. Com a criação do Parque Nacional das Quirimbas, em 2001, cerca de 250 mil pessoas (60 mil famílias) ficaram sujeitas a regras mais estritas de relação com o ambiente. Truque para evitar o flagelo provocado pelos animais: cultivar piripiri junto das plantações agrícolas. "Sabemos que o piripiri provoca irritação nos elefantes", diz Lebreton Saah Nyambe, camaronês, técnico de desenvolvimento rural, há cinco a trabalhar com a Fundação Aga Khan em Pemba.Contudo, o piripiri não é solução definitiva. "O único sucesso é a produção em bloco", machambas colectivas vigiadas rotativamente pelos agricultores da aldeia. Para afugentar os elefantes basta fazer barulho. Assim, a vigilância por turnos permite atenuar o problema. Com os macacos, é mais fácil: depois da escola, as crianças entretêm-se a lançar-lhes pedras.
A introdução de culturas mais precoces é outro caminho. O milho de ciclo curto pode colher-se em 90 dias, antecipando a chegada dos animais à procura de água e comida. Hoje, as machambas colectivas envolvem já 21 mil famílias, o objectivo, até 2010, é chegar às 25 mil. Em 2001, começou-se com dez aldeias, hoje há 147 a participar neste projecto.
Bilibiza mantém o céu em estado puro. As estrelas afagam-nos o olhar. Mas a vida é dura, secas extremas e inundações destrutivas são problemas frequentes.
Para produzir riqueza, também a criação de gado caprino é apoiada. Desde Outubro de 2002, em 40 aldeias, a fundação entregou três cabritos, duas fêmeas e um macho, a dez famílias por aldeia. Cada uma das famílias beneficiadas deu depois outros três cabritos a novas famílias. Os 600 cabritos entregues transformaram-se em mais de 1700 cabeças. Do mesmo modo, é incentivada também a conservação das culturas em celeiros.
Na Escola Agrária de Bilibiza há alunos a concluir a debulha do milho. Esta segunda campanha deverá dar dez a quinze toneladas de milho, talvez para o ano a escola já possa vender excedentes. A escola é uma das instituições que começou a trabalhar com o programa Pontes para o Futuro, criado pela fundação em 2006. São duas as componentes: apoiar a liderança emergente através de bolsas de estudo (154 já atribuídas, em áreas como a agricultura, saúde materno-infantil, ensino, turismo, informática, contabilidade, gestão) e o fortalecimento institucional.
Sifer Rodrigues, bolseira de 18 anos, no 3º ano da escola, está a acabar um relatório sentada na cama - a maior parte dos 550 alunos estão em regime de internato, só vão a casa nas férias. Recebe 200 meticais (cerca de seis euros) de bolsa por mês. "É muito, permite ajudar a família, posso comprar sabão..."Marcelo Soverano, 39 anos, responsável do programa Pontes para o Futuro, diz que o desafio é transformar agora a escola básica numa escola média (equivalente aos 8º, 9º e 10º ano de escolaridade), melhorando ao mesmo tempo as estruturas para os estudantes.
- Continua acima... - (extraído de PÚBLICO.pt - 06.07.2008 via Moçambique Para Todos.)