11/22/08

Jornalista Carlos Cardoso - Assassinado hà oito anos!

Para que não se esqueça o assassinato do jornalista moçambicano Carlos Cardoso (1951-2000):

"""...Então
com a raiva intacta resgatada à dor
danço no coração um xigubo guerreiro
e clandestinamente soletro a utopia invicta
À noite quando me deito em Maputo
não preciso de rezar
já sou herói...
-Trecho do poema "Cidade 1985", de Carlos Cardoso.

O jornalista Carlos Cardoso tinha em suas mãos três armas poderosas, que usava contra os corruptos, os inimigos da jovem, frágil democracia de Moçambique, os obscuros líderes do crime organizado e usurpadores em geral: Um raro faro investigativo, uma escrita ferina e direta e um jornal. Foi com esses três ingredientes que ele fez de seu diário-fax um dos mais respeitados de toda a África descobrindo e denunciando crimes, escândalos e falcatruas. Cardoso tornara-se a voz dos que não a tinham. Estas armas contudo iriam se mostrar inofensivas contra as utilizadas por seus inimigos.

No dia 22 de novembro passado ele deixou as dependências de seu jornal Metical pouco antes das dezenove horas, após fechar a edição do dia seguinte. Era uma quarta-feira em Maputo (antiga Lourenço Marques), capital de Moçambique. Esta época do ano é propícia a chuvas nesta região do continente africano, mas o dia havia sido ensolarado e o calor dava lugar agora a um pouco da brisa morna e úmida, vinda da baía de Maputo. As ruas e arquitetura da cidade são, em muitos aspectos, semelhantes às de outras cidades, de outros países colonizados pelos portugueses, o Brasil incluído. Até mesmo os nomes de ruas são os mesmos aqui e ali: Rua Marquês do Pombal, Avenida Fernão de Magalhães, etc...

Quem não quer ser assaltado ou roubado numa rua de Maputo, não deve ostentar. Jóias e equivalentes deixam a idéia de riqueza, esbanjamento. Um convite ao assalto. Até nisso há semelhanças com outros lugares. O trânsito também é caótico e indisciplinado. A diferença é que lá ele é regido pela "mão inglesa" com o tráfego pelo lado esquerdo, fato que escapou da influência dos colonizadores portugueses. Antes de deixar as dependências do Metical, Carlos Cardoso avisou Carlos Manjate, seu motorista, para ir já buscando o automóvel e esperá-lo.

Jornalismo de combate.
Deviam ser 18:58 h, quando Cardoso entrou no lado esquerdo, ao lado de seu motorista, do Toyota Corolla modelo 1999, com a placa MLN-0604 de propriedade do jornal. O automóvel seguiu pela Avenida Mártires da Machava, centro da cidade, que passa ao lado do conhecido Parque dos Continuadores, uma alusão aos tempos de colônia. Pelo percurso e trânsito naquela hora, os ponteiros do relógio deveriam estar marcando 19:02 h. Neste momento o Toyota de Carlos Cardoso é fechado por dois outros veículos, um de igual marca e outro, provávelmente um VW. O veículo da frente freia repentinamente, obrigando o motorista Manjate a parar bruscamente às margens da calçada.

Cardoso abraçara o jornalismo em 1975, o mesmo ano que Moçambique, com a Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) liderando, alcançava sua independência. Ele iniciara a carreira na revista "Tempo", passara pela Rádio Moçambique, pela Agência de Notícias de Moçambique e, em 1992, fundou com colegas a Mediacoop (Cooperativa de Jornalistas), na qual trabalhou até criar o seu "Metical" em 1996. Foi como editor do mesmo que alcançou a plenitude que almejava, denunciando violações de direitos humanos, violência policial, aumento abusivo de salários dos parlamentares, casos de corrupção como o da Alfândega e dos Serviços Florestais e contra as injustiças sociais. Casos que, após denunciados por ele, eram irremediavelmente comprovados.

Sequer poupava críticas à própria Frelimo que tanto apoiara na luta pela libertação dos colonizadores, e a quem acusava de possuir "alas gangsterizadas". Por último ele começara a levantar o véu que pairava sobre o desaparecimento de 100 milhões de dólares do Banco Central de Moçambique bem como a investigar a atuação do crime organizado no tráfico de pedras preciosas, drogas e armas em alguns Estados africanos. Os inimigos eram com isso cada vez mais poderosos. E perigosos.

Executado sumariamente.
Ao frear subitamente o automóvel, Cardoso e seu motorista devem ter percebido que se tratava de uma emboscada. Descendo do automóvel da frente, dois homens, armados de metralhadoras, avançaram pela calçada e descarregaram suas armas em rajadas que mataram instantaneamente o jornalista e feriram gravemente o motorista Carlos Manjate. Uma cena digna de Chicago dos anos 30, em plena passagem para o século XXI. Tombava ali não apenas um combativo jornalista, mas também conceitos e pressupostos sobre o que há de verdade e de falso, quando se fala de países do terceiro mundo que tenham alcançado condições ou status de plena democracia, liberdade de imprensa, liberdades democráticas. Menos o ato delictuoso em si, violência e mortes estão presentes em qualquer sociedade, porém a certeza de cometer um crime, de assassinar um jornalista e não ter que pagar por isso, derruba um dos principais fundamentos de um estado democrático. E vejamos que aí Moçambique não está a sós. A impunidade tem muitos berços onde pode dormir tranquila.

Passividade oficial revolta entidades internacionais.
Passados quase dois meses do bárbaro crime a polícia sequer recebeu o laudo técnico da autópsia. O motorista Manjate somente seis semanas após foi ouvido. Testemunhas oculares, como vendedores de rua que possuem suas barracas pertíssimas do local do crime, não foram procuradas ou intimadas a depor. A imprensa do país tem contribuído mais para elucidar o crime, que os responsáveis oficiais. O presidente da república, Joaquim Chissano, tem se mostrado impotente e recebido pressões tanto de entidades internacionais como de governos, sejam as associações de jornalistas de Portugal e Angola ou organizações como Reporters Sans Frontières e a International Federation of Journalists, etc., e até do governo inglês. A ONG "Reporters Sans Frontières" quer agora disponibilizar recursos financeiros para uma efetiva e independente investigação do crime.

Relatório do "Comitee to Protect Journalists" inclui Cardoso e jornalista brasileiro.
Nesta última quinta-feira (04/01/01) o CPJ (Comitee to Protect Journalists) organização empenhada em proteger e denunciar violências às atividades jornalísticas em todo o mundo, divulgou o relatório anual da entidade. O comunicado revela que 24 jornalistas morreram em 2000 no exercício da profissão no mundo inteiro. Destes, dezesseis foram assassinados. Entre eles encontram-se dois profissionais de países da língua portuguesa: O moçambicano Cardoso e o brasileiro Zezinho Cazuza da Rádio Xingó FM, de Canindé de São Francisco, em crime encomendado (março 2000) pelo major Genivaldo Galindo, a quem Cazuza acusava de corrupção. O assassinato repercutiu no Brasil e o autor confessou ter sido contratado por Galindo para cometer o crime por 1500 dólares. Vê-se que as semelhanças acima referidas realmente não se resumem apenas a traços arquitetonicos, nomes de ruas e passados coloniais.
- Nota da Red.: Agradecemos gentilmente o apoio de jornal "Metical", fundado por Carlos Cardoso, e ao site de notícias Moçambique On-line, para a realização desta matéria."""

11/21/08

O regresso dos soldados mortos...

A notícia pura e simples, publicada esta manhã de sexta-feira pelo Jornal de Notícias - Porto:

Mortos na guerra colonial resgatados 42 anos depois - S. Miguel do Outeiro enterra restos mortais de dois soldados que lutaram em África. - 00h30m, Teresa Cardoso.

Dois soldados de S. Miguel do Outeiro mortos em combate, em 1966, vão ser finalmente trasladados dos cemitérios de Mueda e Nova Freixo, em Moçambique, para a terra natal. Serão sepultados no dia 14 de Dezembro.

As famílias do 1º Cabo Aníbal Rodrigues dos Santos e do Soldado Ernesto Correia Dias, nascidos e criados em S. Miguel do Outeiro, concelho de Tondela, nem querem acreditar que o "nó" que lhes "aperta" o coração há 42 anos está prestes a "desatar-se".

"Trazer os restos mortais do meu irmão para casa, para a terra onde nasceu, é um sonho que está à beira de concretizar-se. Só é pena que os meus queridos pais já não estejam entre nós para um derradeiro adeus. Morreram com aquele filho, que nunca mais viram, atravessado no peito", diz Franklin Santos, irmão do 1º Cabo Aníbal, com a voz entrecortada pela emoção.

O mesmo sentimento é partilhado por Armando Dias, irmão do Soldado Ernesto Dias, que conta os dias e as horas que faltam para a mãe de ambos, hoje com 87 anos, poder finalmente despedir-se do filho que um dia viu partir para a guerra colonial.

"Éramos cinco. Mas nenhum de nós conseguiu apagar o sofrimento e a saudade dos nossos pais pelo filho que morreu em Moçambique. Agora vamos ter um sítio para pôr flores de saudade", desabafou.

Cerca de três mil militares que morreram em combate ficaram sepultados nas antigas colónias.

Trazer os seus corpos para a terra natal, era um gesto só ao alcance dos ricos. "Até 1968 pediam 13 contos, na moeda antiga, para transladar os restos mortais. Uma fortuna que as famílias mais humildes não podiam suportar", explica Moreira Marques, presidente da Junta de Freguesia de S. Miguel de Outeiro.

A liderar o processo de trasladação, a pedido dos familiares, o autarca admite que essa tarefa custará muitos milhares de euros. Despesa que será assumida pelas famílias, com a ajuda de particulares, Junta de Freguesia, Câmara de Tondela e outras entidades.

Moreira Marques parte para Moçambique a 30 de Novembro. Regressa a 13 de Dezembro com as ossadas dos dois militares, em caixões de chumbo, que serão enterradas pelas 11 horas do dia seguinte, no talhão dos combatentes, no cemitério de S. Miguel do Outeiro.
- In Jornal de Notícias, 21/11/08.

Volte a ler:
  • Combatentes mortos na guerra colonial: ignorados, desconhecidos, desprezados... Aqui!
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