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1/12/09

Retalhos da História de Cabo Delgado: As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

Depois de um período de alguma prosperidade na passagem do século XVI para o século XVII, em que havia 11 ilhas habitadas e algum comércio, sucedeu o período da decadência portuguesa no Ìndico e a perda de Mombaça, a intensificação do tráfico da escravatura na região e as ilhas Quirimbas entraram em declínio.

De acordo com o comandante Leotte do Rego, em meados do século XIX só 4 ilhas do Arquipélago das Quirimbas eram habitadas: Ibo, Quirimba, Mefunvo e Matemo.

"Algumas dessas ilhas foram habitadas, em tempos mais ou menos remotos; o solo era cultivado; e ainda hoje por lá existem ruínas das antigas edificações, na maior parte conventos. De facto, n'essas regiões, os estabelecimentos portuguezes reduziam-se a isso.
O antigos colonos, pouco numerosos, e em pouca segurança na costa, fundavam as feitorias nas ilhas, de preferência ao continente, onde os indigenas os não deixavam em paz."(*79)

Informa, ainda, que "de todos aquelles estabelecimentos, apenas hoje existe o Ibo; os outros foram devastados por uma horda de Sakalaves, do Madagascar que, por 1837, saindo da sua ilha, infestaram as Comores, passaram às Querimbas e parece que à própria costa de Cabo Delgado.
Na ilha Quiziva, existem as ruínas de uma casa e cisterna ainda com água; na Macalue, os alicerces de um edifício; na Amiza, as paredes de uma ermida, que foi também hospicio dos jesuitas; no Namego um poço com água salobra."

A consolidação da soberania portuguesa na região e a criação de Porto Amélia e Palma, como também de Mocimboa da Praia alguns anos depois, não foram suficientes para atrair de novo as populações das ilhas, enquanto o Ibo entrava em decadência.

Em meados do século XIX, quando a vila do Ibo florescia e já era a capital das Quirimbas, tinha 2422 habitantes, cerca de 20 casas e 400 palhotas, um governador e um posto da alfândega. O forte de S. João Baptista estava fortificado com 17 canhões e era guarnecido por uma companhia de infantaria, enquanto os dois fortins dipunham de 13 peças.

Em 1859 escrevia Lopes de Lima, citado por João Loureiro, que "há no centro da povoação um passeio público, simetricamente arruado com árvores frondosas, tendo numa extremidade a igreja matriz e na outra a nova residência do governador".(*80)

Na segunda metade do século XIX as autoridades portuguesas procuraram definir as suas fronteiras a norte da costa moçambicana até à foz do rio Rovuma e a presença naval tornou-se gradualmente mais frequente.

Porém, o comandante Augusto Castilho depois de recordar os portos e desembarcadouros existentes entre as ilhas do arquipélago e entre elas e a costa, diz que "é muito fácil fazer-se contrabando em muitos deles, pois nada impede que um pangaio venha da Índia carregado de fazendas e vá desembarcá-las em qualquer ponto, visto ser quase nula a nossa fiscalização".(*81)

A fiscalização da extensa costa de Cabo Delgado em 1884, segundo Augusto Castilho, "é feita por dois objectos fluctuantes, um pouco parecidos com navios, construídos ali por um zeloso governador, official de infantaria, muito conhecedor de legislação militar.
Um d'esses objectos a que chamam hiate, a quem deram o nome de Mello Gouveia, e que traz içada a flâmula, virou-se quando o lançaram ao mar, e para conseguirem que tivesse estabilidade e podesse ir até Moçambique, tiveram que lhe encher o porão de pedras e peças velhas.
O outro objecto fiscalizador, que chamam chalupa Andrade Corvo, pouco peior é do que o precedente. O que vale para que os tripulantes de ambos estes pseudo-navios não andem constantemente com o credo na boca, é em primeiro logar serem elles mouros e por conseguinte incrédulos, e em segundo logar passarem a maior parte do tempo(os objectos) em concertos na praia.
Parece-me que o governo devia ser coherente, e assim como creio que não consentiria que um official da marinha dissesse missa, também devia severamente prohibir que um official de infantaria se atrevesse a construir navios. Emquanto os dois ex-ministros quem quiseram honrar, já há muito que deveriam ter querellado da supposta honra."

No seu projecto de orçamento das receitas e despesas da província de Moçambique, António Enes propunha no relatório que apresentou ao governo em 1893, a instalação da administração pública no concelho do Ibo, onde se incluiam a colocação de comandantes militares no Ibo, Palma e Mocimboa, além de outros agentes públicos no concelho do Ibo, como um delegado de saúde, farmacêutico e enfermeiro, um juiz da comarca, uma delegação da fazenda, uma alfândega, missionários e professores da instrução primária nas freguesias do Ibo e Quirimba e, ainda, delegados da capitania dos porto no Ibo, Palma e Mocimboa.

Em finais do século XIX a recém formada Companhia do Niassa estabeleceu a sua sede no Ibo, a administração foi instalada e a vila cresceu. Para além da igreja matriz e do forte que então só tinha 15 peças de artilharia e que no interior dispunha de alojamento para 300 homens, surgiram novos edifícios, como a Intendência do Governo, o Tribunal da Comarca, a sucursal do Banco Nacional Ultramarino, o Teatro Iboense, várias agências de navegação, sete consulados estrangeiros e escritórios de advogados.(*82)

Em 1904, o comandante Leotte do Rego referia que a vila do Ibo dispunha de "grande número de habitações regulares, distribuídas em 10 ruas, com 25 ou 30 edifícios de alvenaria, com um andar e terraço vasto, com mais de 400 casas de madeira, barradas por fora e por dentro caiadas, cobertas de folhas de palmeira a que os naturais chamam macuta. No centro da povoação há um grande jardim público, simetricamente arruado, tendo as árvores mais frondosas da ilha; e junto dele fica, de um lado, a igreja matriz, e, do outro, a residência do governo. Nos arredores da vila não há mais de 300 ou 400 palhotas, mal construídas, mas alinhadas".(*83)

*79 - Leotte do Rego, Op. cit., p. 19.
*80 - João Loureiro, Postais Antigos da Ilha de Moçambique & Ilha do Ibo, p. 12.
*81 - Augusto Castilho, Relatório acerca de alguns portos da província de Moçambique, p. 51;
*82 - João Loureiro, Op. cit., p. 12.
*83 - Leotte do Rego, Op. cit., p. 90.

--> Continua.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.

O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

- Do mesmo autor neste blogue:

  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!


  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!


  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de Mocimboa da Praia - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 1 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 2 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 3 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - A Ilha do Ibo - Aqui!

- Outros post's deste blogue que falam do Ibo e região, com textos e documentos do também historiador e profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas e de Moçambique, Dr. Carlos Lopes Bento - Aqui, aqui, aqui!

11/04/08

Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 3

(Continuação daqui.)

... Em 1857 ocorreu a primeira tentativa importante para ocupar a baía de Pemba com colonos portugueses com a finalidade de criar um núcleo populacional e fixar uma autoridade administrativa forte na região, que foram transportados desde Lisboa na escuna Angra.

No entanto, apesar da presença desta escuna, só a partir de 1861 foi reforçada a repressão do tráfico de escravatura na costa moçambicana com a presença das canhoneiras Barão de Lazarim e Maria Ana, que eram navios modernos e tinham propulsão a vapor.(62)

Embora a atividade operacional destas duas canhoneiras fosse mais acentuada nas áreas para sul da Ilha de Moçambique, navegaram também na baía de Pemba, no porto do Ibo, e na baía de Tungue, correndo a costa até Cabo Delgado, para além de terem visitado Zanzibar em 1861 para apoiar uma visita do governador de Moçambique nas negociações que regularmente mantinha com as autoridades zanzibaristas, para resolver a questão dos limites da fronteira norte de Moçambique. ...

Porém, o negócio da escravatura não acabou com a ação repressiva que foi conduzida pela Marinha e, em príncipios do século XX reacendeu-se, "porque a Marinha Britânica já não vigiava aquelas costas havia muito tempo e a dos portugueses, afligida pelos seus crónicos problemas, só raramente saía dos portos".(63)

Os registos da canhoneira Chaimite revelam que, entre 1901 e 1905, aquele navio ainda andou empenhado na repressão do tráfico da escravatura na região de Angoche, embora não haja referências a esse tipo de actividade na área do arquipélago das Quirimbas.

Em 1931, depois de se referir ao império de terror exercido pelos aprisionamentos dos árabes e pelos massacres dos Manguanguaras que iam reduzindo a população e cortando as comunicações do interior com o Ibo e com o Tungue, escrevia João Coutinho que o tema da escravatura ainda era abordado: "Hoje, porém, as influências alemã e inglesa na costa têm, por um lado, dificultado grandemente o tráfico humano, a ponto de podermos esperar que, apesar de ainda que não de todo extinto, dentro em pouco só existirá dele a memória; e por outro lado, os Maguanguaras têm, de há anos para cá, ido acabando com as suas incursões desde que algumas povoações ajauas nãso só se defenderam com vantagem, como também lhes inflingiram rudes castigos. Acresce que os os árabes vão desaparecendo dali desde que o seu género comercial não tem extracção por falta de mercado, e assim, mercê dos vigilantes occupadores da costa, têem abandonado o seu commercio illicito que, ha annos ainda, levava annualmente mais de 2:000 escravos da riqussima região do Cabo Delgado".(64)

*62 - A canhoneira Barão de Lazarim foi construída no Arsenal da Marinha e foi o primeiro navio a vapor construído em Portugal.
*63 - René Pélissier, História de Moçambique, Vol. I, p. 383.
*64 - João Coutinho, do Nyassa a Pemba, p.8.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.

O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

- Do mesmo autor neste blogue:

  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!
  • Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de Mocimboa da Praia - Aqui!
  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 1 - Aqui!
  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 2 - Aqui!

- Em breve neste blogue:

  • A Ilha do Ibo;
  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

11/13/08

Retalhos da História de Cabo Delgado - A ILHA DO IBO.

Dedico este post a meu muito prezado e querido Amigo António Baptista Carrilho.

Situada próximo da ilha Quirimba e com fácil ligação com ela, a ilha do Ibo tem cerca de 10 km de comprimento e cerca de 7 km de largura, sendo muito plana e arborizada.

Na sua parte norte localiza-se a vila do Ibo, o mais importante agregado populacional do arquipélago das Quirimbas.

Gaspar Ferreira Reymão que em princípios do século XVII invernou na ilha do Ibo na sua viagem para a Indía, refere que a ilha tem "uma fortaleza, cercada bastante para se defender dos cafres, que às vezes passam de guerra de baixa mar a pé as ilhas, com muito bom aposento de casas de pedra e cal, capazes para se aposentar nelas a pessoa de um Vice-rei, como esteve Rui Lourenço de Távora com toda a sua casa".(43)

Mais tarde, no ano de 1644, o "regimento e roteiro para virem de Portugal embarcações em direitura à ilha de Ceilão", recomenda que as embarcações "virão a Moçambique refrescar-se, ou ao Ibo, que é melhor, e tem mais água naquele porto, de onde partirão para a Índia nos primeiros dias de Agosto".(44)

Porém, em meados do séc. XVII, apesar de ter "bom aposento de casas de pedra e cal" e de ter "mais água" no seu porto, a ilha do Ibo entrou em acentuada decadência, como de resto aconteceu com as restantes ilhas do arquipélago, num processo em que se conjugaram muitos factores, que correspondem a um duplo abandono: o abandono dos residentes que inseguros e indefesos fugiam das frequentes incursões dos árabes de Zanzibar e Mombaça, mas também o abandono dos portugueses que deixaram de frequentar a região quando alteraram as suas rotas da carreira da Índia para evitarem a hostilidade holandesa no mar.

Adicionalmente, a partir da mesma época, o interesse português estava centrado no Brasil e todas as possessões portuguesas do Índico estiveram sujeitas a um certo tipo de isolamento ou mesmo de abandono.

No entanto, em meados do sé. XVIII, quando o comércio de escravos se tornou uma prática corrente na costa oriental africana, a ilha do Ibo prosperou rapidamente como um dos mais importantes elos dessa lucrativa cadeia dominada pelos mercadores árabes. A hidrografia da região proporcionava boas condições de acesso ao litoral e as ilhas vizinhas garantiam abrigos e fundeadouros seguros e discretos aos traficantes.

A povoação do Ibo cresceu com esse comércio intenso e surgiram novas actividades e novos edifícios, enquanto a sociedade local, que até então era predominantemente macua, foi acrescentada com elementos árabes e indianos, mas também com muitos mestiços e, em menor grau, com portugueses.

Quando em 1752 a reforma pombalina decretou uma nova organização para os territórios ultramarinos portugueses, Moçambique autonomizou-se e foi separado do governo de Goa, passando a ser governado por Francisco de Mello e Castro que, de acordo com as instruções recebidas de Lisboa, determinou que a fortaleza existente no Ibo fosse substituída por uma outra, numa tentativa de levar as posições territoriais portuguesas mais para o Norte.

A nova fortificação foi construída em 1754 e foi baptizada como Forte de S. João Baptista mas, em 1791, foi reconstruida e reforçada na ponta NW da ilha, tendo a forma de uma estrela com muralhas de 16 pés e sem fosso. A protecção da ilha foi ainda assegurada por dois fortins: o fortim de S. José, localizado a SW da ilha e que era artilhado com 9 peças e o fortim de S. António, situado a SE da ilha e que era artilhado com 6 peças.(45)

Com esta proteção fortificada, a ilha do Ibo ficou mais ligada aos interesses portugueses, garantiu alguma autonimia em relação à influência mercantil e cultural árabe, conseguiu resistir às tentativas francesas e holandesas para dela se apossarem e, também, aos assaltos dos sakalavares de Madagáscar que tinham começado a fazer incursões e assaltos naquela área.

No entanto, a autoridade portuguesa do Ibo parece não ter sido suficientemente interessada e eficaz na repressão da escravatura, que terá sido muito importante naquela área até quase ao final do século XIX.

*43 - Gaspar Ferreira Reymão, Op. cit., p. 32.
*44 - Alberto Iria, Op. cit., p. 102.
*45 - Leotte do Rego, Op. cit., p. 89.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.

O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

- Do mesmo autor neste blogue:


  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!


  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!


  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de Mocimboa da Praia - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 1 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 2 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 3 - Aqui!

- Outros post's deste blogue que falam do Ibo e região, com textos e documentos do também historiador e profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas e de Moçambique, Dr. Carlos Lopes Bento - Aqui e aqui!
- Em breve neste blogue:

  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

11/28/08

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento, parte 4.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.

O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações e continuamos daqui:

PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(Antropólogo e professor universitário)

Continuando...
... ...haver a preocupação de confirmar ou desmentir os factos que serviram de base aos seus trabalhos, aceitando-os sem grandes cuidados de crítica e de análise, como verdadeiros.
Estes são alguns dos dados, produto de uma investigação aprofundada sobre as fortificações da Ilhas de Querimba, sujeitos a alterações sempre que novas pesquisas os infirmem.
Julgo que está justificada a sua divulgação.

BIBLIOGRAFIA
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO
* Códice 1310 - Registo de Instruções (...) e de todas as cartas e mais papéis de serviço que este governo escreveu para os portos de Sena, Quelimane, Sofala, Inhambane, Ilhas de Cabo Delgado e Goa (1753-1756), p.p. 135 e segts..
* Códice 1312 - Sinopse das nomeações e promoções da Administração Civil e Militar (1753-1761).
* Códice 1321 - Copiador de Cartas (1760-1767).
* Códice 1322 - Copiador de Cartas (1760-1778).
* Códice 1352 - Registo dos termos de posse, cartas e ordens do Cap. Gen. de Moç. para o Cap.-Mor das Ilhas (1768-1796).
* Códice 1355 - Registo de portarias, patentes, provisões, cartas de sesmaria, alvarás e alguns treslados de bandos.
* Códice 1427 - Registo de correspondência com as Ilhas de Cabo Delgado (1828-1848), p.p. 161.
* Códice 1474 - Registo do termo de criação da Alfândega e Alvará dos direitos da mesma.
* Códice 1475 - Livro dos registos oficiais do feitor das Ilhas de Cabo Delgado e Balanço Anual da sua receita e despesa (1787-1810), p.p. 170.
* Códice 1477 - Registo do Regimento da Alfândega e de correspondência oficial (1785-1817).
* Códice 1478 - Registo de correspondência oficial do Cap. Gen. de Moç. enviada aos capitães comandantes das Ilhas de Cabo Delgado (1786-1821), p.p. 170.
* Documentação Avulsa de Moçambique - 2ª Secção


Manuscrita
Nº 513 - Plano e perfil da Fortaleza que o IIImº e Exmo. Snr. Governador, Capitão General de Mossambique, António Manuel de Melo e Castro, mandou fazer na Ilha do Ibo, Capital das de Cabo Delgado, que dezenhou por ordem do mesmo Snr. o Cappitão da Primeira Companhia de Granadeiros da Praça de Mossambique António José Teixeira Tigre (c. 1791).
Nas 524-525 - Planta do forte velho da Ilha do Oybo, Capital das de Cabo Delgado/Planta A (tem legenda, c. 1791).
Nº 560 - Planta/Da Fortaleza/De São João da Ilha/do Oibo, com Legenda/levantada em Maio de 1817/Pelo Capitão de Artilharia/António Francisco/de Paula e Hollanda Cavalcanti. [Petipé de] 30 braças [e de] "30 pés"; D. 367x236; MS; Color; Av.


Impressa
Nº 181 - Planta do Forte Velho da Ilha do Ibo, Capital de Cabo Delgado. 0,245x0,390, colorida. Ver Ofício do Governador António Manuel de Melo e Castro, datado de Moçambique, 22/8/1791. Enc. VIII.
Nº 183 - Planta da Fortaleza de São João da Ilha do Ibo. Levantada em 1817, pelo Capitão de Artilharia António Francisco de Paula e Hollanda Cavalcanti. 0,368x0,495, colorida.
Nº 184 - Planta da Fortaleza de São João do Ibo das Ilhas de Cabo Delgado. Tirada em 6/7/1831 e oferecida à Correcção do Governador e Capitão General da Capitania de Moçambique Paulo José Miguel de Brito. 0,330x0,330.

NOUTROS ARQUIVOS E BIBLIOTECAS
BOCARRO, António - "Descrição das Ilhas de Querimba". In Fortalezas Portuguesas de África, B.N., Códice 11057, fls. 12 e 13.
BOTELHO, José Justino Teixeira - "O Naturalista Manuel da Silva e as suas Excursões Científicas a Moçambique nos Fins do Século XVIII". In Separata do Boletim da Segunda Classe da Academia das Ciências de Lisboa. Coimbra, 1927.
- "A Primeira Carta Orgânica de Moçambique". In Boletim da Academia das Ciências de Lisboa. Lisboa, Nova Série, Vol. I, 1929-1930, Outubro, p.p. 24-32.
- História Militar e Política dos Portugueses em Moçambique, da Descoberta a 1833. Lisboa, Centro Tipográfico Colonial, 1834, 2 Vols..
GALVÃO, Henrique e SELVAGEM, Carlos - Império Ultramarino Português - Monografia do Império. Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade, 1953, Vol. IV, p. 440.
MONTEIRO, Fernando Amaro e VERIN, Pierre - "Sites et Monuments de Madagascaret de l'Océan Indian - Notes sur Ibo, Ville du Mozambique attaquée par les Sakalava". In Bulletin de Madagascar, Octobre/Novembre, 1970, nas 293 e 294, p.p. 187-189, mapa e foto.
REGO, Jaime Daniel Leote do - Guia de Navegação do Canal de Moçambique. Lisboa, I.N., 1904.
REIMÃO, Gaspar Ferreira - Roteiro da Navegação e Carreiras da Índia, com os seus Caminhos, e Derrotas, Sinais ... (25/3/1600), tirado do que escreveu Vicente Rodrigues e Diogo Afonso, pilotos antigos, agora novamente acrescentado, por Gaspar Ferreira Reimão ... piloto-mor destes Reinos de Portugal. Lisboa, B.N., Códice 1333, 1612 e A.G.C., 2ª Edição, Códice 1939.
SOUSA, A. Gomes e - "As Ilhas Quirimbas". In B.S.E.M., Ano XXIX, nº 122, Maio/Junho, 1960, p.p. 127-478.
TORRES, José de Castelo Branco Ribeiro - "Resenha Histórica do Regulado da Arimba". In Moçambique - Documentário Trimestral, nº 5, 1936, p.p. 123-127.
- "As Ilhas de Quirimba". In Moçambique - Documentário Trimestral, nº 12, Outubro/Dezembro, 1937, p.p. 107-111.
- "Os Portugueses e as Ilhas de Querimba". In Moçambique - Documentário Trimestral, nº 15, Julho/Setembro, 1938, p.p. 71-85.
Moçambique- Documentário Trimestral, nº 8, Outubro/Dezembro, 1963, p.p. 83-88.
REGO, Jaime Daniel Leote do - Guia de Navegação do Canal de Moçambique. Lisboa, I.N., 1904.
VERIN, Pierre - "Observations Preliminaires sur les Sites du Mozambique".In AZANIA, Vol. V, Dar-es-Salam, Azania, 1970, p.p. 184-188, 1 mapa.

12/10/08

Retalhos da História de Cabo Delgado: Breves notas sobre a população do Distrito de Cabo Delgado em 1858.

Por Carlos Lopes Bento (1)

No ano em que Pemba, (antiga Porto Amélia) está a comemorar os seus 50 anos de elevação a cidade, entendi, como forma de lhe prestar homenagem, bem como a todos aqueles que, de algum modo, contribuíram, através dos anos, para o seu engrandecimento, trazer a público alguns dados sobre a população, que há 150 anos povoava o distrito de Cabo Delgado e como se distribuía geograficamente.

Segundo a informação fornecida pelo então Governador interino João da Cunha Carvalho, relativa ao ano de 1858, o distrito estava dividido em sete Capitanias, a saber:
Estas sete capitanias, duas insulares- Ibo e Querimba- e cinco situadas, junto à costa marítima, em terras firmes ou continentais, de que faziam parte 34 núcleos populacionais, eram habitadas por 23 361 pessoas, distribuídas por 9.776 fogos, das quais 11.996 eram do sexo masculino e 11 365 do sexo feminino. Este total de população incluía: “indígenas, livres e libertos, europeus, asiáticos e escravos”. Com excepção da do Ibo, nas restantes Capitania existia como autoridades locais: 1 capitão-mor, 1 sargento-mor e 1 cabo das terras, que era o chefe de polícia.

As capitanias mais povoadas eram a de Quissanga, com 8.749 habitantes e a do Ibo, com 5.448.

Situavam-se próximas uma da outra, sendo a primeira a principal porta entrada e de saída do comércio da Vila do Ibo.

Estas duas povoações tinham mais do dobro da população total do distrito, seguindo-se a de Mocimboa situada mais a norte.

A capitania mais a sul e mais próxima da baía de Pemba era a de Arimba, situada a sul da de Querimba.

Geograficamente, de sul para norte, existiam as capitanias de: Arimba, Querimba, Ibo, Quissanga, Olumbua, Pangane e Mocimboa. Daqui se deduz que, então, o Distrito de Cabo Delgado tinha como limites: a norte, Mocimboa e a sul, Arimba. Para além deles, encontravam-se as “Terras sujeitas ao governo de Régulos”:

- A norte, tínhamos, defronte da ponta denominada Cabo Delgado, a povoação de Tungue, um pouco a norte da baía do mesmo nome, que era habitada por Suaílis e Mujojos, dependentes politicamente do Sultão de Tungue, Amade Sultane.

- A sul, situava-se a baia de Pemba em redor da qual dominavam os régulos Said-Aly, Mugabo, Motica e Mazeze, entre outros, estendendo-se a jurisdição deste até ao rio Lúrio, limite sul do território do distrito de Cabo Delgado.

Quanto à origem étnica e religião da população, as informações fornecidas em 1858, apenas, se referem às ilhas do Ibo e de Querimba: Na primeira estavam incluídos: 11 europeus, 3 filhos de Goa, 23 gentios entre batiás e baneanes e na segunda, 3 europeus.

Anos antes, em 1855, o governador Jerómino Romero, - responsável pela instalação da Colónia Agrícola de Pemba, verificada a partir de 1857, na sua obra “Memória Acerca do Distrito de Cabo Delgado” - fornece-nos alguma informação sobre a população, livre e escrava, do seu Distrito, que incluía cristãos, mouros, baneanes e batiás.

Numa simples análise dos dados fornecidos em 1855 e 1858 verifica-se uma grande diferença nas frequências relativas à totalidade da população do Distrito, que, num diminuto espaço de tempo, passou de 6.607 para 23.361 habitantes. Ela deverá estar relacionada com a aplicação da Portaria nº 315, de 15.10.1855, que estabeleceu o Registo Civil em Moçambique, determinando “a inscrição de todos os habitantes da cada circunscrição administrativa e se note com toda a regularidade o movimento da população de todos os pontos de vista”. No seu artº 1º determinava-se que:

“Todo o chefe de família formulará, segundo um modelo que deverá ir receber da autoridade, uma relação nominal de todas as pessoas, de qualquer condição que sejam, das quais se compuser a sua família, no dia 31 de Dezembro do corrente ano, designando a sua respectiva idade, religião, estado, ocupação, &, como irá mencionado no mesmo modelo, a qual relação entregará à competente autoridade no dia 1º de Janeiro de 1856, ou nos dias imediatos segundo a distância a que estiver a sua morada”.

Aqui deixo estas breves notas para que as gerações mais novas, de Moçambique e de Portugal, conheçam mais alguns dos traços da sua História comum.
(1)- Prof. univ. e antropólogo.

  • Post's deste blogue sobre "Retalhos da História de Cabo Delgado" onde se incluem trabalhos do Prof. Carlos Lopes Bento, entre outros - Aqui!

10/31/08

Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 2

(Continuação daqui.)

Oficialmente, Portugal já proibira em 1761 a importação de escravos no reino e nas Ilhas e, na época em que o tráfico se acentuou na costa oriental africana, o poder português no oceano ìndico declinava, pelo que não havia condições nem meios para controlar essa atividade, já proíbida pela legislação portuguesa de 1836.

No segundo quartel do século XIX, depois de ultrapassada a prolongada crise por que passara o país com as invasões francesas e a guerra civil, o governo português passou a enviar navios militares para Moçambique com a missão específica de reprimir o tráfico da escravatura e, frequentemente, as autoridades moçambicanas armaram navios apresados que utilizaram no combate ao tráfico.

O combate ao tráfico da escravatura intensificou-se então, com particular incidência nas zonas de Angoche e ilha de Moçambique, mas também na área do arquipélago das Quirimbas, como se verifica por alguns registos mais acessíveis.

A corveta Relâmpago, por exemplo, que antes era a barca brasileira Maria da Glória que fora apresada em 1840 por ser negreira, apreendeu no ano seguinte em Lourenço Marques o brigue D. Manuel de Portugal e o patcho Paquete da Madeira, por serem negreiros.(54)

Também o brigue Caçador Africano, que provávelmente era um negreiro apresado nesse ano de 1841, permaneceu na costa moçambicana entre 1841 e 1844 com a missão de perseguir o tráfico de escravos.(55)

O brigue D. João de Castro(56) chegou a Moçambique em Setembro de 1841 e permaneceu regularmente na costa moçambicana até 1855, empenhado na repressão do tráfico da escravatura e em outras missões, tendo apresado em 1842 na área de Quelimane a barca brasileira Inês, por ser negreira.

Em 26 de Julho de 1845 fundeou "entre as ilhas Quirimbas e terra firme", perto de um brigue suspeito de se empregar no tráfico de escravos. "Um oficial enviado a bordo verificou que o navio, além de estar abandonado, dispunha o necessário para o transporte de escravos, a saber: caldeira, grande número de par de machos, mais de 200 pipas de água e muito mantimento".(57)

O comandante mandou que um oficial de 14 praças dele tomasse posse. Não existiam a bordo nem papéis, nem bandeiras e, no porão, foi encontrado um letreiro dourado com o nome de Montevideo, pelo que se presumiu que o navio era brasileiro. Na madrugada seguinte, o comandante mandou dois escaleres apreender as embarcações do negreiro que se achavam em terra. Os negreiros defenderam-se a tiro, pelo que o oficial regressou a bordo sem trazer a lancha do brigue, porque se achava muito arruinada.

Em Março de 1847 o brigue D. João de Castro apresou o brigue americano Commerce of Providence por andar no tráfico negreiro entre Quelimane e Moçambique e, em Novembro, apresou em Angoche o brigue americano Magoum.

Em Setembro de 1843 o brigue Conde de Vila Flor saíu de Lisboa para Moçambique sob o comando do 1º tenente Pedro Loureiro Pinho, a fim de ser integrado na Estação Naval e ser utilizado na repressão do tráfico, nos termos do tratado de 3 de Julho de 1842 para a completa abolição da escravatura.(58)

Em Agosto de 1845 saiu para o Ibo e depois para a baia de Pemba, onde capturou três pangaios por suspeita de serem negreiros, além de diverso armamento.

No dia 9 de Agosto, um dos pangaios capturados que fora baptizado com o nome de Pemba, largou com 24 homens sob o comando do 2º tenente Jerónimo Romero, "a correr os portos do Norte em que se suspeitava haver barcos no tráfico de escravos".

O Pemba regressou à baía de Pemba no dia 1 de Outubro, entregando "157 dentes de marfim com o peso de 85 arrobas e 25 arráteis".(59)

No dia 24 de Novembro, na baía de Pemba, largaram duas lanchas do navio, comandadas pelo 2º Romero e pelo guarda-marinha António Maria Guedes.

Quinze minutos depois de desembarcarem e começou imediatamente um tiroteio, de que resultou a morte de um grumete. No dia seguinte, o brigue Conde de Vila Flor e o brigue inglês Mutine que chegara à baía, fundearam junto à praia onde se fizera o desembarque do dia anterior.

Alguns dias depois, no dia 9 de Dezembro, com o brigue Conde de Vila Flor fundeado no Ibo, saíram 3 lanchas com uma força militar para a ilha Matemo, regressando algumas horas depois com 51 escravos. No dia 11 de Dezembro, o 2º tenente Romero desembarcou "para tomar o governo das ilhas de Cabo Delgado, por ordem do governador-geral".

No dia 19 de Janeiro de 1846 o 2º tenente Romero saiu do Ibo com 30 homens em duas lanchas para "averiguar se existiam escravos na ponta Pangane e ilha de Macaloe", conforme informações que recebera. (60)

Em 28 de Novembro de 1846 o bergantim Tejo cruzava a costa e "tomou um pangaio suspeito de traficar em escravos, fundeado no Ibo no mesmo dia"(61), enquanto a escuna Infante D. Henrique apresou um negreiro sardo nas proximidades de Angoche.

Outro navios, como por exemplo as escunas 4 de Abril e Voador, assim como a corveta Infanta Regente, estiveram envolvidas na repressão do tráfico da escravatura em Moçambique por volta de 1850.
--> Continua...

*54 - António Marques Esparteiro, Trés Séculos no Mar, Vol. XV, p. 82.
*55 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol. XIX, p. 94.
*56 - O brigue D, João de Castro foi construído em Damão em 1841 e, inicialmente, chamava-se Gentil Libertador. Em Agosto de 1841 partiu para Moçambique comandado pelo 2º tenente Jerónimo Romero.
*57 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol XIX, p. 96.
*58 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol XIX, p. 25.
*59 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol XIX, p. 28.
*60 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol XIX, p. 29.
*61 - António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol XVIII, p. 143.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.

O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

- Do mesmo autor neste blogue:

  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!
  • Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de Mocimboa da Praia - Aqui!
  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 1 - Aqui!

- Em breve neste blogue:

  • A Ilha do Ibo;
  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

9/18/08

Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de MOCIMBOA DA PRAIA

Não há informações seguras sobre a origem de Mocimboa da Praia, pois o comandante Leote do Rego é o primeiro autor que se lhe refere com algum detalhe, ao mencionar que "em 1855 havia em Mossimboa 398 habitantes christãos e mouros" e que, cinquenta anos depois, eram poucos mais (Leotte do Rego, Op. cit., p. 78.).
No entanto, nos registos da corveta Mindelo que entrou na baía de Mocimboa da Praia em Fevereiro de 1882 "a fim de fazer aguada e receber frescos", verifica-se que o seu comandante se lhe referia como um "estabelecimento português bastante importante a 50 milhas a sul de Cabo Delgado", onde foi " recebida lenha e alguma água" (António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol. XVII, p. 45.).
No seu relatório de governo, também Mouzinho de Albuquerque salienta que até 1894 a ocupação de Moçambique pelos portugueses se resumia de facto a uma estreita faixa do litoral, à excepção de alguns pontos isolados no interior, como Sena, Tete, Zumbo e pouco mais, acrescentando que no norte "apenas o Tungue, Mocimboa e Ilha do Ibo estavam ocupadas no distrito de Cabo Delgado" (J. Mousinho de Albuquerque, Moçambique (1896-1898), Sociedade de Geografia de Lisboa, 1913, p. 37.).
A concessão da Companhia do Niassa incluía Mocimboa nos seus domínios e nos registos do imposto de palhota por ela cobrado em 1903, que atingiram 13.97 contos de reis, verifica-se que Tungue rendeu 3.5, Mocimboa 2.9, o Ibo 2.28 e Porto Amélia 0.34, o que significava que, no mínimo, Mocimboa tinha alguma importância fiscal (René Pélissier, Op. cit., Vol. I, p. 378.).
Por outro lado, escreveu-se mais tarde que "Mocimboa da Praia era, em 1916, um lugar deserto na imensa costa moçambicana", "mato virado ao mar" e que "em 1917, só havia ali dois europeus, ambos funcionários da antiga Companhia do Niassa", um edifício que era a Administração do Concelho e residências de funcionários (Rodrigues Júnior, Diários de Viagem (8.000 quilómetros em Moçambique), p. 73.).
Numa visão concordante com aquela, também se escreveu que "o grande animador de Mocimboa da Praia" ou "o criador de Mocimboa da Praia", foi António Vieira, que foi telegrafista na última campanha de África (Rodrigues Júnior, Op. cit., p. 65.).
Terminada a guerra, o telegrafista António Vieira e dois companheiros fixaram-se naquele local, fizeram uma sociedade com sede no Ibo e com uma sucursal em Mocimboa da Praia, iniciando atividades agrícolas e comerciais. Como não havia estradas, os produtos eram transportados à cabeça dos carregadores desde o interior ao litoral, seguindo depois em lanchas à vela até ao Ibo, de onde embarcavam para a Europa.
"Mocimboa ficava no fim de tudo. Ali não ia vapor" (Rodrigues Júnior, Op. cit., p. 74.).
Mais tarde, o comandante João Coutinho referia-se a Mocimboa como "porto de valioso comércio", informando que as embarcações de cabotagem têm fácil acesso ao porto e que "últimamente têm ali afluido alguns produtos do interior, avultando, pelo seu preço, o marfim" (João Coutinho, De Nyassa a Pemba, p. 16.).
Em meados da década de 60 Mocimboa da Praia já era uma pequena vila onde residiam algumas famílias europeias, indianas e asiáticas, dispondo de algum comércio, um aeroporto servido regularmente pela DETA, uma ponte-cais para pequenas e médias embarcações, armazéns portuários, algumas instalações militares e diversas ruas bem alinhadas com residências de boa construção destinadas aos funcionários.
No entanto, era uma povoação isolada de onde só se podia sair por terra em colunas militares e que foi alvo de alguns flagelamentos de artilharia por parte da Frelimo.
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O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.
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O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.
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Do mesmo autor neste blogue:
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!

- Em breve neste blogue:

  • Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas;
  • A Ilha do Ibo;
  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

11/28/08

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.
O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações:

PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(1)

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Pela leitura da obra do sr. comandante Adelino Rodrigues da Costa sobre “As Ilhas de Quirimba”, que tem vindo a ser publicada em http://foreverpemba.blogspot.com/, na parte respeitante à Ilha do Ibo e às fortificações nela edificadas pelos Portugueses, verifico existirem algumas imprecisões, devidas, segundo julgo, à limitação e à natureza das fontes utilizadas. Parte do seu texto:

“Gaspar Ferreira Reymão que em princípios do século XVII invernou na ilha do Ibo na sua viagem para a Indía, refere que a ilha tem "uma fortaleza, cercada bastante para se defender dos cafres, que às vezes passam de guerra de baixa mar a pé as ilhas, com muito bom aposento de casas de pedra e cal, capazes para se aposentar nelas a pessoa de um Vice-rei, como esteve Rui Lourenço de Távora com toda a sua casa".(43)... ...

Quando em 1752 a reforma pombalina decretou uma nova organização para os territórios ultramarinos portugueses, Moçambique autonomizou-se e foi separado do governo de Goa, passando a ser governado por Francisco de Mello e Castro que, de acordo com as instruções recebidas de Lisboa, determinou que a fortaleza existente no Ibo fosse substituída por uma outra, numa tentativa de levar as posições territoriais portuguesas mais para o Norte.
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A nova fortificação foi construída em 1754 e foi baptizada como Forte de S. João Baptista mas, em 1791, foi reconstruída e reforçada na ponta NW da ilha, tendo a forma de uma estrela com muralhas de 16 pés e sem fosso. A protecção da ilha foi ainda assegurada por dois fortins: o fortim de S. José, localizado a SW da ilha e que era artilhado com 9 peças e o fortim de S. António, situado a SE da ilha e que era artilhado com 6 peças.(45)
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Com esta proteção fortificada, a ilha do Ibo ficou mais ligada aos interesses portugueses, garantiu alguma autonomia em relação à influência mercantil e cultural árabe, conseguiu resistir às tentativas francesas e holandesas para dela se apossarem e, também, aos assaltos dos sakalavares de Madagáscar que tinham começado a fazer incursões e assaltos naquela área.”
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Para que os leitores não fiquem com um conhecimento incompleto sobre tal temática, entendi divulgar alguns dados, por mim recolhidos nas pesquisas realizadas sobre os locais fortificados em Cabo Delgado, Moçambique(2) aliás, muitos deles já publicados, dando especial relevo aos edificados pelos Portugueses, no tempo da sua administração colonial. Os factos:

Para assegurarem o seu domínio e manterem uma rota marítima livre de inimigos por onde a sua frota pudesse circular com segurança, os novos ocupantes e senhores do Indico conceberam um plano estratégico e táctico, em que desempenharam papel destacado as fortalezas. Estes baluartes constituíam padrões de soberania cuja missão principal era defender tanto os portos de comércio como a penetração comercial e militar nalguns pontos do interior que, em Moçambique, se processou, numa primeira fase, ao longo do curso do rio Zambeze.

As Ilhas pela sua posição geo-estratégica em relação à ilha de Moçambique e às ilhas situadas a norte de Cabo Delgado e pela importância do seu comércio com as terras adjacentes de Montepuez e do Nyassa, cedo mereceram a atenção dos Portugueses, que nelas construíram locais de defesa adequados. É de admitir, segundo os vestígios existentes nas ilhas de Quisiva, Macaloé, Amisa e alguns locais das terras firmes próximas de Cabo Delgado(3), que muitas delas tivessem sido, anteriormente, fortificadas por Árabes e Suaílis. O seu aproveitamento pelas recém-chegadas autoridades coloniais...


  1. Antropólogo e prof .universitário.
  2. Para uma leitura completa sobre esta temática consultar em http://br.geocities.com/quirimbaspemba/capaeindice.htm, cap. VIII. Aí poderão ser encontradas todas as fontes utilizadas, não publicadas neste pequeno trabalho de divulgação, por razões óbvias.
  3. Ver: VERIN, Pierre - "Observations Preliminaires sur Mozambique", In Azania, Vol. V, 1970; MONTEIRO, Fernando Amaro, "Vestiges Archeólogiques du Cap. Delgado e de Mozambique", In Taloha 3, 1970; e GALVÃO, Henrique, Império Ultramarino Português - Monografia do Império, Lisboa, 1953, p. 24.
...portuguesas seria pouco provável visto as Ilhas ficarem arrasadas "quando as foram conquistando e tomadas (...) aos Mouros".(1)
Após a sua reconquista, no 1º quartel do século XVI, os novos senhores e foreiros, para sua defesa, viram-se na necessidade de construir habitações funcionalmente adequadas para o efeito, de que falam as descrições, desse tempo, chegadas até aos nossos dias.
As primeiras referências sobre a existência de fortificações nas Ilhas surgiriam com António Bocarro e Frei João dos Santos. Este frade dominicano, observador atento das realidades do seu tempo, assegura existir na ilha de Querimba "uma fortaleza cercada, em que mora o senhor da ilha e dono da mesma fortaleza", informação confirmada anos mais tarde por Gaspar Reimão, piloto da carreira da Índia que também esteve nas Ilhas. No seu Diário de Navegação consta:
... quanto aos sinais para identificação da Ilha de Querimba (...) é a 4ª ilha e descobrirdes a ponta da banda norte, vereis um arvoredo alto (...) e ao longo dele há uma praia, que é de areia muito alva e vereis casas grandes que é uma fortaleza e a casa de Santo António.(2)
Ainda em 1744, era feita referência à "ponta do forte da Ilha de Querimba"(3). Como as indicações um pouco anteriores a esta data, todas elas apontam para a não existência de qualquer fortificação nas Ilhas, será de admitir que tal alusão pretenderia querer significar haver ainda habitações como locais de defesa, facto que não será de excluir, uma vez que a Querimba continuava a ser a capital das outras ou então, apenas, desejaria mencionar a parte norte desta Ilha, assim denominada em recordação da localização passada das mesmas habitações. Quanto à ilha do Ibo, Gaspar Reimão não deixa dúvidas quando escreveu: "... Ficam aqui as naus da terra perto da fortaleza e da povoação"(4).
António Bocarro também o atestaria depois, quando na sua obra indicou ter esta ilha a "sua fortaleza com falcões que não mais é que uma casa de sobrado, de pedra e cal, que fez o dito senhorio."(5). Documento da mesma data e dela próxima, de autor anónimo, refere que a mesma Ilha "tem senhorio (...) e fortificação" que se destina a defendê-la "da terra firme que lhe fica perto com vau"(6). De salientar ainda a nota deixada numa carta, por um cartógrafo, segundo a qual o "Oybo tem boa barra e fortaleza"(7).
A norte da ilha do Ibo, o senhorio da Ilha de Macaloé construiu "nela uma casa de pedra e cal assobradada que lhe serve de forte"(8). Testemunhos, dos meados do século XVIII, referem ter existido, naquela Ilha, "uma fortaleza quadrangular, em forma de paralelogramo quase prolongado, com quatro baluartes de pedra e cal, parte da qual que cai para a praia com dois baluartes estava em ruína não há muitos anos e a que olha para terra em muitas partes demolida do tempo."(9)
Mais a norte dá-se como existente, no século XVI, uma fortaleza em Cabo Delgado Palma Velho desenhou-a na sua Carta Corográfica.Perante estas evidências factuais pode avançar-se com a explicação de que nos séculos XVI, XVII e parte do XVIII, os locais fortificados existentes nas ilhas, onde residiam os seus foreiros, então homens poderosos, eram casas assobradadas com falcões, construídas a pedra e cal, que para além de residência, serviriam também de igreja, de local de defesa e até de prisão. Ainda nos finais do século XVIII, as coisas se passavam, um pouco dessa maneira, na jurisdição da Amisa. Os seus principais...


  1. SANTOS, João dos, Etiopia Oriental, Vol. I, p. 274.


  2. REIMÃO, Gaspar, Roteiro da Navegação e Carreiras da Índia, com os seus Caminhos, e Derrotas, Sinais ... (25/3/1600),., fls. 12v.


  3. B. N., Códice 617, "Livro de Bordo da Fragata Nossa Senhora da Oliveira, na sua viagem de Goa para Moçambique", Diário de 19/3/1744, fls. 13v.


  4. REIMÃO, Gaspar, op. cit., fls. 17v.


  5. BOCARRO, António, Fortalezas Portuguesas ..., fls. 12v. Assinalada na carta de Palma Velho.


  6. B. N., Códice 29, cit., fls. 7.


  7. REIS, André Pereira dos, "A Costa Africana de Moçambique às Ilhas de Querimba", Carta de 1654, In Portugalia e Monumenta Cartográfica, cit., Vol. V, Estampa 542A.


  8. BOCARRO, António, op. cit., fls. 12v.


  9. ANONIMO, Notícia acerca da África Oriental Portuguesa. B. N., Reservados, X-2-10, Cx. 16, nº 58, c. 1758. Com pequenas alterações o mesmo texto encontra-se em Notícias dos Domínios Portugueses na Costa Oriental de África de Inácio Caetano Xavier, p. 150. Segundo Alexandre Lobato a elaboração da dita Notícia terá pertencido a Morais Pereira e teria sido escrita em 1758.

...moradores para se prevenirem dos ataques, nocturnos e diurnos, que os povos das terras firmes lhe costumavam fazer, fortificavam-se nas respectivas residências.
As casas fortaleza utilizadas, com o decorrer do tempo e à medida que se intensificava o tráfico de escravos e o número dos seus praticantes, tornaram-se incapazes de cumprir a sua missão de defesa, pelo que foi necessário a construção de locais fortificados próprios.
Sobre as três fortificações erigidas na ilha do Ibo, nos séculos XVII e XVIII e que chegaram aos nossos dias, Fortim de S. José, Fortaleza de S. João Baptista e Reduto de Santo António, alguns dados essenciais:
(clique na imagem para ampliar)
- Continua em próximo post...

10/29/08

Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas.

O arquipélago das Quirimbas está situado numa região que, sobretudo nos séc. XVIII e séc. XIX, foi particularmente assolada pelo tráfico da escravatura, que tinha na ilha de Zanzibar o seu grande mercado na costa oriental da África.(46)

"Em Stone Town, a zona antiga de Zanzibar, homens, mulheres e crianças eram enclausuradas em celas mínimas (duas das quais ainda existem) e deixados sem comida ou bebida. Alguns eram amarrados a um poste e chicoteados para se descobrir até que ponto aguentavam a dor, e depois estabelecer o preço conforme a força e a resistência. Em meados do século XIX eram vendidos todos os anos cerca de 50 mil escravos no famosos mercado de escravos de Zanzibar. Muitos pertenciam a Tippu Tib, o mais famoso comerciante de marfim e escravos de África, que levou a cabo grandes expedições ao interior do continente, onde os chefes tribais lhe vendiam os seus habitantes a preço baixo. Em pouco tempo Tib tornou-se num dos homens mais ricos de Zanzibar, sendo dono de 10.000 escravos e várias plantações. A escravatura persisitiu em Zanzibar até 1897". (47)

O tráfico da escravatura na costa oriental africana foi um fenómeno anterior à chegada dos portugueses e era uma prática corrente na região, a que se dedicavam desde há séculos os negreiros árabes e os swahilis, que eram um povo islamizado e mestiço, cujos centros de comércio eram, principalmente, Zanzibar, Quiloa e as ilhas Comores.

A influência islâmica estendia-se à costa moçambicana e os árabes dominavam o comércio marítimo na costa moçambicana através da sua instalação em Sofala, Quelimane, ilha de Moçambique e ilhas Quirimbas.

Na sua primeira viagem para a Índia, a armada de Vasco da Gama conheceu a hostilidade árabe na costa oriental da África, sobretudo a partir da ilha de Moçambique e especialmente em Mombaça, certamente porque estes anteviam que o seu monopólio comercial iria ser posto em causa pelos portugueses.

Progressivamente, assim aconteceu, porque os portugueses passaram a controlar o comércio do ouro e do marfim, sobretudo em Sofala e na região da Zambézia, enquanto os árabes que tinham recuperado Mascate, Mombaça, e outros pontos a norte do Rovuma, intensificaram o seu negócio da escravatura destinado sobretudo ao mercado de Zanzibar.

No entanto, embora em escala reduzida, os portugueses também estiveram envolvidos nesse negócio e a passagem seguinte, extraída da Etiópia Oriental de Frei João dos Santos, é elucidativa: "Estes escravos de todas estas terras que tenho apontado, todos, ou a maior parte deles nasceram forros, mas estes cafres são tão grandes ladrões que furtam os pequenos, e trazem enganados os grandes até às praias, onde os vendem aos portugueses, ou aos mouros, ou a outros cafres mercadores que tratam nisso, dizendo que são seus cativos."(48)

Porém, até finais do séc. XVIII o tráfico foi diminuto, comparado com o que sucedia na costa ocidental africana, mas começou a intensificar-se quando os franceses passaram a necessitar de mão-de-obra para as suas plantações das ilhas do`Índico, indo buscá-los a Moçambique e às ilhas Mascarenhas. Alguns portugueses estiveram envolvidos nessa actividade, enquanto os franceses fugiam do controlo das autoridades e das taxas aduaneiras portuguesas, negociando directamente com os swahilis, os quais por vezes armamram fortemente para que combatessem as autoridades portuguesas.

O tráfico negreiro desenvolveu-se através de agentes europeus e africanos, porque era necessária a participação activa dos chefes africanos locais que se encarregavam das capturas que depois negociavam com os negreiros.

As necessidades de mão de obra em diversos territórios eram grandes e daí surgiu uma verdadeira indústria da escravatura em que participou gente das mais diversas nacionalidades, tais como portugueses, franceses, holandeses, espanhóis, ingleses, flamengos, alemães, dinamarqueses, brasileiros, americanos e outros, quase sempre clandestinamente, mas também organizados em companhias comerciais.

Ao longo do séc. XIX o tráfico manteve-se muito activo na costa moçambicana, sobretudo nas áreas de Angoche, Infusse, baía da Condúcia, baía de Mocambo, ilha de Moçambique e, em menor grau, no arquipélago das Quirimbas.

Em 1836 o tráfico foi proibidos pelas autoridades portuguesas, mas essa proibição era relativamente simbólica, pois não havia quem quem fizesse cumprir a lei que se opunha aos interesses árabes, swahilis, franceses e aos de alguns administradores e comerciantes portugueses corruptos.

Em Setembro de 1843 o Governo Português recomendava ao Governador Geral de Moçambique "a supressão do tráfico da escravatura, pedindo informações acerca da existência de uma barraca em Quivongo, que faz recair suspeitas sobre o Governador de Quelimane" e, "no mesmo ano, mandava o Governador Geral de Moçambique instaurar acções cíveis e militares contra os implicados no tráfico de escravatura feita pelo brigue Phoca, já condenado pela Comissão das presas da ilha de Bourbon".(49)

Entre 1830 e 1860, a rede afro-islâmica tornara-se a maior traficante de escravos da região, recolhendo-os nos seus pangaios abicados em reentrâncias e rios quase inacessíveis e fazendo depois o seu transporte para Zanzibar, Quiloa, Mombaça e ilhas Comores. Num relatório elaborado pelas autoridades inglesas do Cabo, citado por Eduardo Mondlane, referia-se que em 1866 "no Ibo, Ponta Pangane, Matemo, Lumbo, Quissanga e Quirimba foram vistos 5000 a 6000 escravos prontos para embarque... e no estabelecimento da baía de Pemba não havia outro tráfego que não fosse de escravos".(50)

António Lopes da Costa Almeida, no seu monumental trabalho intitulado Roteiro Geral publicado em 1840, refere-se à vida económica da ilha de Moçambique e escreve que "exportão-se daqui Escravos para a India, ilhas Maurícias, rio da Prata, e Brasil, também raiz de Columbo, Marfim, Ouro, que vem do Zeno, e Sofala, posto que deste género seja pouca quantidade; também Âmbar, e Cauriz (que são uns pequenos búzios, que nas classes indigentes Girão como dinheiro); notando que todo o negócio aqui he por lei exclusivo para os Portuguezes".(51)

Porém, outras informações divergem desta. Segundo António Carreira o comércio de escravos era feito a partir de Mombaça para sul, até Mikindani, que se situa para além da foz do rio Rovuma e fora da área moçambicana.

"Era esse o sector que fornecia maiores contigentes de escravos. Na área própriamente de Moçambique deveriam ser adquiridos alguns escravos, mas numa percentagem muito menor".(52)

Alguns portugueses estiveram envolvidos no negócio da escravatura, como por exemplo o negociante-armador José Nunes da Silveira que possui uma frota de 20 navios.

No entanto, só dois deles, os brigues Delfim e Golfinho S. Filipe Nery, ambos anteriormente ao serviço das carreiras comerciais para o Extremo Oriente, estivertam envolvidos no tráfico de escravos na oriental africana, o primeiro a partir de 1795 e o segundo, a partir de 1801.(53)
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*46 - A ilha de Zanzibar fica situada a cerca de 300 milhas para norte da fronteira moçambicana, tem 1656 km² de superfície, está situada a 35 km da costa africana e atualmente pertence à Tanzânia.
*47 - Christy Ulrich, in http://nationalgeographic.pt/
*48 - Frei João dos Santos, Op. cit. p. 300.
*49 - Repertório remissivo de legislação da Marinha e do Ultramar (1517-1856). Imprensa Nacional, Lisboa, 1856, p. 310.
*50 - Eduardo Mondlane, The Strugle for Mozambique, p. 32.
*51 - Costa Almeida, Roteiro Geral dos Mares, Costas, Ilhas e Baixos Reconhecidos no Globo, Parte V, p. 55.
*52 - António Carreira, O Tráfico Português de Escravos na Costa Oriental Africna nos começos do século XIX, p. 28.
*53 - António Carreira, Op. cit., p. 13.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.

O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

- Do mesmo autor neste blogue:

  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!
  • Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de Mocimboa da Praia - Aqui!

- Em breve neste blogue:

  • A Ilha do Ibo;
  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

11/28/08

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento, parte 2.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.

O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações e continuamos daqui:
PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(Antropólogo e professor universitário)



Continuando...

FORTIM DE SÃO JOSÉ

As autoridades de Moçambique e da Índia, a partir do primeiro quartel do século XVIII, face ao constante aumento de interesse dos Franceses e Ingleses por Moçambique, excelente território para o fornecimento, em condições vantajosas, de escravos, começaram a preocupar-se, seriamente, com as Ilhas de Querimba ou de Cabo Delgado e com a sua defesa, uma vez que estava em jogo a segurança a Moçambique, da capital da Capitania Geral e demais portos da sua jurisdição.

Com o desenvolvimento do tráfico de escravos e consequente aumento do comércio clandestino, as autoridades portuguesas, sem meios de acção, foram perdendo prestígio e capacidade para gerir uma situação cada vez mais complexa e difícil de controlar.

As Ilhas que, até então, tinham constituído uma eficaz e firme barreira, pelo norte, do restante território sob o domínio português, encontravam-se, nos meados daquele século XVIII, sem qualquer fortificação digna desse nome e "em tais termos que é providência grande de Deus não se ter inserido nelas alguma nação estrangeira, mui, especialmente, naquelas que ficam mais a norte, vizinhas de Cabo Delgado, por lá não residir homem branco algum e aqueles cafres serem de condição de amigos de novidade ... ."(1)

Receava-se a perda das Ilhas de Cabo Delgado e, com a sua queda, de todo o território moçambicano. Para ultrapassar esta fase crítica, o Governo da Índia fizera saber a Lisboa da conveniência de "fortificar-se alguma das Ilhas para ao menos se arvorar uma bandeira da nação, porque de não a haver, tomam os Franceses pretexto para entrar nelas".

As suas condições eco-geográficas limitariam essa escolha, pois, nem todas poderiam "ser fortificadas por não haver nelas portos capazes de ancorarem navios e somente na Ilha do Ibo há uma grande baía de fundo para todo o lote de naus e junto a ela uma coroa de areia capaz de fortificação, a qual se deve erigir e por nela um capitão-mor com guarnição (...), porque doutra sorte se virão a perder e por ali entrava primeiro a ruína desta conquista toda". Reconhecia-se a importância e a necessidade urgente de uma obra de defesa, indispensável para proteger a barra do Ibo, manter o respeito dos habitantes ao seu Governador, conter "os diferentes régulos da terra firme com que avizinham, de cujo comércio dependem inteiramente as mesmas Ilhas". Mas mais do que essa obra, procurava implantar-se novos símbolos que aos olhos das populações locais, submetidas ou não, e dos estrangeiros, demonstrassem mais poder, autoridade e força.

Os levantamentos prévios da área pareciam apontar para a escolha da ilha do Ibo, que era aquela que oferecia melhores condições para a implantação de uma fortaleza.

Por influências de moradores locais ou por outras razões, para as quais, por agora, não se encontram explicação, optou-se pela ilha de Matemo, que com as ilhas do Ibo e Querimba forma uma enseada e um surgidouro, sendo o mais capaz e mais seguro o situado "entre a Ilha do Ibo e a terra firme, porquanto todo o fundo é limpo de pedra e consiste o fundo de areia e erva."(2)
As Instruções de 21 de Julho de 1753, provenientes de Moçambique não deixavam quaisquer dúvidas, ao determinarem que na parte sul da ilha de Matemo deveria ser erigida "uma fortificação no melhor terreno e paragem que achar para defender a entrada da barra", sendo suficiente que dispusesse de "uma bateria sobre o canal, que o defenda, capaz de sete ou oito canhões e algum fogo nos lados quanto baste a fazê-la defensável e com a capacidade de ter dentro dos quartéis, para água da guarnição(...) cisterna ou poço de que beba"(3). Para as Ilhas e segundo as mesmas Instruções, foi mandado, expressamente, um Capitão Engenheiro com a missão de examinar:
  • 1- O local mais vantajoso para a nova fortificação;
  • 2- Se no mesmo local existia pedra para a construção e da qual também se pudesse fazer cal, de modo a evitar as despesas de transporte de Moçambique e, igualmente, se havia lenha perto para os fornos de cal;
  • 3- Da existência de ostras na marinha próxima ou de pedra do mar, que localmente é designada por momba de que se faz a melhor cal, devendo na recolha de informação para além de ver, ouvir as pessoas práticas das Ilhas e o Juiz delas;

  1. A.H.U., Doc. Av. Moç. Cx. 6, Doc. 14, Carta do Cap. Gen. para o Reino, de 11/10/1745.


  2. B.N., Códice 617, cit., fls. 13v. O Capitão da Fragata levava ordens expressas para fazer "certa diligência nas Ilhas de Querimba" e para esse efeito se chegaram "para elas para melhor as conhecer". É bem provável que esse reconhecimento estivesse ligado à construção da futura fortificação.


  3. A.H.U., Códice 1310, que contém as Instruções para o Levantamento da Fortaleza da Matemo, de 21/7/1753, dadas ao Cap. Engº António José de Melo, fls. 6, e Carta de 22/7/1753, do Cap. Gen. para o Cap. das Ilhas.

  • 4- O fundo existente entre os canais que separam as diferentes ilhas, elaborando um Mapa de todas elas em que esteja desenhada a fortificação projectada na ilha de Matemo, como também de toda a costa que corre até Moçambique.
Deveria ainda o mesmo oficial elaborar o orçamento das despesas previstas para pessoal, material e fretes, fornecendo indicações sobre o número de oficiais e serventes necessários e o tempo julgado indispensável para a conclusão da obra.
No iate que transportou às Ilhas o dito Capitão Engenheiro e os seus colaboradores, seguiriam, a fazer de lastro, "vinte pipas de cal e vinte milhares de tijolo, a maior parte quebrado" e ainda alavancas, enxadas e picaretas, destinadas a principiar a construção da fortaleza que foram dados à guarda do único português morador na ilha de Matemo.
Antes do início das obras, previsto para Outubro de 1753, com a ajuda de oficiais vindos de Moçambique, havia que preparar, localmente, grande quantidade de cal que seria paga a seis cruzados o moio. Os habitantes das ilhas de Matemo e da Querimba foram convidados a manufacturar 500 moios de cal (chunambo), que seriam pagos em panos.
Tratava-se de uma construção dispendiosa para as débeis disponibilidades financeiras da Fazenda Real, apenas possível, com a ajuda dos foreiros e demais autoridades auxiliares e respectivas escravaturas.
As dificuldades financeiras porque passavam os senhores das Ilhas e algumas daquelas autoridades, especialmente, as cristãs, levou o Capitão General a estender o seu pedido de auxílio à comunidade islâmica, considerada mais obreira e próspera, mas nem sempre colaborante com os detentores do poder colonial.
Os trabalhos topográficos e hidrográficos executados na área levaram à conclusão de que a "fortaleza deve fazer-se na ilha do Ibo porque fica mais próxima ao canal do que a de Matemo" (1), que não tem barra capaz.
A este contratempo outros se iriam somar, que seriam responsáveis pelo atraso no início das obras. Apesar de facilitadas, pela existência próxima de pedra, tanto para as fundações e paredes como para o fabrico de cal, elas não arrancariam pelo facto de não haver oficiais em Moçambique e os 20 recrutados em Damão e Diutardarem a chegar.
O atraso constatado no começo do forte viria a ser aproveitado politicamente para denegrir a acção governativa de um Capitão Generalque era acusado e responsabilizado por algumas desordens provocadas por um mouro da ilha de Querimba, apenas possíveis por não estar construída a fortificação, que, aliás, o mesmo Capitão General achava indispensável para evitar o ingresso de navios estrangeiros nas ditas Ilhas.
Mas as coisas em vez de se tornarem fáceis complicavam-se. O Conselho Ultramarino solicitava a Moçambique, em 23/5/1758, Parecer sobre as fortificações levantadas e por levantar nos portos da costa de Moçambique. Em resposta o Capitão General, no que respeitava às Ilhas de Querimba, prestava uma informação que parecia contrariar todas as expectativas até então existentes. Pura e simplesmente manifestava a opinião "de que na Ilha do Ibo, cuja barra é capaz de nela entrar toda a sorte de embarcações (...) não deve haver fortificação". Como fundamento para a sua argumentação apontava como principais causas:

  • a falta de verbas para suportar as despesas necessárias e não ser possível recorrer-se a empréstimos indispensáveis para as despesas ordinárias, por não haver, baneanes ou moradores, que os possam ou queiram fazer a El-Rei de Portugal;


  • a escassez de efectivos militares para a defesa de qualquer ofensiva do inimigo e a impossibilidade de ser socorrida, com êxito, de Moçambique, devido à distância e aos ventos, por vezes, contrários, levariam a sua queda, dando-se assim ao adversário uma "casa segura" à custa de erário público;


  • a sua queda viria a ser a ruína do resto do território por a praça de Moçambique passar a ter por vizinho um poderoso inimigo que não se limitaria ao domínio das Ilhas mas intentaria alargá-lo a horizontes mais vastos;


  • e, finalmente, a posse das Ilhas por qualquer nação europeia, representaria a perda do comércio dos Yao(2).


  1. Idem, Doc. Av. Moç. Cx. 8, Doc. 41, Carta de 20/11/1753, do Cap. Gen. para a Corte. Junto com esta Carta remete-se uma planta cartografada das Ilhas e uma planta onde está desenhada a Fortificação a fazer no Ibo, que não se encontrou; Ver também Cartas de 21/11/1753, Cx. 8, Doc. 44 e de 27/12/1753, Cx. 9, Doc. 18.


  2. Idem, Ibid, Cx. 15, Doc. 63, Carta de 30/12/1758,cit . do Cap. Gen. para Lisboa e também no Arquivo das Colónias, Vol. IV, 1919, fls. 76 e 77. O Parecer do Cap. Gen. mereceu a concordância de El-Rei de Portugal (Carta de 13/8/1760, do Cap. Gen. para Cap. das Ilhas, Cx. 18, Doc. 56).

- Continua em próximo post...