4/03/10

HERÓI OCULTO - Herculino Loureiro













Oxala pudesses escutar
Sem necessidade dos teus ouvidos…
Oxala um dia possas falar
E ser entendido
Para alem da tua voz!...
Oxala que possas abraçar o Mundo
Sem necessidade dos teus braços!

Oxala, Oxala!

Oxala venhas a voar
Sem mesmo ter asas...
Oxala tudo pudesses aprender
Sem precisares de sofrer...

Oxala, Oxala!

Oxala pudesses ouvir
A Grande Voz do Silencio
Que nunca para de aconselhar
E nunca é escutado para nada!

Oxala, Oxala!

Oxala pudesses ser
Essa Fonte inesgotavel
De Luz, de Verdade e de Vida
Onde todos os Homens
(Errantes, Ignorantes, Famintos e Sedentos)
Pudessem saciar a Ansia
De Conhecimento, Justiça,Liberdade , Paz e Amor!

Oxala, Oxala!

Oxala pudesses despertar esse HEROI:
O CRISTO ha muito adormecido
Dentro de Ti!

Oxala, Oxala!

- Herculino Loureiro.

4/01/10

O FALSO ALARME - Um conto de Allman Ndyoko

:: Allman Ndyoco pode ser lido em "Contos e Poesias do Índico" ::
 
Estavámos no longínquo ano de 1984, se a memória não me induz ao erro. Quino, Chiquito, Bacar, Saíde e Aidar haviam passado toda manhã no recinto do Jardim Infantil, próximo ao Estádio Municipal, brincando “pega – pega” e pulando habilmente nos ramos das numerosas amendoeiras que assomavam naquele pequeno mundo infantil. Brincavam incansavelmente com a ânsia de matar o tempo para assistir a grande partida de futebol entre a Associação Desportiva de Pemba e Textáfrica, equipa fabril do planalto de Manica. Era uma partida importante do Campeonato Nacional de Futebol, e isto provava-se pela chegada massiva de adeptos de todos quadrantes da baia, no recinto desportivo. Nos três principais portões do estádio eram visíveis bichas infindáveis de adeptos que entravam para o interior, a maioria com receptores colados ao ouvido. Era o tempo em que o futebol constituia o passatempo predilecto do pembenses.

Desceram das árvores. Em silêncio pularam o muro do jardim e pararam no passeio para traçar a estratégia de entrada, enquanto o sol decaía vagarosamente enchendo de brilho as cores castanha e vermelha da terra. As equipas defrontantes ainda não tinham descido ao pelado, mas a enchente era demasiada de tal ordem que, para qualquer incáuto, parecia o jogo ter iniciado.

- Vamos tentar a sorte. – Disse Quino enfiado num fato-macaco de jeans encardido. – Cada um de nós deverá pedir boleia alguém mais velho com bilhete de acesso ao estádio.

- Para isso devemos distribuír-nos nos três portões do estádio. – Observou Bacar, filho de árbitro Bacar Tarupa.

- Penso que sim, apesar de tu não precisares disso por seu pai ser árbitro. – Retorquiu Quino rindo-se de lado e ocultando a boca, em sinal de gozo.

- O facto do meu pai ser árbitro penso que não quer dizer nada, porque, por exemplo agora, não posso entrar no estádio porque ele já está dentro do campo. – Contra-atacou Bacar sorrindo.

- Mas os porteiros todos te conhecem até de cheiro. – Disse Chiquito brincalhão.

Riram todos satisfeitos. Depois de breves instantes de silêncio, Bacar, cabisbaixo e pensativo, disse:

- Tenho uma opinião importante e ideias interessantes para resolvermos o problema que nos preocupa. Não podemos tentar a sorte no portão três, porque está lá o carasco nhê Ibrahimo, inimigo da criançada em dias de futebol. E se nos portões um e dois não tivermos sucesso, temos quatro saídas à nossa disposição.

- Quais? – Quiseram saber os amigos em coro.

- Muito simples! – Bacar fez um suspense que durou breves instantes. – Podemos ver o jogo apartir do terraço do prédio da LAM ou dos galhos das árvores mais altas emergidas em volta do estádio; pulando o muro do estádio do lado mais baixo ou aguardando até ao período dos últimos trinta minutos que normalmente servem para a abertura dos portões para facilitar a saída atempada e ordenada dos adeptos.

As propostas foram analisadas rapidamente. No final, reavivando a esperança da malta, Aidar disse:

- Penso que nhê Ibrahimo já não é problema para agente. Ele deve-me alguns favores...

O pronunciamento do Aidar suscitou uma enorme curiosidade que podia-se ler nos olhos brilhantes de cada um. E com uma expressão corporal de quem cobra pormenores, ficaram alí, naquele momento, devorando-o e com vontade imensurável de pegá-lo pelo colarinho da camisa até vomitar o inígma. Porém, nada disso foi necessário, pois, os gestos inofensivos, mas expressivos, da malta venceram o momento enigmático.

- Durante as noites da semana passada, o nhê Ibrahimo serviu-se de mim para chamar sua amante que é minha vizinha.

- Já estou a ver quem é! – Rematou Chiquito em jeito de brincadeira.

A malta riu-se.

- A ideia é extraordinária! – Disse Quino acariciando levemente o queixo liso com os dedos polegar e indicador da mão esquerda. – E não há nada melhor que pensar e...
- Realizarrr...! – Acudiram-o os amigos em coro.
- Mãos à obra! – Gritou Saíde fazendo uma vénia grotesca com um braço apontado ao estádio.

Sairam do passeio às corridas com a esperança de ver-se no interior do campo. Enquanto corriam ao encontro da fila de adeptos e simples espectadores do portão três, na entrada da bancada de sombra a equipa da casa ia entrando e descendo aos balneários no meio de um ambiente de festa e encorajamento, caracterizado por assobios e apláusos desordenados dos adeptos. Nisto, alcançaram a fila. Desrespeitando à sequência estabelecida e abusando ingenuamente a confiança imaginária do nhê Ibrahimo, emergiram agarradinhos e em fila indiana defronte do portão com os olhos prenhe de esperança. Nhê Ibrahimo reconheceu imediatamente o seu pequeno confidente. Com a mão erguida e em forma de facão, separou-o dos demais amigos. Aidar reclamou imobilizando-se e fazendo uma careta de protesto. O protesto foi imediatamente aceite e a malta viu-se, finalmente, no interior do estádio.

O jogo tinha começado e a equipa da casa contra-atacava com vigorosidade chegando a alcançar diversas vezes a grande área adversária, mas sem sucesso. Todavia, a ausadia de alcançar a baliza adversária alimentava aos adeptos de Pemba a esperança de uma possível victória e a atitude da equipa prosseguiu até um quarto do fim da segunda parte da partida, quando subitamente um adepto da equipa Pembense, advinhando uma possível derrota para a sua equipa, aproximou-se à baliza do guarda-redes Zé Luís e, apontando algo nas malhas, saiu desesperadamente gritando em macua:

- “Inhanca”, “inhanca”, “inhanca”... – amuleto, amuleto, amuleto...

A noticia correu as bancadas com velocidade de uma ave de rapina; Em escassos instantes o pelado foi invadido por uma legião de adeptos furiosos que interrompeu a partida imediatamente e escorraçou os jogadores da Textáfrica à pedrada. A fúria dos adeptos Pembenses, que achavam que o amuleto descoberto impedia-lhes de ganhar a partida, foi tão forte de tal modo que o corpo policial, destacado para garantir a segurança e tranquilidade públicas no local do jogo, viu-se incapaz de suster as acções dos furiosos.

No entanto, os jogadores visitantes conseguiram, milagrosamente, abandonar o recinto desportivo e para escapar-se das investidas dos furiosos, procuraram alcançar o Hotel Cabo Delgado, que dista alguns metros do estádio, correndo em debandada. Por sorte, ninguém feriu-se gravamente, mas a situação criou um grande susto aos visitantes.

Na verdade, o que o adepto boateiro vira era um pequeno rolo de linha preta com algumas agulhas que um dos trabalhadores do estádio perdera, na manhã daquele dia, quando montava as redes das balizas. Todavia, o incidente fez correr rios de tinta na imprensa nacional e foi veemente repudiado nos mais diversos meios de comunicação social. E, de lá para cá, como resultado do trabalho da imprensa e do bom senso dos populares, jamais voltou a suceder algo de género no pelado do município da terceira baia mais linda do mundo; Mas o sucedido naquele ano ainda habita o imaginário do povo, principalmente, dos mais velhos e serve de exemplo para os mais novos perpetuarem a boa convivência dentro dos campos de jogos.
- Allman Ndyoko, 21/03/2010.

SELVA EM PAZ - Capítulos III e IV

(Clique na imagem para ampliar. Imagem recolhida da net)

Capítulo III - Distinguem-se as feições dos homens ao redor do pequeno fogo em que se cozem as batatas para acompanhar as sardinhas de conserva. A lua vai nascendo encantada, mas medrosa. A vegetação é uma copa interminável onde os restos do sol se espalham como pinceladas de sangue de um artista desesperado, cinzas de um incêndio da imortalidade dos tempos. O escurecer, mais do que triste, é embriagador, algo insidioso, a proclama dum sufoco qual mortalha de uma inocência, um peso de agonia. De quando em quando, relâmpagos riscam o céu, grafites rápidos e secos descobrindo a prenhez das nuvens esbranquiçadas, os trovões ribombam quais monstros pré-históricos; é um tolher de espanto, um esmagamento que nos pendura nos fios da timidez. Sobe até o cimo da achada uma viração fria que revolve a folhagem e o pó como se aquela nascesse debaixo das nossas botas. Há quem sobreponha aos dolmens as esverdeadas camisolas de gola alta, se enrole apressadamente aos mosquiteiros e aos sacos de dormir. Há uma soledade de túmulo. Ouvem-se algumas pieiras de brônquios tabaqueiros ou debilitados pelo relento. As estrelas, pirilampos minúsculos, chegam aos poucos, a justificar a noite, mas os prenúncios de chuva não se concretizam. Para sul, uma queimada enorme elevasse num triunfo vermelho, aparentemente descontrolada, a toada das cigarras espalha lembranças de uma inocência perdida.

Come-se para enganar, um mastigar silencioso, uma formalidade obrigatória. Na contraluz, as gargantas têm os movimentos dos engolires contrafeitos. Há assobios, por entre cigarros, no canto do alpendre; olhares de vidro reflectidos nas brasas, esperando que elas se extingam; um portátil sintonizado no emissor regional do Rádio Clube de Moçambique a responder aos discos pedidos. Então ele, o Alferes desta história, sem nada para dizer ou fingir alentos, olha para a patina do horizonte onde umas nuvens metalizadas dão uma miragem de água; pergunta por que é o mundo assim, vigiando-se o que pertence a todos, como se houvesse feudos de teimosias, ganâncias de posses, disputas de glórias feitas razões de sobrevivência; pensa que todas as guerras são forjadas por eunucos esquizofrênicos, ditadores assexuados, estupores purulentos; e nós – nós que obedecemos - balimos, feitos carneiros do pasto, mas não gritamos como gente nem desfazemos essa escória do mando para vivermos livres e em paz.

Um cacimbo húmido começa a envolver a terra, uma espécie de moinha leitosa que embebe os camuflados. O pessoal está sujo, adormece com as côdeas, o óleo dos suores e o chumbo do cansaço. Ouvem-se, distantes, tambores de batuque: talvez se encomendem aos cazumbiris, se comemore a desfloração de uma cafusa, se implore Maomé numa morte desconsolada ou se espantem os espíritos de doença maligna. O piar ávido de um milhano lacera a noite e um calafrio estremece os corpos.

Enquanto os homens já dormem, ele sonha com um mundo onde o amor não seja uma paga mas uma dádiva, os barulhos das lutas sejam substituídos pelos esvoaçar das aves entre palmeiras, todos os homens caminhem de caras levantadas sem receios de serem cuspidos, as vinganças e as perseguições não existam nem nos corações nem nos dicionários. A lua, de um ouro de poesia, de paz e de reconciliação, beija-lhe o rosto.

Recosta-se no assento do Unimog. Fuma LM. Não tem sono. Manda acomodar os plantões. Ele substituí-los-á na atalaia. Agarra-se ao volante e imagina-o leme de avião. Puxa-o para si. A viatura levanta como um condor. Voa silenciosa sobre o mato, de bico-motor apontado à fita de zinco tangente à Terra, até pousar, com a leveza de uma pena, num quintal onde uma Mãe, de preto vestida, espera de braços e sorriso abertos.

Capítulo IV - Andávamos há cinco horas. O calor apertava, criando riachos aquosos. Dois furos, quase seguidos, arreliaram-nos a paciência. Os solavancos na picada obrigavam-nos a pulos marsupiais. Tínhamos que estar no acampamento antes da lua nascer. Lá arranjaríamos um pisteiro. Um javali destrambelhado obrigou-nos a nova paragem. Saltei da caixa do Land- Rover, levei a carabina à cara e apontei. O bicho, estacado, contemplou-me. Estremeci. Aquele deu meia volta e desatou à desfilada.

- Então, não atiraste? – gritou o Zulmiro.

- O tipo não deixou... – gaguejo.

Continuamos aos saltos. Ergui-me, oferecendo-me ao entardecer. De quando em vez, um preto desmontava da sua ginga para saudar. «Cuidado, agarrem-se!», gritou o condutor. Finquei-me, e passou-se o pontão só com um estrago: a garrafa termos do café partiu-se. Um bando de macacos guinchou sobre as nossas cabeças, pendurando-se nos braços das mangueiras.

Chegados ao acampamento, falámos e bebemos cerveja com um caçador profissional: baixote, entroncado, tez de chocolate, abundante calvície, falares e modos desembaraçados. Emprestou-nos um pneu sobresselente, agradecemos o acolhimento, mas, não nos arranjou um piloto.

A noite germinava. Apetecia ser filho daquele mundo e rebolar no capim aljofarado, chamar a bicharada e levantar com ela um salmo de glorificação. O condutor bateu com a mão na porta: «Leopardo!» Dois olhos amarelos, como anéis de médico, estavam hipnotizados. Tiraram-me a arma das mãos; nem me mexi, narcotizado por aquele olhar que, pareceu-me, no súbito, ter a frieza do hábito e o ímpeto do ódio. Um uivo cortante, um arrepio de neve, os pêlos eriçados, um sangue de pânico. O tiro falhara.

- O gajo levou chumbo - julgou Zulmiro, caçador fanático quando as contabilidades do algodão lhe davam uma folga.

Continuámos a marcha e, deixando a picada, virámos à esquerda por um trilho que rasgava o mato denso a roçar o Land-Rover. Alguns ramos, mais inclinados, obrigavam nos a baixar as cabeças e os abanões eram maiores.

Ligou-se o farolim à bateria e apagaram-se os faróis.

- Agora nada de atirar ao calha! – advertiu o Chefe para quem uma caçada era um memória brasonada.

Procurei posição certa, juntamente com o Justino, de férias administrativas, e começamos a acompanhar, de um lado para o outro, o jacto do holofote. Ansiávamos a planície, «lá a caça é maningue!». A vegetação emaranhada não dava grandes esperanças. Ao bater cavo duma mão no tecto, a viatura estacou. O tiro partiu seco, tal uma chicotada, e o eco enrolou-se na lonjura. O Justino saltou e, guiado pelo foco e pelos gemidos de animal ferido, procurou, procurou, até, acabrunhado, regressar à caixa do jeep.

- Começo a não gostar desta merda! – verrinou o contabilista. - Primeiro um javali porque ele não deixou, depois um leopardo, e logo um LEOPARDO, a fazer pouco; agora um chango que vai à vida... Grande gaita... Mais valia ter vindo sozinho...

Ninguém lhe respondeu. Como um comboio saído de um túnel, entrámos na savana. Esmagadora! O céu - um arco majestoso tecido por nuvens de algodão em rama, tapando e destapando as estrelas – dava-nos a percepção de pequenez indescritível numa visão sem tamanho. A partir daqui já nada mais interessava. Podia o Zulmiro lançar os seus protestos à azelhice dos seus acompanhantes, matarem-se, ou não, alguns bravios, cobiçar troféus para demonstração futura. Com aquele arrebatamento da terra feito de odores húmidos e ferventes de vida, importava venerar a criação, deixar que a noite soltasse as suas insídias, mostrasse os seus duendes e aplacasse os impulsos humanos.

O chango, a quem, desta vez, a sorte não sorrira, em aflitivos estremeções, tentou erguer-se, remirou os olhos enevoados e tombou, finalmente, vencido. O ventre só deixou de latejar quando o corpo retezou. Senti um incómodo de traição, um remorso de desforço, uma inutilidade de ofensa. Içamo-lo para a caixa da viatura. Descarreguei a arma e segurei-a debaixo do seu corpo. Acenderam uma fogueira para corrigir hipotéticos erros de orientação. Sentei-me, encostado ao animal, e puxei de um cigarro. O cacimbo gelava-me os ossos. Vesti uma camisola grossa. O paludismo viria mais tarde e nem as pastilhas LM me salvariam da sezão. Deixei-me ir, envolvido por aquele assombro, pelo inexplicável do universo feito sobrenaturalidade que inutiliza as heresias. Aconcheguei-me mais ao chango até sentir o calor da sua penugem, o seu cheiro selvático de esterco e capim colado ao dorso, a quentura ainda recente do seu sangue; entorpecido por este apoio, em contraste com o rocio da madrugada, adormeci. Não sei quanto tempo assim estive. Acordei com os berros do Zulmiro por terem perdido outra pantera. Quando me soergui, a lua tinha uma turvação violácea e os olhos do chango continuavam abertos feitos dois espantos a perguntarem-me: «Porquê?»

Algumas queimadas dispersas pareciam destroços fumegantes de um exército vencido.
Fim.
  • Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue

3/31/10

Moçambique - OS MADJERMANES... e o governo !

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