6/22/14

A sabedoria dos provérbios macuas !

Educação e saúde nos provérbios macuas

O povo macua é uma tribo bantu, do norte de Moçambique, cuja população está em torno de três milhões de pessoas.
Sua cultura manifesta-se particularmente nos seguintes aspectos: língua, cultura literária, contos, advinhas, provérbios e danças.
Alexandre Valente de Matos passou mais de 30 anos entre os macuas e, após recolher mais de mil provérbios, compilou a metade, importando-se em ventilar o sentido autêntico de cada um. Estes adágios englobam a sabedoria do povo e deixam evidente a fonte de sua vasta riqueza cultural, intelectual e moral.
Matos, depois de estudar cientificamente os provérbios macuas, acredita que é importante fazer-se justiça com este povo. “Quando, agora, se atenta ponderadamente a que todo este código de máximas luminosas, cunhadas em linguagem selecta, lacónica e filosófica, pertence a um povo imenso que até há bem pouco tempo era tido na conta de atrasado e selvagem, no conceito de europeus responsáveis, quanto não devemos penitenciar-nos por não nos termos debruçado a sério, desde o princípio, sobre o estudo da formosa alma africana!
Os aforismos macuas, na sua faceta cultural, fazem parte do chamado patrimônio comum a toda a humanidade, encerrando normas de moralidade e de guia seguro para a vida prática, que nos maravilham e enchem de espanto.
Muitas vezes, em companhia dos meus experientes interlocutores ou a sós comigo, sorria de íntima felicidade ao pensar na opulência de conceitos belos e profundos deste tesouro escondido no campo do pai de família.
Em busca de uma forma mais correcta de expressar a verdade, direi que no corpo destes provérbios se reflete vivamente, como em filmado documentário paisagístico, toda a vida do povo, deixando descobrir as suas fontes inspiradoras: crenças, acontecimentos, histórias reais, fábulas, ditos lacônicos e elegantes, hábitos dos homens e dos animais e, principalmente, a observação atenta até aos últimos pormenores dos caprichosos segredos da Natureza circundante.”
Cada povo tem sua forma de expressar seus valores e, para entendê-los, nada melhor que se portar Em Roma como os romanos.
Os provérbios macuas são caracterizados por certa penumbra de mistério, a sua expressão processa-se, algumas vezes, por linguagem de recorte difícil; ditos concisos lavrados por cinzel obscuro em termos obsoletos e com omissões flagrantes, cujo sentido nem o jovem nem os leigos menos versados na língua conseguem captar.
É possível notar que a sua grande maioria tem uma formulação alegórica, fazendo-nos reportar do sentido literal para o metafórico quando procuramos interpretá-los.
Assim, cada provérbio macua “É sempre o mistério ou enigma, cobrindo ciosamente com o véu espesso, a olhos estranhos, o oráculo riquíssimo das vozes sapienciais de um povo...” “Além de tudo o mais, os provérbios macuas condensam toda a filosofia de um povo – filosofia esta que se patenteia exuberante em princípios, ditames, normas e axiomas por que se rege o seu direito consuetudinário.”
Em outro ensaio (Lacaz-Ruiz, 1998), dissemos que “Dentre os provérbios de origem africana, alguns podem confirmar a influência no estabelecimento de valores e normas, bem como da sua possível aplicação no foro jurídico:

Mwana mukuru na ithe ni hamwe (O filho mais velho e o pai são uma coisa só - kikuyo);
Mwana wa mberi (O filho primogênito é toda minha alegria - kikuyo);
Kwa mwendwa gutiri kirima (No caminho para a casa do amado não se encontram montanhas - kikuyo);
Heri kufa macho kuliko kufa moyo (É melhor perder a vista que a alma - kiswahili);
Choru ndeilenuragha ni luembe Twake (Ao elefante, os marfins não lhe pesam - taita);
Omwamwa salia namakosa tawe (Mais vale a mensagem que o mensageiro - luhya).

Ainda sobre provérbios de origem africana, dentro do conceito lohmanniano (Fujikura & Meidani, 1995) de sistema língua - pensamento, Lauand (1994) analisa a universalidade filosófico-teológica dos provérbios.”
Também assim são os macuas. Segundo Matos (1982) “Em muitos passos da sua vida, os Macuas fazem uso dos provérbios, reforçando a atitudes e posições, quer estas se firmem em preceitos de correcção e gravidade, quer derivem para o cómico ou para grosseria picaresca. Mas o forte do seu emprego, o lugar onde se obtém o seu efeito mais retumbante, ocorre nas sessões de julgamento dos milandos (litígios) no parrô (tribunal) do régulo.
Quando na ventilação de um milando este atingiu uma fase de beco sem saída, se uma das partes litigantes citar um provérbio, com propriedade e acerto, a favor da sua causa, é como se acendesse uma luz na treva ou se rasgasse uma picada através da selva densa, pois que tem a causa ganha, pela certa.
Os aforismos têm, pois, entrada livre no tribunal do régulo como normas preceptivas ou vindicativas do direito e da justiça, e é à luz da sua doutrina que as contendas e demandas são deslindadas e solucionadas.
Muitas vezes, é o próprio régulo, na sua qualidade de juiz, que encerra a audiência ou julgamento com a citação de conceituoso rifão.”[1]
O missionário Matos diz ainda que “Como reverso da medalha, toparemos outros, cujo papel é dar combate à preguiça, à ganância e ambições desmedidas, ao orgulho e soberba, à fanfarronice, à intriga, ao roubo, à fornicação, à desconfiança, à avareza, aos maus hábitos, à negligência, à ingratidão, à vergonha, à mentira, à maledicência, à vilania, à inveja – a terrível nrima, fonte de males imensos no seio das famílias africanas...”

Provérbios macuas relacionados com a educação e saúde[2] :
Da coletânea com exatos 500 provérbios macuas de Matos (1982), podem ser selecionados os seguintes, relacionados com a saúde e educação, ou com a falta delas.
Os comentários feitos em cada provérbio são adaptações das explicações feitas pelo autor do livro Provérbios Macuas.
Munamuyara khapá – Vós gerais filhos à maneira do cágado.
Comentário – Os bantas afirmam que o cágado não tem o costume de chocar os ovos que põe, deixando este cuidado à mãe natureza. Quem escuta este provérbio recebe na realidade uma dura censura, a de estar descuidando do trato saudável dos filhos, isto é, foi buscar no casamento apenas a satisfação do prazer sexual.
Mùnnuwale muhupu wa makhala – Sois corpulento como um saco de carvão.
Comentário – Usado para pessoas que fazem algo que delas não se esperava. A quem tem físico e saúde, recomenda-se também que tenha juízo. A expectativa, quando não é feita de acordo com a realidade das coisas, causa as maiores decepções. Quem vê uma parreira vistosa e corre atrás dos frutos e não os encontra diz Muita parra, pouca uva.
Okhawá, ntapha na Muluku – A morte é um laço de Deus.
Comentário – Aqui diríamos contra a morte, não há remédio. Os africanos imaginam Deus como um caçador para apanhar os homens. Este provérbio retrata a situação daqueles que levam uma vida indigna e não dão importância à realidade da morte. Assim é a vida dos que desprezam o cuidado com a saúde, e a morte chega como um laço do caçador.[3]
Mukhopo ori mumu, ohittèla; ottèla va ririmaru – O peixe mukopo está aqui na água e não é branco; só fica branco no peito.
Comentário – Entende-se que o peixe mukopo é preto, e mesmo vivendo na água, não fica branco. Logo, o preguiçoso que não se lava bem, pode escutar este provérbio, pois, para se banhar, não basta estar na água, é preciso se esfregar para ficar limpo. Esta mesma expressão aplica-se aos desleixados, que não se esforçam por vencer as dificuldades que aparecem na vida.
Ekumi owoka – A saúde engana
Comentário – Quantos estão aparentemente saudáveis, mas apresentam no seu interior tanta doença e ruína.
Wòpa nlapa, wìtipera – Tocar o tamborzinho (nlapa) é esforçar as mãos.
Comentário – Este tambor, mesmo sendo de pequeno tamanho, para ser bem tocado, é necessário que se aplique a ele com capacidade, energia e persistência. E aqui diríamos A perseverança tudo alcança ou mais faz quem quer do que quem pode. Para todos servem estes conselhos, pois para saber algo, é preciso estudar, e cada um colhe o que plantou.
Wìkhunèla wòna orirya – Agasalhar-se é sentir frio.
Comentário – Os régulos de tempos em tempos, em reuniões específicas, lembram aos seus súditos a importância do trabalho, do viver em paz, e de não provocar litígios. Não falta nestas ocasiões quem peça a palavra para reclamar da falta de educação e respeito dos outros. Ora, o pequeno rei que a todos conhece pede para ele se sentar, pois o que reclama é um deles de quem ele fala. Nós diríamos: Se falaste é porque vestiste a carapuça ou Quem fala mal dos outros fala mal de si mesmo.
Mòro wa va’salani ohisa empá – O fogo aceso na lixeira é capaz de incendiar a casa.
Elavilavi khenikhwiwa; enxèriha maitho – A patifaria não se mata; apenas torna vermelhos os olhos do patife.
Comentário – Este é o modo sutil de dizer daquele que fez ações indignas, e que não é condenado à morte, mas pela perda da confiança dos outros, chora amargamente. Os nossos correspondentes são: Ninguém faz mal que não venha a pagar, e quem faz o mal espere outro tal.
Okhomàla okhuma nitho – Ser esperto é ter lume nos olhos.
Comentário – A esperteza indica atenção nos detalhes das coisas; é estar atento à Natureza, pois nela encontramos as respostas para todas as coisas. O esperto não deixa escapar um animal que passa ao lado; mede os prós e contras prudentemente; tem a vontade forte o suficiente para resistir quando é convidado para o mal; e sabe tomar conta das coisas que lhe são confiadas, com o mesmo zelo que tem pelo que lhe é próprio. Os provérbios correspondentes são: Quem em todos crê erra; e quem em nenhum não acerta e não bebas coisa que não vejas, e nem assines carta que não leias.
Kophweleya”, wunnuwa nikuma – Aquele que diz “Ando aborrecido” é capaz de perpetrar um grave delito.
Comentário – A tristeza é um grande mal. É o caso de uma pessoa que anda chateada e aborrecida, e quando lhe perguntam como está responde laconicamente que está chateada com a vida; em breve chegará a notícia de que se enforcou... Por um cabelinho se pega o fogo ao linho. Por este motivo, é importante educar na alegria, ensinando que temos uma dignidade, e não criando uma falsa expectativa para as coisas. Das frustrações vem a tristeza, e com ela, a morte.
Opanke mùpa, onroromela olupa – Quem fabrica flechas confia na pontaria.
Comentário – Aquele que vai para o alto mar acredita que sabe pescar e conhece bem os segredos do mar. Este provérbio transmite a idéia de que as coisas, para serem levadas a bom termo, carecem não só de inteligência, mas também de vontade. Provérbios similares em português seriam: Quem não cansa, alcança e Não se pescam trutas a bragas enxutas.

Provérbios macuas e a família :
Cada criança que vem ao mundo tem direito a um pai, uma mãe, uma família.
Tornaram-se populares os conceitos de que uma criança doente se recupera antes e melhor se conta com os cuidados da mãe.
São também evidentes os problemas causados nos centros de ensino por filhos de pais separados.
Mesmo que a família seja um tema polêmico, ela ainda é o fiel da balança, a esperança da sociedade. Pedir conselho aos mais velhos é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, existem a experiência e a sabedoria, por outro, estão o ceticismo e o cansaço da vida. Os tempos atuais são outros quando comparados ao das gerações anteriores. As mudanças quanto à forma são evidentes, mas quanto à essência, não.[4]
Desta forma, o conflito de gerações sempre irá existir, mas os problemas sociais serão inversamente proporcionais ao zelo do processo educacional familiar.
O tempo gasto com a família nunca é perdido, e sempre haverá conseqüências positivas no âmbito pessoal, familiar e social.
O conhecido provérbio "Mateus, primeiro os teus" resume o que foi dito.
Na África, é mais comum se ouvir: Dine with a stranger but save your love for your family (Jante com um estranho, mas reserve seu amor para sua família).
Para finalizar, dois provérbios macuas.
O primeiro retrata o conflito de gerações; o segundo a educação para o ser humano:
Ka namwana a khapá; mapele ari mmirimani – Sou uma mulher com filhos, mas de raça pequena como o cágado, cujos seios estão recolhidos no próprio peito.
Comentário – Os africanos sabem perfeitamente que o cágado é ovíparo, mas por alegoria, dizem que os seus peitos estão escondidos no interior da carapaça. Assim sendo, caso alguém diga que uma moça ainda não tem condições para ir ao casamento por ter peitos pequenos e ser de baixa estatura ou um moço ou uma criança que dão uma resposta com sabedoria e graça quando acuados poderão escutar este provérbio. Para estas situações, os provérbios similares são: Da mulher e da sardinha a mais pequenina e Os homens não se medem aos palmos.
Okhala onokhalihaniwa – Viver é ajudarmo-nos uns aos outros a viver.
Comentário – Para o ser humano, o existir e o coexistir são a mesma coisa. A vida tem muitos dissabores e contratempos, sejam eles as doenças, os percalços ou as fatalidades, que só iremos superar com a amizade, carinho ou amparo dos nossos familiares e amigos. O homem precisa da ajuda da mulher e vice-versa. Os filhos precisam dos pais, e estes confiam no auxílio dos filhos. Quem se isola do convívio dos outros por orgulho, egoísmo, avareza ou qualquer outro motivo vil, está condenado à tristeza e à morte. Um dos membros da família nunca fica doente sozinho, nunca ninguém fica só na tarefa de educar os filhos, assim nos diz a voz da África: One knee does not bring up a child e One hand does not nurse a child.

Considerações finais :
Quantas pessoas analfabetas há que viveram longe da chamada civilização ou dos grandes centros urbanos, que nunca freqüentaram centros de ensino, e parecem nada possuir, mas tudo possuem, pois têm o licor da sabedoria.
Com modos de ser manso, com uma alegria interior que transborda no trato com os demais e o olhar que penetra na alma.
As palavras desta gente são proverbiais, como as vozes que vêm da África.
Um provérbio macua exprime bem tudo isto.
Diz o que é muitas vezes o provérbio na relação entre as pessoas:
Mwèrera ahiva etthepo ni nipoxo (ou nivali ou nluku) – O que experimentou matou o elefante a caqueirada (ou a pedrada).
Este provérbio é usado para pessoas que conseguem grandes êxitos, com recursos insignificantes.
Talvez os provérbios representem estes recursos insignificantes, mas, se bem usados, serão uma fonte de unidade e sabedoria, de paz e de alegria.

Referências Bibliográficas:
FUJIKURA, A.L.C., MEIDANI, H.Santo Tomás e os Árabes - Estruturas lingüísticas e formas de pensamento. Revista de Estudos Árabes. v.3, n.5-6, p.33-51, 1995. (Tradução do original LOHMANN, J.Saint Thomas et les Arabes - Structures linguistiques et formes de pensées. Revue Philosophique de Louvain, v.74, fév, p.30-44, 1976.)
HANANIA, A.R., LAUAND, L.J.Oriente e Ocidente: Língua e Mentalidade – II. Revista de Estudos Árabes. v.1, n.2, p.37-51, 1993.
LACAZ-RUIZ, R.O referencial comum dos provérbios e a personalidade humana. In:______ Projeto provérbios para Escolas de Primeiro e Segundo Graus. São Paulo : Editora Mandruvá. 1988, p.50.
LAUAND, L.J.Sentenças de sabedoria dos antigos. In: ______ Hanania, A, R.; Lauand, L.J. Oriente & Ocidente: Sentenças e sabedoria dos antigos. São Paulo: EDIX/Centro de Estudos Árabes DLO-FFLCH/USP, 1994a, p. 64.
LAUAND, L.J.África: língua, provérbios e filosofia bantu. In: Luiz Jean Lauand (org.) Oriente e Ocidente: o literário e o popular. - Traduções e estudos sobre diversas culturas. vol.6. São Paulo: Edix/CEA/DLO/FFCLH/USP, 1994b, p.23-36.
LINO CURRÁS NIETO, J.Provérbios e virtudes. São Paulo : Quadrante. 1999, p.86.
MATOS, A.V.Provérbios macuas. Lisboa : IICT/JICU. 1982, p.376.
RUIZ, R.O tempo dos pais e o tempo dos filhos. Interprensa v.3, n.29, p.4, 1999.
[1] Também estão presentes nos provérbios uma elevada ética, justiça, amor à verdade, espírito de generosidade, deferência para com os outros, serenidade nas dificuldades, prudência nas palavras, estima e veneração, prestação de ajuda mútua, desprendimento do coração perante as belezas efêmeras do Mundo, vanidade da formosura feminina, hábitos de trabalho, confiança em Deus nas desgraças e esperança na sua justiça incorruptível, casamento como sociedade perfeita em que o homem e a mulher se complementam mutuamente, o certo contra o incerto, economia doméstica, valor da experiência ou da prática, gratidão, intrepidez, conveniências da mansidão, lições da morte..., dando veracidade ao anexim latino Vox populi, vox Dei. (cf. Matos op. cit.)
[2] "Provérbios existem em todas as culturas e também no Ocidente; mas não tão copiosamente e, sobretudo, não com a força psicológica que exercem no Oriente, onde todos conhecem vivamente os mesmos inúmeros provérbios que, além de constituírem um tesouro de sabedoria prática, erigem-se - junto com os livros da tradição religiosa - num poderoso referencial comum. O que, talvez, não seja alheio ao fato - para o qual tanto gostava de chamar atenção o Dr. Jamil Almansur Haddad - da fraca incidência de busca de auxílio psiquiátrico por parte do árabe. A propósito, note-se que precisamente um dos mais graves problemas culturais do Ocidente, hoje, é a ausência de um referencial comum, duradouro e universal. (HANANIA &LAUAND, 1993.)
[3] Neste sentido, vale a pena lembrar a misericórdia de Deus para com os homens. Um santo dizia que Deus não pode ser comparado a um caçador, que fica à espreita do primeiro erro para nos castigar, mas sim a um jardineiro, que cuida de suas flores, e quando elas estão belas, leva-as para Si.
[4] “O tempo dos pais e o tempo dos filhos são tempos que correm a uma velocidade muito diferente. E a sensação que a sociedade provoca, principalmente nos pais, é a de que isto é irreversível, tão irreversível quanto o progresso tecnológico que todos acompanhamos e vivemos. O que nos escapa é que há um tempo compartilhado não apenas pelas gerações dos pais e dos filhos, mas por todas as gerações. Um tempo que ainda podemos compartilhar em comum: trata-se do tempo de “ser pessoa”. É verdade que fica difícil aconselhar ou passar experiênciassobre “ser isto” ou “ser aquilo”, quando sabemos que não temos experiências vitais nem “disto” nem “daquilo”, porque, de fato, o mundo correu muito depressa e o presente tem muito pouca permanência. Porém o tempo de “ser pessoa” tem uma outra velocidade. Uma velocidade constante, e não continuamente acelerada. Tanto é pessoa o jovem de hoje quanto o jovem dos tempos clássicos da Grécia. (Ruiz, 1999)
- Rogério Lacaz Ruiz Adilson José Mangetti, aluno especial da Pós-Graduação Fac. de Zootecnia e Eng. de Alimentos USP/Pirassununga, Av. Duque de Caxias Norte, 225 13630-970 - Pirassununga - SP-Brasil.

Edição de J. L. Gabão para o blogue "ForEver PEMBA". Actualização em Outubro de 2013 e Junho 2014. 

6/16/14

Mueda (Cabo Delgado - Moçambique) - 16 de Junho de 1960 - O Massacre...

16 de Junho - ANIVERSÁRIO DO MASSACRE DE MUEDA EM CABO DELGADO - MOÇAMBIQUE - PORQUÊ O SILÊNCIO CONVENIENTE? Data outrora tão badalada, nem o NOTÌCIAS (on line) - (orgão 'oficioso' patrocinado pelo do poder em Moçambique, acrescento eu) de hoje, a ela se refere. Porque será? - Fernando Gil - MACUA DE MOÇAMBIQUE.
=-=-=-=-=-=-=
A verdade, honestidade, coerência e frontalidade nunca envergonham nem têm preço. Só assim se aprende com o passado e se poderá acreditar no futuro. Do "Moçambique Para Todos" de 15/06/08 transcrevo:
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E continua-se a mentir despudoradamente!
"Para o deputado Casimiro Huate, da bancada da Frelimo, o 16 de Junho é símbolo da resistência dos moçambicanos contra o colonialismo português. Segundo afirmou, o massacre de Mueda de 1960 é ponto mais alto da recusa do regime colonial do direito do povo moçambicano à autodeterminação e independência.
“Os moçambicanos estavam cansados da opressão colonial, das barbaridade e crueldades do regime colonial. Por via pacífica, exigiram ao administrador colonial português em Mueda a independência, mas a resposta massacre. Os moçambicanos sempre pautaram pelo diálogo, mas o regime colonial sempre negou”, disse, acrescentando que o 16 de Junho foi o elemento catalisador da consciência de que a independência só podia ser conquistada por via armada.
Casimiro Huate afirmou que os jovens devem saber valorizar as obras dos heróis moçambicanos, as conquistas da independência nacional, demonstrando o seu patriotismo e cidadania com boas obras. Segundo o deputado, as almas e o sangue de mais de 500 moçambicanos que naquele foram barbaramente assassinados em Mueda só estarão descansadas e valorizado quando todos os moçambicanos, em particular os jovens, trabalharem em prol do desenvolvimento do país e da consolidação da unidade nacional. Questionado sobre a promoção do desenvolvimento em locais históricos, como é o caso de Mueda, que neste momento se ressente da falta de água e energia eléctrica, Casimiro Huate afirmou que o mês passado na Assembleia da República, o Governo falou do programa visando o abastecimento de água em Mueda, bem como de outras acções ara benefício da população local.
.
Ao senhor deputado e a todos os historiadores de Moçambique:
- Vejam tudo sobre este acontecimento aqui !
Resta-me acrescentar que, ainda nos anos 60, Mueda e o planalto dos macondes beneficiavam de abastecimento de água. Mais de 30 anos após a independência, porque não terão?
Fernando Gil 
  • O video "Pidjiguiti e Mueda-6º Episódio" - YouTube - aqui !
  • Post's anteriores deste blogue sobre a série "A Guerra" - aqui 1, aqui 2, aqui 3 e aqui 4 !

5/28/14

Diversificando - Olhares do meu final de semana...

(Clique na imagem para ampliar. imagem original daqui.)

Olho e não me canso de olhar...
algures a violência mata,
ali o mundo violenta,
acolá a doença deprime,
além os homens destroem,
os pobres sofrem,
as mães estendem a mão,
e os humildes choram,
e em qualquer canto os demagogos lideres afrontam...
e os vaidosos humilham.
Mas eu olho... não canso de olhar,
tento encontrar o belo,
o ensejo para a vida,
a razão para continuar a olhar...
.- J. L. G. - 23Ago08
... e continua o olhar
vibra a noite
entre estrelas e luar;
chove a noite
entre saudade e o canto.
Olhar transgride
absorve duas noites:
estrelas, lua, saudade e canto;
vibram e chovem
espiam vida.
- Maisa, 24Jan08

4/30/14

"Tradução das Manhãs" de Gisela Ramos Rosa é a obra vencedora do Prémio Literário Glória de Sant'Anna 2014.

4/23/14

MEMÓRIAS DE CABO DELGADO COLONIAL - OBSERVAÇÕES NA BAÍA DE TUNGUE, NO CABO DELGADO E NO RIO ROVUMA, NO ANO DE 1888. UM BREVE RELATO.


- Lisboa, Carlos Lopes Bento, 16 de Abril de 2014.


  • Outros trabalhos do historiador Carlos Lopes Bento neste blogue.
  • O Dr. Carlos Lopes Bento no Google.

  • Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "ForEver PEMBA" em Abril de 2014. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

    4/03/14

    Histórias sem tempo...


    Posted by Hello...Ou Histórias de África !
    Por Maria de Lourdes Sant’Anna
    A.A. Nº 278/36
    Uma vez que vou contar algumas das histórias que vivi nos anos 57/58 em Cabo Delgado, parece-me que devo começar por caracterizar a região em causa.

    A província de Cabo Delgado situa-se no extremo nordeste da República de Moçambique, com uma densidade populacional de vários milhares de habitantes cujas etnias representativas são as macondes, macuas e mwani.

    Com uma superfície de 82.625 km², que inclui 4.758 km² de águas interiores, é limitada a norte pelo rio Rovuma, a sul pelo rio Lúrio e a oeste pelo rio Lugenda. O Oceano Índico banha o litoral leste, uma extensão de aprox. 425 km.

    A vegetação característica é de florestas de mangais, junto dos rios e do mar, de planícies e savanas com árvores de pequeno e médio porte mas com predominância de embondeiros, além das matas e das florestas.

    Existe ainda a norte do Cabo Delgado um arquipélago de 31 ilhas e ilhéus, o arquipélago das Quirimbas, que inclui, entre outras, a ilha do Ibo. (Por curiosidade direi que as mulheres do Ibo são conhecidas pelas sua beleza, com um tom de pele castanho dourado e grandes e alongados olhos verdes).

    Aos que entram por mar em Porto Amélia, depara-se um espectáculo inesquecível: a baía de Pemba.

    Considerada como a terceira do mundo em grandeza, com cerca de 15 quilómetros de amplitude, dizia-se que “podia dar abrigo a uma esquadra naval inteira”. E que, sendo também uma das mais profundas, num dos seus recessos, o “poço”, viviam tubarões de mais de 6 metros, jamantos com uma envergadura de cerca de 4 metros e garoupas de centenas de quilos.

    Foi em 1897 que a companhia colonial determinou ao Capitão José Augusto Soares da Costa Coleral que procedesse à implantação de um povoada na baía de Pemba, que era assim que as povoações nomeavam a região.

    O comércio que se fazia nas margens da baía desenvolveu-se imenso, tanto com as populações locais como com as caravanas que vinham do interior. E os pedidos de arrendamento e de aforamento de talhões começaram logo a seguir ao traçado da região, enquanto que a região de “Pampira”, junto do posto militar construído em 1897, passou a denominar-se Porto Amélia, em homenagem à última rainha de Portugal.

    Com a nossa chegada em janeiro de 57, os habitantes não crioulos, africanos ou mestiços atingiram o número de 502. E foi nessa região que vivemos cerca de dois anos.

    Além do lado fortemente positivo em relação a paisagens deslumbrantes, ao grande relacionamento humano, devo dizer também que havias aspectos fortemente negativos. Infelizmente o polo negativo levou-nos a deixar Porto Amélia e a ir para o Dondo (Beira).

    Como já disse a baía de Pemba surpreendia pela sua enorme beleza. Em linhas gerais, na margem esquerda erguia-se a cidade baixa, com a ponte-cais, a capitania do Porto, o posto meteorológico, o comércio, as empresas, o consulado (alemão), o único banco e também a única pensão, além de três creches e de um cinema.

    Na parte alta da cidade, erguia-se o bairro residencial, o hospital, a igreja paroquial e mais adiante o quartel e depois dele o campo de aviação.

    Havia apenas uma única estrada alcatroada, a ligar a baixa com a alta, e cá em cima as ruas eram todas de terra batida, dum vermelho que o vento levantava e manchava tudo de um pó grosseiro.

    Mas a par da terra, vermelha que o vento levantava, havia o outro vermelho/róseo, que surgia por vezes quando o sol ia a caminho do poente, tingindo a atmosfera de tons rosados a envolver suavemente árvores, a nós próprios, numa imagem de irrealidade, como se de um sortilégio se tratasse.

    Disseram-se ser um fenómeno pouco frequente mas normal em paisagens equatoriais.

    E era um livro surpreendente, aquele cujas páginas eu ía lendo num dia a dia cheio de expectativas.

    Também a ponte-cais era local de reunião, não só para os pescadores à linha, mas também para nós, os outros que ali apareciam não só para confraternizar mas também para apreciar a beleza das trovoadas que, do outro lado da baía iam riscando os céus com as faíscas que aos zigue-zages, entrecruzando-se, se lançavam vertiginosamente no mar entre os tons exaltados de todas as cores do arco-iris, numa beleza sem limites.

    O fundo do grande círculo da baía de Pemba descia da escarpa alta, que a dominava, até ao mar, numa cerrada floresta de verdes. E no dizer dos nativos que não se aventuravam lá, aquela era a região das jibóias e dos leões.

    Pois havia uma história que se prendia com aquela teimosa região. Uma criança de três anos, residente numa machamba, situada na “zona possível” antes da floresta das jibóias e dos leões, iludindo o “pequenito” cuja missão era brincar com ele, desapareceu uma tarde.

    Da cidade vieram todos os transportes disponíveis e, ao entardecer, as lanternas foram-se acendendo à medida que todos se internavam mais na floresta. E foi já tarde de noite que se encontrou a criança, a uns três quilómetros dentro da floresta, a dormir serenamente encostada a uma árvore.

    Quase impossível de acreditar, mas assim aconteceu.

    A primeira vez que por convite dum residente entrámos numa “zona de caça grossa”, num minúsculo Volkswagen que era o carro utilitário usado, tivemos a sorte de encontrar um majestoso leão.

    O nosso carro havia parado, pois o dono, que era caçador experimentado, pelo abanar do capim alto percebeu que seria um dos tais animais que ele gostaria que nós, recém-chegados, apreciássemos em pleno mato, além das dezenas de macacos que, pendurados nas árvores, nos espreitavam guinchando.

    O desejo do nosso amável anfitrião cumpriu-se, pois, pouco depois, a monstruosa cabeça dum leão surgiu ali, a cerca de dois metros de nós. É de facto uma sensação de tanto medo, que não se pode descrever, apenas sentir.

    O animal olhou para um lado e para o outro (onde nós estávamos, eu completamente muda e paralisada) e internou-se de novo no capim alto para surgir mais adiante, atravessar a estrada num passo lento, embrenhando-se de novo no capim.

    À medida que prosseguíamos, começaram a aparecer africanos que caminhavam sempre no meio da estrada. Todos eles levavam levantado, ao ombro, um alto e grosso pau em cuja ponta balançava um pequeno saco branco, enquanto que, com a outra mão, seguravam na cabeça uma lanterna de querosene, acesa, que, na tarde que caía, espalhava uma luz leitosa.

    (Foi-nos dito que, em regra, o leão só ataca quando tem fome e as suas zonas de caça não são nas proximidades das estradas. No entanto, o leão, já velho, pode esperar as mulheres que vão buscar água, longe da aldeia, ou viajantes que, por necessidade, se afoitem noite dentro longe das suas cubatas).

    Pois a lanterna que aqueles que íamos encontrando levavam à cabeça seria então para afugentar as hienas que, traiçoeiras, não atacam as pessoas de frente e que, seguindo-as, não se atrevem a investir contra aqueles que lhes parecem mais altos. Portanto, a lanterna, além da luz que projectava, era também uma defesa contra esses animais.

    Lembro-me que, quando fomos visitar as quedas de água do rio Lúrio, descemos por uma vereda até lá abaixo, onde o rio era mais estreito e havia uma pequena língua de areia. Sentados num dos rochedos existentes já no rio, reparámos num africano que o atravessava a nado, levando numa da mãos erguida acima da cabeça um tronco a arder.

    Quando chegou perto de nós, perguntámos-lhe se ali havia crocodilos. Que sim, que de manhã tinham visto um muito grande a apanhar sol. Já na areia, a nossa pergunta se não tinha tido medo quando atravessara o rio, a resposta simples surpreendeu-nos a todos: “Patrão, quando Deus quer...”

    Numa das caçadas onde participei fomos até uma lângoa (área pantanosa, com bancos de nevoeiro) de cerca de 40 quilómetros de diâmetro. Levávamos dois pisteiros africanos, bem conhecedores da zona, que, porém, daquela vez se perderam devido ao denso nevoeiro que nos envolvia. Andámos por ali às voltas mais de duas horas e caça, nem uma peça se via. No entanto, pelos excrementos que, por vezes, o nevoeiro deixava ver, compreendi que, pelo menos, búfalos e outros animais de grande porte poderiam ser encontrados.

    Dentre as várias caçadas em que participámos apenas como “mais dois”, uma ficou na minha lembrança.

    Saíramos da cidade já de noite a caminho duma pequena lagoa onde, de madrugada, os animais iam beber. E durante a viagem, os caçadores lá atrás “repartiam” entre si a caça que poderiam adivinhar por entre a vegetação: olhos verdes pertenceriam a gazelas, a antílopes, a palaves, a leopardos, etc. Mas olhos vermelhos, esses seriam sempre de leão.

    Quando surgiu um par de olhos fosforescentes, bem vermelhos, desceu da carrinha o caçador ao qual cabia aquela peça. O silêncio era impressionante, mesmo aterrador. Guiado apenas pelo próprio foco preso à cabeça, o caçador breve se afastou para reaparecer pouco tempo depois em corrida desordenada, gritando “talaco”, “talaco” (nome dado pelos nativos às formigas carnívoras que se deslocam em grossas e espessas colunas de milhões destes insectos e que destrói tudo por onde passa). Mas embora tenha dito que havia pisado a coluna, não se lhe encontrou uma única formiga. Ainda hoje mantenho as minhas dúvidas sobre a realidade deste encontro...

    Mais para a madrugada surgiu então o local procurado. E não tenho adjectivos suficientemente convincentes que possam demonstrar o que vi.

    Os animais erguiam-se numa frente única, num magnífico conjunto a sobressair do branco leitoso que o sol ia tingindo de tons rosados. Eram cerca de 14 palaves, que bebiam tranquilamente, enquanto o mais alto e mais forte que atento vigiava em breve deu pela nossa presença. E logo aquele nobre animal levou a manada em carreiras desordenadas e voltou atrás para enfrentar os caçadores de armas apontadas.

    E fecho mais uma série de “Histórias de África” com a partida de que, para não fugir à regra, fomos alvos pouco depois de chegarmos.

    Em terras pequenas, alguns caçadores gostavam de pregar partidas aos crédulos recém-chegados. E foi assim que, durante várias horas, entre cafés e whiskies pudemos ouvir histórias de caçadas cada vez mais empolgantes, cada vez a deixar-nos – porque não dizer? – mais encantados.

    Claro, o herói era sempre um, ele , o nosso contador. Mas como se tratava dum caçador profissional bem conhecido pela sua grande coragem e valentia, depressa se esqueciam as partidas que adorava pregar aos novatos que chegavam de longe, prontos a acreditar em tudo sobre a vida do mato, que aliás ouviam com agrado.

    Voltarei a contar mais “Histórias de África”. Em 13 anos de vivências por terras africanas, muitas foram as histórias acontecidas e que ficaram registadas no grande livro das nossas memórias, umas boas, outras más...
    In: http://www.aaaio.pt/public/ioand096.htm