10/17/14

18 de Outubro de 2014 - DIA DA CIDADE DE PEMBA

 56º ANIVERSÁRIO DE PEMBA


10/06/14

A HORA DAS CIGARRAS - GLÓRIA DE SANT'ANNA


VEIO COM A MARÉ DA SAUDADE... POESIA DO MAR AZUL DE PEMBA

A música, as palavras, os ambientes de África.

 Poesia de Glória de Sant'Anna. Música: Pierre Aderne e Cuca Roseta, Maria Bethânia, Los Super Seven, Vadu, Lila Downs, Jussara Silveira, Touré Kunda, Paulo Flores, Gloria de la Niña Rivera. 
Primeira Emissão: 08 Set 2014
Duração: 43m - Um programa do escritor angolano José Eduardo Agualusa dito por Ana Paula Gomes, baseado em textos e músicas do continente africano.


8/31/14

O CRISTO DE PAU PRETO

(Clique na imagem para ampliar)

O hotel dos sul-africanos, rodesianos e laurentinos endinheirados regozijava na noite morna. Luzes de cenário furavam as sombras das palmeiras de luxo que as pobres estavam no mato misturadas com os cajueiros e as imbilas. Carros espelhantes entravam e saíam em ritmo de recepção oficial. Negros de libré salamalecavam de um lado para o outro. No tecto, lustres prateados desenhavam figuras de cera. Os sussurros das vozes sugeriam futilidades e alguns risos tilintavam hipocrisias. O calor desfibrava o cacimbo e o ar flutuava de lubricidade. As fardas brancas, número um, de peitos medalhados, pareciam disfarces de corso e as piscinas espelhos polidos em que se reflectia a lua.

Uma névoa de leite descia para o Índico, um cargueiro apontava a proa para o Cabo, almadias diligenciavam marisco, a cidade adormecia embrulhada na indolência.

João deixara o Norte, muito para lá do Zambeze, os fornilhos dos atalhos de pé descalço, as minas dissimuladas na terra vermelha das picadas, o estalar das culatras das armas sem religião. Os homens que combatiam tinham coração e um Deus, mas disso se esqueciam quando os indicadores puxavam os gatilhos e as balas explodiam a morte. Agora, estava ali, embasbacado diante dos portões do hotel rico, espia da curiosidade a deambular sem mapa, pensando que, enquanto uns andavam de camuflados desbotados pelo suor, o sangue e a poeira, sujeitos a levar com um tiro ou um estilhaço nos cornos, cá em baixo, na capital provincial, os que gizavam nos mapas, em gabinetes climatizados, as operações de grande envergadura, escreviam sitrepes e perintrepes, comunicados para a Imprensa e convites para repórteres vendidos, desfrutavam as delícias do requinte colonial.

A guerra parecia-lhe uma função dividida entre fazedores de lixo e os que o recolhiam, ou, para não ser tão prosaico, um jogo de xadrez em que os peões são sempre as primeiras vítimas e os bispos, na sua obliquidade, os defensores do rei, com a rainha debaixo de olho, sem descurar os saltos dos cavalos ou a rectilínea das torres.

Sentiu uma saudade desculpável, que mais não era do que um desconforto perante o fausto que o agredia. Lembrou-se das noites de petrolina, das escâncaras do céu, do silêncio falante para lá do arame farpado, do calor gorduroso a derreter-se sob a orvalhada que crescia entre as copas do matagal, da espera do grupo que, à volta de Nangololo, pediria para que as armas não gritassem; recordou o Silva, a sua alegria para sempre perdida; o medo tão físico e manifesto que se cruzava nos olhares, misturava-se com o cheiro a urina das latrinas no canto mais afastado do polígono; a angústia dosanoiteceres - porque se o dia mostrava as formas que aquietavam os espíritos, a escuridão inquietava-os - que aumentava a espera dos sitiados. Percebeu-se necessitado de alguém que lhe falasse, um abraço sem factura, um beijo de uma boca que nunca mais visse, uns olhos que não lhe lembrassem raiva, nem loucura, nem teimosia; alguém que o entendesse sem lhe perguntar quem era, donde vinha, nada lhe impusesse nem exigisse, lhe murmurasse apenas que estava ao seu lado. Não era amor que ele pedia, só fraternidade, aquela ajuda que nunca se recusa a uns olhos aflitos, aquele preenchimento do vazio do egoísmo do mundo. Olhou as luzes embaciadas da cidade numa respiração de chafurda lacustre, os guindastes do cais do Gorjão como espectros dum filme de docas secas, um ar de desamparo que lhe exagerava a clausura.

Desceu por ruas sem passeios, ornadas de árvores, absorvendo aquele odor único de humidade e catinga, com as buganvíleas trepando pelos muros das casas e os cães despertados pelos seus passos. Tentaria um machimbombo para o levar ao centro, à avenida em que desfilara pela última vez. Depois, retrocederia para o porto e, nos botequins da rua Araújo, esperaria o amanhecer.

À porta, negros, em riso de folga, balouçavam ao ritmo do rádio que um deles segurava em cima do ombro. Não seriam macondes nem ajauas, talvez senas. Ao fundo, um cocuane, de cigarro ao contrário, avivou-lhe a memória de um maconde de cabelos brancos que lhe vendera um Cristo em pau preto: «Chi! É caro cem escudo? Arranja mais barato no Lisboa? Patrão, faz favorzinho, num diz qué caro!» Comprou e deu vinte de mata-bicho.

Negras, brancas, mulatas e algumas de ascendências asiática tinham o mesmo objectivo: a venda do corpo, a chantagem das privações dos meses a armazenar esperma, o acicate das bebidas com percentagens acertadas. A música de ritmos acelerados não deixava escutar ninguém, o suor rançoso não separava perfumes, os corpos meios desnudos alvoraçavam desejos, a promiscuidade não respeitava educações, reinava a avidez pelos que ostentavam mais dinheiro, não subsistiam fronteiras, uma desordem venial acotovelava-se e apalpava-se por entre gargalhadas e tonturas de bebidas falsificadas.

Cá fora, a balbúrdia não tinha tons nem modos, a rua era um esgoto de detritos, vómitos de misturas, escarros de bronquites relentadas, um metralhar de palavrões, «Estou farto deles! Só mandam vir e não fazem nada! Vou pró Puto e quero que se fodam todos!», uma náusea de sombras desconfiadas e gonorreias mal curadas. A bruma de algodão penetrava as roupas e adivinhava as formas. Era a neblina das noitesafricanas que manchava as ilusões dos poetas sem editores, feitos guerrilheiros à força  pelos facínoras do Terreiro do Paço. Os barcos, fundeados, simbolizavam rumos velhos traçados pelo leme de uma Pátria que, entre a liberdade e a mordaça, sempre andara fora de casa a engrandecer ou a desbaratar o seu futuro.

Acima do Zambeze ficariam as suas pegadas, diluir-se-iam as lágrimas das saudades dos seus mortos. Olharia de frente, sem medalhas, a sua história. Em Mafra haviam-lhe dito que «o Rei não manda chover, manda marchar!» Marchou. O Cristo de pau preto, numa mesa de cabeceira da casa onde nascera, seria o grito refreado da memória desses dias.
- Por M. Nogueira Borges in Lagar da Memória.
  • Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue!

8/25/14

OS POETAS NÃO MORREM!

Eduardo White - Wikipédia
Prémio Literário Glória de Sant'Anna 2013

7/26/14

GERAÇÃO ESQUECIDA

(Clique na imagem para ampliar)

O mato é verde como a esperança,
denso e forte como a paixão,
cheira a catinga e a feitiçaria,
a queimadas vermelhas na escuridão.
O mato é um céu aberto,
uma prisão com canos escondidos,
o limite de quem não se sente liberto,
um poema de gritos e gemidos.
O mato é música e sensualidade,
negra desnudada num banho de sol,
cabelo enrolado como um caracol,
a gritar e a correr em liberdade.
O mato é o medo que se escapa pelos trilhos,
a desconfiança aos camuflados que chegam,
a fera com cio vagueando desvairada,
suor da arte maconde ainda não prostituída,
O mato é o silêncio duma espera
a angústia sofredora de quem desespera,
tiroteio rasgando em carne viva.
O mato é a castanha de cajú,
água do coco e papaias do desejo,
caçadas de reis sem roque e sem reino,
armas em brasa na guerra sem leis.

E em África jovens se gastaram,
em tempo dobrado esperaram,
que não fosse preciso matar e morrer
para que os homens se entendessem.
Choravam pelos filhos que nasciam
pelos amigos que morriam,
e eles matando e sobrevivendo
e eles ferindo-se e morrendo.
Tinham na Alemanha próteses à espera,
na pele o sol e a chuva,
na alma uma fartura de mato,
nas mãos o cheiro do capim,
nos dedos os calos do gatilho,
nos olhos a lonjura da savana,
na saudade a viagem do regresso,
no coração a surpresa da cilada,
nos ouvidos os assobios das balas,
em Alcoitão cadeiras de rodas,
em Artilharia Um o desalento triste,
nos cemitérios valas já prontas,
nos pés arrastavam o cansaço,
no pensamento silenciavam PORQUÊ?
no corpo o desejo de amar da idade,
conforme o sorriso dos lábios e a vontade
de abraçar a mulher tão longe, tão distante.

Geração esquecida pelo antigo mando,
silenciada pelo novo mando,
por todos os mandos imprestáveis,
por todos os mandos sem orgulho,
sem raiva e sem mãos limpas.

Continuaremos a ser a geração
Sem diamantes nos dedos
e sem presas na arrecadação.

- M. Nogueira Borges*, Porto. Escrito em junho de 1978. Atualizado em Julho de 2014.
  • *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor nascido no Douro - Peso da Régua. Pode ler também os textos deste autor no blog Escritos do Douro. Outros textos de Manuel Coutinho Nogueira Borges neste blogue!

6/22/14

A sabedoria dos provérbios macuas !

Educação e saúde nos provérbios macuas

O povo macua é uma tribo bantu, do norte de Moçambique, cuja população está em torno de três milhões de pessoas.
Sua cultura manifesta-se particularmente nos seguintes aspectos: língua, cultura literária, contos, advinhas, provérbios e danças.
Alexandre Valente de Matos passou mais de 30 anos entre os macuas e, após recolher mais de mil provérbios, compilou a metade, importando-se em ventilar o sentido autêntico de cada um. Estes adágios englobam a sabedoria do povo e deixam evidente a fonte de sua vasta riqueza cultural, intelectual e moral.
Matos, depois de estudar cientificamente os provérbios macuas, acredita que é importante fazer-se justiça com este povo. “Quando, agora, se atenta ponderadamente a que todo este código de máximas luminosas, cunhadas em linguagem selecta, lacónica e filosófica, pertence a um povo imenso que até há bem pouco tempo era tido na conta de atrasado e selvagem, no conceito de europeus responsáveis, quanto não devemos penitenciar-nos por não nos termos debruçado a sério, desde o princípio, sobre o estudo da formosa alma africana!
Os aforismos macuas, na sua faceta cultural, fazem parte do chamado patrimônio comum a toda a humanidade, encerrando normas de moralidade e de guia seguro para a vida prática, que nos maravilham e enchem de espanto.
Muitas vezes, em companhia dos meus experientes interlocutores ou a sós comigo, sorria de íntima felicidade ao pensar na opulência de conceitos belos e profundos deste tesouro escondido no campo do pai de família.
Em busca de uma forma mais correcta de expressar a verdade, direi que no corpo destes provérbios se reflete vivamente, como em filmado documentário paisagístico, toda a vida do povo, deixando descobrir as suas fontes inspiradoras: crenças, acontecimentos, histórias reais, fábulas, ditos lacônicos e elegantes, hábitos dos homens e dos animais e, principalmente, a observação atenta até aos últimos pormenores dos caprichosos segredos da Natureza circundante.”
Cada povo tem sua forma de expressar seus valores e, para entendê-los, nada melhor que se portar Em Roma como os romanos.
Os provérbios macuas são caracterizados por certa penumbra de mistério, a sua expressão processa-se, algumas vezes, por linguagem de recorte difícil; ditos concisos lavrados por cinzel obscuro em termos obsoletos e com omissões flagrantes, cujo sentido nem o jovem nem os leigos menos versados na língua conseguem captar.
É possível notar que a sua grande maioria tem uma formulação alegórica, fazendo-nos reportar do sentido literal para o metafórico quando procuramos interpretá-los.
Assim, cada provérbio macua “É sempre o mistério ou enigma, cobrindo ciosamente com o véu espesso, a olhos estranhos, o oráculo riquíssimo das vozes sapienciais de um povo...” “Além de tudo o mais, os provérbios macuas condensam toda a filosofia de um povo – filosofia esta que se patenteia exuberante em princípios, ditames, normas e axiomas por que se rege o seu direito consuetudinário.”
Em outro ensaio (Lacaz-Ruiz, 1998), dissemos que “Dentre os provérbios de origem africana, alguns podem confirmar a influência no estabelecimento de valores e normas, bem como da sua possível aplicação no foro jurídico:

Mwana mukuru na ithe ni hamwe (O filho mais velho e o pai são uma coisa só - kikuyo);
Mwana wa mberi (O filho primogênito é toda minha alegria - kikuyo);
Kwa mwendwa gutiri kirima (No caminho para a casa do amado não se encontram montanhas - kikuyo);
Heri kufa macho kuliko kufa moyo (É melhor perder a vista que a alma - kiswahili);
Choru ndeilenuragha ni luembe Twake (Ao elefante, os marfins não lhe pesam - taita);
Omwamwa salia namakosa tawe (Mais vale a mensagem que o mensageiro - luhya).

Ainda sobre provérbios de origem africana, dentro do conceito lohmanniano (Fujikura & Meidani, 1995) de sistema língua - pensamento, Lauand (1994) analisa a universalidade filosófico-teológica dos provérbios.”
Também assim são os macuas. Segundo Matos (1982) “Em muitos passos da sua vida, os Macuas fazem uso dos provérbios, reforçando a atitudes e posições, quer estas se firmem em preceitos de correcção e gravidade, quer derivem para o cómico ou para grosseria picaresca. Mas o forte do seu emprego, o lugar onde se obtém o seu efeito mais retumbante, ocorre nas sessões de julgamento dos milandos (litígios) no parrô (tribunal) do régulo.
Quando na ventilação de um milando este atingiu uma fase de beco sem saída, se uma das partes litigantes citar um provérbio, com propriedade e acerto, a favor da sua causa, é como se acendesse uma luz na treva ou se rasgasse uma picada através da selva densa, pois que tem a causa ganha, pela certa.
Os aforismos têm, pois, entrada livre no tribunal do régulo como normas preceptivas ou vindicativas do direito e da justiça, e é à luz da sua doutrina que as contendas e demandas são deslindadas e solucionadas.
Muitas vezes, é o próprio régulo, na sua qualidade de juiz, que encerra a audiência ou julgamento com a citação de conceituoso rifão.”[1]
O missionário Matos diz ainda que “Como reverso da medalha, toparemos outros, cujo papel é dar combate à preguiça, à ganância e ambições desmedidas, ao orgulho e soberba, à fanfarronice, à intriga, ao roubo, à fornicação, à desconfiança, à avareza, aos maus hábitos, à negligência, à ingratidão, à vergonha, à mentira, à maledicência, à vilania, à inveja – a terrível nrima, fonte de males imensos no seio das famílias africanas...”

Provérbios macuas relacionados com a educação e saúde[2] :
Da coletânea com exatos 500 provérbios macuas de Matos (1982), podem ser selecionados os seguintes, relacionados com a saúde e educação, ou com a falta delas.
Os comentários feitos em cada provérbio são adaptações das explicações feitas pelo autor do livro Provérbios Macuas.
Munamuyara khapá – Vós gerais filhos à maneira do cágado.
Comentário – Os bantas afirmam que o cágado não tem o costume de chocar os ovos que põe, deixando este cuidado à mãe natureza. Quem escuta este provérbio recebe na realidade uma dura censura, a de estar descuidando do trato saudável dos filhos, isto é, foi buscar no casamento apenas a satisfação do prazer sexual.
Mùnnuwale muhupu wa makhala – Sois corpulento como um saco de carvão.
Comentário – Usado para pessoas que fazem algo que delas não se esperava. A quem tem físico e saúde, recomenda-se também que tenha juízo. A expectativa, quando não é feita de acordo com a realidade das coisas, causa as maiores decepções. Quem vê uma parreira vistosa e corre atrás dos frutos e não os encontra diz Muita parra, pouca uva.
Okhawá, ntapha na Muluku – A morte é um laço de Deus.
Comentário – Aqui diríamos contra a morte, não há remédio. Os africanos imaginam Deus como um caçador para apanhar os homens. Este provérbio retrata a situação daqueles que levam uma vida indigna e não dão importância à realidade da morte. Assim é a vida dos que desprezam o cuidado com a saúde, e a morte chega como um laço do caçador.[3]
Mukhopo ori mumu, ohittèla; ottèla va ririmaru – O peixe mukopo está aqui na água e não é branco; só fica branco no peito.
Comentário – Entende-se que o peixe mukopo é preto, e mesmo vivendo na água, não fica branco. Logo, o preguiçoso que não se lava bem, pode escutar este provérbio, pois, para se banhar, não basta estar na água, é preciso se esfregar para ficar limpo. Esta mesma expressão aplica-se aos desleixados, que não se esforçam por vencer as dificuldades que aparecem na vida.
Ekumi owoka – A saúde engana
Comentário – Quantos estão aparentemente saudáveis, mas apresentam no seu interior tanta doença e ruína.
Wòpa nlapa, wìtipera – Tocar o tamborzinho (nlapa) é esforçar as mãos.
Comentário – Este tambor, mesmo sendo de pequeno tamanho, para ser bem tocado, é necessário que se aplique a ele com capacidade, energia e persistência. E aqui diríamos A perseverança tudo alcança ou mais faz quem quer do que quem pode. Para todos servem estes conselhos, pois para saber algo, é preciso estudar, e cada um colhe o que plantou.
Wìkhunèla wòna orirya – Agasalhar-se é sentir frio.
Comentário – Os régulos de tempos em tempos, em reuniões específicas, lembram aos seus súditos a importância do trabalho, do viver em paz, e de não provocar litígios. Não falta nestas ocasiões quem peça a palavra para reclamar da falta de educação e respeito dos outros. Ora, o pequeno rei que a todos conhece pede para ele se sentar, pois o que reclama é um deles de quem ele fala. Nós diríamos: Se falaste é porque vestiste a carapuça ou Quem fala mal dos outros fala mal de si mesmo.
Mòro wa va’salani ohisa empá – O fogo aceso na lixeira é capaz de incendiar a casa.
Elavilavi khenikhwiwa; enxèriha maitho – A patifaria não se mata; apenas torna vermelhos os olhos do patife.
Comentário – Este é o modo sutil de dizer daquele que fez ações indignas, e que não é condenado à morte, mas pela perda da confiança dos outros, chora amargamente. Os nossos correspondentes são: Ninguém faz mal que não venha a pagar, e quem faz o mal espere outro tal.
Okhomàla okhuma nitho – Ser esperto é ter lume nos olhos.
Comentário – A esperteza indica atenção nos detalhes das coisas; é estar atento à Natureza, pois nela encontramos as respostas para todas as coisas. O esperto não deixa escapar um animal que passa ao lado; mede os prós e contras prudentemente; tem a vontade forte o suficiente para resistir quando é convidado para o mal; e sabe tomar conta das coisas que lhe são confiadas, com o mesmo zelo que tem pelo que lhe é próprio. Os provérbios correspondentes são: Quem em todos crê erra; e quem em nenhum não acerta e não bebas coisa que não vejas, e nem assines carta que não leias.
Kophweleya”, wunnuwa nikuma – Aquele que diz “Ando aborrecido” é capaz de perpetrar um grave delito.
Comentário – A tristeza é um grande mal. É o caso de uma pessoa que anda chateada e aborrecida, e quando lhe perguntam como está responde laconicamente que está chateada com a vida; em breve chegará a notícia de que se enforcou... Por um cabelinho se pega o fogo ao linho. Por este motivo, é importante educar na alegria, ensinando que temos uma dignidade, e não criando uma falsa expectativa para as coisas. Das frustrações vem a tristeza, e com ela, a morte.
Opanke mùpa, onroromela olupa – Quem fabrica flechas confia na pontaria.
Comentário – Aquele que vai para o alto mar acredita que sabe pescar e conhece bem os segredos do mar. Este provérbio transmite a idéia de que as coisas, para serem levadas a bom termo, carecem não só de inteligência, mas também de vontade. Provérbios similares em português seriam: Quem não cansa, alcança e Não se pescam trutas a bragas enxutas.

Provérbios macuas e a família :
Cada criança que vem ao mundo tem direito a um pai, uma mãe, uma família.
Tornaram-se populares os conceitos de que uma criança doente se recupera antes e melhor se conta com os cuidados da mãe.
São também evidentes os problemas causados nos centros de ensino por filhos de pais separados.
Mesmo que a família seja um tema polêmico, ela ainda é o fiel da balança, a esperança da sociedade. Pedir conselho aos mais velhos é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, existem a experiência e a sabedoria, por outro, estão o ceticismo e o cansaço da vida. Os tempos atuais são outros quando comparados ao das gerações anteriores. As mudanças quanto à forma são evidentes, mas quanto à essência, não.[4]
Desta forma, o conflito de gerações sempre irá existir, mas os problemas sociais serão inversamente proporcionais ao zelo do processo educacional familiar.
O tempo gasto com a família nunca é perdido, e sempre haverá conseqüências positivas no âmbito pessoal, familiar e social.
O conhecido provérbio "Mateus, primeiro os teus" resume o que foi dito.
Na África, é mais comum se ouvir: Dine with a stranger but save your love for your family (Jante com um estranho, mas reserve seu amor para sua família).
Para finalizar, dois provérbios macuas.
O primeiro retrata o conflito de gerações; o segundo a educação para o ser humano:
Ka namwana a khapá; mapele ari mmirimani – Sou uma mulher com filhos, mas de raça pequena como o cágado, cujos seios estão recolhidos no próprio peito.
Comentário – Os africanos sabem perfeitamente que o cágado é ovíparo, mas por alegoria, dizem que os seus peitos estão escondidos no interior da carapaça. Assim sendo, caso alguém diga que uma moça ainda não tem condições para ir ao casamento por ter peitos pequenos e ser de baixa estatura ou um moço ou uma criança que dão uma resposta com sabedoria e graça quando acuados poderão escutar este provérbio. Para estas situações, os provérbios similares são: Da mulher e da sardinha a mais pequenina e Os homens não se medem aos palmos.
Okhala onokhalihaniwa – Viver é ajudarmo-nos uns aos outros a viver.
Comentário – Para o ser humano, o existir e o coexistir são a mesma coisa. A vida tem muitos dissabores e contratempos, sejam eles as doenças, os percalços ou as fatalidades, que só iremos superar com a amizade, carinho ou amparo dos nossos familiares e amigos. O homem precisa da ajuda da mulher e vice-versa. Os filhos precisam dos pais, e estes confiam no auxílio dos filhos. Quem se isola do convívio dos outros por orgulho, egoísmo, avareza ou qualquer outro motivo vil, está condenado à tristeza e à morte. Um dos membros da família nunca fica doente sozinho, nunca ninguém fica só na tarefa de educar os filhos, assim nos diz a voz da África: One knee does not bring up a child e One hand does not nurse a child.

Considerações finais :
Quantas pessoas analfabetas há que viveram longe da chamada civilização ou dos grandes centros urbanos, que nunca freqüentaram centros de ensino, e parecem nada possuir, mas tudo possuem, pois têm o licor da sabedoria.
Com modos de ser manso, com uma alegria interior que transborda no trato com os demais e o olhar que penetra na alma.
As palavras desta gente são proverbiais, como as vozes que vêm da África.
Um provérbio macua exprime bem tudo isto.
Diz o que é muitas vezes o provérbio na relação entre as pessoas:
Mwèrera ahiva etthepo ni nipoxo (ou nivali ou nluku) – O que experimentou matou o elefante a caqueirada (ou a pedrada).
Este provérbio é usado para pessoas que conseguem grandes êxitos, com recursos insignificantes.
Talvez os provérbios representem estes recursos insignificantes, mas, se bem usados, serão uma fonte de unidade e sabedoria, de paz e de alegria.

Referências Bibliográficas:
FUJIKURA, A.L.C., MEIDANI, H.Santo Tomás e os Árabes - Estruturas lingüísticas e formas de pensamento. Revista de Estudos Árabes. v.3, n.5-6, p.33-51, 1995. (Tradução do original LOHMANN, J.Saint Thomas et les Arabes - Structures linguistiques et formes de pensées. Revue Philosophique de Louvain, v.74, fév, p.30-44, 1976.)
HANANIA, A.R., LAUAND, L.J.Oriente e Ocidente: Língua e Mentalidade – II. Revista de Estudos Árabes. v.1, n.2, p.37-51, 1993.
LACAZ-RUIZ, R.O referencial comum dos provérbios e a personalidade humana. In:______ Projeto provérbios para Escolas de Primeiro e Segundo Graus. São Paulo : Editora Mandruvá. 1988, p.50.
LAUAND, L.J.Sentenças de sabedoria dos antigos. In: ______ Hanania, A, R.; Lauand, L.J. Oriente & Ocidente: Sentenças e sabedoria dos antigos. São Paulo: EDIX/Centro de Estudos Árabes DLO-FFLCH/USP, 1994a, p. 64.
LAUAND, L.J.África: língua, provérbios e filosofia bantu. In: Luiz Jean Lauand (org.) Oriente e Ocidente: o literário e o popular. - Traduções e estudos sobre diversas culturas. vol.6. São Paulo: Edix/CEA/DLO/FFCLH/USP, 1994b, p.23-36.
LINO CURRÁS NIETO, J.Provérbios e virtudes. São Paulo : Quadrante. 1999, p.86.
MATOS, A.V.Provérbios macuas. Lisboa : IICT/JICU. 1982, p.376.
RUIZ, R.O tempo dos pais e o tempo dos filhos. Interprensa v.3, n.29, p.4, 1999.
[1] Também estão presentes nos provérbios uma elevada ética, justiça, amor à verdade, espírito de generosidade, deferência para com os outros, serenidade nas dificuldades, prudência nas palavras, estima e veneração, prestação de ajuda mútua, desprendimento do coração perante as belezas efêmeras do Mundo, vanidade da formosura feminina, hábitos de trabalho, confiança em Deus nas desgraças e esperança na sua justiça incorruptível, casamento como sociedade perfeita em que o homem e a mulher se complementam mutuamente, o certo contra o incerto, economia doméstica, valor da experiência ou da prática, gratidão, intrepidez, conveniências da mansidão, lições da morte..., dando veracidade ao anexim latino Vox populi, vox Dei. (cf. Matos op. cit.)
[2] "Provérbios existem em todas as culturas e também no Ocidente; mas não tão copiosamente e, sobretudo, não com a força psicológica que exercem no Oriente, onde todos conhecem vivamente os mesmos inúmeros provérbios que, além de constituírem um tesouro de sabedoria prática, erigem-se - junto com os livros da tradição religiosa - num poderoso referencial comum. O que, talvez, não seja alheio ao fato - para o qual tanto gostava de chamar atenção o Dr. Jamil Almansur Haddad - da fraca incidência de busca de auxílio psiquiátrico por parte do árabe. A propósito, note-se que precisamente um dos mais graves problemas culturais do Ocidente, hoje, é a ausência de um referencial comum, duradouro e universal. (HANANIA &LAUAND, 1993.)
[3] Neste sentido, vale a pena lembrar a misericórdia de Deus para com os homens. Um santo dizia que Deus não pode ser comparado a um caçador, que fica à espreita do primeiro erro para nos castigar, mas sim a um jardineiro, que cuida de suas flores, e quando elas estão belas, leva-as para Si.
[4] “O tempo dos pais e o tempo dos filhos são tempos que correm a uma velocidade muito diferente. E a sensação que a sociedade provoca, principalmente nos pais, é a de que isto é irreversível, tão irreversível quanto o progresso tecnológico que todos acompanhamos e vivemos. O que nos escapa é que há um tempo compartilhado não apenas pelas gerações dos pais e dos filhos, mas por todas as gerações. Um tempo que ainda podemos compartilhar em comum: trata-se do tempo de “ser pessoa”. É verdade que fica difícil aconselhar ou passar experiênciassobre “ser isto” ou “ser aquilo”, quando sabemos que não temos experiências vitais nem “disto” nem “daquilo”, porque, de fato, o mundo correu muito depressa e o presente tem muito pouca permanência. Porém o tempo de “ser pessoa” tem uma outra velocidade. Uma velocidade constante, e não continuamente acelerada. Tanto é pessoa o jovem de hoje quanto o jovem dos tempos clássicos da Grécia. (Ruiz, 1999)
- Rogério Lacaz Ruiz Adilson José Mangetti, aluno especial da Pós-Graduação Fac. de Zootecnia e Eng. de Alimentos USP/Pirassununga, Av. Duque de Caxias Norte, 225 13630-970 - Pirassununga - SP-Brasil.

Edição de J. L. Gabão para o blogue "ForEver PEMBA". Actualização em Outubro de 2013 e Junho 2014. 

6/16/14

Mueda (Cabo Delgado - Moçambique) - 16 de Junho de 1960 - O Massacre...

16 de Junho - ANIVERSÁRIO DO MASSACRE DE MUEDA EM CABO DELGADO - MOÇAMBIQUE - PORQUÊ O SILÊNCIO CONVENIENTE? Data outrora tão badalada, nem o NOTÌCIAS (on line) - (orgão 'oficioso' patrocinado pelo do poder em Moçambique, acrescento eu) de hoje, a ela se refere. Porque será? - Fernando Gil - MACUA DE MOÇAMBIQUE.
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A verdade, honestidade, coerência e frontalidade nunca envergonham nem têm preço. Só assim se aprende com o passado e se poderá acreditar no futuro. Do "Moçambique Para Todos" de 15/06/08 transcrevo:
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E continua-se a mentir despudoradamente!
"Para o deputado Casimiro Huate, da bancada da Frelimo, o 16 de Junho é símbolo da resistência dos moçambicanos contra o colonialismo português. Segundo afirmou, o massacre de Mueda de 1960 é ponto mais alto da recusa do regime colonial do direito do povo moçambicano à autodeterminação e independência.
“Os moçambicanos estavam cansados da opressão colonial, das barbaridade e crueldades do regime colonial. Por via pacífica, exigiram ao administrador colonial português em Mueda a independência, mas a resposta massacre. Os moçambicanos sempre pautaram pelo diálogo, mas o regime colonial sempre negou”, disse, acrescentando que o 16 de Junho foi o elemento catalisador da consciência de que a independência só podia ser conquistada por via armada.
Casimiro Huate afirmou que os jovens devem saber valorizar as obras dos heróis moçambicanos, as conquistas da independência nacional, demonstrando o seu patriotismo e cidadania com boas obras. Segundo o deputado, as almas e o sangue de mais de 500 moçambicanos que naquele foram barbaramente assassinados em Mueda só estarão descansadas e valorizado quando todos os moçambicanos, em particular os jovens, trabalharem em prol do desenvolvimento do país e da consolidação da unidade nacional. Questionado sobre a promoção do desenvolvimento em locais históricos, como é o caso de Mueda, que neste momento se ressente da falta de água e energia eléctrica, Casimiro Huate afirmou que o mês passado na Assembleia da República, o Governo falou do programa visando o abastecimento de água em Mueda, bem como de outras acções ara benefício da população local.
.
Ao senhor deputado e a todos os historiadores de Moçambique:
- Vejam tudo sobre este acontecimento aqui !
Resta-me acrescentar que, ainda nos anos 60, Mueda e o planalto dos macondes beneficiavam de abastecimento de água. Mais de 30 anos após a independência, porque não terão?
Fernando Gil 
  • O video "Pidjiguiti e Mueda-6º Episódio" - YouTube - aqui !
  • Post's anteriores deste blogue sobre a série "A Guerra" - aqui 1, aqui 2, aqui 3 e aqui 4 !

5/28/14

Diversificando - Olhares do meu final de semana...

(Clique na imagem para ampliar. imagem original daqui.)

Olho e não me canso de olhar...
algures a violência mata,
ali o mundo violenta,
acolá a doença deprime,
além os homens destroem,
os pobres sofrem,
as mães estendem a mão,
e os humildes choram,
e em qualquer canto os demagogos lideres afrontam...
e os vaidosos humilham.
Mas eu olho... não canso de olhar,
tento encontrar o belo,
o ensejo para a vida,
a razão para continuar a olhar...
.- J. L. G. - 23Ago08
... e continua o olhar
vibra a noite
entre estrelas e luar;
chove a noite
entre saudade e o canto.
Olhar transgride
absorve duas noites:
estrelas, lua, saudade e canto;
vibram e chovem
espiam vida.
- Maisa, 24Jan08

4/30/14

"Tradução das Manhãs" de Gisela Ramos Rosa é a obra vencedora do Prémio Literário Glória de Sant'Anna 2014.

4/23/14

MEMÓRIAS DE CABO DELGADO COLONIAL - OBSERVAÇÕES NA BAÍA DE TUNGUE, NO CABO DELGADO E NO RIO ROVUMA, NO ANO DE 1888. UM BREVE RELATO.


- Lisboa, Carlos Lopes Bento, 16 de Abril de 2014.


  • Outros trabalhos do historiador Carlos Lopes Bento neste blogue.
  • O Dr. Carlos Lopes Bento no Google.

  • Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "ForEver PEMBA" em Abril de 2014. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

    4/03/14

    Histórias sem tempo...


    Posted by Hello...Ou Histórias de África !
    Por Maria de Lourdes Sant’Anna
    A.A. Nº 278/36
    Uma vez que vou contar algumas das histórias que vivi nos anos 57/58 em Cabo Delgado, parece-me que devo começar por caracterizar a região em causa.

    A província de Cabo Delgado situa-se no extremo nordeste da República de Moçambique, com uma densidade populacional de vários milhares de habitantes cujas etnias representativas são as macondes, macuas e mwani.

    Com uma superfície de 82.625 km², que inclui 4.758 km² de águas interiores, é limitada a norte pelo rio Rovuma, a sul pelo rio Lúrio e a oeste pelo rio Lugenda. O Oceano Índico banha o litoral leste, uma extensão de aprox. 425 km.

    A vegetação característica é de florestas de mangais, junto dos rios e do mar, de planícies e savanas com árvores de pequeno e médio porte mas com predominância de embondeiros, além das matas e das florestas.

    Existe ainda a norte do Cabo Delgado um arquipélago de 31 ilhas e ilhéus, o arquipélago das Quirimbas, que inclui, entre outras, a ilha do Ibo. (Por curiosidade direi que as mulheres do Ibo são conhecidas pelas sua beleza, com um tom de pele castanho dourado e grandes e alongados olhos verdes).

    Aos que entram por mar em Porto Amélia, depara-se um espectáculo inesquecível: a baía de Pemba.

    Considerada como a terceira do mundo em grandeza, com cerca de 15 quilómetros de amplitude, dizia-se que “podia dar abrigo a uma esquadra naval inteira”. E que, sendo também uma das mais profundas, num dos seus recessos, o “poço”, viviam tubarões de mais de 6 metros, jamantos com uma envergadura de cerca de 4 metros e garoupas de centenas de quilos.

    Foi em 1897 que a companhia colonial determinou ao Capitão José Augusto Soares da Costa Coleral que procedesse à implantação de um povoada na baía de Pemba, que era assim que as povoações nomeavam a região.

    O comércio que se fazia nas margens da baía desenvolveu-se imenso, tanto com as populações locais como com as caravanas que vinham do interior. E os pedidos de arrendamento e de aforamento de talhões começaram logo a seguir ao traçado da região, enquanto que a região de “Pampira”, junto do posto militar construído em 1897, passou a denominar-se Porto Amélia, em homenagem à última rainha de Portugal.

    Com a nossa chegada em janeiro de 57, os habitantes não crioulos, africanos ou mestiços atingiram o número de 502. E foi nessa região que vivemos cerca de dois anos.

    Além do lado fortemente positivo em relação a paisagens deslumbrantes, ao grande relacionamento humano, devo dizer também que havias aspectos fortemente negativos. Infelizmente o polo negativo levou-nos a deixar Porto Amélia e a ir para o Dondo (Beira).

    Como já disse a baía de Pemba surpreendia pela sua enorme beleza. Em linhas gerais, na margem esquerda erguia-se a cidade baixa, com a ponte-cais, a capitania do Porto, o posto meteorológico, o comércio, as empresas, o consulado (alemão), o único banco e também a única pensão, além de três creches e de um cinema.

    Na parte alta da cidade, erguia-se o bairro residencial, o hospital, a igreja paroquial e mais adiante o quartel e depois dele o campo de aviação.

    Havia apenas uma única estrada alcatroada, a ligar a baixa com a alta, e cá em cima as ruas eram todas de terra batida, dum vermelho que o vento levantava e manchava tudo de um pó grosseiro.

    Mas a par da terra, vermelha que o vento levantava, havia o outro vermelho/róseo, que surgia por vezes quando o sol ia a caminho do poente, tingindo a atmosfera de tons rosados a envolver suavemente árvores, a nós próprios, numa imagem de irrealidade, como se de um sortilégio se tratasse.

    Disseram-se ser um fenómeno pouco frequente mas normal em paisagens equatoriais.

    E era um livro surpreendente, aquele cujas páginas eu ía lendo num dia a dia cheio de expectativas.

    Também a ponte-cais era local de reunião, não só para os pescadores à linha, mas também para nós, os outros que ali apareciam não só para confraternizar mas também para apreciar a beleza das trovoadas que, do outro lado da baía iam riscando os céus com as faíscas que aos zigue-zages, entrecruzando-se, se lançavam vertiginosamente no mar entre os tons exaltados de todas as cores do arco-iris, numa beleza sem limites.

    O fundo do grande círculo da baía de Pemba descia da escarpa alta, que a dominava, até ao mar, numa cerrada floresta de verdes. E no dizer dos nativos que não se aventuravam lá, aquela era a região das jibóias e dos leões.

    Pois havia uma história que se prendia com aquela teimosa região. Uma criança de três anos, residente numa machamba, situada na “zona possível” antes da floresta das jibóias e dos leões, iludindo o “pequenito” cuja missão era brincar com ele, desapareceu uma tarde.

    Da cidade vieram todos os transportes disponíveis e, ao entardecer, as lanternas foram-se acendendo à medida que todos se internavam mais na floresta. E foi já tarde de noite que se encontrou a criança, a uns três quilómetros dentro da floresta, a dormir serenamente encostada a uma árvore.

    Quase impossível de acreditar, mas assim aconteceu.

    A primeira vez que por convite dum residente entrámos numa “zona de caça grossa”, num minúsculo Volkswagen que era o carro utilitário usado, tivemos a sorte de encontrar um majestoso leão.

    O nosso carro havia parado, pois o dono, que era caçador experimentado, pelo abanar do capim alto percebeu que seria um dos tais animais que ele gostaria que nós, recém-chegados, apreciássemos em pleno mato, além das dezenas de macacos que, pendurados nas árvores, nos espreitavam guinchando.

    O desejo do nosso amável anfitrião cumpriu-se, pois, pouco depois, a monstruosa cabeça dum leão surgiu ali, a cerca de dois metros de nós. É de facto uma sensação de tanto medo, que não se pode descrever, apenas sentir.

    O animal olhou para um lado e para o outro (onde nós estávamos, eu completamente muda e paralisada) e internou-se de novo no capim alto para surgir mais adiante, atravessar a estrada num passo lento, embrenhando-se de novo no capim.

    À medida que prosseguíamos, começaram a aparecer africanos que caminhavam sempre no meio da estrada. Todos eles levavam levantado, ao ombro, um alto e grosso pau em cuja ponta balançava um pequeno saco branco, enquanto que, com a outra mão, seguravam na cabeça uma lanterna de querosene, acesa, que, na tarde que caía, espalhava uma luz leitosa.

    (Foi-nos dito que, em regra, o leão só ataca quando tem fome e as suas zonas de caça não são nas proximidades das estradas. No entanto, o leão, já velho, pode esperar as mulheres que vão buscar água, longe da aldeia, ou viajantes que, por necessidade, se afoitem noite dentro longe das suas cubatas).

    Pois a lanterna que aqueles que íamos encontrando levavam à cabeça seria então para afugentar as hienas que, traiçoeiras, não atacam as pessoas de frente e que, seguindo-as, não se atrevem a investir contra aqueles que lhes parecem mais altos. Portanto, a lanterna, além da luz que projectava, era também uma defesa contra esses animais.

    Lembro-me que, quando fomos visitar as quedas de água do rio Lúrio, descemos por uma vereda até lá abaixo, onde o rio era mais estreito e havia uma pequena língua de areia. Sentados num dos rochedos existentes já no rio, reparámos num africano que o atravessava a nado, levando numa da mãos erguida acima da cabeça um tronco a arder.

    Quando chegou perto de nós, perguntámos-lhe se ali havia crocodilos. Que sim, que de manhã tinham visto um muito grande a apanhar sol. Já na areia, a nossa pergunta se não tinha tido medo quando atravessara o rio, a resposta simples surpreendeu-nos a todos: “Patrão, quando Deus quer...”

    Numa das caçadas onde participei fomos até uma lângoa (área pantanosa, com bancos de nevoeiro) de cerca de 40 quilómetros de diâmetro. Levávamos dois pisteiros africanos, bem conhecedores da zona, que, porém, daquela vez se perderam devido ao denso nevoeiro que nos envolvia. Andámos por ali às voltas mais de duas horas e caça, nem uma peça se via. No entanto, pelos excrementos que, por vezes, o nevoeiro deixava ver, compreendi que, pelo menos, búfalos e outros animais de grande porte poderiam ser encontrados.

    Dentre as várias caçadas em que participámos apenas como “mais dois”, uma ficou na minha lembrança.

    Saíramos da cidade já de noite a caminho duma pequena lagoa onde, de madrugada, os animais iam beber. E durante a viagem, os caçadores lá atrás “repartiam” entre si a caça que poderiam adivinhar por entre a vegetação: olhos verdes pertenceriam a gazelas, a antílopes, a palaves, a leopardos, etc. Mas olhos vermelhos, esses seriam sempre de leão.

    Quando surgiu um par de olhos fosforescentes, bem vermelhos, desceu da carrinha o caçador ao qual cabia aquela peça. O silêncio era impressionante, mesmo aterrador. Guiado apenas pelo próprio foco preso à cabeça, o caçador breve se afastou para reaparecer pouco tempo depois em corrida desordenada, gritando “talaco”, “talaco” (nome dado pelos nativos às formigas carnívoras que se deslocam em grossas e espessas colunas de milhões destes insectos e que destrói tudo por onde passa). Mas embora tenha dito que havia pisado a coluna, não se lhe encontrou uma única formiga. Ainda hoje mantenho as minhas dúvidas sobre a realidade deste encontro...

    Mais para a madrugada surgiu então o local procurado. E não tenho adjectivos suficientemente convincentes que possam demonstrar o que vi.

    Os animais erguiam-se numa frente única, num magnífico conjunto a sobressair do branco leitoso que o sol ia tingindo de tons rosados. Eram cerca de 14 palaves, que bebiam tranquilamente, enquanto o mais alto e mais forte que atento vigiava em breve deu pela nossa presença. E logo aquele nobre animal levou a manada em carreiras desordenadas e voltou atrás para enfrentar os caçadores de armas apontadas.

    E fecho mais uma série de “Histórias de África” com a partida de que, para não fugir à regra, fomos alvos pouco depois de chegarmos.

    Em terras pequenas, alguns caçadores gostavam de pregar partidas aos crédulos recém-chegados. E foi assim que, durante várias horas, entre cafés e whiskies pudemos ouvir histórias de caçadas cada vez mais empolgantes, cada vez a deixar-nos – porque não dizer? – mais encantados.

    Claro, o herói era sempre um, ele , o nosso contador. Mas como se tratava dum caçador profissional bem conhecido pela sua grande coragem e valentia, depressa se esqueciam as partidas que adorava pregar aos novatos que chegavam de longe, prontos a acreditar em tudo sobre a vida do mato, que aliás ouviam com agrado.

    Voltarei a contar mais “Histórias de África”. Em 13 anos de vivências por terras africanas, muitas foram as histórias acontecidas e que ficaram registadas no grande livro das nossas memórias, umas boas, outras más...
    In: http://www.aaaio.pt/public/ioand096.htm

    3/15/14

    TALACO – A FORMIGA CARNÍVORA

    Lá pelos idos de 1960/61, morávamos na Fazenda Sômboa (onde o meu pai era o gerente), próxima da Missão Têngua (padres franciscanos capuchinhos da Terceira Ordem Franciscana Secular) a 15 quilômetros de Milange sentido Quelimane, Zambézia, Moçambique.

    Tínhamos no quintal de casa, uma pequena criação de coelhos, e os mesmos estavam instalados em cinco ou seis pequenas repartições com três ou quatro coelhos em cada uma.

    Esse criadouro fora construído em estilo “palafita” a mais ou menos um metro e vinte de altura.

    Certa manhã acordamos e nos deparamos com um espetáculo dantesco. Uma parte da “palafita” havia sido atacada em algum momento da noite ou madrugada, e o ataque ainda estava em pleno processo.

    Pudemos constatar a fantástica voracidade dessas pequenas formigas de cor preta.

    As mesmas subiram por uma das colunas de canto da “palafita”, e logo se instalaram na primeira repartição, depois passaram à segunda e por fim à terceira. As demais repartições não foram tomadas, pois as formigas foram surpreendidas pela presença humana logo de manhã bem cedo.

    Na primeira repartição, dos três coelhos que lá havia víamos três montes de milhares de formigas...ao serem afastadas com paus, pudemos ver esqueletos de coelhos com praticamente 90% de seus corpos desprovidos de carne.

    No segundo compartimento um dos coelhos estava só ossos, e os demais ainda com boa parte de seus corpos sendo consumidos.

    No terceiro e último compartimento atingido por elas, um ou dois coelhos vivos e apavorados e um outro morto, mas ainda com uma menor incidência de formigas.

    O ninho delas foi descoberto a uns 30 metros de distancia e uma vez aberto, tornou-se uma pequena cratera de pouco mais de um metro e meio de profundidade por um diâmetro de aproximadamente três a quatro metros. O chão estava literalmente preto de formigas, e lembro-me do meu pai despejar uma lata de gasolina e atear fogo terminado assim com aquele formigueiro.

    Lembro-me também, mais ou menos por volta dessa data, um dos funcionários da fazenda, chamou o meu pai de madrugada, informando que o touro reprodutor da fazenda que dormia em um galpão coberto e fechado, construído especialmente para ele, estava muito nervoso e ameaçava arrebentar a porta.

    Quando o meu pai lá chegou, verificou que o chão estava cheio de talaco, e as tais formigas não davam descanso ao touro... as mesmas o picavam todo, principalmente entrando nas narinas e orelhas, deixando-o extremamente irritado. Como era de madrugada, a solução foi remover o touro do local, levando-o para um curral aberto, e pela manhã o ninho das formigas foi localizado por funcionários nativos e destruído.

    A última lembrança minha do Talaco, foi lá pelo meio do ano de 1965, eu na altura com nove ou dez anos. Morávamos em Milange, poucas semanas antes de retornarmos a Portugal.

    Os meus pais acordaram comigo gemendo e lembro-me que entre o limiar do sono e do acordado, sentia-me picado aqui e ali. Eu ainda na cama, os meus pais constataram que estava sendo atacado pelo Talaco e rapidamente me tiraram dali e me despiram, sacudindo as formigas que começaram a tomar conta do meu corpo. Naquela noite, ninguém mais dormiu. Todos os móveis foram tirados do quarto, e o chão lavado com querosene, o melhor produto que se tinha no momento para afastar essas formiguinhas impertinentes. Depois arrumar todo o quarto e descobrir logo ao amanhecer o foco das formigas para exterminá-las.

    Pude com estas três experiências constatar a voracidade deste tipo de formiga. Pequeninas mas que fazem um estrago!!!!
    Carlos Santos (02 de maio de 2005) - Do Bar da Tininha - Yahoo!

    3/04/14

    TEMAS DO CARNAVAL DA VIDA ! Ingratidão... Falsidade... Hipocrisia

    Não gosto de ingratidão, não gosto de falsidade ou hipocrisia . 
    Não gosto de gente orgulhosa demais... não gosto muito menos de gente burra. 
    Não gosto de gente que se cala, de pessoas que têm medo de viver, nem daqueles que não prestam atenção nos outros, ou que se acham o centro do mundo.

    Nem das que se acham vitimas de tudo e de todos ou expoentes de vaidade.
    Gosto de gente que sente, e sente verdadeiro. Gosto de gente que sabe aproveitar a vida, e sabe ser atenciosa. 
    Gosto de quem tem o coração maior que a cabeça, mas sabe pensar e sabe construir sem pisar no infortúnio alheio. 

    Gosto quando sussurram no ouvido, gosto quando surge aquele olhar, gosto quando beijam, quando abraçam, admiro o sentimento de reciprocidade. 
    Gosto de pessoas autênticas, pessoas batalhadoras... sem medos.
    Gosto até das pessoas que magoam, mas que magoam por serem sinceras, verdadeiras.

    Não gosto de pessoas sem frontalidade, que criticam covardemente pelas costas e se passam por tuas amigas.
    Gosto que briguem comigo quando faço besteira... gosto mais ainda daqueles que amam, amam no sentido de amor, não dos que ficam em duvida sobre o que sentem. 
    Porque quem ama não tem duvida... vive o amor autêntico. 
    E não aparece com falsos sorrisos nem falsas desculpas para não contrariar os que teme ou a sociedade hipócrita em que vive e à qual se vende!
    - (Compilação e adaptação do que vamos absorvendo da net livre. E do que vamos sentindo...)

    2/27/14

    Momentos de PEMBA

    (Clique na imagem para ampliar)

    1/30/14

    PEMBA - O DESAFIO: Projecto Escadarias 2014

    VERDADE OU FICÇÃO?
    PEMBA rumo a um futuro sustentável e de preservação histórica quanto a sua arquitectura e monumentos ?

    26 DE AGOSTO DE 2011 - Às Escadarias de Pemba

    esse passo lento com que sobes as escadas 
    em cada passo 
    no que de curto o olhar é pensamento 
    distante e raro mas de beleza constante 
    em que a particularidade do sonho 
    é desembainhado 
    quando o moscardo passa

    no calor da subida em que cada degrau é um fardo 
    em cada passo uma memória 
    e a mulher na descida faz chegar ao rosto suado 
    vento breve mas certeiro

    de que pedras raras são 
    esses degraus largos e compridos 
    de que pedras raras são

    olha para trás 
    vê a buganvília 
    ainda te recebe na descida

    - Inez Andrade Paes
    PEMBA - RECORTES 
    PEMBA A CAMINHO DA REALIDADE PROMISSORA ?
    Clique nas imagens para ampliar:
    Pemba - Entrega do Projecto Escadarias em 29JAN2014 
    Engº. Alvarinho, Presidente Tagir e Vereador Naba. Courtesy: John Supeta — com Municipio Pemba-Facebook e Manuel Alvarinho. (Municipio de Pemba no FaceBOOK)

    1/20/14

    Relendo Nogueira Borges: OS IGNORADOS

    Falo-vos da África dos matos sem fim,
    Dos ecos perdidos no capim,
    Das picadas vermelhas mas livres,
    Tão livres como a liberdade.
    Em cada curva uma palmeira,
    Em cada lugar uma saudade,
    Em cada sorriso uma clareira
    De brancura e de amizade.

    Falo-vos das noites de encantamento,
    Das queimadas para lá do pensamento,
    Da lua a beijar a baía de Pemba,
    Do batuque e das esteiras na temba
    Onde o meu corpo se satisfazia
    Em outro corpo que, depois, dizia:
    « São cinco quinhentas, patrão! »
    E eu, cá dentro, aqui onde bate o coração,
    Nem sei o que sentia.
    Só sei que, depois, voltava
    Com mais quinhentas na mão,
    Roído pelo tédio e a solidão.

    Falo-vos dos poemas proibidos,
    Alguns esquecidos,
    Outros lembrados
    E agora publicados.

    Falo-vos dos loucos a berrarem no entardecer,
    Das sentinelas a dispararem para a escuridão
    Com o medo aos saltos, na indecisão
    Da manhã que não se sabe se vai nascer.

    Falo-vos dos rios em que lavei o rosto,
    Matei a sede ao sol- posto,
    Gritei que não queria a guerra,
    Mas não desertaria da minha terra.

    Falo-vos da África onde não voltarei
    Para matar a fome das minhas recordações,
    Abraçar os irmãos que deixei
    E lamber as feridas de todas as desilusões.

    Falo-vos da África dos nossos soldados,
    Dos seus sorrisos e dos seus abraços,
    Uns, já mortos, outros, vivos-despedaçados,
    Mas, todos eles, ignorados.

    - De M. Nogueira Borges* extraído com autorização do autor de sua obra "O Lagar da Memória".

    *Manuel Coutinho Nogueira Borges é escritor e poeta do Douro-Portugal. Nasceu no lugar de S. Gonçalo, freguesia de S. João de Lobrigos, concelho de Santa Marta de Penaguião, em 12.10.1943. Frequentou o curso de Direito de Coimbra, cumpriu o serviço militar obrigatório em Moçambique, como oficial mil.º e enveredou pela profissão de bancário. Tem colaboração dispersa por diversos jornais, nomeadamente: Notícias (de Lourenço Marques); Diário de Moçambique (Beira), Voz do Zambeze (Quelimane), Diário de Lisboa, República, Gazeta de Coimbra, Noticias do Douro, Miradouro, Arrais e outros. Em 1971 estreou-se com um livro de contos a que chamou "Não Matem A Esperança". (In 'Dicionário dos mais ilustres Trasmontanos e Alto Durienses', coordenado por Barroso da Fonte. Manuel Coutinho Nogueira Borges está no Google. Manuel Coutinho Nogueira Borges, foi Alferes Milº. do Comando de Agrupamento 1985 - Moçambique (Quelimane e Porto Amélia)de 1967 a 1969 e faleceu no dia 27 de Junho de 2012 na cidade de Vila Nova de Gaia - Portugal.
    Também pode ler M. Nogueira Borges no blogue "Escritos do Douro". A imagem ilustratrativa acima representa parte do Parque Tsavo no Quénia/África e foi recolhida no site "Viajologia-Época-Viajando com Haroldo Castro". 

    Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "ForEver PEMBA" em Janeiro de 2014. Este artigo pertence ao blogue ForEver PEMBA. É permitido copiar, reproduzir e/ou distribuir os artigos/imagens deste blogue desde que mencionados a origem/autores.

    1/14/14

    MEMÓRIAS DE CABO DELGADO COLONIAL - NOTAS SOBRE ALGUMAS DAS SECULARES MANUFACTURAS DAS ILHAS DE QUERIMBA OU DE CABO DELGADO

    - Lisboa, Carlos Lopes Bento, 13 de Janeiro de 2014. Em memória e com saudade, a minha querida Esposa Maria Augusta, que Deus chamou deste Mundo faz hoje 13 meses.
    • Outros trabalhos do historiador Carlos Lopes Bento neste blogue
    • O Dr. Carlos Lopes Bento no Google.
    Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "ForEver PEMBA" em Janeiro de 2014. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue com a citação da origem/autores/créditos.

    1/05/14

    Eusébio, o 'Pantera Negra', morre aos 71 anos

    Eusébio, a 'Pantera Negra', a lenda do futebol português, morreu na madrugada de hoje, aos 71 anos. In "Notícias ao Minuto".

    Eusébio da Silva Ferreira, o ‘Pantera Negra’, nascido em Lourenço Marques (atual Maputo, em Moçambique), a 25 de Janeiro de 1942, parte assim, a uns dias de completar 72 anos.

    Fonte do Benfica adiantou que Eusébio morreu às 4h30 da madrugada de hoje, vítima de paragem cardiorrespiratória.

    A lenda do futebol português, considerado por muitos um dos melhores futebolistas de todos os tempos, sempre teve várias complicações de saúde, principalmente problemas cardíacos. Em junho de 2012 esteve internado no Hospital da Luz, na sequência de um acidente vascular cerebral (AVC) que sofreu na Polónia.

    Eusébio estava em Poznan a acompanhar a seleção nacional durante o Campeonato da Europa de futebol, quando se sentiu mal e foi internado num hospital daquela cidade polaca.

    O perfil de um campeão português

    O futebol nos pés de Eusébio começou ainda menino, quando aos 15 anos jogava no "Os Brasileiros Futebol Clube", em Moçambique.

    Foi uma passagem curta na vida de Eusébio, que depois de não passar nos testes para o Desportivo de Lourenço Marques, filial do Benfica no seu país de origem, representou o Sporting de Lourenço Marques, onde se começou a distinguir.

    As notícias que chegavam à metrópole davam conta das qualidades do jogador e o brasileiro Bauer 'aconselhou' Eusébio a Bella Guttman, alertando o treinador para as qualidades daquele miúdo.

    A década de 1960 estava a despontar e Benfica e Sporting envolveram-se numa disputa pelos serviços do 'Pantera Negra': as 'águias' comprometeram-se com a mãe de Eusébio, D. Elisa, e o Sporting com o clube.

    O processo demorou a clarificar-se e Eusébio, que chegou a Lisboa em dezembro de 1960 com o nome de código Ruth, apenas viria a estrear-se pelo Benfica em maio de 1961.

    Foi o princípio de tudo: uma carreira ímpar, com sucessos, prestígio, lesões, notoriedade e um nome que se transformou numa verdadeira marca, fosse ao serviço do Benfica ou da seleção, com a qual se estrearia em 08 de outubro de 1961.

    No Benfica, acabado de se sagrar campeão europeu, Eusébio assumiu papel fundamental no último ano do treinador húngaro.

    As 'águias' tinham acabado de alcançar o seu primeiro título europeu e já todos os consagrados (José Águas, Germano, Mário Coluna ou José Augusto) comentavam sobre quem sairia da equipa que derrotara o FC Barcelona (3-2) na final para Eusébio entrar. A rifa saiu a Santana.

    O reinado do argentino Alfredo di Stefano (Real Madrid), um dos ídolos do próprio Eusébio, estava perto do fim e uma nova estrela surgia nos relvados, rivalizando com jogadores como Pelé, Puskas, Bobby Charlton ou Beckenbauer, e mais tarde, Johan Cruyff.

    Explosão ou velocidade eram características normais em Eusébio, mas sob a sua chancela fica a excelência do remate: de qualquer ângulo, forte, colocado, em sucessivas imagens de corpo dobrado prestes a afligir os guarda-redes contrários.

    Na final da Taça dos Campeões Europeus de 1962, o Real Madrid até esteve a vencer por 2-0, mas na noite dos pontapés de longe, mais de metade dos golos resultaram de remates de fora de área, Eusébio brilhou, pese embora o 'hat-trick' de Puskas.

    A fama estava a caminho e o 'Pantera Negra' fez não só parte de um Benfica qual águia imperial na década de 1960 - cinco finais dos Campeões Europeus, duas ganhas e três perdidas -, mas de uma seleção 'gigante' no Mundial de 1966, em Inglaterra.

    Na estreia de Portugal em campeonatos do Mundo, Eusébio foi um dos grandes responsáveis pelo terceiro lugar, ganhando o troféu destinado ao melhor marcador (nove golos) e sendo considerado por muitos o melhor futebolista da competição.

    Na memória de todos ficaram os quartos-de-final com a Coreia do Norte, com Portugal a perder por 3-0 aos 25 minutos, naquele que Eusébio define como "o melhor jogo com a camisola da seleção e um dos melhores" da sua vida.

    "Sempre acreditei e disse ao Simões que íamos ganhar. Falei com o Coluna para aguentar a defesa e não sofrermos mais golos".

    A partir dos 27 minutos, Eusébio arrancou para uma das melhores exibições individuais da história do futebol: virou o resultado com quatro golos (4-3) e José Augusto ainda fez o quinto para Portugal.

    Do primeiro Mundial de Portugal também permanece a imagem de Eusébio a chorar, depois de perder a meia-final frente à seleção da casa, a Inglaterra (2-1), numa carreira pela equipa das 'quinas' em que disputou 64 jogos e marcou 41 golos.

    Com o Benfica, o 'King', nome que também passou a ser dado a Eusébio após a Puma ter criado umas botas de homenagem ao jogador, foi 11 vezes campeão nacional, ganhou cinco Taças de Portugal e foi campeão europeu (1961/62).

    Até há pouco tempo, e antes do surgimento de jogadores como Luís Figo ou Cristiano Ronaldo (outros nomes grandes de tempos mais recentes), o currículo de Eusébio não tinha rival à altura entre os jogadores portugueses.

    O 'Pantera Negra' foi sete vezes o melhor marcador do campeonato português (1963/4, 1964/5, 1965/6, 1966/7, 1967/8, 1969/70 e 1972/73), duas vezes o melhor marcador europeu (1967/8 e 1972/73) e uma vez eleito melhor futebolista Europeu.

    Na fase final da carreira passou por outros clubes (Rhode Island, Boston, Monterrey, Beira-Mar, Toronto Metros, Las Vegas, New Jersey Americans e União Tomar), mas a possibilidade de emigrar em pleno auge foi 'vetada' no final da década de 1960.

    O Inter de Milão cobiçava Eusébio e rezam as crónicas que oferecia três milhões de dólares (então cerca de 450.000 euros), mas o negócio nunca se chegaria a realizar: uns dizem que a Itália fechara as fronteiras a jogadores estrangeiros, outros que Salazar impediu a transferência.

    Além dos golos e jogadas de génio, a carreira de Eusébio foi também marcada pelos sacrifícios impostos pelas várias lesões sofridas, que o levaram sete vezes à sala de operações para intervenções cirúrgicas aos joelhos, seis das quais ao esquerdo.

    Hoje, Eusébio continua a ser nome de referência no Benfica e um embaixador da seleção portuguesa, mas a sua importância e mediatismo extravasou o mundo desportivo, tornando-o num autêntico símbolo.

    Eusébio recebeu várias distinções nacionais e estrangeiras ao longo da vida, entre elas os colares de Mérito Desportivo (1981) e de Honra ao Mérito Desportivo (1990), além da "Águia de Ouro", o mais alto galardão do Benfica, em 1982.

    Do desporto às artes, Eusébio viu a sua imagem inspirar cronistas, realizadores, bandas de música, escultores ou outros criativos.

    Uma banda desenhada - Eusébio, o Pantera Negra (de Eugénio Silva) -, uma minissérie, da autoria de Manuel Arouca, uma estátua no Estádio da Luz e uma réplica em Boston, o nome de um avião da TAP e o nome de uma lontra no Oceanário são exemplos.

    Eusébio também se 'transformou' em boneco no já extinto programa humorístico televisivo 'Contrainformação', onde tinha o nome de Deusébio.


    O antigo jogador tem também o nome em ruas de várias localidades, na galeria da fama em Manchester, em Inglaterra, ou as pegadas no cimento da calçada da fama do Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, em iniciativas que prolongam no tempo um futebolista de exceção.

    • No blogue ForEver PEMBA em 14 de JUnho de 2009 - Ronda pela net: Jornalismo brasileiro relembra o Moçambicano Eusébio - Pantera Negra...:
    Transcrevo pela dimensão deste ídolo, grandioso e ao mesmo tempo simples que faz parte das memórias de nossa adolescência.

    Por mérito, continua a ser, para mim e muitos de nós, o NÙMERO UM do desporto português, moçambicano e além fronteiras. Tanto é assim que o brasileiro GloboEsporte.com dedica-lhe reportagem neste dia 14 de Junho.
    Aqui fica, com a devida vénia à "Globo", porque vale a pena ler e é homenagem a este gigante do futebol luso-africano que sempre recordaremos, gratos por todas as alegrias que nos fez viver:


    ""Amigos do Pantera Negra relembram histórico do maior craque do futebol português e revelam que apelido do jogador quando criança era 'Didi'. - Eusébio conseguiu reconhecimento internacional e títulos jogando pelo Benfica e pela seleção portuguesa durante as décadas de 60 e 70, mas a glória é compartilhada pelo povo de Moçambique, terra natal do craque, que reencontram o ídolo que costuma fazer visitas freqüentes aos amigos.


    - Ele vem sempre aqui. A última vez foi em janeiro e quando chega é aquela festa. Ele jogava com os dois pés, corria muito e, tecnicamente, era o melhor. Tinha um chute mortífero impressionante. A qualquer distância o “gajo” marcava. - contou Bessa, ex-companheiro de Eusébio no Sporting do Moçambique no começo da década de 60. Segundo ele, Eusébio - que nasceu no dia 25 de janeiro de 1942 quando Moçambique era ainda uma colônia portuguesa - está no mesmo patamar que Pelé e Maradona. - Se for para citar outros grandes comparados a ele, lembro apenas desses dois.


    Guerra complica o futebol no Moçambique - Além do Sporting do Moçambique, o companheiro de Eusébio jogou em grandes clubes do país como o Textáfrica e Ferroviário na época em que o futebol tinha uma exposição muito maior. Hoje, a paixão dos moçambicanos permanece, mas o esporte ainda se reergue, junto com todo o país que ficou em ruínas com a guerra civil (1976/1992).


    - A guerra atrasou muito o nosso país. Não podíamos viajar, jogar, disputar torneios por conta dos conflitos - conta Bessa. Nessa época, Eusébio já estava bem longe e quase pendurando as chuteiras (1979) após, entre muitas conquistas, ser considerado o melhor jogador do Mundial de 1966. Atualmente, 17 anos após o término do conflito, o esporte caminha para o crescimento.


    - Acho que o futebol moçambicano está melhorando. Muitos jogadores vão para o exterior e adquirem mais experiência. O Dominguez, por exemplo, é um deles - afirmou Bessa sobre o jogador que está no futebol sul-africano.


    “Os Brasileiros”, o primeiro time de Eusébio - Natural de Maputo, Eusébio começou a dar seus primeiros dribles no bairro de Mafalala, região bem pobre, a cerca de 15 minutos do centro da capital (que na época, ainda se chamava Lourenço Marques).


    - Ele praticamente nasceu jogando bola. Quantas vezes deixava de ir ao colégio só para jogar futebol! Era uma ligação impressionante! Eusébio sempre foi simples, uma pessoa muito boa e um fenômeno nos gramados – afirmou Alfredo da Silva, amigo de infância de Eusébio que serviu como guia da reportagem do GLOBOESPORTE.COM em Mafalala. A primeira equipe de Eusébio foi um time amador de garotos que tinha um nome bastante sugestivo: “Os Brasileiros”. Cada jogador tinha um apelido que se referia a algum jogador canarinho da época. Eusébio, por exemplo, foi apelidado de Didi.""
    - GloboEsporte.com, 14 de Junho de 2009, 10h05.
    • Eusébio da Silva Ferreira - Aqui!
    • Bessa, amigo de Eusébio, mostra fotos antigas do eterno craque do Benfica - Aqui!
    • Alfredo, outro amigo de infância de Eusébio - Aqui!
    • FOTO: Eusébio tira ‘casquinha’ da taça - Aqui!
    • Em Roma, Eusébio lembra rivalidade com Pelé ao comparar Messi e C. Ronaldo - Aqui!
    Clique na imagem para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue ForEver PEMBA. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos.