6/02/11

Homenagem à Poetisa Glória de Sant'Anna

Partiu na madrugada de 02/06/2009 (hà dois anos) a Poetisa Glória de Sant'Anna !

Já alguma vez arrancou uma planta útil da terra? Não o faça. Eu sei o que sente uma planta arrancada sem culpa do seu chão. - Glória de Sant'Anna
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Homenagem à Poetisa Glória de Sant'Anna
Convite - 03 Julho 2011| 21:00 - Auditório do Centro de Arte de Ovar - Portugal

- Entrada livre
Este espectáculo constitui uma estreia ibérica e mundial.

A Cameratta Ibérica é uma formação camerística instrumental e vocal, que tem com o base a divulgação da música sinfónica e/ou orquestral, mas tocada por cinco instrumentos: clarinete, dois saxofones, trompa e piano.

Como o seu próprio nome indica, é um grupo de música de câmara, constituído por músicos portugueses e espanhóis.

Nasceu de uma ideia do seu fundador e director artístico e, também compositor e arranjador/orquestrador da camerata, o compositor e director de orquestra Vasco M. N. Pereira, que agregou à volta desta “louca” ideia o pianista Amadeu Oliveira Pinho. Posteriormente, juntaram-se os músicos espanhóis Alfonso Pineda, Antonio Mateu, Cecília Garcia e Ruben Venegas. A soprano Jacinta Almeida abraçou desde o início este projecto, por ser um projecto inovador dentro do panorama camerístico ibérico.

A primeira parte do espectáculo será dedicada à Música Instrumental e será da responsabilidade exclusiva da Cameratta. Serão interpretadas quatro arranjos de obras orquestrais para o quinteto.

A segunda parte, será dedicada exclusivamente à poesia de Glória de Sant’Anna e aos seus poemas musicados por Vasco M. N. Pereira. Também serão lidos alguns poemas da poetisa e serão interpretadas as canções pela soprano Jacinta Almeida, sendo duas acompanhada só pelo piano e as restantes, acompanhada pelo quinteto.

Ficha técnica e Artística:
Alfonso Pineda - clarinete
Amadeu Oliveira Pinho - piano
Antonio Mateu - saxofones
Cecília García - saxofones
Rubén Venegas - trompa
Jacinta Almeida - voz (soprano)
Vasco M. N. Pereira - compositor / director musical e artístico

Fonte - Inês Andrade Pais
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Mãe

Teu perfil quieto
de voz azul.

Tuas mãos antigas
de expressão concreta
e leve
dão corpo às palavras
exactas
do teu olhar,
agora no longe
e denso azul silêncio
da depuração da alma
acolhida 
pelo sossego do mar...

- Andrea Paes

TEMPO MOÇO

Deitados na caruma, de olhos fechados, sentíamos os voos das pegas–azuis, os estalos dos pinheiros e, ao longe, na ondulação dos montes, os zumbidos dos pulverizadores.

Não sei quantos anos tínhamos, talvez dezasseis, talvez dezoito ou talvez aquela idade em que não se sabe, ainda, contar os anos.

Da pequena cachoeira, a deslado de um renque de salgueiros (pareciam salgueiros...), vinham os ralhos das mulheres que lavavam a roupa, misturados com a gritaria da canalha entre barrigadas na água e correrias pelas margens.

Flutuavam aromas de Verão, o cheiro a terra e a flores silvestres entranhava-se nos corpos. Ficávamos, assim, colados ao restolho, cansados da subida, à espera que o comboio nos acordasse.

Quando o pouca-terra-pouca-terra da via reduzida atravessava a ponte, sentávamos-nos a ver aquilo: carruagens esverdeadas, andar bocejante, fumaradas de cigarro, brinquedo de cascata sanjoanina. Os nossos cabelos eram fios de sol e trocávamos olhares tão ternos como a lua contempla o mundo nas noites quentes de Agosto.

Corríamos os bardos à cata de ninhos de melros, e havia sempre, ao entardecer, um rouxinol que cantava para os lados da ramada que sombreava o poço.

Tudo era verdadeiro, a amizade existia mesmo e ninguém invejava ninguém.

Tínhamos a novidade do princípio que nunca se inicia nem acaba qual a sede num sonho.

Trepávamos ao pinoco de cimento, que comemorava o ponto mais elevado do monte, e dali abarcávamos uma vista delirante: medonhas penedias forradas por simétricas fieiras de verde tão a pique que parecia impossível um homem conseguir lá botar sulfato; estavam mesmo junto às nuvens, numa adoração telúrica que nem sabíamos se era herética ou sagrada, enquanto o comboiozinho, ao longe, pronunciava uma curva larga, em câmara lenta, pedindo que algum santo o empurrasse.

Ignorávamos o ódio que é feito daquele martírio de linguagem escolhida para a ofensa gratuita, expressa por olhos esbugalhados para perturbar a boa fé. As mãos das pessoas tinham calos e terra nas unhas, as barbas faziam-se aos domingos de manhã e o Padre madrugava com o sino da Capela a interromper os sonos.

Ecoavam os cânticos das aleluias, o toque dos santos, a adoração da hóstia e, depois, os homens iam, abençoados, de sacho ao ombro, desviar as águas para as hortas.

Líamos, às escondidas, o Crime do Padre Amaro ou Andam Faunos Pelos Bosques, enquanto as moçoilas, de caneco à cabeça assente em rodilhas, mostravam os vestidos de chitas floridas; as Mães, cansadas, catavam ganapos; os homens, nas tabernas, jogavam o monte ou o sete e meio, mastigando tabaco de onça e escarrando no chão térreo; os leilões de cravos, cestas de fruta e galos de crista vermelha fomentavam vaidades aldeãs em nome das festas de Santa Bárbara; os bailaricos de poeira, suor e olhares de soslaio alimentavam rivalidades ciumeiras.

Naquele tempo desconhecia-se a morte. Ela estava cercada por quatro paredes, no canto mais afastado da terra, e não gostávamos daqueles toques metalóides dos sinos da Igreja quando uma multidão vestida de negro se arrastava, estrada fora, como uma cobra do rio.

A morte era um eco difuso, pouco audível, que a noite, por vezes, avivava em receios de fantasmas. Depois, adormecia com a sensação de que me faltava alguém.

- De M. Nogueira Borges* extraído com autorização do autor de sua obra "O Lagar da Memória". O livro "O Lagar da Memória" foi apresentado  dia 12 de Março último na Casa-Museu Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia . Informações para compra aqui. Também pode ler M. Nogueira Borges no blogue "Escritos do Douro". A imagem ilustrativa acima foi recolhida da internet livre e editada. Clique na imagem com o "rato/mouse" para ampliar.
  • *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua - Portugal.