Depois de um período de alguma prosperidade na passagem do século XVI para o século XVII, em que havia 11 ilhas habitadas e algum comércio, sucedeu o período da decadência portuguesa no Ìndico e a perda de Mombaça, a intensificação do tráfico da escravatura na região e as ilhas Quirimbas entraram em declínio.
De acordo com o comandante Leotte do Rego, em meados do século XIX só 4 ilhas do Arquipélago das Quirimbas eram habitadas: Ibo, Quirimba, Mefunvo e Matemo.
"Algumas dessas ilhas foram habitadas, em tempos mais ou menos remotos; o solo era cultivado; e ainda hoje por lá existem ruínas das antigas edificações, na maior parte conventos. De facto, n'essas regiões, os estabelecimentos portuguezes reduziam-se a isso.
O antigos colonos, pouco numerosos, e em pouca segurança na costa, fundavam as feitorias nas ilhas, de preferência ao continente, onde os indigenas os não deixavam em paz."(*79)
Informa, ainda, que "de todos aquelles estabelecimentos, apenas hoje existe o Ibo; os outros foram devastados por uma horda de Sakalaves, do Madagascar que, por 1837, saindo da sua ilha, infestaram as Comores, passaram às Querimbas e parece que à própria costa de Cabo Delgado.
Na ilha Quiziva, existem as ruínas de uma casa e cisterna ainda com água; na Macalue, os alicerces de um edifício; na Amiza, as paredes de uma ermida, que foi também hospicio dos jesuitas; no Namego um poço com água salobra."
A consolidação da soberania portuguesa na região e a criação de Porto Amélia e Palma, como também de Mocimboa da Praia alguns anos depois, não foram suficientes para atrair de novo as populações das ilhas, enquanto o Ibo entrava em decadência.
Em meados do século XIX, quando a vila do Ibo florescia e já era a capital das Quirimbas, tinha 2422 habitantes, cerca de 20 casas e 400 palhotas, um governador e um posto da alfândega. O forte de S. João Baptista estava fortificado com 17 canhões e era guarnecido por uma companhia de infantaria, enquanto os dois fortins dipunham de 13 peças.
Em 1859 escrevia Lopes de Lima, citado por João Loureiro, que "há no centro da povoação um passeio público, simetricamente arruado com árvores frondosas, tendo numa extremidade a igreja matriz e na outra a nova residência do governador".(*80)
Na segunda metade do século XIX as autoridades portuguesas procuraram definir as suas fronteiras a norte da costa moçambicana até à foz do rio Rovuma e a presença naval tornou-se gradualmente mais frequente.
Porém, o comandante Augusto Castilho depois de recordar os portos e desembarcadouros existentes entre as ilhas do arquipélago e entre elas e a costa, diz que "é muito fácil fazer-se contrabando em muitos deles, pois nada impede que um pangaio venha da Índia carregado de fazendas e vá desembarcá-las em qualquer ponto, visto ser quase nula a nossa fiscalização".(*81)
A fiscalização da extensa costa de Cabo Delgado em 1884, segundo Augusto Castilho, "é feita por dois objectos fluctuantes, um pouco parecidos com navios, construídos ali por um zeloso governador, official de infantaria, muito conhecedor de legislação militar.
Um d'esses objectos a que chamam hiate, a quem deram o nome de Mello Gouveia, e que traz içada a flâmula, virou-se quando o lançaram ao mar, e para conseguirem que tivesse estabilidade e podesse ir até Moçambique, tiveram que lhe encher o porão de pedras e peças velhas.
O outro objecto fiscalizador, que chamam chalupa Andrade Corvo, pouco peior é do que o precedente. O que vale para que os tripulantes de ambos estes pseudo-navios não andem constantemente com o credo na boca, é em primeiro logar serem elles mouros e por conseguinte incrédulos, e em segundo logar passarem a maior parte do tempo(os objectos) em concertos na praia.
Parece-me que o governo devia ser coherente, e assim como creio que não consentiria que um official da marinha dissesse missa, também devia severamente prohibir que um official de infantaria se atrevesse a construir navios. Emquanto os dois ex-ministros quem quiseram honrar, já há muito que deveriam ter querellado da supposta honra."
No seu projecto de orçamento das receitas e despesas da província de Moçambique, António Enes propunha no relatório que apresentou ao governo em 1893, a instalação da administração pública no concelho do Ibo, onde se incluiam a colocação de comandantes militares no Ibo, Palma e Mocimboa, além de outros agentes públicos no concelho do Ibo, como um delegado de saúde, farmacêutico e enfermeiro, um juiz da comarca, uma delegação da fazenda, uma alfândega, missionários e professores da instrução primária nas freguesias do Ibo e Quirimba e, ainda, delegados da capitania dos porto no Ibo, Palma e Mocimboa.
Em finais do século XIX a recém formada Companhia do Niassa estabeleceu a sua sede no Ibo, a administração foi instalada e a vila cresceu. Para além da igreja matriz e do forte que então só tinha 15 peças de artilharia e que no interior dispunha de alojamento para 300 homens, surgiram novos edifícios, como a Intendência do Governo, o Tribunal da Comarca, a sucursal do Banco Nacional Ultramarino, o Teatro Iboense, várias agências de navegação, sete consulados estrangeiros e escritórios de advogados.(*82)
Em 1904, o comandante Leotte do Rego referia que a vila do Ibo dispunha de "grande número de habitações regulares, distribuídas em 10 ruas, com 25 ou 30 edifícios de alvenaria, com um andar e terraço vasto, com mais de 400 casas de madeira, barradas por fora e por dentro caiadas, cobertas de folhas de palmeira a que os naturais chamam macuta. No centro da povoação há um grande jardim público, simetricamente arruado, tendo as árvores mais frondosas da ilha; e junto dele fica, de um lado, a igreja matriz, e, do outro, a residência do governo. Nos arredores da vila não há mais de 300 ou 400 palhotas, mal construídas, mas alinhadas".(*83)
*79 - Leotte do Rego, Op. cit., p. 19.
*80 - João Loureiro, Postais Antigos da Ilha de Moçambique & Ilha do Ibo, p. 12.
*81 - Augusto Castilho, Relatório acerca de alguns portos da província de Moçambique, p. 51;
*82 - João Loureiro, Op. cit., p. 12.
*83 - Leotte do Rego, Op. cit., p. 90.
--> Continua.
O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.
O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.
- Do mesmo autor neste blogue:
Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 -
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Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 -
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Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 -
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Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de Mocimboa da Praia -
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Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 1 -
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Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 2 -
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Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 3 -
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Retalhos da História de CABO DELGADO - A Ilha do Ibo -
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