A apresentar mensagens correspondentes à consulta elefantes ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens
A apresentar mensagens correspondentes à consulta elefantes ordenadas por data. Ordenar por relevância Mostrar todas as mensagens

5/10/10

Retalhos: De Porto Amélia a Pemba - Conto Arquivado

Amanheceu depressa aquele Domingo de Outubro, 1967.

No largo do Posto, mal o sol espreitou, bochechudo, por entre os cajueiros da mata, sentavam-se velhos negros, encolhidos nas capulanas de caqui barato. Esperavam, em triste paciência, carpindo para os cipaios madrugadores todas as desventuras da sua noite mal dormida.

- Senhor, tem ali gente com milando grande! – anunciava, solene, no seu jeito sério, o Cabo Sanica, chefe incontestado dos cipaios administrativos da região.

O Carlos, ensonado, digerindo uma agitada sessão de king, levantou a esteira da janela baixa e lançou um “já vou” em contrariado bocejo. E o Sanica, depois de uns desajeitados salameleques, foi regressando para junto do grupo.

O Carlos era um jovem de 19 anos. Viera, havia pouco mais de um ano, das serranias beirãs para aquele sertão africano fascinante e medonho, belo e arrepiante; caixa grande de mistérios que, sonhador, se propusera desvendar. E os negros da área achavam graça àquele “menino branco” idealista, ao seu espírito aventureiro e despreocupado, qual fruto verde em chão maduro!... Mas, talvez por isso, representava a seus olhos a rampa de lançamento, através da qual faziam chegar até ao Administrador de Balama a sua nave recheada de lamentações, pedidos e mal disfarçadas exigências.

O Administrador era já pessoa idosa, vestuta, que eles não ousavam incomodar, talvez por respeito às barbas majestosas implantadas numa carranca sisuda. Era um cabo verdiano letrado, da Ilha de S. Vicente, branco ou crioulo oxigenado, e chefe duma interessante família, pessoas de educação esmerada.

Quando o Carlos, ainda esfregando os olhos, foi ao encontro do ajuntamento, por entre um interminável coro de salamas, viu naqueles rostos de ébano um problema maior, bem diferente das choramingas questões a que já o haviam habituado.

- Então o que se passa? O içar da bandeira é só às oito horas e vocês vêm para aqui tão cedo? – perguntou, em tom de graça para desenferrujar a língua muda do régulo Momola, um bondoso preto de carapinha grisalha, ancião influente, guia espiritual duma população e duma área mais vasta que todo o Alentejo; era admirado pela sua sabedoria e pela verdade com que manifestava os anseios do seu povo, de que era mandatário de linhagem.

- Tem garramo muito mau, senhor adjunto, está comer nosso povo!... nosso pede ajuda, está sofrer muito..., e continuava a explicar-se o melhor que sabia, no seu português estudado na universidade das suas velhas rugas.

Depois, todos foram dando achegas, em alvoroço: que era velho o leão solitário; entrara, noite dentro, numa aldeia do Lúrio e levara a mamana do Jamisse; mas que andava havia já muito tempo na região, pois saciara a sua sede e fome carniceira em dezasseis vítimas, homens, mulheres e crianças...

- Então porquê só agora vêm dizer-mo?
- Ah, senhor, nosso andava a preparar armadilha, mas aquele garramo não tem bom, não! Tem esperto no cabeça: ginga, ginga, e não deixa apanhar...-, e continuaram todos a descrever as animalescas façanhas da fera.

Pelo que os desventurados negros narravam, não era nada comum o comportamento do bicho. Aqueles métodos manhosos assentavam melhor no leopardo, mas não no leão, um animal feroz mas leal na sua agressividade.

Por tradição nativa, antes da imposição dos aldeamentos, uma família agrupava-se dispondo em círculo as suas palhotas maticadas, cobertas de capim seco e porta de bambu. Surgiam, assim, pela floresta, núcleos habitacionais de quatro, cinco, seis casas, em cujos intervalos brincavam os putos do clã.

E a velha fera, ao que contavam, bacharel em caça, não se fazia rogada: alta noite, abeirava-se mansamente e esgadanhava as unharras na parede frágil da palhota onde se alojavam os catraios da família. E, enquanto os pais dormiam na casa ao lado, a uns escassos dez metros, os miúdos acordavam assustados, gritando pelos “velhos” em desespero. Mas o leão não forçava a entrada. A mãe dos garotos acorria aos gritos aflitivos dos filhos e era recebida pelo leão, de bocarra aberta, que a arrastava, presa nos seus caninos devoradores, para longe, pois o macabro repasto era sempre em recatada sala de micaias, na selva fechada.

Era este o ardiloso estratagema, como já referi, pouco comum no comportamento habitual dos leões, mas utilizado nos casos concretos que o Carlos foi ouvindo com um misto de estupefacção e medo, enquanto coçava a meia dúzia de pêlos que lhe despontavam no queixo esguio.

Que raio! Por aquela é que ele não esperava! Fôra caçador, sim senhores, de pardais descuidados, de melros desaninhados, caídos na sua fisga infantil..., mas qualquer cão rafeiro o fazia fugir, hirto de medo, só pelo ladruçar raivoso, quanto mais uma fera daquelas!...

Mas não era ele o adjunto do posto, aquela gente não viera até ele procurando ajuda?! Não se sentia, pois, no direito de lhes defraudar a expectativa... e eis o Carlos a encher o peito de ar,, a vestir rija pele de valente, enquanto ia vertendo consoladoras promessas de justiça e vingança nos coações condoídos pela perda de familiares.

A seguir, foi vê-lo, qual D. Quixote do Índico, a preparar os seus bravos Sanchos e a escolher as armaduras com que havia de partir os dentes ao assassino.

A caçada ía começar...

- Sanica, chama mais dois cipaios. Traz também a tua Mauser. Vê se o Land-Rover tem gasóleo... e vamos embora!
- Senhor adjunto, o senhor administrador não tem de saber? – lembrou o cabo, em respeitoso reparo.
- Tem, pois é... vai lá dizer-lhe, enquanto eu vou buscar um bom´4e, mas se estiver a dormir deixa o recado à senhora ou ao mainato.

Entretanto, o numeroso grupo corria já em direcção ao povoado. Iam dar a nova e preparar toda a gente para a batida. Conhecedores dos caminhos secretos da mata densa, encurtavam muito os cerca de quarenta quilómetros que, por estrada, os separava do Lúrio.

O Carlos não levava a Mauser, como os cipaios. Não simpatizava com aquela espera-pouco de madeira, muito menos do seu coice demolidor. Só mais tarde lhe viria a reconhecer vantagem. No momento, preferiu munir-se de uma pequena pistola-metrelhadora FBP que o governo lhe havia distribuído.

Já acomodado no jeep cinzento, o cabo e o adjunto na cabina e os outros dois lá atrás, na caixa larga, passaram pelo barracão do posto, para o abastecimento. Este barracão era um misto de armazém e fábrica de curtumes, um casarão de troncos de umbila e capim seco, onde, por entre tambores de gasóleo e outras mixórdias, se espalhavam as peles que o administrador Barbosa, o grande senhor da terra, ia coleccionando, sabe-se lá se para fazer jus à sua nobre condição de herdeiro de Mouzinho...

Brilhantes as de jacaré, pardacentas as de itata, muito valiosas seriam as de leopardo, mas as esteticamente mais sugestivas eram as de zebra, pelo desenho artístico, a duas cores: a preta, dos naturais, a branca, dos europeus. Num canto do armazém, com as mãos sabujas de unguentos, o negro Majemba, químico de ocasião, amanhava mais uma pele de lince que ía exalando um odor horripilante.

- Não podemos demorar! A esta hora já o Momola com a sua gente está a chegar ao Lúrio...
- Ainda, senhor. Parece agora estão passar Monte Nivato, - resposta pronta do Sanica, com um sorriso sabe-tudo nos lábios gretados pela suruma, enquanto apertava a espingarda contra as cabedulas de caqui branco, domingueiro.

O jipão rosnava forte na picada estreita, cabrito da serra, de pedra em pedra. Estremecia, pulava, parava, acelerava, que o piso de matope esburacado, ondulado, mais parecia o mar encrespado ao largo de Matosinhos. Mas o Land-Rover era uma boa traineira, concebida para sulcar aqueles caminhos improvisados na selva, onde nunca haveriam de chegar os “pidacs” e os “feders” da CEE. Surpreendente era, também, a resistência daqueles pneus a que nem mossa faziam as mordeduras constantes de troncos salientes espreitando, disfarçados, nos tufos de capim verde.

Uma viagem assim era um verdadeiro exercício físico, ainda mais desgastante que viajar de Aveiro a Vouzela na velha automotora da Linha do Vale do Vouga!...

- Ué, mocunha, já viu aquele macaco todo?! – e o Sanica apontava, com as duas mãos espetadas na janela do carro, - come a machamba toda!

A uma centena de metros, os mais brincalhões habitantes da floresta, almoçavam lauto banquete: uma refeição gratuita, servida pelo suor dos nativos que, e não só por isso, detestavam a macacada.

O Carlos afrouxou e parou o carro, ensaiando fortes aceleradelas, no intuito de os amedrontar. Os bichos olharam curiosos e, depois de estudarem a situação, continuaram a ladroagem, arrancando à terra, com primata avidez, enormes tarolos de mandioca que devoravam sem cerimónia. Os mais velhos carregavam às costas pequenos filhotes de pêlo azulado, tupilis reguilas, mas imaturos nos trabalhos de pilhagem.

- Sanica, corre-os a tiro!

O cabo esfregou as mãos contentes, saiu da cabina e... pum!.. o macaco mais corpulento tombou, de ventre para o ar, lançando gemidos que confundiram o Carlos. Aquele choro aflitivo tinha qualquer coisa de humano, de súplica desesperada.Com a cabeça entre as patas, como que a rogar clemência, o bicho foi-se virando, lentamente, até que sucumbiu, encostado a um ramo de mandioca.

Os outros, nem vê-los! Haviam fugido para as árvores mais altas e frondosas, onde aguardariam, nervosamente, que os primos inteligentes, mas bem mais maldosos, abalassem.

- Hoje já tens almoço, Sanica!

Este, com um trejeito comprometido, olhou de novo para trás, para a caixa do jeep, onde imaginava já uma negra caçarola bem cheia de saboroso caril de macaco, cozinhado com bastante piri-piri...

- Vou também dar um bocado ao Iussufo e a Jamú... – enquanto acenava com a cabeça na direcção dos dois cipaios que viajavam de pé, na retaguarda, como que prestando honras fúnebres à vítima ensanguentada do seu cabo.

Nem todos os nativos de Moçambique comiam carne de macaco. Faziam-no os macúas, mas, mesmo no seio desta etnia, só certos nihimos o incluíam no menú. Porque até na alimentação eram diversos os costumes dos numerosos grupos étnicos daquele país. Como o são, adiante-se, as suas crenças, dialectos, personalidade e anseios. Nestes aspectos, Moçambique é uma autêntica manta de retalhos, em que só o espírito de nação, que começa a despontar, e a língua portuguesa são factores de união.

- Ainda falta muito?
- Não, senhor. Depois do rio, além, é mais pouco-pouco -, e o Sanica acompanhava a explicação com um abanar calculista da mão direita.

O sol quente, trémulo de fogo, trepava, apressado e irreverente, pelas vastas escadas do horizonte, quando, finalmente, atingiram o Lúrio. Era um rio pouco caudaloso, mas um viajante longínquo, nascido lá para os contrafortes do Niassa: deixava, ao passar, uma vegetação luxuriante a embelezar as margens sonhadoras...

Para o atravessar, o régulo Momola e a sua gente, haviam, anos antes, lançado mãos da sua empírica engenharia artesanal: compridos troncos de árvores, dispostos de uma lado ao outro do rio, revestidos por esteira pacientemente urdida por mãos habilidosas, de bambus entrelaçados.

Mas era precisa muita atenção ao efectuar a travessia auto daquela ponte, pois fora idealizada e projectada bem à maneira daquela gente: à medida da largura da viatura utilizada pelo administrador, e nada mais...

Ao Carlos, novato naquelas travessias, mais acostumado a travessuras, não ocorreu que urgia reduzir a velocidade, para galgar sem problemas os primeiros troncos e... zás, o carro salta, estrebucha, o capô abre-se, corta literalmente a visão... o jeep segue, bate... e pára.

- Senhor, tem bom? – interrogam os olhos arregalados do Sanica, fitando o Carlos como se ele acabasse de fugir das amarras do purgatório.
- Não é nada! -, olhando para os lados e para trás. À frente só via aquela chapa cinzenta, barreira que lhe havia ocultado uns bons dez metros de ponte, estreita, como já vimos.

E o jovem Carlos, com nervosismo comprometido, acabou por se rir, quando perspectivou a frio a ridícula cena que durou segundos e podia ter absorvido anos de vida.

Lá para trás, bem no meio da ponte, os dois cipaios estavam ainda sentados, boca entreaberta, olhando, mudos, as águas impávidas e serenas correndo lá no fundo, a uns bons trinta metros. As suas armas estavam tombadas, em desalinho, na caixa da viatura. E pensou, refeito do susto, como teria sido possível atravessar toda a ponte daquela forma...

- Tens de perguntar ao Mussa como é que ele traz o capô solto! Aquilo não se solta de qualquer maneira!-, como se quisesse transferir para o pobre mecânico/desenrasca lá do posto, a sua azelhice e inexperiência, ali tão evidente.

O Sanica não respondeu e, quando ambos saíram do jeep, olharam ao mesmo tempo para os duendes perdidos na floresta, interrogando-se qual deles plantara aquele providencial jambire no azimute desvairado do carro!... Se não fosse aquela amorosa árvore, esperava-os o abismo profundo, na margem do rio...

Os dois cipaios cuspidos, ainda espantados, atravessavam já o resto da ponte, aconchegando nas cabedulas assustadas, as camisas desfraldadas pela queda livre a que se viram sujeitos.

- Vamos chovar o carro para trás! - , ordenava já o cabo aos dois cipaios. E chovaram...

Estavam, então, a uns escassos duzentos metros do povoado, onde por fim chegaram, aliviados.

O Carlos depressa esqueceu o acidente e retomou o entusiasmo pela caça que, afinal, ali o levara. Tanto mais que aquela multidão, como raramente vira, armada de zagaias, pontas de lança, arcos, flechas, catanas, machados, tambores, latas e apitos, e todo um sortilégio de instrumentos, lhe lembravam, com certa ironia, as hordas de Viriato nas serranias da Estrela.

Mas, para além do costumeiro cumprimento, uma vénia mal dobrada, aquela mole humana mantinha-se silenciosa, num descampado dominado por quatro mangueiras ramalhudas, onde pontuavam já frutos amadurados.

O régulo Momola adiantou-se ao grupo, juntando-se aos recém-chegados, acompanhado de mais três ou quatro elementos, seus conselheiros tribais,, e um outro negro, ainda novo, armado de caçadeira: era caçador privativo de um europeu de Namuno que, casualmente, ali havia acampado e se dispusera a participar na caça ao leão.

Formou-se, ali mesmo, um “conselho da revolução” da caça, em que o Carlos desempenhou a cómoda função de moderador. Reconhecia, intimamente, ser o menos credenciado para ditar estratégias. Mas mostrou-se interessado e participativo e, sobretudo, prestava especial atenção aos experientes alvitres que íam surgindo. Estava ali, mais ou menos com a função do rei de Espanha: não governa, mas é um símbolo...

O plano para caçar o leão não era assim tão complicado! Consistia tão só em formar uma linha de nativos com os instrumentos sonoros e armas rudimentares de um lado do hipotético esconderijo da fera, enquanto os elementos com armas de fogo se emboscavam nos previsíveis pontos de fuga.

É que o Rei da Selva incomodava-se perante um ajuntamento grande e barulhento, habituado que estava à sua vida de anacoreta da mata silenciosa. E era com passada pachorrenta, com desprezo manifesto, que se virava, abanando a cauda, à arruaça que, do género, se lhe deparasse.

- Está tudo bem, mas onde encontrar agora o bicharoco? – e o Carlos olhava interrogativo para os seus pares.
- Nosso sabe, senhor, garramo tem além -, e o Momola apontava para a encosta arborizada do planalto ao fundo, e rematava, decidido: - tem junto do monte. Nossa gente leva lá...
- Vamos, então.

E o pequeno exército pôs-se em marcha pelos carreiros das machambas de mapira alta, de campos de milho com maçarocas douradas ao sol brilhante. Aqui e ali, iam ficando faixas rasteiras de amendoim e, mais adiante, fartos cachos de banana marrouce, dependuradas de troncos com larga folhagem.

Representava tudo o que ia vendo a base de subsistência, da vida daquela gente, numa economia mista, recolectora/produtora. Não era aquela, ainda, uma sociedade de consumo. Era a vitalidade de uma terra forte, que ofertava os frutos na medida do trabalho de cada um: quase sempre suficientes, sem excedentes, mas sem graves faltas.

Aproximavam-se já do monte, em cujas fraldas, de vegetação cerrada, estaria o refúgio do leão devorador. Mas nem o Momola, nem ninguém da aldeia, sabia indicar ao certo o local, tão vasta era a área.

- Vamos fazer a batida por bocados, Sanica?

A ideia era dividir toda a zona arborizada, entre a clareira e o monte, por faixas a bater.

Dividiu-se o pessoal: o da batida (a barulhaça) para um lado, os armados, para outro.

E a festa começou!

- Senhor adjunto, nós é melhor ficar ali. -, o Sanica apontava para um morro de mochem, abrigo natural para a espera. Os dois cipaios e o caçador foram-se, também, dispondo na zona.

Já o Carlos sentia um leve tremor do corpo, uns arrepios gélidos em sol escaldante, mas que se iam diluindo na azáfama. Tinha a impressão, sentia-o ao fitar os rostos excitados dos outros, que com feras daquela estirpe não se brinca.

Fosse pelos nervos, fosse pela fome – estava em jejum – o cara-pálida sentia um palpitar doloroso no estômago, quando se acocorou numa pequena saliência do morro baixo.

Era quase meio-dia. Um silêncio sepulcral dominava o ambiente. Nem um leve esvoaçar da passarada; nem o cair duma folha seca; o rastejar furtivo de uma cobra ou a corrida elegante e vaidosa de uma gazela!...

De repente, como o estropear da fúria louca de uma manada de elefantes rasgando a selva, como o alarido raivoso de mabecos em luta pela posse de um javali, a serra ecoa, o ar sacode-se. Todos aqueles tambores rufando, latas chocalhando e os sonoros berros das gargantas fortes dos nativos da batida, na outra orla da mata, impressionavam mais que o sapatear raivoso do nosso Parlamento em dias de polémica orçamental ou períodos eleitorais...

A selva tremia, o barulho aumentava, na justa medida que os batedores íam cruzando a mata em direcção aos emboscados. Só que já estavam bem perto, sem que o rei da selva aparecesse. Nenhum disparo soara, até ao momento.

- Ei, Sanica, o gajo não está cá! – diz o Carlos, quebrando a concentrada atenção do cabo, a focar a mata, rígido que nem uma marmota congelada.
- Parece não está, senhor -, sem, contudo, retirar os olhos desorbitados do arvoredo.

E não estava, de facto, naquela faixa. Deu-se o encontro dos dois grupos e leão nem vê-lo!

Curiosamente, nem um coelho, uma gazela, um javali, nenhum animal passara em frente dos emboscados. A esta constatação do adjunto, observou o caçador, com segura convicção:

- Pois não tem outro bicho, porque leão está por perto. Nosso vai encontrar, já viu patada dele...

O Carlos ficou a saber que numa área considerável em redor do palácio do rei leão, não havia lugar para outros animais menores: os súbditos, amedrontados, fugiam perante a presença ameaçadora do seu despótico amo.

E, a ser assim, nada estava perdido, tanto mais que haviam fortes indícios apontando para a presença próxima do devorador. Ía tentar-se a faixa seguinte.

E a operação repete-se.

Desta feita, à falta de outro abrigo, o Sanica sugeriu ao Carlos uma árvore velha de melala bifurcada. Era este o poleiro de espera para o mocunha, com a pele ardendo sob a inclemência do sol dum fim de manhã. Por baixo, brilhavam as micas soltas duma ribeira, seca naquela época do ano.

Enquanto esperava, de novo, ía pensando na sua posição caricata, qual ave no choco e deu consigo a conspirar surdamente contra o Sanica por lhe ter alvitrado aquele poleiro de abutre medroso. O sacana do cabo pensaria que ele tinha medo?!...

Mas, intimamente, até se sentia bem posicionado. Do pouco que sabia, os leões não voavam, ali não haveria perigo. Mas não se desvaneceu de todo aquele tremor dos dedos...

A algazarra recomeçara, ao longe. De novo os tambores, as latas, os apitos, os berros musicais do outro grupo, que se ía aproximando.

De repente, bem ao lado, soa um tiro. O Carlos, estendido num ramo, redobra de atenção, com a pistola metralhadora bem aperrada, pronta a disparar...

Tac..., tac..., tac..., o coração batia-lhe como cavalo em solto galope na pradaria. O suor aumentava-lhe no rosto, o ar faltava-lhe nos pulmões, quando, mesmo por baixo, a uns escassos três, quatro metros, na vertical, o nosso leão, com as patas enterradas na areia, olhava pesadamente para um e outro lado da ribeira, desconfiado. Ouvia-se nitidamente a densa respiração da fera, uma bisarma medonha, grande, nutrida...

O Carlos agiu, então, como um autómato; o seu consciente estava às portas do bloqueio, em presença de tão leonina figura. Ensaiou uma duvidosa pontaria na direcção do monstro e disparou uma rajada breve, sem se preocupar com a escolha dos pontos mais vulneráveis; bastou-lhe divisar a massa enorme do bicho na mira e carregar no gatilho.

Era difícil, quase impossível, não acertar, de cima para baixo, àquela distância!

Mas, ao contrário do que pressupunha, aquele não tombou: soltou um urro arrepiante e empreendeu um salto descomunal, embrenhando-se pelo capim alto.

E o nosso jovem manteve-se quieto, mudo e surdo, por uns instantes. Veio-lhe, depois, um pensamento derrotista: falhara..., e saltou da árvore. Na areia seca, nem um pingo de sangue. E ia cogitando: mas era impossível não lhe ter acertado!...

Procurou o Sanica com os olhos, mas o cabo não estava à vista e continuava a remoer no sucedido, quando troaram dois tiros de caçadeira, mais além. Mas manteve-se no local.

- Senhor, já está! O gajo já morreu, tem ali..., o caçador Sacura encontrou caído lá... -, gritava o Sanica, entusiasmado.
- Encontrou caído?! Mas não foi ele que o matou com aqueles dois tiros? – interrogou o Carlos, já bem mais animado.
- Não, não senhor, - voltou o cabo, - o gajo já estava sofrer p’ra morrer, com tiros do senhor adjunto. Sacura deu tiros para segurar ele, que leão ferido fica perigoso mesmo...

Começou a desvanecer-se aquela sensação amarga do fracasso. Afinal, acertara-lhe!

Quando chegou, com o cabo, junto do animal moribundo, o Sacura fez questão de lhe mostrar os três pequenos furos com que o Carlos o havia atingido na espádua. Só que, como aquele continuou a explicar, aquela zona do corpo é dura, não dá para matar logo, com balas de 9 mm. Ele, sim, atirara como um bom caçador: bem na cabeça do gigante..., os zagalotes desfizeram-lhe o focinho...

Mas já um verdadeiro festim começara.

Uns cantavam, outros dançavam, fez-se batuque com o rufar dos tambores; vieram mamanas, vieram catraios, um mar de gente em delírio fez círculo em volta do odioso assassino.

O Carlos sentia-se baboso com tanta e espontânea lisonja, tanto kuerine, tantos beijos de ousada gratidão que as moçoilas lhe iam depositando na face!

Bem real, era para aquela gente o fim de um pesadelo e, também, o vingar dos seus mortos; o castigo do criminoso ditado por um código penal que de pimentel nada tinha...

E a festa continuou ali mesmo, agora com um estranho ritual, nunca visto: toda aquela gente alinhou em fila e, um a um, ao som de afinado cântico, foram espetando uma lança, passada de mão em mão, na cabeça da fera assassina.

Já eram quatro da tarde daquele agitado domingo quando o cadáver, após ter sido arrastado até à aldeia, foi carregado, por uma dezena de braços fortes, na caixa do jipão. Era o regresso. Antes, porém, ainda no povoado, fora o almoço: frango à cafreal com xima e sumo de caju não faltaram, que toda a gente se dispunha a presentear quem, a seus olhos, eram os seus salvadores. Para o Carlos, apesar dos insistentes protestos, ia uma cangarra de galinhas e um cacho de bananas. Eram pessoas generosas na sua pobreza, gratas na sua humildade, os macúas.
- Senhor, eu pode ir? – perguntou o régulo Momola, rodeado pelo seu povo. – Vai dar-me um pouco de xicuembo? Referia-se à gordura que reveste os intestinos do leão.

Entre os macúas e até de parte da colónia de indianos e europeus, era convicção ser aquela gordura um excelente remédio para o reumatismo e até muitas doenças do foro íntimo, como a impotência.

- Mas o leão é vosso! Podem fazer dele o que quiserem!...
- Não, senhor é dono de leão. Quem mata é dono, pode fazer o que quiser dele, - interveio o Sanica, para dar a conhecer mais um dos costumes ancestrais dos nativos.

Já o motor do jeep roncava alegre, de novo na picada. Desta feita, com mais cuidado, não fosse, mais uma vez, a ponte tecê-las...

Chegaram tarde ao largo do posto. Já os miúdos da missão, em visita à sede administrativa, brincavam chilreantes, após o arrear da bandeira.

O administrador, sentado com a mulher e filhos à sobra duma frondosa bugambília, dirigiu-se-lhes apressado e interrogativo.

-Então, Carlos, que tal a caçada? Já estava preocupado com tanta demora! Oh, mas que grande bicho!... – largou, estupefacto, ao debruçar-se no bordo da viatura. - É um grande bicho!

Surgem as explicações de toda a ordem; o onde, quando, como e porquê; dão-se parabéns, vai chegando mais gente, curiosa.

A notícia corre célere e aparecem, também, os europeus da terra: o Fonseca da cantina e a mulher, o Carvalho do algodão e as filhas, e pessoal do aquartelamento militar, que apenas ali se encontrava aquartelado por questões de quadrícula, pois não havia qualquer conflito latente na região.

Todos se encontravam ali mais empenhados em registar na película a sua momentânea comunhão com o senhor da selva.

Os de camuflado não deixariam de enviar uma foto de ocasião às suas madrinhas de guerra, saudosas, em Portugal.

E durou horas aquela peregrinação fotográfica, a quebrar a monotonia sertaneja dos pacatos dias de Balama, enquanto o administrador Barbosa ía passando o tempo a lamentar o exagerado esburacar da pele, que a deixava pouco fiável para a sua desmesurada colecção de curtumes, na salgadeira do armazém.

Quanto ao Carlos, esse tivera direito a algumas duras unhas de leão. Se para mais não servissem, ajudá-lo-iam a esgadanhar nos escolhos que se lhe foram deparando na encruzilhada da vida.

Por longos anos, se foi falando no norte de Moçambique do tristemente célebre “leão dos 16”.

Mas, triste sorte, negro fado o daqueles macúas, pois antes, então e depois, foram sempre vítimas de leões, se calhar mais carniceiros que aqueles, com jubas de todas as matizes... E dessas feras, nem Carlos, nem Sanicas, nem Sacuras os puderam livrar...

Quanto ao autor, tendo passado ao papel este seu conto já lá vai mais de uma dezena de anos, só agora ganhou coragem para o compartilhar, mais por temor àqueles cartazes que se vão vendo em alguns estabelecimentos de venda de armas: “Aqui se juntam caçadores, pescadores, advogados... e outros aldrabões”.

Mas vale a pena correr o risco, suplantado pelo testemunho do maravilhoso fascínio das terras moçambicanas, na sua original e genuína natureza!
- Francisco José Branquinho de Almeida - 1978.

(Transferência de arquivos do sitio "Pemba" que será desativado em breve)

Retalhos: De Porto Amélia a Pemba - Falando do Padre Paulo e da Sociedade Missionária da Boa Nova

MENSAGEM RECEBIDA DO MISSIONÁRIO SÉRGIO CABRAL - PEMBA EM 31/10/2001:

Quero informar do falecimento do Sr. Padre Paulo no dia 25 deste mês de Dezembro, em Lisboa.

Ele tinha partido daqui de Pemba no dia 14 por questões de saúde. Ele não sofria de nenhum mal em especial, apenas estava cansado e muito stressado. Viveu a guerra bem de perto que lhe ficou bem marcada no seu íntimo. Isso causou-lhe algumas perturbações psíquicas irreparáveis até à data da sua morte.

De seguida apresento uma pequena biografia da sua vida:

"Nasceu em Vilar Seco, Vimioso, Diocese de Bragança. Foi ordenado sacerdote em Cucujães a 30 de Maio de 1957.

Foi professor nos Seminários de Tomar, Cernache do Bonjardim e Mariri, na Diocese de Pemba, Moçambique. Foi missionário nessa diocese durante 43 anos, nas paróquias de Macomia e Maria Auxiliadora, de Pemba.

Foi um dos grandes missionários do povo Maconde. Falava bem a sua língua, conhecia a sua cultura, amava profundamente o povo daquela Missão com 12000 Km2. Lá viveu duas guerras: a colonial e a civil. Foi um homem livre a capaz de fazer amigos em qualquer partido, para servir a todos. Três vezes esteve em perigo de morte, escapou por milagre e nada o fez desistir de anunciar o Evangelho e criar comunidades cristãs. Quando era impossível visitar as comunidades escrevia cartas. Quando não podia ir de carro, ia a pé. Andou milhares de quilómetros a pé, nas estradas e nas matas para animar os cristãos e fortalecer os seus catequistas e animadores.

Foi um homem simples, sereno, alegre, com grande capacidade de fazer amigos. Deu o testemunho de Cristo com a própria vida. Era profundamente devoto de Nossa Senhora.

Sofreu uma forte hemorragia cerebral ao rezar o 4º mistério do terço: Jesus a Caminho do Calvário. Ficou 24 em estado de coma, nos hospitais de Santarém e S.José, Lisboa. Aí faleceu em 25 deste mês. No dia seguinte realizou-se o seu funeral em Cucujães."
- Sérgio Cabral - Pemba, 31/10/2001.

UMA VIDA SIMPLES MOVIDA PELO AMOR - Dados Biográficos sobre o Padre Paulo:

O Padre Manuel Paulo Lopes nasceu a 22 de Março de 1930 em Vimioso, Bragança. Foi baptizado no dia 29 de Junho de 1930 e crismado a 17 de Maio de 1944. Fez a sua 1ª comunhão em 1937. Entrou na Sociedade Missionária da Boa Nova no dia 28 de Setembro de 1943 em Tomar. Foi ordenado sacerdote em 30 de Maio de 1957 e partiu para as missões em 11 de Setembro de 1958.

Depois de ter trabalhado um ano no seminário de Mariri em 1958, foi colocado em Macomia em 1959. Em 1969 passa a ser o superior da Missão. Em Dezembro de 1978 foi obrigado a deixar Macomia e a residir em Pemba.

Em 29 de Dezembro de 1981 recomeçou a residir em Macomia numa pequena casa emprestada. Nos fins de Janeiro de 1982 foi novamente obrigado a deixar Macomia por não haver Igreja. Em Maio de 1982 celebrou em Portugal o 25º aniversário da sua ordenação sacerdotal.

Durante esse período foi pároco de Maria Auxiliadora.

A 16 de Abril de 1992, recomeçou as visitas à paróquia de Macomia com muito entusiasmo e dedicação.

No dia 14 de Outubro de 2001 embarcou de Pemba para Maputo e dia 19 desse mesmo mês, de Maputo para Lisboa a fim de descansar. No dia 24 sofreu um derrame cerebral multi-ramificado, vindo a falecer no dia 25 de Outubro pelas 7h00 da manhã no hospital de S. José em Lisboa. Foi sepultado no dia 26 de Outubro de 2001 em Cucujães junto dos seus colegas e irmãos da Sociedade Missionária da Boa Nova.

“O Padre Paulo impôs-se pela sua simplicidade, interesse pelo outro e pela sua sabedoria em escutar, ouvir os lamentos, as histórias, as vida dos outros.

Caminhar era a sua melhor maneira de se aproximar das pessoas. Caminhava sempre ao encontro do outro, pelas comunidades, pelos caminhos difíceis, pelas ruas. Gostava de caminhar.

O amor a Nossa Senhora era bem visível na sua devoção e piedade: o terço a Nossa Senhora de Fátima; os pastorinhos; o seu ataque, salvo milagrosamente por Nossa Senhora.

A sua paixão pela missão de Macomia não tinha limites. Amou verdadeiramente Macomia. Sofreu imenso por Macomia. Foi perseguido por Macomia. Macomia rejuvenescia-o imenso.

O trabalho na diocese como secretário foi notável. Era uma autêntica biblioteca viva. Informações históricas, casos, registos que só ele sabia, datas de interesse dos outros.

A vida do Padre Paulo entre nós não terminou. Acreditamos que ele junto de Deus, de Cristo e de Maria rogará por todos nós.

Assante Padre Paulo, pela tua palavra, sorriso, gesto...”
- P. Albino-Pemba.
 
LIDUVA LYAVALEKUA YESU (O DIA EM QUE NASCE JESUS).
 
Mensagens, cartas, e-mail´s, são feitos, existem, encurtam distâncias e aproximam o ser humano. Seu conteúdo, normalmente fica entre dois ou poucos mais interlocutores... Mas esta mensagem, (perdoe o Amigo Sérgio Cabral - seu autor) pela espontaneidade, sinceridade, actualidade e clareza de fatos vinculados a uma quadra tão típica e a locais tão especiais para todos nós, não merece ficar oculta... Por isso e à "revelia" do autor, aqui a publico integralmente, também como homenagem à dedicada doação desses abnegados e incensáveis Missionários:
 
"Antes de mais quero desejar-lhe um bom Natal embora atrasado!
Não lhe escrevi antes porque tenho andado por aí a viajar e depois o computador apanhou uma virose potente...
O Natal correu bem. Tivemos a Missa do Galo aqui na igreja de Maria Auxiliadora que durou umas 4 horas, incluindo uma pequena representação de Natal e baptismos. Como sempre as danças e os cânticos alegres tornaram esta celebração festiva ainda mais festiva. As quatro horas dentro da igreja passaram depressa de mais!!!
No dia 25 pelas 5 da manhã arrancamos eu e o P. Albino para a missão de Macomia a fim de celebrar para aqueles que estão órfãos de padre, após a morte do P. Paulo. Chegamos lá e não conseguimos celebrar na igreja por causa das abelhas, por isso tivemos de celebrar à sombra das mangueiras que ficam logo ao lado. Apesar de tudo a comunidade estava organizada e até correu bem.
O nosso almoço de Natal resumiu-se a uma sandes de atum e para matar a sede água de coco. Depois fomos celebrar a uma comunidade a 30 km de lá: Namaluco que fica entre Macomia e Quissanga, bem dentro do mato. Enquanto o Albino confessava os makondes, andei a passear e vi coisas interessantes: Andava um grupo de gente a percorrer a aldeia atrás dos batuques e de um mascarado que dançava mapiko. Então quando me viram sozinho, ali naquele sítio, aproximaram-se e fizeram uma demonstração exclusiva de mapiko para mim. Também vi uma família a fazer uma espetada de caracóis daqueles grandes que existem por aqui e diziam que era muito bom!!! Outro petisco que me aconselharam foi rato.
Quando chegamos a Macomia fomos encomendar um frango com batatas fritas no Bar Chung (Chinês) para enganar a fome que já era muita.
Nos dia seguinte também andamos por outras comunidades à volta de Macomia, nomeadamente Nova Zambézia (20kms.), Nguído (50kms.) e Chai (42kms.). Quase ninguém falava português, só o makonde! Quiseram que eu tirasse uma fotografia a um menino que estava a chegar do mato pois tinha cumprido os ritos de iniciação. Puseram-no em pé numa cadeira todo bem vestido, com um cofió na cabeça, para a fotografia todos contentes. Assisti à dança das mulheres makondes à volta dos batuques, vi grandes baterias feitas de paus e chapas, conheci a makonde mais idosa do Chai já cega, mas que não deixava de admirar-se com a presença de um branco amigo do P. Paulo e do mesmo país do P. Paulo.
Agora vejo como o P. Paulo foi um grande missionário. Nós percorremos as comunidades de carro com tracção, confortável, com música, sem percebermos nada de makonde e da cultura makonde. O P. Paulo não! Ia a pé, rasgava a mata, dormia e comia com eles sabe-se lá como? Dominava o makonde como os próprios makondes e até os ensinava. É preciso ter estômago e muita fé para se fazer o que ele fez!!!
Nós só visitamos 5 comunidades, ainda existem mais de 30 no meio daquela mata infindável, onde se pode ver as pegadas dos muitos elefantes e onde existem leões e outros animais nada benevolentes.
Como vê, o meu Natal foi assim. Longe da família, dos festejos tradicionais, do frio, das prendas, da boa comida portuguesa, mas mais perto da cultura makonde, dos ananases de Macomia, dos macacos de Macomia e enfim, mais perto da pobreza do menino Jesus que nasceu num curral espelhada naquela gente sem nada, mesmo nada.
Espero que o seu Natal tenha sido bom na companhia dos seus familiares e pessoas amigas.
Junto envio duas fotos do P. Paulo. Uma junto com outros missionários: (da esquerda para a direita) P. Zé Marques, P. Albino, Ir. Glória, Ir. Palmira, P. Paulo, Ir. João e em baixo P. Gonçalves; e outra ele sozinho.
Um grande abraço e feliz ano novo!!!
- Sérgio Cabral - Pemba, 28/12/2001 - 19h24

(Transferência de arquivos do sitio "Pemba" que será desativado em breve)

5/06/10

Retalhos: De Porto Amélia a Pemba - História, o farol da Maringanhana e...

Porque pouco se tem contado a respeito, aqui deixo detalhes que nos falam da história de Porto Amélia/Pemba, do Farol da Maringanha, da origem de seu nome e do feroleiro Heliodoro José Carrilho: ... ...IV - A GENTE E A SOCIEDADE - A população de Pemba é bastante heterogénea, tendo para lá emi­grado do interior os macuas, os ngonis ou mafites e os macondes. Do litoral, os nguja do Tanganica, os sacalaves do Madagáscar e os mujojos das Comores. A civilização europeia, particularmente a trazida pelos portugueses é também notória, já que ali a colonização assimilou grande parte da população, mesmo a não mista. Nas regiões circunvizinhas à cidade de Pemba existiam já antes da ocupação pelos portugueses algumas povoações chefiadas por ré­gulos, sendo o principal o sultão Mugabo, seguido de outros como o Said Ali, Mutica, Macesse e o Mugona. O Governador de Cabo Delgado que, em em 1857 foi incumbido de ocupar a região e aí formar uma colónia, faz especial referência ao "velho" Mutica que, à excepção dos outros, falava ainda a língua portuguesa e muito contribuirá para o sucesso das negociações.

Fortemente swahilizados estes régulos que se expressavam e escre­viam geralmente em árabe, edificaram sociedades semi-feudais cuja autonomia se manteve ao longo dos tempos, até mesmo hoje, con­tinuando a exercer grande influência e poder no seio da população, cujo principal credo é o maometanismo mesclado de antigas tradições fetichistas como em quase todas as regiões da província.

A estas autoridades de relações amigáveis e até mesmo honestas com outros povos em certas alturas, também não lhes faltaram momentos de agitação e saque.

Já em 1843 o cheique Macesse, que chefiava a região actualmente conhecida por Pemba-Metuge, revolta-se contra a submissão aos portugueses, expulsando a companhia militar portuguesa estacionada num navio à entrada da baía de Pemba. Como corolário do desenrolar destes acontecimentos o cheique Macesse devolve a bandeira por­tuguesa às autoridades coloniais nas mãos do ajudante de Arimba, José F. Carrilho e recusando-se a pagar qualquer espécie de tributo.

Salientam-se também as investidas feitas pelos régulos Mugabo, Said Ali e outros contra caravanas europeias no circuito de Quissanga, obrigando-as a uma rota que levaria a mercadoria antes para Porto Amélia.

Se por um lado isto viria a abrir um caminho para o desenvolvimento de Porto Amélia a finais do século XIX, não menos verdade é que o facto veio a onerar bastante o processo de embarque e desembarque da carga já que Quissanga comunicando mais directamente com o "medo" era o principal porto exportador de então para o comércio e tráfico “ajaua-meto”.

A maior parte dos régulos antes da segunda década do nosso século se submetiam, na cintura de Pemba, ao régulo Mugabo, cujas terras confinavam com as da "coroa do medo", estas chefiadas pelo pode­roso maravi Mualia, ora submetido ora sublevado aos portugueses.

O quadro etnológico da população de Pemba remonta-se principal­mente à fusão do grupo macua com castas muani, penetrados res­pectivamente a partir de Murrébue e Quissanga.

Embora de diferentes origens as populações de Pemba se subordi­navam ao régulo Muária também de origem maravi.

O regulado Muária nasce cerca de inícios dos anos de 1880 quando famílias como Heri e Bachir pertencentes ao mesmo clã atingindo a região do medo avançam em direcção ao litoral pela rota Chiúre/ Mecufi/Murrébue.

De acordo com a "rainha" Muamba Omar Ussofo mais conhecida por Nhanicuto e descendente dos Muária, a dinastia se inicia com um tal Heri l na região de Changa (Murrébue) nas terras do régulo Nampuipui.

À morte de Heri l sucede ao trono Heri II que, para não defrontar o régulo Nampuipui que lhe fizera guerra acusando-o de ocupação ilícita das suas terras e compromisso com os portugueses, foge e refugia-se em Pemba na área da Maringanha. Parte do clã seguiu para Quissanga.

O successor de Heri II foi Remane Bachir que viajando para a África do Sul, como era seu hábito levando consigo voluntários (de acordo com a fonte ) que para lá queriam ir viver, foi chamado para assumir o cargo e é nessa altura adoptado o cognome de "Muária" para o regulado que agora começava.

Muitas vezes se fala de Muária como tendo alguma relação de parentesco, de clã ou mesmo qualquer outra com o regulo Muália, o que é negado por Muamba Ussofo, mas pode sobreviver a ideia de auto-identificação com o poderoso e conterrâneo maravi das terras do medo.

Amad Ali, avô do régulo Remane Bachir, descobre a zona de Marindima em Pemba e mobiliza a sua família e a gente de Changa para a habitar, o que veio a acontecer.

No entanto, fugitivos aos ataques dos ngonis, que lançavam as suas investidas com armas de fogo e azagaias a partir do ponto da colina que cai a pique na região de Marindima, bem como pelo facto de ali não haver água potável, a população deixa a zona e vai fixar-se junto às lagoas de Natite.

É então que Remane Bachir manda limpar as áreas de Nuno e Ingonane para ser habitada colocando lá como chefes dois familiares seus, nomeadamente as rainhas Nhanicuto e Nhacoto.

Enquanto isto o régulo Remane Bachir Muária entrega o Wimbi ao chefe Namacoma e a região compreendida entre o Nanhimbe e Maringanha ao seu irmão capitão-mor Tagir Bachir.

Anra Bachir sucede a Remane no regulado Muária e tendo este morrido fica como sucessor o seu sobrinho Fadili Adi, seguindo-se - lhe o seu irmão Anli Mugola.

Durante o reinado de Anli Mugola, este entregou a zona do Cariacó ao chefe Amada Muária, já na década de 60 do nosso século, que ao ser preso pela Pide é substituído por Abdul Latifo Ncuo.

Para além das já citadas rainhas o Paquitequete teve ao longo dos tempos ate à independência de Moçambique outros chefes, no­meadamente Mussa Amad, Pira Anlaue, Said N’Ttondo, entre outros.

Das relações com as autoridades coloniais que, mesmo antes de ocupar a região mandavam anualmente um encarregado de cobrança do imposto, a velha Omar Ossofo relata que quando chegava tal enviado eram içadas três bandeiras portuguesas: uma na praia junto à ponta Romero, a outra à frente da residência do régulo Remane e a terceira no quintal deste.

A população para não pagar o imposto abandonava as suas casas e internava-se mais para o interior e o funcionário da administração colonial em acto de vingança queimava todas as residências, obri­gando a população a construir alpendres provisórios após a sua retirada.

Em língua macua “marapata” significa alpendre ou algo provisório, alcunha que a população deu ao dito funcionário.

Nessa altura a designação de Pemba limitava-se somente a uma pequena área, próximo à ponta Miranembo, onde o governador colonial Jerónimo Romero havia instalado o "Estabelecimento da Baia" e construído um fortim que a população de Muária usou como refúgio nas razias que os sacalaves levaram a cabo.

Embora fora dos parâmetros deste estudo mas para dar uma ideia mais ampla da distribuição territorial do regulado Muária podemos acrescentar que dados de 1970 indicam que o régulo Ntondo, ocupava em Porto Amélia uma área de 1.042 km2 (Paquitequete), seguido do propriamente chamado Muária em Natite com 264 km2, Namacoma no Wimbi com 504 km2, o Piripiri no Gingone chefiando uma área de 8 km2 e o Nansure do Cariacó a Changa com 230 km2. (3)

Considerando por outro lado que os portugueses recrutavam na região do medo os carregadores para as suas caravanas é óbvio que muitos deles em Pemba se foram fixando, o mesmo sucedendo à gente migrada das regiões costeiras.

Os conflitos tribais que sempre existiram entre ambas as etnias (e para um período mais curto também com os macondes) eram compensados pelas trocas comerciais, sobretudo o contrabando e tráfico de toda a espécie.

Apesar de Pemba ser zona costeira, provida de uma enorme baía, muito pouca gente se dedica hoje à pesca, absorvendo o sector pes­queiro apenas cerca de 200 pescadores (dados de 1987) que em suas casquinhas, lanchas e algumas pequenas embarcações fazem não mais que uma produção anual de 150 toneladas de pescado. É também verdade que a intensiva exploração ao longo dos tempos dentro e ao largo da baía, tornaram os recursos marinhos mais escassos.

De marinho típico é, por aquelas bandas, verem-se, nas vazantes das águas com bastante afluxo no período das marés vivas, mulheres, homens e até mesmo crianças de tenra idade ora cercando peixe muidinho com finas malhas ora apanhando conchas ou moluscos comestíveis.

Tão típico é isto quanto o prazer de encontros amigáveis na praia ao nascer e ao pôr do sol, nem que seja sob o pretexto da necessidade de defecar na praia (por tradição), ali se juntam grupos de pessoas em animadas conversas (e quem sabe não mais?) por várias horas.

Grande parte da população dedica-se no entanto à pequena indústria artesanal e a outras ocupações liberais e informais bem como ao comércio, não deixando de praticar um pouco de agricultura para subsistência, com especial incidência no milho, mapira, mandioca e mexoeira.

O comércio ambulante vem ganhando dimensões cada vez maiores e os mercados provêm essencialmente do tráfico swahili com quem qualquer negociante mantém fortes laços.

Pemba, este pequeno satélite e entreposto swahili de tempos remo­tos, conserva ainda suas antigas tradições e hábitos assimilados das gentes do Tanganica. A preferência em artigos do mercado oriental e a quase generalização da língua swahili, embora misturado com o idioma macua e a língua portuguesa, é também realidade.

O “Sungura”, dança importada da Tanzânia, diverte todos os dias e durante toda a noite a população dos bairros periféricos.

Dessa gente não há quem falte, pois aliado ao divertimento algum namorisco poderá, eventualmente, acontecer.

Os três ou quatro conjuntos musicais que actuam em simultâneo nos principais bairros de caniço expressam-se em língua swahili. Os dançarinos os acompanham.

O "mini na kissikia swahili" (eu compreendo swahili) liga uns e outros numa libertação e fruição de mais um dia passado.

As comunidades de maior influência árabe-swahili, muito dedicadas ao comércio com a Tanzânia, localizam-se em ambas as extremida­des: Maringanha ao Sul e o Paquitequete ao Norte.

Contava há poucos anos um velho auxiliar de faroleiro uma interes­sante e peculiar história sobre a origem do nome Maringanha já que a explicação nos conduz a um facto de que a gente de Maunhane jamais viria a esquecer: trata-se da construção de poços de água, um dos mitos de mau agouro ameaçador de morte a quem o construísse.

O facto deu-se após o ciclone de 1914 quando, já reconstruída a povoação de Maunhane, o faroleiro Heliodoro José Carrilho inaugura os poços (por ele próprio mandados construir) gritando o lema: “Muringana?”, que em língua local significa "estão completos?" ao que a população respondia em uníssono "Ti ringana”, que nada mais é do que a confirmação.

Será que por popularização como indicava a fonte e deturpação da expressão "mu ringana" viria a resultar Maringanha?

As cartas no entanto designam de ponta "Maunhane" à região e não é de admirar já que localmente a expressão significa "no sítio dos macacos" dado que em tempos parece ter sido ali o local por eles preferido.

Ainda hoje muitas vezes se vêem macaquitos a vaguear pela Ma­ringanha saltitando por entre o sombreiro das casuarinas e coqueiros junto ao farol como que apreciando as centenas de mulheres que na vazante avançam pelo mar em busca de marisco, o "caril" diário.

Trata-se principalmente da apanha de certas conchas com carne comestível mas pouco ou nada comercializável por se tratar quase de um dever tradicional de toda a mulher e suas crianças procurar moluscos e pequenos crustáceos tanto para seu sustento como até por simples ocupação do tempo e desporto.

Para além da pesca artesanal a população da Maringanha dedica-se também à pequena agricultura bem como à fermentação alcoólica do caju. Aqui a amêndoa deste fruto é no geral consumida quer verde quer torrada depois de seca ou mesmo, em ambos os casos, também utilizados na culinária.

Na outra extremidade de Pemba encontramos o Paquitequete que apesar de desenvolver um forte comércio swahili alberga por outro lado famosos artesãos e gastrónomos ensinados no Ibo e trazidos para ali aquando da transferência da sede da administração da Com­panhia do Niassa.

Ourives trabalhando a prata das moedas portugesas antigas e o ouro das libras estrelinas que ainda vão aparecendo, arrancado às relíquias de algumas poucas “sinharas” (senhoras) ainda vivas apesar de velhinhas, que em seus quintais confeccionam para venda famosos doces, compotas, diversos bolos doces e salgados bem ainda como achares de variado tipo.

O Paquitequete está quase separado da cidade por uma lângua que seca quando a maré vaza mas repleta de água na enchente e, nessas ocasiões, não falta “negociozinho” aos miúdos das casquinhas ganhan­do algumas coroas aos que desejem encurtar o caminho caso estejam em ambas as extremidades já que a ponte se situa quase no extremo sul deste enorme bairro.

O nome de Paquitequete provém da expressão "pá hitequete” que significa por um lado "no sítio do hitequete" ou melhor uma planta que cresce toda emaranhada muito comum ali, por outro é aplicada à característica do próprio bairro com casitas todas muito juntinhas umas das outras formando um autêntico emaranhado.

Engloba ele junto ao mar as áreas de Cofungo na ponta Mepira, seguindo-se em direcção à ponta Romero as zonas conhecidas por Nazimogi, Paquitequete propriamente dito, Cumissete e Cuparata. Há a acrescentar ainda uma casta de mestiços do Ibo que se isolou um pouco mais para a costa a seguir a lângua, dando origem ao bairro da Cumilamba que galga um pouco a parte da escarpa Leste da cidade de Pemba.

Enquanto que na Maringanha a ponta é alcantilada e orlada por um recife de coral que cobre e descobre em Mepira ela è baixa e arenosa caindo a costa a pique sobre o mar.

Nas regiões centrais da península localizam-se os bairros semi-urbanizados de Ingonane, próximo à ponta Romero assim como o de Natite e Cariacó mais a sul onde vivem principalmente os novos artesãos, o pequeno operariado local e os potenciais produtores e negociantes de aguardente e outras bebidas tradicionais, tais como os fermentados de cereais ou farelos.

Estes bairros desenvolvem-se a partir da ponta Romero que é baixa e também orlada por recife de coral que cobre e descobre. Tem praias arenosas mas as ondas são no geral bastante violentas. A ponta Romero antes da ocupação pêlos portugueses era conhecida pelo nome Miranembo.

A tradição reza que ainda no tempo em que a região era floresta cerrada, albergando grandes manadas de elefantes certo dia enfurecidos avançam em direcção ao mar e o mais velho (o chefe) que seguia à frente não foi capaz de estancar na ponta o que o levou a precipitar-se por sobre as águas e dai engolido pelas ondas. De súbito os outros elefantes param e aterrorizados tomam rumo oposto fazendo uma retirada para o interior sem nunca mais por ali aparecerem.

Ora, localmente a expressão “umuiria” significa engolido e “nembo” o vocábulo elefante, ou seja o lugar onde foi engolido o elefante. Naturalmente, segundo a lenda, as duas expressões ter-se-iam fundido dando origem à palavra “umuirianembo”, posteriormente, “miranembo”.

Entre o Cariacó e a Maringanha encontram-se o Wimbe e o Nanhimbe (actual bairro Eduardo Mondlane) dedicando-se à agricultura de su­bsistência e à fermentação alcoólica do caju.

Já no cimo da colina podem-se ver, do levante ao poente, os bairros de Chuiba ou "Planalto dos Cajueiros", Gingone e Muxara, pratica­mente cobertos de cajueiros, e são os que mais comercializam a amêndoa do caju e se dedicam à fermentação alcoólica da respectiva maçã bem como à pequena agricultura.

O rochoso baixo de Nacole a 1,5 milhas para Sueste da Ponta Mepira, projecta ao longo das suas praias de Chibabuara onde, do ponto mais alto da cidade, a colina se faz cair abruptamente.

Outrora um esconderijo de larápios por possuir densa floresta, hoje a sua população é essencialmente constituída por pescadores que, apesar dos rumores de existência de um polvo gigante ali mesmo na baía, essa gente continua fazendo alguma pescaria sem qualquer receio.

No centro da península onde está instalada a cidade de Pemba, ergue-se a zona de cimento desde a Baixa ou "Cidade Velha" junto à qual foram construídas as primeiras casas de alvenaria por facilidades de acesso ao porto, estancando numa planície provida do melhor parque habitacional.

É também nesta zona onde se encontram o Governo e serviços públicos diversos, combinados com uma cadeia de estabelecimentos comerciais bem como um parque infantil onde funciona também uma creche.

O actual porto e ponte cais de Pemba na baixa estão localizados na região meridional da baía a 5 amarras para Sueste da ponta Mepira, com fundo de lodo. O fundeadouro pode alcançar-se a pouco mais de 80 metros, onde se encontra o molhe cais, dado que os fundos se aproximam bastante da terra.

Existem no porto diversas instalações para armazenamento de cargas e para serviços marítimos e aduaneiros. Está também apetrechado com um sistema para a contenção de combustíveis que, através de uma conduta de cerca de um quilómetro, são despejados para os depósitos da Petromoc próximos à povoação de Chibabuara.
- Do Livro "Pemba e sua Gente" de Luis Alvarinho. Sugestão de Armando Silva - Cascais - Portugal.

(Transferência de arquivos do sitio "Pemba" que será desativado em breve)

5/04/10

Retalhos - De Porto Amélia a Pemba: FAROL MARINGANHA


HISTÓRIA DE PORTO ÀMELIA - FAROL MARINGANHA - IV A GENTE E A SOCIEDADE

A população de Pemba é bastante heterogénea, tendo para lá emi­grado do interior os macuas, os ngonis ou mafites e os macondes.

Do litoral, os nguja do Tanganica, os sacalaves do Madagáscar e os mujojos das Comores. A civilização europeia, particularmente a trazida pelos portugueses é também notória, já que ali a colonização assimilou grande parte da população, mesmo a não mista.

Nas regiões circunvizinhas à cidade de Pemba existiam já antes da ocupação pelos portugueses algumas povoações chefiadas por ré­gulos, sendo o principal o sultão Mugabo, seguido de outros como o Said Ali, Mutica, Macesse e o Mugona.

O Governador de Cabo Delgado que, em em 1857 foi incumbido de ocupar a região e aí formar uma colónia, faz especial referência ao "velho" Mutica que, à excepção dos outros, falava ainda a língua portuguesa e muito contribuirá para o sucesso das negociações.

Fortemente swahilizados estes régulos que se expressavam e escre­viam geralmente em árabe, edificaram sociedades semi-feudais cuja autonomia se manteve ao longo dos tempos, até mesmo hoje, con­tinuando a exercer grande influência e poder no seio da população, cujo principal credo é o maometanismo mesclado de antigas tradições fetichistas como em quase todas as regiões da província.

A estas autoridades de relações amigáveis e até mesmo honestas com outros povos em certas alturas, também não lhes faltaram momentos de agitação e saque.

Já em 1843 o cheique Macesse, que chefiava a região actualmente conhecida por Pemba-Metuge, revolta-se contra a submissão aos portugueses, expulsando a companhia militar portuguesa estacionada num navio à entrada da baía de Pemba. Como corolário do desenrolar destes acontecimentos o cheique Macesse devolve a bandeira por­tuguesa às autoridades coloniais nas mãos do ajudante de Arimba, José F. Carrilho e recusando-se a pagar qualquer espécie de tributo.

Salientam-se também as investidas feitas pelos régulos Mugabo, Said Ali e outros contra caravanas europeias no circuito de Quissanga, obrigando-as a uma rota que levaria a mercadoria antes para Porto Amélia.

Se por um lado isto viria a abrir um caminho para o desenvolvimento de Porto Amélia a finais do século XIX, não menos verdade é que o facto veio a onerar bastante o processo de embarque e desembarque da carga já que Quissanga comunicando mais directamente com o "medo" era o principal porto exportador de então para o comércio e tráfico “ajaua-meto”.

A maior parte dos régulos antes da segunda década do nosso século se submetiam, na cintura de Pemba, ao régulo Mugabo, cujas terras confinavam com as da "coroa do medo", estas chefiadas pelo pode­roso maravi Mualia, ora submetido ora sublevado aos portugueses.

O quadro etnológico da população de Pemba remonta-se principal­mente à fusão do grupo macua com castas muani, penetrados res­pectivamente a partir de Murrébue e Quissanga.

Embora de diferentes origens as populações de Pemba se subordi­navam ao régulo Muária também de origem maravi.

O regulado Muária nasce cerca de inícios dos anos de 1880 quando famílias como Heri e Bachir pertencentes ao mesmo clã atingindo a região do medo avançam em direcção ao litoral pela rota Chiúre/ Mecufi/Murrébue.

De acordo com a "rainha" Muamba Omar Ussofo mais conhecida por Nhanicuto e descendente dos Muária, a dinastia se inicia com um tal Heri l na região de Changa (Murrébue) nas terras do régulo Nampuipui.

À morte de Heri l sucede ao trono Heri II que, para não defrontar o régulo Nampuipui que lhe fizera guerra acusando-o de ocupação ilícita das suas terras e compromisso com os portugueses, foge e refugia-se em Pemba na área da Maringanha. Parte do clã seguiu para Quissanga.

O successor de Heri II foi Remane Bachir que viajando para a África do Sul, como era seu hábito levando consigo voluntários (de acordo com a fonte ) que para lá queriam ir viver, foi chamado para assumir o cargo e é nessa altura adoptado o cognome de "Muária" para o regulado que agora começava.

Muitas vezes se fala de Muária como tendo alguma relação de parentesco, de clã ou mesmo qualquer outra com o regulo Muália, o que é negado por Muamba Ussofo, mas pode sobreviver a ideia de auto-identificação com o poderoso e conterrâneo maravi das terras do medo.

Amad Ali, avô do régulo Remane Bachir, descobre a zona de Marindima em Pemba e mobiliza a sua família e a gente de Changa para a habitar, o que veio a acontecer.

No entanto, fugitivos aos ataques dos ngonis, que lançavam as suas investidas com armas de fogo e azagaias a partir do ponto da colina que cai a pique na região de Marindima, bem como pelo facto de ali não haver água potável, a população deixa a zona e vai fixar-se junto às lagoas de Natite.

É então que Remane Bachir manda limpar as áreas de Nuno e Ingonane para ser habitada colocando lá como chefes dois familiares seus, nomeadamente as rainhas Nhanicuto e Nhacoto.

Enquanto isto o régulo Remane Bachir Muária entrega o Wimbi ao chefe Namacoma e a região compreendida entre o Nanhimbe e Maringanha ao seu irmão capitão-mor Tagir Bachir.

Anra Bachir sucede a Remane no regulado Muária e tendo este morrido fica como sucessor o seu sobrinho Fadili Adi, seguindo-se - lhe o seu irmão Anli Mugola.

Durante o reinado de Anli Mugola, este entregou a zona do Cariacó ao chefe Amada Muária, já na década de 60 do nosso século, que ao ser preso pela Pide é substituído por Abdul Latifo Ncuo.

Para além das já citadas rainhas o Paquitequete teve ao longo dos tempos ate à independência de Moçambique outros chefes, no­meadamente Mussa Amad, Pira Anlaue, Said N’Ttondo, entre outros.

Das relações com as autoridades coloniais que, mesmo antes de ocupar a região mandavam anualmente um encarregado de cobrança do imposto, a velha Omar Ossofo relata que quando chegava tal enviado eram içadas três bandeiras portuguesas: uma na praia junto à ponta Romero, a outra à frente da residência do régulo Remane e a terceira no quintal deste.

A população para não pagar o imposto abandonava as suas casas e internava-se mais para o interior e o funcionário da administração colonial em acto de vingança queimava todas as residências, obri­gando a população a construir alpendres provisórios após a sua retirada.

Em língua macua “marapata” significa alpendre ou algo provisório, alcunha que a população deu ao dito funcionário.

Nessa altura a designação de Pemba limitava-se somente a uma pequena área, próximo à ponta Miranembo, onde o governador colonial Jerónimo Romero havia instalado o "Estabelecimento da Baia" e construído um fortim que a população de Muária usou como refúgio nas razias que os sacalaves levaram a cabo.

Embora fora dos parâmetros deste estudo mas para dar uma ideia mais ampla da distribuição territorial do regulado Muária podemos acrescentar que dados de 1970 indicam que o régulo Ntondo, ocupava em Porto Amélia uma área de 1.042 km2 (Paquitequete), seguido do propriamente chamado Muária em Natite com 264 km2, Namacoma no Wimbi com 504 km2, o Piripiri no Gingone chefiando uma área de 8 km2 e o Nansure do Cariacó a Changa com 230 km2. (3)

Considerando por outro lado que os portugueses recrutavam na região do medo os carregadores para as suas caravanas é óbvio que muitos deles em Pemba se foram fixando, o mesmo sucedendo à gente migrada das regiões costeiras.

Os conflitos tribais que sempre existiram entre ambas as etnias (e para um período mais curto também com os macondes) eram compensados pelas trocas comerciais, sobretudo o contrabando e tráfico de toda a espécie.

Apesar de Pemba ser zona costeira, provida de uma enorme baía, muito pouca gente se dedica hoje à pesca, absorvendo o sector pes­queiro apenas cerca de 200 pescadores (dados de 1987) que em suas casquinhas, lanchas e algumas pequenas embarcações fazem não mais que uma produção anual de 150 toneladas de pescado. É também verdade que a intensiva exploração ao longo dos tempos dentro e ao largo da baía, tornaram os recursos marinhos mais escassos.

De marinho típico é, por aquelas bandas, verem-se, nas vazantes das águas com bastante afluxo no período das marés vivas, mulheres, homens e até mesmo crianças de tenra idade ora cercando peixe muidinho com finas malhas ora apanhando conchas ou moluscos comestíveis.

Tão típico é isto quanto o prazer de encontros amigáveis na praia ao nascer e ao pôr do sol, nem que seja sob o pretexto da necessidade de defecar na praia (por tradição), ali se juntam grupos de pessoas em animadas conversas (e quem sabe não mais?) por várias horas.Grande parte da população dedica-se no entanto à pequena indústria artesanal e a outras ocupações liberais e informais bem como ao comércio, não deixando de praticar um pouco de agricultura para subsistência, com especial incidência no milho, mapira, mandioca e mexoeira.

Pemba, este pequeno satélite e entreposto swahili de tempos remo­tos, conserva ainda suas antigas tradições e hábitos assimilados das gentes do Tanganica. A preferência em artigos do mercado oriental e a quase generalização da língua swahili, embora misturado com o idioma macua e a língua portuguesa, é também realidade.

O “Sungura”, dança importada da Tanzânia, diverte todos os dias e durante toda a noite a população dos bairros periféricos.

Dessa gente não há quem falte, pois aliado ao divertimento algum namorisco poderá, eventualmente, acontecer.

Os três ou quatro conjuntos musicais que actuam em simultâneo nos principais bairros de caniço expressam-se em língua swahili. Os dançarinos os acompanham.

O "mini na kissikia swahili" (eu compreendo swahili) liga uns e outros numa libertação e fruição de mais um dia passado.

As comunidades de maior influência árabe-swahili, muito dedicadas ao comércio com a Tanzânia, localizam-se em ambas as extremida­des: Maringanha ao Sul e o Paquitequete ao Norte.

Contava há poucos anos um velho auxiliar de faroleiro uma interes­sante e peculiar história sobre a origem do nome Maringanha já que a explicação nos conduz a um facto de que a gente de Maunhane jamais viria a esquecer: trata-se da construção de poços de água, um dos mitos de mau agouro ameaçador de morte a quem o construísse.

O facto deu-se após o ciclone de 1914 quando, já reconstruída a povoação de Maunhane, o faroleiro Heliodoro José Carrilho inaugura os poços (por ele próprio mandados construir) gritando o lema: “Muringana?”, que em língua local significa "estão completos?" ao que a população respondia em uníssono "Ti ringana”, que nada mais é do que a confirmação.

Será que por popularização como indicava a fonte e deturpação da expressão "mu ringana" viria a resultar Maringanha?

As cartas no entanto designam de ponta "Maunhane" à região e não é de admirar já que localmente a expressão significa "no sítio dos macacos" dado que em tempos parece ter sido ali o local por eles preferido.

Ainda hoje muitas vezes se vêem macaquitos a vaguear pela Ma­ringanha saltitando por entre o sombreiro das casuarinas e coqueiros junto ao farol como que apreciando as centenas de mulheres que na vazante avançam pelo mar em busca de marisco, o "caril" diário.

Trata-se principalmente da apanha de certas conchas com carne comestível mas pouco ou nada comercializável por se tratar quase de um dever tradicional de toda a mulher e suas crianças procurar moluscos e pequenos crustáceos tanto para seu sustento como até por simples ocupação do tempo e desporto.

Para além da pesca artesanal a população da Maringanha dedica-se também à pequena agricultura bem como à fermentação alcoólica do caju. Aqui a amêndoa deste fruto é no geral consumida quer verde quer torrada depois de seca ou mesmo, em ambos os casos, também utilizados na culinária.

Na outra extremidade de Pemba encontramos o Paquitequete que apesar de desenvolver um forte comércio swahili alberga por outro lado famosos artesãos e gastrónomos ensinados no Ibo e trazidos para ali aquando da transferência da sede da administração da Com­panhia do Niassa.

Ourives trabalhando a prata das moedas portugesas antigas e o ouro das libras estrelinas que ainda vão aparecendo, arrancado às relíquias de algumas poucas “sinharas” (senhoras) ainda vivas apesar de velhinhas, que em seus quintais confeccionam para venda famosos doces, compotas, diversos bolos doces e salgados bem ainda como achares de variado tipo.

O Paquitequete está quase separado da cidade por uma lângua que seca quando a maré vaza mas repleta de água na enchente e, nessas ocasiões, não falta “negociozinho” aos miúdos das casquinhas ganhan­do algumas coroas aos que desejem encurtar o caminho caso estejam em ambas as extremidades já que a ponte se situa quase no extremo sul deste enorme bairro.

O nome de Paquitequete provém da expressão "pá hitequete” que significa por um lado "no sítio do hitequete" ou melhor uma planta que cresce toda emaranhada muito comum ali, por outro é aplicada à característica do próprio bairro com casitas todas muito juntinhas umas das outras formando um autêntico emaranhado.

Engloba ele junto ao mar as áreas de Cofungo na ponta Mepira, seguindo-se em direcção à ponta Romero as zonas conhecidas por Nazimogi, Paquitequete propriamente dito, Cumissete e Cuparata. Há a acrescentar ainda uma casta de mestiços do Ibo que se isolou um pouco mais para a costa a seguir a lângua, dando origem ao bairro da Cumilamba que galga um pouco a parte da escarpa Leste da cidade de Pemba.

Enquanto que na Maringanha a ponta é alcantilada e orlada por um recife de coral que cobre e descobre em Mepira ela è baixa e arenosa caindo a costa a pique sobre o mar.

Nas regiões centrais da península localizam-se os bairros semi-urbanizados de Ingonane, próximo à ponta Romero assim como o de Natite e Cariacó mais a sul onde vivem principalmente os novos artesãos, o pequeno operariado local e os potenciais produtores e negociantes de aguardente e outras bebidas tradicionais, tais como os fermentados de cereais ou farelos.

Estes bairros desenvolvem-se a partir da ponta Romero que é baixa e também orlada por recife de coral que cobre e descobre. Tem praias arenosas mas as ondas são no geral bastante violentas. A ponta Romero antes da ocupação pêlos portugueses era conhecida pelo nome Miranembo.

A tradição reza que ainda no tempo em que a região era floresta cerrada, albergando grandes manadas de elefantes certo dia enfurecidos avançam em direcção ao mar e o mais velho (o chefe) que seguia à frente não foi capaz de estancar na ponta o que o levou a precipitar-se por sobre as águas e dai engolido pelas ondas. De súbito os outros elefantes param e aterrorizados tomam rumo oposto fazendo uma retirada para o interior sem nunca mais por ali aparecerem.

Ora, localmente a expressão “umuiria” significa engolido e “nembo” o vocábulo elefante, ou seja o lugar onde foi engolido o elefante. Naturalmente, segundo a lenda, as duas expressões ter-se-iam fundido dando origem à palavra “umuirianembo”, posteriormente, “miranembo”.

Entre o Cariacó e a Maringanha encontram-se o Wimbe e o Nanhimbe (actual bairro Eduardo Mondlane) dedicando-se à agricultura de su­bsistência e à fermentação alcoólica do caju.

Já no cimo da colina podem-se ver, do levante ao poente, os bairros de Chuiba ou "Planalto dos Cajueiros", Gingone e Muxara, pratica­mente cobertos de cajueiros, e são os que mais comercializam a amêndoa do caju e se dedicam à fermentação alcoólica da respectiva maçã bem como à pequena agricultura.

O rochoso baixo de Nacole a 1,5 milhas para Sueste da Ponta Mepira, projecta ao longo das suas praias de Chibabuara onde, do ponto mais alto da cidade, a colina se faz cair abruptamente.

Outrora um esconderijo de larápios por possuir densa floresta, hoje a sua população é essencialmente constituída por pescadores que, apesar dos rumores de existência de um polvo gigante ali mesmo na baía, essa gente continua fazendo alguma pescaria sem qualquer receio.

No centro da península onde está instalada a cidade de Pemba, ergue-se a zona de cimento desde a Baixa ou "Cidade Velha" junto à qual foram construídas as primeiras casas de alvenaria por facilidades de acesso ao porto, estancando numa planície provida do melhor parque habitacional.

É também nesta zona onde se encontram o Governo e serviços públicos diversos, combinados com uma cadeia de estabelecimentos comerciais bem como um parque infantil onde funciona também uma creche.

O actual porto e ponte cais de Pemba na baixa estão localizados na região meridional da baía a 5 amarras para Sueste da ponta Mepira, com fundo de lodo. O fundeadouro pode alcançar-se a pouco mais de 80 metros, onde se encontra o molhe cais, dado que os fundos se aproximam bastante da terra.

Existem no porto diversas instalações para armazenamento de cargas e para serviços marítimos e aduaneiros. Está também apetrechado com um sistema para a contenção de combustíveis que, através de uma conduta de cerca de um quilómetro, são despejados para os depósitos da Petromoc próximos à povoação de Chibabuara.
- Do Livro "Pemba e sua Gente" de Luis Alvarinho.
EXTRAS - O FAROL DA MARINGANHA

Pudesse eu ligar para (289)824983 ou ir pessoalmente localizar a Rua Actor Nascimento Fernandes, lá para as bandas de Faro, Algarve, na terra de Camões, encontrar Maria dos Anjos Martins e conversarmos hoje sobre o Farol da Maringanha.

Não é por nada. É que no livro que me ofereceu, com o nome Pemba, de contos lusófonos, em retribuição ao meu “Caso de Montepuez”, ela me pôe muito pensativo quando na página 81 fala do faroleiro que sempre guarnecia aquele farol em tempos de sua juventude.

Apresentando-se com o pseudônimo, Angie Paraízo, a nossa escritora, que é natural de Cabo Delgado, apresenta um faroleiro que ficava horas a fio, sentado nos primeiros degraus do farol esperando ver os tentáculos do polvo gigante que emergia silencioso e rápido do fundo das águas do mar. Passava as tardes à espera do seu único amigo, a sua única visita, apesar de saber que ele só vinha ao pôr-do-sol. O velho faroleiro gretado pelo vento e pelo sol, cofió na cabeça de cabelos brancos, pés descalços, olhar perscrutando o mar até ao limite do horizonte.

Ás vezes, conforme Angie Paraízo, o polvo surpreendia o coitado do velho faroleiro, elevando os grandes tentáculos acima do nível do mar, deixando-os deslizar pelas paredes escuras do farol para em seguida rodopiar em espiral provocando agitação nas águas. O velho sorria e agradecia. Estamos perante um maringanha morto e monótono.
:: Júlio Gabão, Jaime L. Gabão e o saudoso Rodrigo Carrilho ::

O que gostaria então de dizer a minha amiga luso-moçambicana, é que no mesmo sítio, estou a dizer, no farol da Maringanha, já não há nada que justifique a solidão de que sofreu o faroleiro. O bairro da Maringanha não tem hipótese de ficar isolado, não há lugar para ser apenas o polvo a brincadeira do faroleiro e não só.Maringanha fica hoje alguns quilómetros mais perto da cidade de Pemba, porque a engenhosidade de mentes particularmente empresariais permitiu queo farol seja não só aquele dispositivo sinaleiro, mas também o nome de um complexo turístico-cultural, enfim, lugar para todo o tipo de lazer, que Pemba há muito precisava.

Aliás, não há mato a partir da praia do Wimbe, a pouco e pouco foram aparecendo lugares de restauro e brincadeiras adultas, sendo que a seguir vem a “Aquilla Romana”, depois temos a sempre trabalhadora Célia, o campismo, etç., etç., salta-se um pouco para permitir que um pequeno bosque ainda continue a viver por razões humanas. É que lá está o cemitério dos hindus, é lá onde se queimam, depois do que estamos no complexo “O Farol”.

É Albertino Cuomo, o cabo-verdiano que agora (há duas semanas) fez o destino obrigatório dos que sabem descansar, claro, com certas posses.

Houve tempos em que aos fins-de-semana tínhamos pessoas a irem a Nampula para se deleitarem com os ambientes quentes do “Xitende” ou “Monteiro Splays” ou ainda nas Quintas Nasa, do Galo e muito recentemente no complexo “O Bambo”. Noutros tempos a gente dirigia-se a Montepuez para usufruir do que “Zavala” proporcionava, hoje não.

Pudesse eu convidar a minha amiga Angie Paraízo para, com ela, com a sua idade, ficar pelo menos trinta minutos no “Farol”, depois iríamos pela costa até noutro complexo pertencente a Chabane Combo, só para ver que o espaço está sendo ocupado, por isso a solidão do faroleiro não mais voltará, pelo menos em Maringanha.
PS - Em tempo: Estiveram cá os “Massucos” do Niassa, para confirmarem que são na verdade os mais-mais da atualidade. Há muito que Pemba precisava de espetáculos de luxo, fora da cassete que se traz e se imita burlando deste modo o público que muito respeito merece. Ficou de parabéns Narciso Gabriel e o seu restaurante Wimbe que trouxeram os “Massucos”, agora traga-nos os “Eyuphuros” e verá.
- Pedro Nacuo - Notícias de 27/09/2002-Texto cedido por Anvar e Inez Andrade Paes.

(Transferência de arquivos do sitio "Pemba" que será desativado em breve)