10/12/08

Moçambique - Solução inovadora, barata, corajosa e bem-sucedida traz saúde para o povo.

Li hà momentos no Diário de Notícias de Lisboa:
Técnicos de cirurgia são vigorosa arma de luta em Moçambique. Apesar da pobreza que ali persiste, o segundo maior país lusófono de África dá passos decisivos no combate à doença, aproximando-se das metas definidas pelos organismos internacionais para o sector. As doenças materno-infantis têm regredido graças à melhoria dos cuidados de saúde.
"Quando as pessoas estão a morrer e não há médicos, o que é que se pode fazer?

"Esta pergunta, feita, um dia, por uma alta figura da saúde, em Moçambique, é a resposta a quem questiona a solução encontrada em 1982. Uma solução inovadora, barata, corajosa e bem-sucedida, a da formação de técnicos de cirurgia.

Em 1982, debatendo-se com os problemas da guerra e com um enorme caudal de dificuldades na área da saúde, Moçambique teve uma ideia controversa: formar técnicos de cirurgia, homens e mulheres que, mesmo sem formação académica, fossem capazes de se fixar nas zonas rurais e começar a melhorar a grave situação da mulher, na gravidez e no parto.

A solução moçambicana pode ser controversa mas, com as pessoas a morrer e sem médicos para as atender, era preciso fazer alguma coisa, e Moçambique, "de uma forma corajosa, inovadora e barata", agiu, como disse Margareth Chan, directora-geral da OMS, numa entrevista à produtora que recentemente realizou e transmitiu, pela rede pública da televisão americana, um programa de choque, com o significativo título de Birth of a Surgeon ("Nascimento de Um Cirurgião").

O documentário, feito pela Wide Angle, produtora de programas educativos, provocou forte reacção nos Estados Unidos e os telespectadores emocionaram-se com a história pessoal de Emília Cumbane, uma parteira de Maputo, treinada para praticar actos cirúrgicos (cesarianas e histerectomias, por exemplo) e que afirma adorar essa sua profissão, "que produz pessoas".

Não faltam, claro, as vozes críticas de quem entende que os técnicos de cirurgia não têm preparação académica, nem formação prática, para realizar intervenções e prevenir ou resolver complicações. De forma directa, Margareth Chan entrou no debate e, numa entrevista à mesma produtora, Wide Angle, citou o dirigente moçambicano na pergunta que abre este texto, reconhecendo o mérito destas soluções, práticas, corajosas, baratas, inovadoras e… que ajudam realmente a reduzir a dimensão do problema. A considerável redução da taxa de mortalidade materna e os números contidos em estudos científicos já publicados provam que a solução funciona e indicam o que é essencial - que a face da saúde em África pode estar já a mudar.

A experiência moçambicana foi já profundamente estudada e os resultados de, pelo menos, cinco estudos científicos, realizados em 1996, 1999 e 2007, muito animadores. Para além da constante redução da taxa de mortalidade materna, há outras situações que têm sido sublinhadas: de uma forma geral, as intervenções feitas por técnicos de cirurgia não diferem das que são realizadas por pessoal especializado e, ao contrário do que acontece com os médicos, os técnicos fixam-se nos locais e, num balanço feito cinco anos depois do início do processo, verificou-se que nenhum médico colocado num determinado hospital permanecia nele, mas que, pelo contrário, uma considerável maioria de técnicos nele se conserva em funções.
- In Diário de Notícias, 12/10/08.

10/10/08

Diversificando - Vamos comer bacalhau?...

(Clique na imagem para ampliar)
"Os portugueses foram os primeiros a introduzir, na alimentação, este peixe precioso, chamado bacalhau e universalmente conhecido e apreciado", segundo afirmou Auguste Escoffier, chef-de-cuisine francês, em 1903.

E foram os portugueses que descobriram o bacalhau no século XV, na época das grandes navegações e descobrimentos. Precisavam de produtos que não fossem perecíveis e suportassem as longas viagens de travessia pelo Atlântico, que levavam por vezes mais de 3 meses.

Depois de experimentarem vários peixes da costa portuguesa, foram encontrar o peixe ideal próximo do Pólo Norte. Também foram os portugueses os primeiros a ir pescar o bacalhau na Terra Nova (Canadá). Consta em documentos que em 1508 o bacalhau correspondia a 10% do pescado comercializado em Portugal e em 1596, no reinado de D. Manuel, cobrava-se o dízimo da pescaria da Terra Nova nos portos de Entre Douro e Minho. Também pescavam o bacalhau na costa da África.

Incorporado aos hábitos alimentares lusos é, até nossos dias, uma das tradições alimentares basilares da cultura gastronómica portuguesa, chegando a considerar-se Portugal o principal consumidor mundial de bacalhau, apelidado carinhosamente pelos portugueses de "fiel amigo", o que revela a importância e o papel que este peixe tem na alimentação do povo português.

Sua pesca ao longo dos tempos, sempre foi difícil e árdua nas águas geladas e perigosas da Terra Nova até meio do século XX. No século XIX, as embarcações portuguesas destinadas à pesca do bacalhau eram de madeira e à vela, sendo usada a pesca à linha. Este tipo de pesca praticava-se a partir dos dóri "(pequenas embarcações de fundo chato e tabuado rincado)" que eram lançados ao mar com um só pescador, ficando este, isolado do navio-base, cumprindo sua meta de pesca. Muitos se perdiam a meio da bruma e jamais eram encontrados.
Segundo o site "Bacalhau, a história de um alimento milenar", um artigo de Teresa Reis sobre a Pesca do Bacalhau, retrata um pouco desta aventura:

"Na pesca do bacalhau, tudo era duplamente complicado. Maus tratos, má comida, má dormida... Trabalhavam vinte horas, com quatro horas de descanso e isto, durante seis meses. A fragilidade das embarcações ameaçava a vida dos tripulantes" dizia Mário Neto, um pescador que viveu estes episódios e pode falar deles com conhecimento de causa. Quando chegava à Terra Nova ou Groenlândia, o navio ancorava e largava os botes. Os pescadores saíam do navio às quatro da manhã e só regressavam à mesma hora do dia seguinte, com ou sem peixe e uma mínima refeição: chá num termo, pão e peixe frito. No navio, o bacalhau era preparado até às duas ou três da manhã. Às cinco ou seis horas retomava-se a mesma faina. Isto, dias e dias a fio, rodeados apenas de mar e céu. ... Vidas duras...!"
Atualmente Portugal importa praticamente todo o bacalhau salgado e seco que consome. Também importa muito bacalhau "verde", que é salgado e curado nas próprias indústrias portuguesas.

O começo do bacalhau no Brasil, segundo o site "Bacalhau, a história de um alimento milenar":
""O hábito de comer bacalhau veio para o Brasil com os portugueses, já na época do descobrimento. Mas foi com a vinda da corte portuguesa, no início do século XIX, que este hábito alimentar começou a se difundir. Data dessa época a primeira exportação oficial de bacalhau da Noruega para o Brasil, que aconteceu em 1843.
Na edição do Jornal do Brasil de 1891 está registrado que os intelectuais da época, liderados por Machado de Assis, reuniam-se todos os domingos em restaurantes do centro do Rio de Janeiro para comer um autêntico "Bacalhau do Porto" e discutir os problemas brasileiros. Mais de um século depois, ainda são muito comuns nos restaurantes especializados estes "almoços executivos", onde a conversa sobre negócios é feita saboreando um bom bacalhau.

Durante muitos anos o bacalhau foi um alimento barato, sempre presente nas mesas das camadas populares. Era comum nas casas brasileiras o bacalhau servido às sextas-feiras, dias santos e festas familiares.
Após a 2ª Guerra Mundial, com a escassez de alimentos em toda a Europa, o preço do bacalhau aumentou, restringindo o consumo popular. Ao longo dos anos foi mudando o perfil do consumidor do bacalhau, e o consumo popular do peixe se concentrou, principalmente, nas principais festas cristãs: a Páscoa e o Natal.
Atualmente, o bacalhau está totalmente incorporado à cultura culinária brasileira. Todos os bons restaurantes oferecem em sua carta o nobre pescado, e o bolinho de bacalhau é preferência nacional nos bares e botequins. Como em Portugal, também desperta paixões e inspira famosos escritores."" (Fonte - Bacalhau, a história de um alimento milenar).

... e cantores que, com humor, apesar da "alta do dólar" dos últimos tempos em território brasileiro, o que deixará o preço do dito peixe "bem salgado", nos convidam a comer um "bom bacalhau", como podem constatar no video clip do YouTube:

Bom apetite, ora pois !

10/09/08

Mais de mil pessoas receberam formação em informática em Cabo Delgado e todo o Moçambique.

Mais de mil pessoas receberam formação em informática nos Centros Provinciais de Recursos Digitais (CPRDs) de Moçambique, no primeiro semestre de 2008.

Ao todo os CPRDs de Gaza, Inhambane, Sofala, Tete, Zambézia, Nampula e Cabo Delgado formaram 1271 moçambicanos. Quarenta e cinco por cento dos formados são do sexo feminino, entre funcionários públicos, estudantes e público em geral, sendo que a maior percentagem (22 por cento) se localiza na província da Zambézia, seguindo-se Nampula (16 por cento), Tete (15 por cento) e Cabo Delgado (14 por cento).

As províncias onde a adesão foi menor foram Inhambane e Sofala, ambas com 12 por cento, e Gaza, com nove por cento.

«Esta diferença estatística deve-se fundamentalmente a problemas organizacionais dos CPRDs, que afectam de formas diferentes o desempenho», conforme refere a Unidade Técnica de Implementação da Política de Informática.

Os CPRDs formam recursos humanos na área das tecnologias de informação e comunicação a nível local, dispondo de técnicos treinados para a ministrar aulas de informática, que incidem também na administração de redes e manutenção de computadores.
In - IGOV de 09/10/2008.

Cabo Delgado - Governo de Moçambique quer reativar fábrica de grafite de Ancuabe.

Maputo, Moçambique, 9 Out/08 - O governo de Moçambique está a negociar com empresários estrangeiros a reactivação da fábrica de grafite de Ancuabe, na província de Cabo Delgado, de acordo com difundidadas pela Rádio Moçambique.

A estação emissora cita a ministra dos Recursos Naturais, Esperança Bias, para afirmar que as negociações estão num bom caminho, prevendo-se que a fábrica retome as suas actividades dentro de dois anos.

A ministra disse ainda que os esforços do governo estão também virados para uma empresa de exploração de mármore, no distrito de Montepuez, tendo em vista o aumento da sua produção. Esperança Bias fez estas declarações na cidade de Pemba, Cabo Delgado, onde presidiu à cerimónia de assinatura de um contrato de pesquisa e produção de petróleo na bacia do Rovuma com a Petronas, da Malásia.

A mina de Ancuabe foi fechada em 1999 devido aos elevados custos de produção, nomeadamente o preço da geração de electricidade com geradores a gasóleo e uma quebra de 50 por cento no preço da matéria-prima. Estudos recentes mostraram que Ancuabe tem reservas de grafite estimadas em 1 milhão de toneladas. A mina foi explorada pela empresa Grafites de Ancuabe entre 1994 e 1999, que investiu cerca de 5 milhões de dólares para criar a capacidade de produzir 7500 toneladas de grafite por ano.

A Grafites de Ancuabe era uma "joint venture" entre a empresa irlandesa Kenmare Resources, com 77 por cento do capital, a British Commonwealth Development Corporation e o Estado de Moçambique.
- In MacauHub de 09/10/08.

HÁ 150 ANOS TUFÃO CAUSA TERROR, CONFUSÃO E ANGÚSTIA NA CAPITAL DE MOÇAMBIQUE E TERRAS FIRMES - Parte 2.

- Por Carlos Lopes Bento - Prof. Universitário e antropólogo.
Continuação daqui!

O tufão em Moçambique.

A Cidade de Moçambique acaba de presenciar e sofrer uma das maiores calamidades por que poderia passar.
Como se não bastasse a progressiva decadência que há muitas dezenas de anos tem cabido em sorte a esta Província, digna, por certo, de melhor destino, a Providência permitiu que, nos dias passados, caísse sobre ela um furioso temporal que arruinou, por muito tempo, uma boa parte da sua navegação e comércio; destruiu em larga escala a já de si diminuta agricultura da terra firme, de cujos produtos se alimenta a população da Cidade.
De 14 navios, que se achavam fundeados no porto, apenas escaparam do temporal, e se mantiveram seguros nas suas amarrações, a Barca. Adamastor, a Barca francesa, Charles y George e o Brigue Amizade.
Os demais, parte soçobraram abertos em água, parte foram arrojados às praias pela violência do mar e do vento, uns com ruína total, outros com avaria notável.
Acresce mais a esta desgraça que nem os lucros do abatido comércio animam os armadores às despesas do reparo de suas embarcações, nem Moçambique possui infelizmente um arsenal provido do necessário para acudir de pronto a desastres desta ordem. Dá-se ainda uma outra circunstância que agrava este grande mal. Parte dos navios surtos no porto, estavam próximos a seguir para os portos do sul da Província com os efeitos do comércio trazidos do norte. Haverá portanto dificuldade de abastecer os mercados do sul com os artigos que ali são pedidos, os quais, tendo de ficar detidos na Alfândega da Capital, perderam a oportunidade de boa venda, e serão depreciados, porque a Cidade não oferece proporções de bastante consumo.
Muitas vidas se perderam também neste desgraçado acontecimento; milhares de palmeiras e outras arvores foram arrancadas e arrojadas a larga distância; os campos ficaram talados e as sementeiras e plantações de arbustos inteiramente destruídos nestas vizinhanças, o que há-de, necessariamente, ter decidida influência na subsistência pública deste Distrito.
Havia 8 dias que o mau tempo se tinha anunciado por copiosas chuvas, que levaram a ruína a muitas habitações da Cidade e do Continente, porém, na madrugada do 1º de Abril, o vento declarou-se pelo sudoeste, e foi crescendo com impetuosa fúria durante o dia inteiro até ás 9 horas e meia da noite.
Começou então a abonançar: às 11 o mar caiu de repente, o vento tornou-se perfeitamente calmo e atmosfera mostrava a mais serena aparência.
Mentirosa ilusão!...
O barómetro marítimo tinha indicado com antecedência que um grande temporal ia ter lugar e desceu, progressivamente, até ás 11 horas, a 28 polegadas e 74 centésimos.
Tendo o vento e mar cessado a esta hora, era de esperar que esta circunstância coincidisse com a subida do barómetro; não sucedeu porém assim; pelo contrário continuou a descer até 28 polegadas e 70 centésimos, o que na verdade era de muito mau agouro. E com efeito logo depois o vento saltou a noroeste com mais irosa fúria e com maior estrago.
De sorte que, em quanto o temporal corria desfeito do quadrante do sudoeste, ia arremessando as embarcações ao litoral da Cabaceira, e aluindo as árvores do Continente e depois de saltar ao noroeste arrojava às praias do norte da Cidade os navios e embarcações miúdas que tinham de ser parte desta horrorosa destruição e abatia no Continente o arvoredo, que não poude resistir a tanta violência.
O temporal continuou com força no dia 2; porém, do meio-dia em diante, foi declinando; e a vagarosa subida do barómetro deu sinal de que o mau tempo ia cessar. E na verdade assim aconteceu. O vento rondou, finalmente, no dia 3 para o nordeste: que é este o remate dos tufões ou monomocaias, nestas paragens.
O porto de Moçambique é muito exposto a estes reveses por ser completamente desabrigado, e de mau fundo. E não há meio algum eficaz de pôr termo a tão ruinosas perdas causadas pelos tufões, senão transferindo a sede do Governo-Geral para as margens da baía da Condúcia, onde o comércio achará um bom porto e a desejada segurança e a agricultura do continente maior desenvolvimento e importância.
(Comunicado)”
- Fonte: B.O. nº 14 de 3.3.1858, p.57-59.

O texto transcrito, que deverá constituir um alerta para as Autoridades Moçambicanas, mostra bem as dificuldades que há em controlar fenómenos da Natureza desta índole, em que os meios, por mais sofisticados e abundantes que sejam, serão sempre insuficientes para defender as comunidades humanas e seus bens.
- Almada, 8 de Outubro de 2008, Carlos Lopes Bento.

  • O Autor: Dr. Carlos Lopes Bento - Antigo administrador colonial. Foi presidente da Câmara Municipal do Ibo, entre 1969 e 1972 e administrador do concelho de Pemba entre 1972 e 1974. Antropólogo e prof. universitário é um dedicado amigo das históricas Ilhas de Querimba que continua a investigar, de maneira sistemática, e a divulgar as suas inquestionáveis belezas. É Director da Sociedade de Geografia de Lisboa.
  • Demais posts deste blogue onde se encontram trabalhos do Dr. Carlos Lopes Bento - aqui e aqui.

10/08/08

HÁ 150 ANOS TUFÃO CAUSA TERROR, CONFUSÃO E ANGÚSTIA NA CAPITAL DE MOÇAMBIQUE E TERRAS FIRMES - Parte 1.

- Por Carlos Lopes Bento - Prof. Universitário e antropólogo.
Almada, 8 de Outubro de 2008 - No dia em que se comemora o “Dia Internacional das Calamidades” e, em Moçambique, se vão realizar em 42 dos seus distritos exercícios de simulação para testar o nível de prontidão do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, achei oportuno e pertinente lembrar o dia 1 de Abril de 1858, data em que um tufão assolou a Ilha de Moçambique e terras firmes adjacentes e tantas vidas ceifou e prejuízos causou.
Relembra-se a principal notícia então publicada na folha oficial do Governo Geral:

“Moçambique 3 de Abril.
No dia 1.° de Abril a Cidade e o Distrito de Moçambique sofreram os efeitos de uma tempestade horrorosa que, em menos de 21 horas, destruiu muitas fortunas, matou muitas esperanças e roubou a vida a um grande número de pessoas.
Não temos ainda notícias circunstanciadas sobre a extensão das perdas que o temporal causou. — Esperamos que elas nos sejam fornecidas pelas autoridades competentes, mas infelizmente podemos, desde já informar o público, que elas foram muito grandes tanto do mar, como na terra.
O Porto de Moçambique contava fundeados os navios seguintes — Barca Francesa, Charles & George, — Galera Portuguesa Adamastor, Brigues — Amizade, 2 Irmãos e N.S. do Socorro Flor do Mar, Iates —19 de Maio, Esperança e Livramento, 29 Pangaios Árabes e a Goleta de Guerra Francesa —L'Eglé.
O tempo tinha estado inconstante desde o dia 29 de Março — alguns aguaceiros, ventos variáveis, e a atmosfera coberta de grossas nuvens, carregadas de electricidade, foram princípio do terrível temporal, que começou na manhã do 1.° de Abril. — Até ás 11 horas do dia, os aguaceiros fortes de SO não tinham tido nada de extraordinário.
Mas, ao meio dia, o vento começou de soprar com fúria, os aguaceiros foram mais frequentes, e os horizontes mais curtos, e carregados.
O vento foi constantemente crescendo, e o mar com ele, de sorte (que depois das 4 horas da tarde alguns Pangaios, Iate 19 de Maio, o Iate Livramento, e outros navios haviam garrado, cedendo há violência do vento. As rajadas foram aumentando para a noite de sorte que o temporal era já furioso ao pôr do sol. — Desde então foi ele gradualmente crescendo de modo que todos os Pangaios, excepto um só chamado Mantalla, perderam as suas amarrações e alguns deles, bem como Iates 19 de Maio e Livramento, foram arrojados contra a costa da Cabaceira, e aí encalharam. — O Iate Livramento lançado primeiramente sobre a costa do norte do Porto, virou-se — e depois de ter sido impelindo sobre a outra banda veio soçobrar ao meio do canal grande, quando o vento deu para uma direcção oposta.
Quatro homens que puderam segurar-se ao casco, que não submergiu completamente, foram salvos pela tripulação da Galera Adamastor, cujo Capitão mandou um escaler acudir aos naufragados, que bradavam por socorro.
Às 9 horas da noite o vento abrandou um pouco da sua fúria, e pareceu que a tempestade tinha terminado. Este sossego porém foi de curta duração. O vento pareceu cessar, para começar de novo com maior impetuosidade soprando do NO. — Os estragos que a 1ª parte desta cena terrível tinha causado, eram já bem consideráveis.
As fazendas da outra banda já tinham sofrido bastante. — muitas árvores tinham sido derrubadas, muitas palhotas e casas tinham sido arruinadas — e algumas embarcações tinham sofrido grandes avarias ; mas isto ainda não era bastante; era necessário que esta calamidade- já grande para o estado decadente desta Província, fosse ainda maior, mais completa.
Proximamente às 11 horas. depois do sossego ilusório de que falámos, o vento se desencadeou furioso de NO.
Duras rajadas se sucediam rapidamente umas às outras , aumentando sempre de força. Os aguaceiros se tornaram mais amiudados e violentos. O céu escuro, caliginoso, não deixava perceber uma só estrela.— A escuridão medonha da noite vinha aumentar o horror das cenas que este grande transtorno da natureza produziu.
O trânsito era impossível nas ruas da Cidade, inundadas de água; e a areia levantada das praias, redemoinhava pelos ares, elevando-se a grande altura. As casas ainda as mais sólidas tremiam com a violência impetuosa do vento, que derrubava tudo quanto encontrava.
A chuva copiosa encheu as casas — muitas árvores, e algumas colossais, foram derrubadas, e os arbustos e plantas rasteiras ficaram queimadas pelo vento — grossos ramos foram violentamente arrancados dos troncos, e levados a grande distância. Todos estes sons sinistros, misturados aos gritos dos infelizes, que por intervalos sobressaiam horrorosos ao sibilar do vento, levavam o terror, e o susto à população consternada da Cidade.
Muitos tectos e paredes das palhotas da missanga foram arrebatados pelo vento, muitas outras ficaram quase enterradas na areia, que o mar, e o vento lançava sobre a ilha.
Mas se esta tormenta era horrorosa, e medonha em terra quanto mais o não deveria ser sobre o mar — ali aonde a todos os horrores do temporal, havia a acrescentar ainda a fúria do mar encapelado, a fragilidade das embarcações, a escuridão medonha da noite e a impossibilidade absoluta de esperar socorro alheio; devendo ser bem cruéis as horas de angústia assim passadas pelos infelizes que o temporal colheu sobre as embarcações frágeis refúgios contra a violência de uma tão temerosa tempestade! — Quando o vento se tornou verdadeiramente terrível, isto é depois de 11 horas da noite, os Pangaios começaram a descair uns sobre os outros, sem poderem nem segurar-se, nem evitar-se. Tudo foi desordem, confusão e terror.
Então era triste ouvir os gritos desesperados dos infelizes, que vendo a morte diante de si, bradavam socorro, e levantavam os braços para Deus, que só os podia salvar. — Confrangia ouvir esses gritos penetrantes dados por homens, e crianças no máximo desespero ou quando o mar os envolvia e ameaçava engoli-los ou quando arrojados à praia vinham despedaçar-se contra os rochedos. Alguns Pangaios soçobraram e outros vieram quebrar-se inteiramente na praia da Ilha. Os destroços numerosos que se encontram pela praia atestam ao mesmo tempo a violência do temporal, e a extensão da catástrofe. Com eles alguns cadáveres têm sido encontrados ainda que não em grande número.
Somente puderem conservar-se nas amarrações os três navios que mencionámos. A Galera Adamastor, a Barca Charles e George e o Brigue Amizade.
A Goleta Francesa, L'Eglé, que pôde sustentar-se e, segundo é de crer, ficaria firme sobre os ferros, também garrou depois das 11 horas da noite em consequência de dois Pangaios, que caíram sobre ela, e dos quais pôde ainda salvar 14 pessoas
A perícia e intrepidez dos oficiais, a disciplina da guarnição, e os meios de que dispunha não puderam evitar, que a goleta perdesse alguns ferros, perdesse o leme e, com outras avarias, encalhasse. — Felizmente, a solidez da sua construção a preservou de abrir água e, hoje, está salva, depois de alguns esforços felizes.
O Iate do Estado 19 de Maio também foi lançado sobre a praia da Cabaceira com pequena avaria no casco e bem assim um Pangaio mandado do lbo e retido neste porto, a bordo do qual estavam 4 praças portuguesas de marinhagem, que nada sofreram
Além dos navios, e Pangaios perdidos durante o temporal, um grande número de lanchas e outras embarcações miúdas foram feitas em pedaços contra a praia.
Os Brigues 2 Irmãos, e N. S. Socorro Flor do Mar, varados na praia da Ilha com mais ou menos avarias, ainda se poderão utilizar, fazendo-lhes os grandes consertos de que carecem para navegar.
Na terra firme, outra banda, o temporal destruiu algumas casas, derrubou muitas cabanas, arrancou muitas árvores, matou alguns negros, e gados — e arrasou palmares e plantações inteiras. Nenhuma propriedade ali deixou de sofrer e os estragos, ainda que até agora nos não sejam miudamente conhecidos, sabemos que são muito consideráveis e devem causar senão a ruína completa dos proprietários, pelo menos graves perdas. Na tarde do dia 2, a tempestade foi gradualmente declinando, até cessar de todo durante a noite desse dia.
Enfim, este temporal foi uma calamidade que afectará mais ou menos toda a Província, não só pelos resultados imediatos, como por aqueles que se lhes hão de seguir.
Todas as providências possíveis se adoptaram para pre­venir os roubos, e desordens conseguintes a semelhantes catástrofes. Abriu-se a Alfândega, postaram-se postos Mili­tares em diversos pontos, enterraram-se os cadáveres, fizeram-se recolher à Alfandega os objectos naufragados, e enfim, apesar de grande número de escravos do que a Ilha abunda, não há nem grandes roubos, nem desordem alguma a lamentar.
À medida que obtivermos informações iremos dando conhecimento delas ao público.
Confiamos na Providência, tenhamos ânimo e resignação e esperamos que o Governo da Metrópole não será indiferente a esta catástrofe, que tão terríveis efeitos produziu sobre a fortuna dos habitantes, devendo retardar ainda mais e desenvolvimento agrícola e comercial na Província, já pouco próspero.
É de justiça mencionar que o Sr. Juiz de Direito Silva Campos, o Capitão do Porto, os Empregados do Arse­nal, o Capitão Pereira de Almeida, Capitão Tavares de Almei­da, tenente Carvalho e o Alferes Sá Nogueira, oficiais do Estado Maior, o Snr. Fonseca, Escrivão interino da Fazenda, e os oficiais de Marinha Oliveira,ntinua e Sousa de Andrade, acompanharam o Governador Geral, e o coadjuvaram com os seus serviços, cumprindo as ordens que lhes foram dadas e as circunstancias exigiam, com todo o zelo, e prontidão.
- Continua em próximo post.

  • O Autor: Dr. Carlos Lopes Bento - Antigo administrador colonial. Foi presidente da Câmara Municipal do Ibo, entre 1969 e 1972 e administrador do concelho de Pemba entre 1972 e 1974. Antropólogo e prof. universitário é um dedicado amigo das históricas Ilhas de Querimba que continua a investigar, de maneira sistemática, e a divulgar as suas inquestionáveis belezas. É Director da Sociedade de Geografia de Lisboa.
  • Demais posts deste blogue onde se encontram trabalhos do Dr. Carlos Lopes Bento - aqui e aqui.