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5/04/10

Retalhos - De Porto Amélia a Pemba - História

A baía de Pemba, a 13º00’ Sul e 40º30’ Este da costa de África, é vulgarmente considerada a terceira maior do mundo, sendo a primeira a de Guanabara no Brasil seguida da de Sidney na Austrália.

As suas águas ondeando tons, ora azuis ora verdes, apresentam-se mansas em dias de bom sol e agradável tempo mas também escarpadas, rugindo de encontro aos rochedos ou regalando pela areia quando os ventos sopram furiosos do Sul.

Este ventos mais conhecidos na região por “kussi” originam, não raras vezes centros depressionários bastante fortes do tipo tropical que arrasam quase por completo a cidade.
O mais antigo temporal que a documentação disponível nos pôde recordar data de 18 de Dezembro de 1904 que causou vários danos assim como levou ao afundamento um pequeno vapor e um iate. É feita referência nessa altura à falta de faróis ao largo da baía, sendo o único o da ponta Said Ali que, para além de ter somente 6 milhas de alcance e não 9 como indicavam as cartas de então, não era aconselhável aos navios que passassem no alto mar.

Outro grande temporal devasta Pemba em 1914, destruindo pratica­mente todas as habitações e provocando grandes embaraços aos serviços da Companhia. (1)

Estes ciclones assolam de tempos a tempos a região de Pemba, tendo o mais recente ocorrido em 1987.

Em sua extensão a baía de Pemba atinge os valores de 9 milhas de Norte a Sul e 6 de Leste a Oeste, perfazendo um perímetro de 28 a 30 milhas.
Mas não só por isso ela goza de tal fama como também pela pro­fundidade do canal de acesso e do porto, com sondas que variam entre 60-70 metros na entrada e 10-40 na parte média, para atingir os 25 metros no fundeadouro junto ao cais diminuindo em direcção á costa.

A sua entrada é, pois, franca a qualquer tempo e hora, podendo nela penetrar à vontade navios até cerca de 6 metros de calado. No entanto, devido a alguns perigos isolados formados por rochas e bancos de coral, é necessária a pilotagem para os navios de alto mar.
A boca de entrada a partir da qual é feita a pilotagem é delimitada a Norte pela ponta Said Ali e a Sul pela ponta Romero, havendo actualmente farolins em ambos os lados.

Desaguam na baía alguns pequenos rios sendo o maior o Meridi cuja foz desemboca nas proximidades do baixo Mueve.

A baía de Pemba constitui, sem dúvida, um porto natural bastante seguro e, apesar de tudo, abrigado dos temporais regionais, tendo sido qualificado por Elton - Cônsul britânico em Moçambique a finais de 1890 - como "O melhor desde Lourenço Marques a Zanzibar”.
Alguns autores supõem que a baía de Pemba possa ter tido uma origem vulcânica, baseando-se no facto de ali se encontrar com abundância a "pedra pomes" própria de rocha vulcanizada. Mas a sua constituição calcária e não basáltica vem a contradizer tal suposição.

Das origens do nome pouco mais se sabe do que as escassas informações recolhidas da tradição oral, algumas das quais baseadas em lendas, e deve tomar-se em consideração que a designação de Pemba para nome da região não foi a única ao longo dos tempos.

Em anos muito recuados da nossa história a baía de Pemba era frequentada apenas por alguns pescadores malgaches e swahilis que em suas pequenas lanchas e pangaios arrecadavam o alimento sem nunca ali se fixarem.

Conta então uma antiga lenda que por essa altura uma de tais embarcações apanhadas por um temporal naufragou tendo como sobrevivente uma mulher que se viu obrigada a procurar algum refúgio nas proximidades da baía.

A mulher importante (“nuno” em língua local ) conseguiu sobreviver e montar ali a sua guarita. Naturalmente conotada a "Nuno" pelos pescadores como "mensageira divina" demonstrando que a zona poderia ser perfeitamente habitada, ela fê-los seguir o seu exemplo.
Nasce a zona de Nuno pelo qual foi conhecido por longos anos o actual bairro do Paquitequete. Mais tarde viria a anexar-se a esta designação a expressão “pampira” (no sitio da borracha) em virtude da grande quantidade da árvore da borracha que no local nascia espontaneamente.

A região servida pela baía de Pemba foi também já conhecida por Mambe expressão que pode simultaneamente significar quantidade e longitude.

Embora certos autores relacionem “mambe” à baía de Pemba, a região a que a administração colonial designa por esse nome se situa mais a norte, no distrito de Macomia.

Uma outra tradição oral refere que um europeu, em data também não precisa, proveniente de Zanzibar faz desembarcar na baía os indígenas que o acompanhavam e, estes, vendo-se assaltados por grandes enxames de moscas gritavam dizendo “pembe” que em swahhili significa mosca.

Teria sido mambe, pembe ou outra a origem da expressão "Pemba" no território moçambicano (2), certo é que ela figura nas primeiras cartas inglesas como "Pembe Bay”.
- Clique nas imagens acima para ampliar.
 VII - A ocupação colonial definitiva

Abandonada a região de Pemba pelos portugueses, e mais tarde praticamente pelos povos macuas da regedoria Muária, alguns baneanes e mouros ocuparam-na nos finais da década de 1880 sob a chefia de um tal malgache chamado “Muenhe Amade”, fundador da povoação do mesmo nome em Pampira.

Instituída a Companhia do Niassa esta manda, 4 anos mais tarde, ocupar a baía, tomando em consideração o então notável desenvol­vimento comercial dos territórios a Sul de Quissanga bem como a necessidade de controlar o comércio do sertão.

Por outro lado, porque o posto militar criado em Pemba há mais de um ano havia permitido um clima de boas relações com os régulos e consideradas garantidas as condições de segurança, é instituído o Concelho de Pemba com sede na povoação de Pampira.

Assim o comandante do posto militar de Pemba é nomeado chefe do Concelho em acumulação com as anteriores funções.

Projectara a companhia magestática a construção de uma linha férrea que ligasse Pemba ao Niassa no intuito de monopolizar o tráfico de Tanganica /Niassalândia:

"O caminho de ferro de Pemba ao Niassa chamará a meio caminho a mercadoria que for descendo pela boca de Chire, inclusive a que, por ventura proceda da própria bacia do Congo. Hoje que à nossa com­panhia foram concedidos os territórios, será pratica­da a ligação ferroviária do lago com a excelente baía de Pemba, realizando-se assim não só um desideratum da moderna civilização mas também o caminho que será o único e incontestado para o grande co­mércio da África" (12).

Esperava-se que Pemba pudesse ser o porto para o abastecimento do carvão do Medo e do Itule, bem como madeira, metais, nomea­damente o ferro e o cobre e ainda o marfim entre outros artigos originários de zonas do interior.

Para o lisonjeio de Coutinho (13):

"... a explêndida baia de Pemba - está entre aqueles dois empórios comerciais (Zanzibar e Moçambique) em excepcionais condições geográficas numas cir­cunstâncias tais que aproveitadas convenientemen­te, lhe chamarão o que lhe pertence de direito, e pertence de facto o exclusivo do tráfico do Tanganica-Niassalândia”.

Por outro lado, Pemba a um dia das Comores poderia daí receber a borracha, a cera, a copal, a urzela, o marfim e peles.

É ainda a finais do século passado, mais concretamente em 1899 que a companhia do Niassa contrata Gilbom Spilsbury (delegado do Conselho da Administração da Companhia) para uma expedição militar para avaliar as possibilidades de desenvolvimento dos territórios de Cabo Delgado e Niassa mas o facto de se pretender atingir zonas mais para o interior Pemba foi nesse projecto relevada para segundo plano.

Porque se pretendia reabilitar o processo de desenvolvimento de Pemba num momento em que a povoação estava ameaçada ao isolamento devido ao internamento de comerciantes e indígenas no interior para fugir à alçada da autoridade colonial (14) ela é inicialmente considerada terra de terceira ordem e são dispensados de direitos e emolumentos de portos aos vapores que para ali fazem carreiras regulares, nos primeiros anos do nosso século.

Também na primeira década de 1900 é criada em Porto Amélia no ano de 1908 uma escola de sexo masculino denominada "António Centeno” nome de um Administrador de Companhia em Portugal, no qual logo se matricularam 14 alunos dos quais 2 europeus, 1 branco natural, 6 mestiços e 5 negros. (15)

Dados estatísticos da população de Porto Amélia em 1908 indicam haver nessa altura 18.604 habitantes, sendo 18.498 negros, 50 asiá­ticos, 26 europeus e 17 brancos naturais. (16)

Em 1909 é ocupado todo o concelho de Porto Amélia.

A finais de 1917 desembarca em Porto Amélia uma expedição militar inglesa para colaborar com o exército português na luta contra os alemães no decurso da primeira Guerra Mundial.

Foi esta expedição que, aproveitando as condições da lagoa existente na planície de Natite, colocou uma bomba de água e um pequeno sistema de abastecimento de água canalizado.

Como memória dos militares ingleses tombados durante a 1ª Guerra Mundial, ainda hoje se pode ver no cemitério de Pemba uma zona com as suas sepulturas que o governo de Sua Magestade Britânica mandava visitar periodicamente, deslocando navios de guerra com oficiais que no local procediam às cerimónias na presença do capelão do Navio. Este cemitério particular esteve durante longos anos à responsabilidade de Carlos Delgado da Silva.

Pelo Decreto nº 16.757 de 20 de abril de 1929, foram retirados à Companhia do Niassa os poderes de administração dos territórios concedidos em 1894, tomando o Estado posse dos mesmos a 27 de Outubro do mesmo ano. Foi assim restabelecido o Distrito de Cabo Delgado, na Província do Niassa com sede em Porto Amélia, deixando assim esta povoação de estar agregada ao Distrito de Niassa.

Para o período a que nos referimos duas reclassificações sucessivas para o terreno de Porto Amélia têm lugar na sequência da restrutu­ração que se inicia em 1930. A primeira verifica-se a 11 de Janeiro desse mesmo ano classificando-a em 1ª ordem e a outra em Agosto seguinte descendo-a para 2ª alegadamente por se encontrar tal como o Ibo criada à data da passagem dos territórios para a administração portuguesa com aquela ordem.

Em 1936 é aprovada a planta de modificação da vila de "Porto Amélia, Concelho e Distrito do mesmo nome, província do Niassa" (17), constituída inicialmente por 232 talhões para em 1941 entrar em vigor uma portaria delimitando a zona urbana e a suburbana.

Um bairro económico constituído por 16 blocos de aproximadamente 50/80 metros é criado no Cariacó em Porto Amélia no ano de 1943.

Ainda nesse mesmo ano e tomando em conta a necessidade de autonomizar o município da vila e dotá-la de poderes mais amplos em vista do desenvolvimento local é concedido o foral de Porto Amélia.

Em 1953 determinou o Secretário Provincial, Eng. Pinto Teixeira, em nome do Governador Geral, comandante Gabriel Teixeira empreender a construção de um cais acostável para navios de grande porte, obra que viria a ser inaugurada a 26 de Janeiro de 1957 com a acostagem inaugural do paquete "Angola".

Foi só com a materialização desta obra que Porto Amélia inicia a sua arrancada ao desenvolvimento. Assim constata-se que o movimento de mercadorias eleva-se de cerca de 40 mil para 48 mil toneladas aproximadamente.

A Vila de Porto Amélia é elevada à categoria de cidade a 18 de Outubro de 1958.

Contudo o desenvolvimento esperado talvez nunca tenha passado de sonhos e pequenas iniciativas. Um jovem da cidade em 1971 desa­bafava numa entrevista a um jornal:

"... É pena Porto Amélia ser muitas vezes esquecida, pois se podia fazer mais por ela e só os seus ver­dadeiros habitantes é que a podem desenvolver e engrandecer, mas nenhum deles é Onassis ou Rockfeller” (18).

Pemba... A solidão da sua simplicidade parece tão natural quanto a sua beleza e destino à sorte do acaso...
- Luis Alvarinho.

Sobre Luis Alvarinho -  20/06/2002 - Estando em preparação um livro de crónicas em que esta será incluída, envio-a como homenagem ao Luís Alvarinho - Glória de Sant'Anna.

Moçambique – Cabo Delgado - A Escuna Angra é um marco histórico navegando o mar no reinado de D. Pedro V, para as terras de Cabo Delgado ao norte de Moçambique. Comandada por Jerónimo Romero, 1º tenente da Armada, leva consigo sessenta colonos que irão fundar a colónia agrícola de Pemba, em 1857.

Mãos amigas fizeram chegar até mim um livro sóbrio que relata o facto.

Baseia-se ele essencialmente na adenda à memória descritiva de Jerónimo Romero, e na recolha da tradição oral de toda a região que abraça a baía de Pemba.

É seu autor Luís Alvarinho nascido em Pemba em 1959. (1)

Este jovem que na sua meninice por certo correu pela orla das ondas, colheu búzios na praia do Wimbe, bebeu sumo dos cajus, trincou maçanicas e jambalão: e na sua juventude se sentou frente aos microfones do Emissor Regional de Cabo Delgado, cativado pela magia e o poder da Rádio: este jovem, também ele elemento de mudanças políticas, inicia com o livro "PEMBA, SUA GENTE, MITOS E A HISTÒRIA – 1850 / 1960", datado de 1991, um caminho de pesquisa etnográfica e política das terras de Cabo Delgado – Pemba – nos séculos XIX e XX.

Da recolha oral conta o autor uma terna história que transcrevo:

" em anos muito recuados da nossa história a baía de Pemba era frequentada apenas por alguns pescadores malgaches e swailis que em suas pequenas lanchas e pangaios arrecadavam o alimento sem nunca ali se fixarem.

Conta então uma antiga lenda que por essa altura uma de tais embarcações apanhada por um temporal naufragou tendo como sobrevivente uma mulher que se viu obrigada a procurar algum refúgio nas proximidades da baía.

A mulher importante ( NUNO em língua local ) conseguiu sobreviver e montar aí a sua guarita.

Naturalmente conotada a NUNO pelos pescadores como "mensageira divina" demonstrando que a zona poderia ser perfeitamente habitada, ela fê-los seguir o seu exemplo."

Esta obra com a qual me congratulo, não apenas pelo valor que tem, é uma pedra angular no espaço das letras moçambicanas.

Como o próprio autor diz em nota introdutória, "este trabalho não tem pretenções de um rigor histórico, como talvez se possa interpretar. A pesquisa histórica com certa sistematização poderá, isso sim, permitir identificar as raízes do local e da sua gente...

A principal motivação para este empreendimento, foi precisamente a de preservar a tradição oral de Pemba, já bastante perdida."

(1) – Foi meu aluno no ensino secundário e faleceu alguns anos depois de ter escrito este livro histórico a que se refere esta crónica. - Glória de Sant'Anna .

(Transferência de arquivos do sitio "Pemba" que será desativado em breve)

9/02/08

Retalhos da história de PEMBA - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia. Parte 3.

(Clique na imagem para ampliar)
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A COMPANHIA DO NIASSA E A FUNDAÇÃO DE PORTO AMÉLIA. - (continuação daqui!)
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O chamado distrito militar de Cabo Delgado que se localizava em Pampira, na orla da baía de Pemba, foi extinto em 1981 e o território entre os rios Rovuma e o Lúrio foi concedido a partir de 1894 a uma companhia majestática - a Companhia do Niassa, isto é, sem deter o controlo ou exercer qualquer tipo de autoridade ou influência no interior do território, o governo português entregava a exploração de todo o norte de Moçambique a uma sociedade privada.
A Companhia do Niassa inspirou-se no modelo da British South Africa Company criada por Cecil Rhodes e era uma companhia privada de capitais e influência maioritáriamente britânicas, tendo por objecto a exploração colonial do território. A administração da Companhia do Niassa era exercida por seis administradores em Lisboa e quatro em Londres, tendo o governo português um Intendente no Ibo, cujo concelho não integrava os territórios da companhia.
Assentava num negócio financeiro que se pretendia ser muito lucrativo para satisfazer os seus accionistas e, estatutáriamente, tinha a concessão por 35 anos para a exploração de um território com cerca de 200.000 Km², devendo construir um caminho-de-ferro e podendo cobrar impostos, arrecadar as receitas da alfândega e exercer em exclusivo o direito de conceder as autorizações para quaisquer actividades comerciais, agrícolas, minerais e industriais.
O resultado não poderia ser bom, devido às lógicas bolsistas e às mudanças de accionistas, de orientações e de gestão da companhia e, sobretudo, porque o seu sentido não era o desenvolvimento do território, mas apenas a sua exploração.
Como salienta René Pélissier, "o extremo norte, colónia privada no interior de uma colónia portuguesa, era portanto a quintessência da mais egoista dominação europeia. A Companhia não estava em África para colonizar mas sim para extorquir o máximo lucro"(René Pélissier, Op. cit., Vol. I, p. 396).
Em Maio de 1897, quando a sede da Companhia ainda estava no Ibo, foi designado o capitão José Augusto Soares da Costa Cabral para instalar uma povoação na baía de Pemba, que deveria posteriormente ser a capital dos territórios da Companhia do Niassa.
Em 13 de Outubro de 1899 foi criado um posto fiscal à entrada da baía de Pemba e em 30 de Dezembro de 1899, por proposta da Companhia do Niassa, a povoação de Pampira passou a denominar-se Porto Amélia, em homenagem à raínha de Portugal.
O Boletim da Companhia do Niassa, n.º 23, de 13 de Janeiro de 1900, insere a Ordem n.º 230, cujo teor é o seguinte:

-- Tendo o Exm.° Conselho de Aministração da Companhia do Niassa deliberado dar o nome de Sua Magestade a Rainha Senhora Dona Amélia à nova povoação de Pemba, que deve ser a futura capital dos territórios, prestando assim um preito de homenagem, respeito e sympatia a tão Excelsa Senhora, e tendo Sua magestade auctorizado tal deliberação;

Hei por conveniente ordenar que essa povoação na bahia de Pemba, e futura capital dos territórios da Companhia do Nyassa, se denomine - Porto Amélia.

Secretaria do Governo dos territórios de Cabo Delgado, no Ibo, 30 de Dezembro de 1899.

O Governador - J. A. A. Mesquita Guimarães.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.
Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.
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O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;
Edição - Comissão Cultural da Marinha;
Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.
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- Em breve neste blogue:
  • O nascimento de Mocimboa da Praia;
  • Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas;
  • A Ilha do Ibo;
  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

8/14/08

Retalhos da História de PEMBA - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia. Parte 2.

(Clique na imagem para ampliar)
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A COMPANHIA DO NIASSA E A FUNDAÇÃO DE PORTO AMÉLIA. - (continuação daqui!)
A colónia de Pemba foi um fracasso e foi abandonada alguns anos depois, tendo a corveta Mindelo encontrado em 1882 no Ibo, "dois negociantes portugueses, os únicos que restavam da colónia de Pemba, que ali se haviam estabelecido há 24 anos". (António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol. XVII, p. 44).
Em 1884, Augusto Castilho, informava "que o único vestígio d'esta ephemera e desastrosa occupação reduz-se apenas a uma insignificante fortificação abandonada" (Augusto Castilho, Relatório acerca de alguns portos da província de Moçambique, p. 49.), com o formato de um hexágono regular "de uns 10 metros de lado com duas canhonheiras por lado, e uma porta a meio da face occidental. As muralhas terão uns 3 metros de alto acima do terreno, e são cercadas de um ridículo fosso de 1,5 metros de largo, sobre talvez 0,8 metros de fundo", mas informa que a sua localização fora bem escolhida.
António Enes deixou-nos um relatório já antes mencionado, que além de ser um texto de grande qualidade literária, é também um documento de grande interesse histórico para a compreensão da situação da administração portuguesa em Moçambique. Neste documento, o norte de Moçambique só marginalmente é referenciado porque de facto não tinha instalada uma administração coerente e não havia uma lei a cumprir, sendo afirmado que "capitais há de distritos e distritos inteiros, como o de Cabo Delgado, onde totalmente faltam elementos policiais".
No que respeita aao povoamento do território diz António Enes que "em 1891 vi desembarcar e acompanhei com a vista os centenares de colonos que a Metropole despejou para Moçambique por medida policial e económica, e o resultado da minha observação foi mandar pedir ao governo que não continuasse a remeter para lá semelhante gente". (António Enes, Moçambique, p. 62).
A calamitosa situação administrativa de Moçambique também o inspirou a propor importantes reformas, que apoiou com um projecto de orçamento das receitas e despesas da província. (António Enes, Op. cit., 4.ª Edição, Agência Geral do Ultramar, Lisboa, 1971, p. 557-577).
Relativamente ao distrito de Moçambique, esse orçamento previa a colocação de um comandante militar superior de Cabo Delgado e concelho do Ibo, um comandante militar de Palma e um comandante militar de Mocímboa, além de outros funcionários administrativos, significando a vontade de instalar uma administração no concelho do Ibo, que não existia de forma estruturada.
Em finais do século, na linha do pensamento expresso por António Enes, também o governador Mouzinho de Albuquerque traçava um panorama desolador em relação ao povoamento europeu de Moçambique: "Hoje abona o Estado um certo número de passagens mensaes a colonos, mas estes são escolhidos a capricho, sem ter em attenção as circunstancias e carencias da provincia. Vão muitos vadios, vão pobres jornaleiros do campo que é muito dificil, senão impossivel, empregar alli. Succede por vezes, como ainda em Janeiro de 1897, chegar alli mais de um cento de colonos, a maior parte sem officios ou profissão definida, sem que d'isso houvessem sido avisadas as autoridades locaes. Isto não é colonisar, povoar ou nacionalisar, é apenas fazer um estendal de miséria." (J. Mousinho de Albuquerque, Moçambique (1896-1898), Sociedade de Geografia de Lisboa, 1913, p. 110.)
- Continua em breve...
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O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.
Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.
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O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;
Edição - Comissão Cultural da Marinha;
Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

5/11/10

Retalhos: De Porto Amélia a Pemba - Família Carrilho !

A origem do apelido Carrilho é matéria de controvérsia.
Tudo indica que nobres de Espanha tenham vindo fixar-se em Portugal por razões não claras, nomeadamente em Castelo de Vide, por volta do século XVII. Dai o apelido "Carrillo" foi aportuguesado para Carrilho. Estes nobres beneficiaram-se da protecção da coroa portuguesa e adquiriram brasão próprio que os distingue do brasão castelhano com algumas parecenças.
Alguns Carrilhos teriam passado a usar o apelido Gil e estes parecem ter ligação com os Albuquerques, nomeadamente o famoso Mouzinho de Albuquerque.
Tudo indica que o brasão dos Carrilhos foi por isso sofrendo mutações.
Um Carrilho é nomeado pelos reis de Portugal para ser Governador das Ilhas de Cabo Delgado, em Moçambique, no século XVIII. Este governador aparece com um corpo de soldados da guarda com um outro Carrilho como sargento. Daí a origem dos Carrilhos de Moçambique.
Muitos dos Carrilhos hoje em Portugal ainda se referem a Castelo de Vide como possível origem da família. No entanto, alguns Carrillos de Espanha podem ter migrado ao Brasil e daí terem surgido outros ramos dos Carrilhos. Nada nos diz que a origem dos Carrilhos é toda a mesma.
Isto é resultado de uma pesquisa minha muito longa na internet. Não tenho agora todas as referências. Parece que temos que continuar a procura!
- Manuel Carrilho Alvarinho - 30 de Janeiro de 2005.
O Sr. Babo Carrilho - Patrono da Família Carrilho.
D. Judith Carrilho e Sr. António Baptista Carrilho - Casal originário de famílias tradicionais da histórica Ilha do Ibo. Pais de Francisco (Chico) Carrilho, José Eduardo, Rodrigo, Zé Norberto, Teresa, Nandinha, Matilde.
José Franco Carrilho (4/6/1922 – 29/1/2001) é pai do Júlio, Luísa, Zeca, Nando, Gunass (Renato), Joneca, Tonecas, Maria do Carmo e Carlinha Carrilho.
João Manuel Zamith de Franco Carrilho - Foi vice-Ministro de Agricultura e Desenvolvimento Rural desde 2000, presidente do Instituto Nacional do Desenvolvimento Rural de 1979 a 1999 e trabalhou vários anos em questões rurais moçambicanas. João Carrilho nasceu a 22 de Setembro de 1955, na Cidade de Pemba, na província setentrional de Cabo Delgado. Descendente das famílias da Ilha do Ibo (norte de Moçambique), é o sexto dos 9 filhos de José Franco Carrilho e Maria das Dores Zamith Carrilho. Seu pai dedicou-se primeiro à venda de roupa e mais tarde foi guarda-livros. Quando João Carrilho nasce, o pai trabalhava numa empresa de sisal em Nangororo, nas margens do rio Ridi (Cabo Delgado). É aqui, onde o pequeno João vive até aos seis anos. Então, sendo grande o número dos irmãos a estudarem e por ser difícil sustentar os filhos em vários colégios, a sua mãe transferiu-se para Pemba. Dos seus irmãos, recordamos Júlio Carrilho, ex-Ministro das Obras Públicas e Habitação, Maria Luísa Carrilho, ex-Administradora do Banco de Moçambique.
José Norberto Carrilho - Filho de D. Judite e Sr. António Baptista Carrilho, nasceu em Pemba aos 9 de Maio de 1955. Exerce função no Judiciário Moçambicano.

Júlio Carilho - O escritor Júlio Carrilho, também natural de Pemba e filho de José Franco Carrilho e Maria das Dores Zamith Carrilho - entre seus nove irmãos está o Joneca, acima citado como João Manuel Zamith de Franco Carrilho. Júlio Carrilho é formado em arquitectura e desempenhou no período pôs-independência as funções de Ministro das Obras Públicas de habitação. (Notícias, 02/05/01).  Além artista, escritor, Júlio Carrilho é também Arquitecto e Professor na Universidade Eduardo Mondelane.
Algumas de suas obras - Riário, Apontamentos, Um olhar para o habitat informal moçambicano - de Lichinga a Maputo, Pemba - As duas cidades.

De Júlio Carrilho também:

OS TRUQUES
Quantas Áfricas terão de se afirmar no truque do aparente desprendimento? Quantas ainda terão de se aprimorar na sua própria ignorância calculada?

Hoje já não creio que só o futuro é que nos traz mensagens. E a Nação? Era candura a minha, essa de fazer da história uma tábua de passar a ferro. E queimei-me nas minhas próprias subtilezas de argumentação.
- "Madera Zinco", Revista Literária Moçambicana.

SER MWANI
Não é que ser mulato me abra portas:
é preciso que tenha aprendido a beber
esse saber da praia
qualquer que seja a dor que se transporta

A guerra aqui não se reproduz. Sofre-se.
A escravatura aqui não se aprimora. Degrada-se.
Na sabedoria dos escravos
Na subtileza do servir dos servos
Na paciência dos barcos adornados

Tudo sucumbe no equilíbrio sustentável
Da intriga
Viscosamente escrutinada nas sub-ilhas dos murmúrios
Dos quintais fechados.
- Júlio Carrilho (Sugestão de Andrea Andrade Paes)
Recordando ZECA CARRILHO...
Uma vez em Caia - Moçambique !

Decorriam os anos de 1975/1976.
As chuvas caiam com intensidade.
Uma avioneta faz-se á pista de Caia e, uma jovem de vinte anos com o seu filho de dois meses descem.
Além de seu marido que a aguardava, ao seu lado estava o Engenheiro Carrilho, naquele modo educado e brincalhão, a dar-lhe as boas vindas e a divertir-se com o seu ar assustado.
Foi bom encontrá-lo.
A jovem suspirava por saudades de Maputo e aquele fim do mundo, aquela umidade, aquele calor doentio, aquelas chuvas castigavam seu peito... Era enfim uma zona de Moçambique que não conhecia.
Nos serões na grande varanda de estilo colonial falava-se de terras e gentes de Cabo Delgado, da faculdade já que todos que ali estavam estudaram na mesma época na Faculdade de Engenharia em Maputo: o Zé Rendas e o Japs - José António Pereira da Silva que vive em Maputo. Eram da Somopre - da ponte sobre o Zambeze. E o marido da jovem trabalhava na Manuel da Silva Oliveira... a celebre estrada centro nordeste... O Engenheiro José Carrilho era da fiscalização por parte do governo.
Com o tempo, o estado do bebê , filho da jovem, ia piorando vítima de uma grave disfunção muscular. A jovem levou-o para se tratar e viver em Portugal,... mas ela voltou depois de deixá-lo com os seus pais na Povoa de Varzim...Voltou para Caia.
Um dia, quando regressa da Beira na avioneta do Guerra , chega a casa e é informada que o seu marido está preso e a ser interrogado pelo grupo dinamizador e policia.
Em pânico procura ajuda...
Está no seu quarto lavada em lágrimas quando alguém bate á porta e senta-se ao seu lado, abraça-a e diz-lhe:

- "Nada vai acontecer. O Delgado (marido da jovem) é um bom colega e um bom profissional, confia em mim, não permitirei que lhe façam mal."

E partiu...
A noite decorreu cheia de lágrimas.
Mais dois dias se foram e ninguém aparecia.
Disseram à jovem que o Engenheiro Carrilho presidia às reuniões sempre muito zangado quando falava.
Ao fim do terceiro dia, o sol começava a pôr-se e a jovem ouve gritos dos empregados da casa.
Corre para o portão e aos poucos vai saindo para o meio da estrada de terra vermelha batida pela chuva com explosões de pequenos cristais, tamanha era a força com que a água tocava o chão.
Ao fundo começavam a surgir duas silhuetas que pareciam emergir do estrondo da trovoada e relâmpagos... Eram José Carrilho e João Delgado!... Ali os dois... todos molhados...
A jovem desmaia e acorda na sala.
Ao seu lado o seu marido pálido com a barba por fazer de dias e o Engenheiro José Carrilho... ...
Um dia partiram para Maputo e, no aeroporto, a jovem abraçada ao Engenheiro Carrilho promete que nunca o esquecerá e voltaria a encontrá-lo.

1997 - Pemba... Um abraço bem forte: o Zéca Carrilho ali estava. Conheceu o bebê já homem e mostrava felicidade porque aquela mulher, aquela família, nunca o esqueceram...

1998 – Maputo, foi a ultima vez que o viu.

2005 – Hoje, essa jovem sou eu. O bebê é o meu filho mais velho de 30 anos, irmão de mais três. Muitas vezes me lembro da noite em que o pai dos meus filhos voltou para casa quando, numa época política instável e tumultuada que se vivia em Moçambique, quando poderia ter ido prisioneiro para um dos campos da Gorongosa.
Sou moçambicana. Com os erros passados aprende-se a construir um país melhor... mas ali, naquele tempo, o enorme coração do Engenheiro Zeca Carrilho evitou que um ser humano fosse vítima de um erro.
Considero-te Zeca Carrilho, uma das estrelas que mais brilhará no céu de Caia e Moçambique.
Quem sabe a qualquer hora, ao olhar o firmamento estrelado, irás mandar-me uma mensagem, um sinal, como acontecia quando éramos parceiros nos jogos de cartas de tantos serões?...
E então, pedir-te-ei, seja lá onde estiveres, para tomares conta de nós, como tão bem fizes-te em 1975/76 na distante Caia.
Aqui deixo a eterna saudade das famílias Delgado e Fernandes Pinto.
Um beijo terno muito meu.
- 06/10/2005, Maria Manuela de Fátima Marques Pinto (Fátinha).

- Do ForEver PEMBA em 09 de Novembro de 2005 e via mensagem postada no Bar da Tininha alusiva ao aniversário de falecimento do saudoso parceiro e amigo desde os bancos escolares na então Porto Amélia – Zeca Carrilho.

(Transferência de arquivos do sitio "Pemba/Régua" que será desativado em breve)

5/06/10

Retalhos: De Porto Amélia a Pemba - D. José dos Santos Garcia, 1º Bispo de Porto Amélia

Para anotar... porque faz parte da História de Pemba...
D. José dos Santos Garcia comemorou 90 anos em 16 de Abril de 2003

"Nascido a 16 de Abril de 1913, D. José dos Santos Garcia, Bispo Emérito de Pemba, comemora hoje (16 de Abril de 2003) o seu aniversário com a presença de quase todos os Bispos Portugueses, alguns padres da Sociedade Missionária da Boa Nova e da Diocese da Guarda na sua terra natal, Aldeia do Souto.

D. José é membro da Sociedade Missionária, trabalhou enquanto jovem Padre nos seminários de Portugal, foi um grande obreiro da Missão do Mutuáli, Diocese de Nampula, onde construiu a Igreja, internatos masculino e feminino e centro de saúde.

Nomeado Bispo de Porto Amélia, hoje Pemba, em 1957, promoveu uma bem planeada pastoral em que eram prioridades a formação do clero, dos leigos e de religiosas moçambicanas. Para isso criou os Seminários, a Escola de Professores Catequistas e a primeira congregação religiosa de Moçambique, Filhas do Coração Imaculado de Maria. Promoveu a evangelização e dotou as missões de esmerada estrutura. Sofreu com a divisão da sua diocese nos tempos da luta pela independência quando não podia visitar todos os cristãos.

Voltando a Portugal em 1974, colaborou com a Diocese da Guarda naquilo que lhe foi pedido e ele faz questão de destacar as aulas de missionologia aos seminaristas. D. António Santos, actual Bispo da Guarda, reconhece que "é difícil fazer registo completo dos valiosos serviços prestados a esta Diocese".

Depois dos 85 anos dedicou-se a reformar a Igreja e as capelas da sua terra natal, Aldeia do Souto e a escrever livros: Alicerce e Construção duma Igreja Africana, Diário do Mutuáli, Evangelização de Cabo Delgado e Notas para a História da Paróquia de Aldeia do Souto. Este dois últimos serão oferecidos aos amigos no dia da festa dos 90 anos. Além de reflexões pessoais, os três primeiros são documentos para história da Igreja em Moçambique."

Memórias de Bispo-Pai Natal
"D. António Santos (Bispo da Guarda) cita alguns episódios narrados na primeira pelo aniversariante , por ocasião das visitas pastorais, apresentando-os como exemplo da "simplicidade e simpatia" do grande "Bispo Missionário".

"O primeiro deu-se em Orjais, pelo ano de 1975. Fui lá com D. Policarpo e cheguei dez minutos antes. Subi a escadaria da casa do pároco onde, a meio, estavam dois pequenos que iam ser crismados. Um disse: o senhor é que nos vai crismar? Ao que respondi: posso ser ou não! O outro observou: o senhor com essa batina, essa faixa vermelha, essa cruz e esse chapeuzinho está mesmo porreirinho..."

O segundo caso que o aniversariante costuma relatar ocorreu em 1988. "Uma jovem foi crismada no Fundão e quando chegou a casa disse à mãe: mãe, sabes quem me crismou? Foi o Pai Natal! A senhora viu-me passar a pé, saiu de casa e veio contar-me a história".

NOTA - D. José dos Santos Garcia ainda é vivo, conta com 92 anos(*) e está com uma memória previlegiada. Sempre bem disposto estivemos com ele no passado Domingo, dia 7 de Agosto de 2005.
Tivémos ainda a felicidade de poder assistir à eucaristia por ele celebrada, ao meio dia, na capelinha da sua residência. Quem o quiser visitar, não é difícil encontrá-lo: -Aldeia do Souto (entre a Guarda e Belmonte) sua terra Natal. Grande contador de histórias fala com muita saudade das gentes de Pemba e de outras localidades por onde passou por terras de Moçambique.
- Maria José Costa em 17 de Agosto de 2005 - 09h48.
* - D. José dos Santos Garcia está com 97 anos feitos no passado dia 13 de Abril de 2010. E continua muito lúcido.
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(Transferência de arquivos do sitio "Pemba" que será desativado em breve)

7/31/08

Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia.

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A COMPANHIA DO NIASSA E A FUNDAÇÃO DE PORTO AMÉLIA.
Até principios do século XIX a administração do território de Moçambique pelos portugueses era muito limitada e precária, exercendo-se apenas em alguns pontos do litoral através de concessões dadas a alguns indivíduos, geralmente sob a forma de "prazos da coroa".
Depois, ao longo do século XIX, as autoridades portuguesas, continuaram a não conseguir mobilizar emigrantes para se estabelecerem em África, mas tiveram algum sucesso no propósito de incentivar os goeses a emigrar para Moçambique.
Eduardo Mondlane escreveu que "a pequena colónia de Goa foi sujeita a uma influência portuguesa como nenhuma outra colónia africana e a emigração goesa foi, em muitos sentidos, mais portuguesa que indiana" (Eduardo Mondlane, The Strugle for Mozambique, p. 55), porque os goeses falavam português e eram predominantemente católicos.
Nessas condições, em 1871 verificava-se que havia em Moçambique apenas oito padres católicos, sendo sete originários de Goa e apenas um de Portugal (Mozambique - a brief survey, p. 70).
Neste quadro de dificuldades na mobilização de emigrantes portugueses que então tinham o Brasil por preferência, a fixação de colonos no norte de Moçambique era um enorme desafio. Não se estranha, por isso, que na sua descrição roteirista da costa de Moçambique, António Lopes da Costa Almeida tivesse escrito em 1840, que a baía de Pemba "muito pouco conhecida he do Europeos" (Costa Almeida, Roteiro Geral dos Mares, Costas, Ilhas e Biaxos Reconhecidos no Globo, parte V, p. 57).
A primeira tentativa séria para fixar colonos no norte de Moçambique aconteceu em 1857. No dia 21 de Junho de 1857 largou de Lisboa a escuna Angra sob o comando do 1º tenente Jerónimo Romero, com a missão de estabelecer uma colónia de sessenta emigrantes portugueses na baía de Pemba, cujo chefe seria Albano Apolinário Moniz da Maia, um agricultor de 28 anos, solteiro e natural de Torres Novas (António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol. XXII, p. 105).
A escuna Angra dirigiu-se ao Ibo e, no dia 22 de Outubro, Jerónimo Romero tomou posse como Governador de Cabo Delgado. No dia 10 de Novembro de 1857, a escuna largou para a baía de Pemba com o governador, os colonos e o vigário do Ibo, tendo chegado à baía pelas 17 horas desse mesmo dia.
Entretanto, chegou a Moçambique o iate Dezanove de Maio com uma força militar e com material destinado à fundação da nova colónia, enquanto do Ibo chegaram duas embarcações com soldados.
No dia 12 de Novembro desembarcou o 1º tenente Jerónimo Romero que foi recebido pelo régulo Said-Ali e por muita população. Lavrou-se um auto de vassalagem e construiu-se um barracão de 57 metros por 7 metros de largura, com 12 compartimentos para servir de alojamento aos colonos e à tropa, botica e depósito de mantimentos e de material.
Os colonos constituiram-se em sociedade para "empreender na maior escala possível a cultura da cana do açucar, café, arroz, algodão, gergelim, etç., e comerciar com géneros do país".
No dia 8 de Dezembro ficou formalmente constituída a colónia de Pemba, na presença dos colonos, da tropa e de muita população. Houve missa cantada e grossa festa de batuque. Só em Abril de 1858 a escuna Angra deixou a baía de Pemba com destino a Moçambique, levando consigo um pangaio árabe que entretanto tinha sido apresado.
- Continua em breve...
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O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.
Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.
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O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;
Edição - Comissão Cultural da Marinha;
Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

2/11/13

Retalhos: De Porto Amélia a Pemba - ILHA DO IBO - PERDIDA NO MAR E NA HISTÓRIA

ILHA DO IBO - PERDIDA NO MAR E NA HISTÓRIA - Em Porto Amélia raramente se dizia a ilha do IBO; dizia-se, muito simplesmente, o IBO. Foi ao IBO, veio do IBO, vive no IBO...

Naquele falar e falajar do entardecer nas deliciosas varandas coloniais, fui ouvindo história daquela ilha da costa de Moçambique, entre o Lúrio e o Rovuma. O mistério ia, pouco a pouco, aguçando a minha curiosidade. O próprio café do Ibo, que o senhor Ferreira nos servia no «Botão de Rosa», ajudava ao mistério. Era um café delgadinho, acastanhado, de cheiro e sabor muito estranhos. Mas acabamos por gostar dele e precisar dele. Era revigorante e tirava a ideia de deitar em horas de andar a pé. E quem quisesse ler ou escrever pela noite fora, era só tomar um cafézinho do Ibo, depois de jantar. Insónia assegurada.

Quando a curiosidade começou a inquietar-me, não tive outro remédio se não reparti-la com o meu inesquecível companheiro Simões Coelho. O Dr. Manuel Simões Coelho, grande cirurgião e grande pianista, veio a falecer em Portugal, meses depois de ser desmobilizado.

Não foi difícil entusiasmá-lo. Ele também já andava mortinho por conhecer o Ibo. Difícil foi arranjar transporte que nos levasse pela costa acima, até ao ponto da travessia. O jeep do Hospital Militar 338, a que pertencíamos, estava mesmo a calhar, mas a viagem era paisana demais para o podermos usar sem dar nas vistas...

Acabámos por aceitar a oferta de um indiano—um velho Opel sempre a torrar ao sol implacável da Av. Jerónimo Romero. Só depois de aceitarmos, com muitas mesuras de parte a parte, é que soubemos do estado lastimoso do carro. A cor era o menos, mas sempre lhes direi que ia do vermelho alaranjado, nas pregas mais protegidas, ao diospiro podre nas superfícies mais expostas.

Depois de uma revisão que, afinal, só serviu para nos afirmar que era uma temeridade partir, assim, com duas senhoras e duas crianças, lá fomos aos primeiros raios daquele sol que se erguia do lado do mar e se punha do lado da terra.
Logo aos primeiros quilômetros, o Opel triplicou os barulhos da partida e começou a cambar para o lado esquerdo. Por sua vez, as senhoras iam fechando a cara, daquela maneira que só as esposas contrariadas sabem fazer... O que nos valia, a mim e ao Simões Coelho, era a grande satisfação dos nossos filhos, o João e o Jorge. Riam e batiam palmas de cada vez que um macaco-cão atravessava a estrada, solene e atrevido.

— Ó papá, tu não apitas nas curvas?! — estranhou a certa altura o Jorge.
— Ó filho, tomáramos nós encontrar alguém, mesmo contra a mão! — respondeu, galhofeiro, o Simões Coelho.

Naquela fita de terra vermelha, marcada pelas tempestades e pêlos aventureiros, naquela solidão que parecia vir do princípio do mundo, buzinar seria uma ingenuidade e um sacrilégio.

A certa altura o «diospiro» cambou perigosamente para o lado de que vinha a queixar-se desde Porto Amélia — o esquerdo.

— O feixe de molas está a dar o berro! — informou o Simões Coelho, de rabo para o ar, meio metido debaixo do carro.
— E agora? — perguntei com a nítida sensação de ser ridículo naquele ermo.
— Vamos andando devagarinho... Mahate deve estar perto!— sossegou o Simões Coelho a bater as mãos, vermelhas de terra.

Depois de meia dúzia de curvas, dadas de credo na boca, Mahate apareceu como um bocejo da floresta.

Mahate era uma terra pequena e poeirenta surgida, ao que me pareceu com a exploração, naquela área, da companhia algodoeira Sagal.

Para nós foi a Divina Providência que ali instalou umas oficinas capazes de reparar o nosso carrinho cambado e gemebundo. Não seria preciso, mas sempre fomos dizendo que éramos amigos do senhor Eng° Guedes de Paiva, ao tempo, administrador da Sagal em Porto Ameia... Além do préstimo, os mecânicos foram de uma amabilidade inesquecível. Só tivemos de esperar um tempinho bem bom. Fomos passá-lo a uma daquelas lojas que só se encontram na África em pleno mato. Ali se vende de tudo, mas tudo cheira a tabaco e peixe seco.

Resolvemos esperar na varanda, quase ao nível da rua, a uma mesa de tampo coberto de moscas. Daquelas moscas que voltam sempre mal acaba o gesto de as afastar. Ao fundo da varanda bebia cerveja um negro gordalhufo, esgoleirado, mas bem vestido. Limpava, a espaços, um suor azulado e parecia, de olhar fixo, contar as garrafas que já bebera e tencionava beber.

É o doutor do Ibo!... — informou o pretito que nos trazia os pedidos; adivinhando em nós a estranheza de ver ali tal figura.

Ainda pensamos em abordá-lo para lhe dizermos quem éramos e onde íamos, mas o nosso colega parecia estar ao fundo de uma varanda sobre o infinito...

Do outro lado da rua havia um inacreditável campo de futebol. Apenas umas canas espetadas no chão poeirento limitavam o necessário rectângulo em cujas extremidades havia uns paus tortos a servir de balizas. O piso era de terra moída e remoída por mil pés a ir e a vir na mira do golo. Mas o campo tinha uma vaidade que ainda hoje me dói... Por cima da entrada uma tábua ressequida dizia assim numa caligrafia acabada de aprender:

LEÕES DE MAHATE

Quando pensávamos em ir ver se o carro já estava pronto, o «diospiro» apareceu, trazido por um funcionário da Sagal. Vinha todo teso e reluzente de limpeza, íamos batendo as palmas de contentamento. As nossas mulheres sorriram, finalmente. Pareciam já duas noivas em viagem de núpcias...
Dali até ao ponto de embarque para a ilha do Ibo correu tudo bem, mas tudo feito com muito cuidado por causa do piso. Quando menos se esperava surgia um pontão de troncos, ali posto para dar passagem no leito seco de um riacho efémero. Se bem me lembro, só atravessamos um curso de água permanente — o rio Montepuez. Era em Tandanhangue que se embarcava para o Ibo. Não havia povoado, nem havia cais. Apenas uma enseada minúscula acolhia o barco a motor do vai-e-vem. Ao embarcarmos, as senhoras voltaram a fechar a cara e os rapazinhos a ficar mais contentes. Aquele barco pareceu-lhes, certamente, acabado de saltar de um quadradinho de banda desenhada... A mim pareceu-me pequeno para aguentar qualquer espécie de mar. Eu não sabia que no paraíso os barcos não têm tamanho... E foi uma viagem paradisíaca aquela que fizemos, ora quebrando espelhos de mar imaculado, ora atravessando florestas de mangai, de onde se erguiam bandos de pássaros, brancos e silenciosos como a neve.

Talvez influenciado pelas histórias de Somerset, esperava encontrar na Ilha do Ibo um pequeno porto com alguma agitação de gente curiosa e mercadorias pasmadas ao sol. O cais do Ibo não passa de um pequeno patamar com escadinhas a desaparecer na água quieta. À espera, apenas um rapaz de tronco nu, muito lesto nas manobras de atracagem.

Foi esse rapaz que nos levou a casa de Wong Jan, um chinês de hospitalidade lendária por toda a costas de Cabo Delgado e que, em Porto Amélia nos haviam indicado como único sitio do Ibo onde poderíamos ficar.

Wong Jan recebeu-nos com as vénias de todos os chineses a que, ao que me pareceu, juntou mais algumas de homenagem ao Simões Coelho, já famoso por aquelas bandas.

Depois de um banho, tomado a golpes de púcaro pela cabeça abaixo, fomos cervejar para a varanda. Íamos na segunda rodada, quando apareceu o «Madragoa» a esbracejar e a rir de lês a lês no carão moreno. O « Madragoa» era o Administrador da llha do Ibo. Não consigo lembrar-me do seu verdadeiro nome. Aliás, julgo que nunca o soube muito bem... Apesar de muito estimado e respeitado, ninguém a ele se referia de outra maneira.

—  Está cá o «Madragoa»! — anunciava-se, volta e meia, em Porto Amélia.

A simpática alcunha deve ter pegado por excesso de bairrismo do Administrador. Acho que dizia por tudo e por nada:

—  Sou de Lisboa e da Madragoa!

E por ser de Lisboa recordou pela noite fora com o Simões Coelho casos e recantos da saudosa terra de ambos.

Quando as senhoras e as crianças se foram deitar, como autómatos perdidos de sono, ficámos só os três. Melhor, os quatro. Wong Jan andava por ali, discretamente, atento à nossa sede e à nossa fome. A certa altura o Administrador insinuou que «estava mesmo a calhar» um certo pastelão de um certo marisco.

Apesar do marisco me parecer um tanto coreáceo, o pastelão, no seu conjunto, ficou delicioso. Mas esta delícia viria a estragar-me a noite... Não fiz a digestão daquele marisco tão aplaudido. De cada vez que me virava, sentia os pedacinhos inteiros a carambolar no estômago, como bolas de bilhar. E quando pela manhã, ouvi o Simões Coelho a falar no pátio com os criados, berrei-lhe, ainda da cama:

—  Arranja-me um pouco de aguardente!
—  'stá bem... 'stá bem! — respondeu com certa estranheza na voz.

Mas a aguardente nunca mais vinha. Passado cerca de um quarto de hora, voltei a berrar:

—  Então essa aguardente, Simões Coelho!?
—  Andam a tratar disso!... Tu julgas que estás na Régua?

Passados mais dez minutos, um criado bateu à porta.

—  Pronto, patrão! já 'tá — disse, contente, no seu riso de piano aberto.

Intrigado por não lhe ver nada nas mãos, perguntei:

—  Já está o quê?
—  O banho, patrão. Tem muita água!

Está visto que me andou a arranjar água quente em vez de aguardente!... Tomei um delicioso banho de bidom. O único banho quente em dois anos e meio de África.

O pequeno almoço tornou-se de fugida. Não queríamos perder o içar da bandeira naquele domingo passado tão longe.

A cerimónia foi breve mas de uma solenidade garantida pelo rigor militar dos sipaios. Nunca a nossa bandeira me pareceu tão nossa, a tremular assim naquele azul tão forte que parecia pintado.

Começamos a visita à ilha pelo Hospital. Ficava ali mesmo, naquele terreiro de árvores frondosas em redor do mastro da bandeira.

Não voltei a ver hospital tão limpo, tão arrumado e tão deserto. Apenas dois serventes negros nos fizeram as honras da casa, abrindo portas naquela solidão e respondendo baixinho às nossas perguntas. O Hospital pareceu-me apetrechado para o que desse e viesse. Viesse o quê? Apenas dois negros, muito velhos e muito magros estavam internados, mais por caridade que por doença. Nenhum respondeu às minhas perguntas. Nem os olhos mexeram, quando as repeti mais alto. Três mundos: o meu, o deles e o outro.

Ao recordar, agora, aquele deambular pelas ruas do Ibo, recordo paralelamente o percorrer das ruínas de Pompeia, visitadas muitos anos depois. Em Pompeia tudo aconteceu há tanto tempo que nada nos comove. Dir-se-ia que, ali, o Vesúvio e os séculos silenciaram tudo de tal maneira que as nossas almas e os nossos corações já nada podem sentir.

No Ibo o pano parece-nos caído sobre a opereta da grandeza e logo erguido para mostrar o drama da decadência. Entre a descida e a subida do pano, um curto intervalo para a História poder mudar de roupa.

Não pudemos visitar toda a Fortaleza por medida de segurança. Estavam lá prisioneiros muitos negros implicados na guerra, prestes a abrir ao sangue e à intolerância. O que vimos chegou para saber que a Pátria se defendia tão bem e tão longe.

Foi confrangedor passar diante de casas senhoriais, de paredes esventradas, sem telha que as proteja e porta que as guarde. Numa delas, em plena sala de jantar, de paredes apaineladas, crescia uma árvore com indescritível descaramento. Nas fachadas de armazéns arruinados, iam-se apagando os nomes de grandes firmas comerciais e um grande silêncio parecia amarrar-se àquela fiada de argolas de prender os animais de carga.

As casas habitadas eram poucas e dispersas. As pessoas vinham às portas ver-nos passar como fantasmas de um futuro que há-de vir. E ainda não veio.

Ao virar de uma esquina apareceu o nosso simpático Administrador. Vinha num jeep cheio de mossas, roncos de motor e grandes estoiros de tudo de escape. Queria oferecer-se para uma volta mais larga pela sua ilha.

Começou por nos mostrar, muito orgulhoso, um pequeno bairro social de sua iniciativa. As casas eram pequenas, de blocos feitos ali mesmo, sem qualquer estilo, a contar com um clima sem inverno. Foi uma nota de esperança naquela terra em agonia, desde o fim da escravatura. Sim. O Ibo foi próspero, enquanto entreposto de escravos. Ali se fixaram grandes famílias da Europa, vivendo na abastança, da compra e venda de negros.
Lá estão as casas senhoriais de estilo europeu a afirmá-lo e os apelidos nobres a resistir ainda aos humildes nomes indígenas: Ávila... Menezes... Carrilho... Ornelas... Alba... Coutinho... E o sangue? Ohl... o sangue... A garantir a sanidade dos cruzamentos de sangue latino e negro, temos o milagre das «brancas do Ibo». Milagre de brancura, de elegância, de beleza, de jeito de falar e jeito de ser. Iris Maria é uma branca do Ibo. Foi miss Portugal. Não tem havido mais porque o Ibo é longe e mau caminho...

Ao som daquele jeep rebentado percorremos boa parte da ilha com o nosso «Madragoa» a gesticular indicações com o braço livre do volante. Nada me pareceu cultivado com regra ou entusiasmo. Toda aquela agricultura de subsistência tinha o mesmo ar espontâneo do capim, mas toda aquela desolação definitiva não impedia o nosso Administrador de gesticular grandes projectos de abastança. Quando se punha de pé, de braço estendido a traçar lonjuras de cultivo, chegava a ouvi-lo como um eco de D. Quixote...

Por ventura a marca mais profunda que me ficou daquele passeio a esmo pela ilha, foi a visão das sepulturas individuais e familiares que íamos encontrando perdidas no capim. Mal se desligava o motor para irmos ver mais perto, caía sobre elas um silêncio quase doloroso. Que grande senhor negreiro estaria ali comido dos bichos e dos remorsos? Que formosura virginal teria acabado ali os sonhos de donzela?

Um ventinho de murmúrio respondia do infinito. Um grande silêncio respondia a toda a gente.

Outra vez o cais... outra vez o barco... outra vez o mangal no mar quieto... outra vez os pássaros brancos e silenciosos como a neve...

E a Ilha do Ibo lá ficou, perdida no mar e na História.
- Por Camilo de Araujo Correia (extraído de "Recordar é Viver")

- NOTA - Relato que se presume tenha acontecido na década de 1960, quando o médico duriense cumpriu serviço militar em Porto Amélia como diretor do Hospital Militar e publicado em 1991 em Portugal-Peso da Régua, no "livro de Andanças".

- Comentário de Carlos Lopes Bento no ForEver Pemba 3 em 14/09/2004:
Mais uma faceta das terras de Cabo Delgado, desta vez uma viagem por terra e mar. A narração está bastante próxima da realidade. O administrador "Madragoa" e "Malata" era em 1962 Mário Baptista de Oliveira. Escreveu, então, "Monografia Sobre a Ilha do Ibo", dactilograda, não publicada. Parabéns por mais um trabalho sobre as terras de Cabo Delgado, com a narração de uma viagem entre Porto Amélia e Ibo, por terra e mar. Mezungo m'barabara. Enviado por Carlos Bento em setembro 14, 2004 03:43 PM.

Clique nas imagens para ampliar. Edição de J. L. Gabão para o blogue "ForEver PEMBA". Atualização em Fevereiro de 2013. Permitida a reprodução e/ou distribuição dos artigos/imagens deste blogue só com a citação da origem/autores/créditos.

5/04/10

Retalhos - De Porto Amélia a Pemba: FAROL MARINGANHA


HISTÓRIA DE PORTO ÀMELIA - FAROL MARINGANHA - IV A GENTE E A SOCIEDADE

A população de Pemba é bastante heterogénea, tendo para lá emi­grado do interior os macuas, os ngonis ou mafites e os macondes.

Do litoral, os nguja do Tanganica, os sacalaves do Madagáscar e os mujojos das Comores. A civilização europeia, particularmente a trazida pelos portugueses é também notória, já que ali a colonização assimilou grande parte da população, mesmo a não mista.

Nas regiões circunvizinhas à cidade de Pemba existiam já antes da ocupação pelos portugueses algumas povoações chefiadas por ré­gulos, sendo o principal o sultão Mugabo, seguido de outros como o Said Ali, Mutica, Macesse e o Mugona.

O Governador de Cabo Delgado que, em em 1857 foi incumbido de ocupar a região e aí formar uma colónia, faz especial referência ao "velho" Mutica que, à excepção dos outros, falava ainda a língua portuguesa e muito contribuirá para o sucesso das negociações.

Fortemente swahilizados estes régulos que se expressavam e escre­viam geralmente em árabe, edificaram sociedades semi-feudais cuja autonomia se manteve ao longo dos tempos, até mesmo hoje, con­tinuando a exercer grande influência e poder no seio da população, cujo principal credo é o maometanismo mesclado de antigas tradições fetichistas como em quase todas as regiões da província.

A estas autoridades de relações amigáveis e até mesmo honestas com outros povos em certas alturas, também não lhes faltaram momentos de agitação e saque.

Já em 1843 o cheique Macesse, que chefiava a região actualmente conhecida por Pemba-Metuge, revolta-se contra a submissão aos portugueses, expulsando a companhia militar portuguesa estacionada num navio à entrada da baía de Pemba. Como corolário do desenrolar destes acontecimentos o cheique Macesse devolve a bandeira por­tuguesa às autoridades coloniais nas mãos do ajudante de Arimba, José F. Carrilho e recusando-se a pagar qualquer espécie de tributo.

Salientam-se também as investidas feitas pelos régulos Mugabo, Said Ali e outros contra caravanas europeias no circuito de Quissanga, obrigando-as a uma rota que levaria a mercadoria antes para Porto Amélia.

Se por um lado isto viria a abrir um caminho para o desenvolvimento de Porto Amélia a finais do século XIX, não menos verdade é que o facto veio a onerar bastante o processo de embarque e desembarque da carga já que Quissanga comunicando mais directamente com o "medo" era o principal porto exportador de então para o comércio e tráfico “ajaua-meto”.

A maior parte dos régulos antes da segunda década do nosso século se submetiam, na cintura de Pemba, ao régulo Mugabo, cujas terras confinavam com as da "coroa do medo", estas chefiadas pelo pode­roso maravi Mualia, ora submetido ora sublevado aos portugueses.

O quadro etnológico da população de Pemba remonta-se principal­mente à fusão do grupo macua com castas muani, penetrados res­pectivamente a partir de Murrébue e Quissanga.

Embora de diferentes origens as populações de Pemba se subordi­navam ao régulo Muária também de origem maravi.

O regulado Muária nasce cerca de inícios dos anos de 1880 quando famílias como Heri e Bachir pertencentes ao mesmo clã atingindo a região do medo avançam em direcção ao litoral pela rota Chiúre/ Mecufi/Murrébue.

De acordo com a "rainha" Muamba Omar Ussofo mais conhecida por Nhanicuto e descendente dos Muária, a dinastia se inicia com um tal Heri l na região de Changa (Murrébue) nas terras do régulo Nampuipui.

À morte de Heri l sucede ao trono Heri II que, para não defrontar o régulo Nampuipui que lhe fizera guerra acusando-o de ocupação ilícita das suas terras e compromisso com os portugueses, foge e refugia-se em Pemba na área da Maringanha. Parte do clã seguiu para Quissanga.

O successor de Heri II foi Remane Bachir que viajando para a África do Sul, como era seu hábito levando consigo voluntários (de acordo com a fonte ) que para lá queriam ir viver, foi chamado para assumir o cargo e é nessa altura adoptado o cognome de "Muária" para o regulado que agora começava.

Muitas vezes se fala de Muária como tendo alguma relação de parentesco, de clã ou mesmo qualquer outra com o regulo Muália, o que é negado por Muamba Ussofo, mas pode sobreviver a ideia de auto-identificação com o poderoso e conterrâneo maravi das terras do medo.

Amad Ali, avô do régulo Remane Bachir, descobre a zona de Marindima em Pemba e mobiliza a sua família e a gente de Changa para a habitar, o que veio a acontecer.

No entanto, fugitivos aos ataques dos ngonis, que lançavam as suas investidas com armas de fogo e azagaias a partir do ponto da colina que cai a pique na região de Marindima, bem como pelo facto de ali não haver água potável, a população deixa a zona e vai fixar-se junto às lagoas de Natite.

É então que Remane Bachir manda limpar as áreas de Nuno e Ingonane para ser habitada colocando lá como chefes dois familiares seus, nomeadamente as rainhas Nhanicuto e Nhacoto.

Enquanto isto o régulo Remane Bachir Muária entrega o Wimbi ao chefe Namacoma e a região compreendida entre o Nanhimbe e Maringanha ao seu irmão capitão-mor Tagir Bachir.

Anra Bachir sucede a Remane no regulado Muária e tendo este morrido fica como sucessor o seu sobrinho Fadili Adi, seguindo-se - lhe o seu irmão Anli Mugola.

Durante o reinado de Anli Mugola, este entregou a zona do Cariacó ao chefe Amada Muária, já na década de 60 do nosso século, que ao ser preso pela Pide é substituído por Abdul Latifo Ncuo.

Para além das já citadas rainhas o Paquitequete teve ao longo dos tempos ate à independência de Moçambique outros chefes, no­meadamente Mussa Amad, Pira Anlaue, Said N’Ttondo, entre outros.

Das relações com as autoridades coloniais que, mesmo antes de ocupar a região mandavam anualmente um encarregado de cobrança do imposto, a velha Omar Ossofo relata que quando chegava tal enviado eram içadas três bandeiras portuguesas: uma na praia junto à ponta Romero, a outra à frente da residência do régulo Remane e a terceira no quintal deste.

A população para não pagar o imposto abandonava as suas casas e internava-se mais para o interior e o funcionário da administração colonial em acto de vingança queimava todas as residências, obri­gando a população a construir alpendres provisórios após a sua retirada.

Em língua macua “marapata” significa alpendre ou algo provisório, alcunha que a população deu ao dito funcionário.

Nessa altura a designação de Pemba limitava-se somente a uma pequena área, próximo à ponta Miranembo, onde o governador colonial Jerónimo Romero havia instalado o "Estabelecimento da Baia" e construído um fortim que a população de Muária usou como refúgio nas razias que os sacalaves levaram a cabo.

Embora fora dos parâmetros deste estudo mas para dar uma ideia mais ampla da distribuição territorial do regulado Muária podemos acrescentar que dados de 1970 indicam que o régulo Ntondo, ocupava em Porto Amélia uma área de 1.042 km2 (Paquitequete), seguido do propriamente chamado Muária em Natite com 264 km2, Namacoma no Wimbi com 504 km2, o Piripiri no Gingone chefiando uma área de 8 km2 e o Nansure do Cariacó a Changa com 230 km2. (3)

Considerando por outro lado que os portugueses recrutavam na região do medo os carregadores para as suas caravanas é óbvio que muitos deles em Pemba se foram fixando, o mesmo sucedendo à gente migrada das regiões costeiras.

Os conflitos tribais que sempre existiram entre ambas as etnias (e para um período mais curto também com os macondes) eram compensados pelas trocas comerciais, sobretudo o contrabando e tráfico de toda a espécie.

Apesar de Pemba ser zona costeira, provida de uma enorme baía, muito pouca gente se dedica hoje à pesca, absorvendo o sector pes­queiro apenas cerca de 200 pescadores (dados de 1987) que em suas casquinhas, lanchas e algumas pequenas embarcações fazem não mais que uma produção anual de 150 toneladas de pescado. É também verdade que a intensiva exploração ao longo dos tempos dentro e ao largo da baía, tornaram os recursos marinhos mais escassos.

De marinho típico é, por aquelas bandas, verem-se, nas vazantes das águas com bastante afluxo no período das marés vivas, mulheres, homens e até mesmo crianças de tenra idade ora cercando peixe muidinho com finas malhas ora apanhando conchas ou moluscos comestíveis.

Tão típico é isto quanto o prazer de encontros amigáveis na praia ao nascer e ao pôr do sol, nem que seja sob o pretexto da necessidade de defecar na praia (por tradição), ali se juntam grupos de pessoas em animadas conversas (e quem sabe não mais?) por várias horas.Grande parte da população dedica-se no entanto à pequena indústria artesanal e a outras ocupações liberais e informais bem como ao comércio, não deixando de praticar um pouco de agricultura para subsistência, com especial incidência no milho, mapira, mandioca e mexoeira.

Pemba, este pequeno satélite e entreposto swahili de tempos remo­tos, conserva ainda suas antigas tradições e hábitos assimilados das gentes do Tanganica. A preferência em artigos do mercado oriental e a quase generalização da língua swahili, embora misturado com o idioma macua e a língua portuguesa, é também realidade.

O “Sungura”, dança importada da Tanzânia, diverte todos os dias e durante toda a noite a população dos bairros periféricos.

Dessa gente não há quem falte, pois aliado ao divertimento algum namorisco poderá, eventualmente, acontecer.

Os três ou quatro conjuntos musicais que actuam em simultâneo nos principais bairros de caniço expressam-se em língua swahili. Os dançarinos os acompanham.

O "mini na kissikia swahili" (eu compreendo swahili) liga uns e outros numa libertação e fruição de mais um dia passado.

As comunidades de maior influência árabe-swahili, muito dedicadas ao comércio com a Tanzânia, localizam-se em ambas as extremida­des: Maringanha ao Sul e o Paquitequete ao Norte.

Contava há poucos anos um velho auxiliar de faroleiro uma interes­sante e peculiar história sobre a origem do nome Maringanha já que a explicação nos conduz a um facto de que a gente de Maunhane jamais viria a esquecer: trata-se da construção de poços de água, um dos mitos de mau agouro ameaçador de morte a quem o construísse.

O facto deu-se após o ciclone de 1914 quando, já reconstruída a povoação de Maunhane, o faroleiro Heliodoro José Carrilho inaugura os poços (por ele próprio mandados construir) gritando o lema: “Muringana?”, que em língua local significa "estão completos?" ao que a população respondia em uníssono "Ti ringana”, que nada mais é do que a confirmação.

Será que por popularização como indicava a fonte e deturpação da expressão "mu ringana" viria a resultar Maringanha?

As cartas no entanto designam de ponta "Maunhane" à região e não é de admirar já que localmente a expressão significa "no sítio dos macacos" dado que em tempos parece ter sido ali o local por eles preferido.

Ainda hoje muitas vezes se vêem macaquitos a vaguear pela Ma­ringanha saltitando por entre o sombreiro das casuarinas e coqueiros junto ao farol como que apreciando as centenas de mulheres que na vazante avançam pelo mar em busca de marisco, o "caril" diário.

Trata-se principalmente da apanha de certas conchas com carne comestível mas pouco ou nada comercializável por se tratar quase de um dever tradicional de toda a mulher e suas crianças procurar moluscos e pequenos crustáceos tanto para seu sustento como até por simples ocupação do tempo e desporto.

Para além da pesca artesanal a população da Maringanha dedica-se também à pequena agricultura bem como à fermentação alcoólica do caju. Aqui a amêndoa deste fruto é no geral consumida quer verde quer torrada depois de seca ou mesmo, em ambos os casos, também utilizados na culinária.

Na outra extremidade de Pemba encontramos o Paquitequete que apesar de desenvolver um forte comércio swahili alberga por outro lado famosos artesãos e gastrónomos ensinados no Ibo e trazidos para ali aquando da transferência da sede da administração da Com­panhia do Niassa.

Ourives trabalhando a prata das moedas portugesas antigas e o ouro das libras estrelinas que ainda vão aparecendo, arrancado às relíquias de algumas poucas “sinharas” (senhoras) ainda vivas apesar de velhinhas, que em seus quintais confeccionam para venda famosos doces, compotas, diversos bolos doces e salgados bem ainda como achares de variado tipo.

O Paquitequete está quase separado da cidade por uma lângua que seca quando a maré vaza mas repleta de água na enchente e, nessas ocasiões, não falta “negociozinho” aos miúdos das casquinhas ganhan­do algumas coroas aos que desejem encurtar o caminho caso estejam em ambas as extremidades já que a ponte se situa quase no extremo sul deste enorme bairro.

O nome de Paquitequete provém da expressão "pá hitequete” que significa por um lado "no sítio do hitequete" ou melhor uma planta que cresce toda emaranhada muito comum ali, por outro é aplicada à característica do próprio bairro com casitas todas muito juntinhas umas das outras formando um autêntico emaranhado.

Engloba ele junto ao mar as áreas de Cofungo na ponta Mepira, seguindo-se em direcção à ponta Romero as zonas conhecidas por Nazimogi, Paquitequete propriamente dito, Cumissete e Cuparata. Há a acrescentar ainda uma casta de mestiços do Ibo que se isolou um pouco mais para a costa a seguir a lângua, dando origem ao bairro da Cumilamba que galga um pouco a parte da escarpa Leste da cidade de Pemba.

Enquanto que na Maringanha a ponta é alcantilada e orlada por um recife de coral que cobre e descobre em Mepira ela è baixa e arenosa caindo a costa a pique sobre o mar.

Nas regiões centrais da península localizam-se os bairros semi-urbanizados de Ingonane, próximo à ponta Romero assim como o de Natite e Cariacó mais a sul onde vivem principalmente os novos artesãos, o pequeno operariado local e os potenciais produtores e negociantes de aguardente e outras bebidas tradicionais, tais como os fermentados de cereais ou farelos.

Estes bairros desenvolvem-se a partir da ponta Romero que é baixa e também orlada por recife de coral que cobre e descobre. Tem praias arenosas mas as ondas são no geral bastante violentas. A ponta Romero antes da ocupação pêlos portugueses era conhecida pelo nome Miranembo.

A tradição reza que ainda no tempo em que a região era floresta cerrada, albergando grandes manadas de elefantes certo dia enfurecidos avançam em direcção ao mar e o mais velho (o chefe) que seguia à frente não foi capaz de estancar na ponta o que o levou a precipitar-se por sobre as águas e dai engolido pelas ondas. De súbito os outros elefantes param e aterrorizados tomam rumo oposto fazendo uma retirada para o interior sem nunca mais por ali aparecerem.

Ora, localmente a expressão “umuiria” significa engolido e “nembo” o vocábulo elefante, ou seja o lugar onde foi engolido o elefante. Naturalmente, segundo a lenda, as duas expressões ter-se-iam fundido dando origem à palavra “umuirianembo”, posteriormente, “miranembo”.

Entre o Cariacó e a Maringanha encontram-se o Wimbe e o Nanhimbe (actual bairro Eduardo Mondlane) dedicando-se à agricultura de su­bsistência e à fermentação alcoólica do caju.

Já no cimo da colina podem-se ver, do levante ao poente, os bairros de Chuiba ou "Planalto dos Cajueiros", Gingone e Muxara, pratica­mente cobertos de cajueiros, e são os que mais comercializam a amêndoa do caju e se dedicam à fermentação alcoólica da respectiva maçã bem como à pequena agricultura.

O rochoso baixo de Nacole a 1,5 milhas para Sueste da Ponta Mepira, projecta ao longo das suas praias de Chibabuara onde, do ponto mais alto da cidade, a colina se faz cair abruptamente.

Outrora um esconderijo de larápios por possuir densa floresta, hoje a sua população é essencialmente constituída por pescadores que, apesar dos rumores de existência de um polvo gigante ali mesmo na baía, essa gente continua fazendo alguma pescaria sem qualquer receio.

No centro da península onde está instalada a cidade de Pemba, ergue-se a zona de cimento desde a Baixa ou "Cidade Velha" junto à qual foram construídas as primeiras casas de alvenaria por facilidades de acesso ao porto, estancando numa planície provida do melhor parque habitacional.

É também nesta zona onde se encontram o Governo e serviços públicos diversos, combinados com uma cadeia de estabelecimentos comerciais bem como um parque infantil onde funciona também uma creche.

O actual porto e ponte cais de Pemba na baixa estão localizados na região meridional da baía a 5 amarras para Sueste da ponta Mepira, com fundo de lodo. O fundeadouro pode alcançar-se a pouco mais de 80 metros, onde se encontra o molhe cais, dado que os fundos se aproximam bastante da terra.

Existem no porto diversas instalações para armazenamento de cargas e para serviços marítimos e aduaneiros. Está também apetrechado com um sistema para a contenção de combustíveis que, através de uma conduta de cerca de um quilómetro, são despejados para os depósitos da Petromoc próximos à povoação de Chibabuara.
- Do Livro "Pemba e sua Gente" de Luis Alvarinho.
EXTRAS - O FAROL DA MARINGANHA

Pudesse eu ligar para (289)824983 ou ir pessoalmente localizar a Rua Actor Nascimento Fernandes, lá para as bandas de Faro, Algarve, na terra de Camões, encontrar Maria dos Anjos Martins e conversarmos hoje sobre o Farol da Maringanha.

Não é por nada. É que no livro que me ofereceu, com o nome Pemba, de contos lusófonos, em retribuição ao meu “Caso de Montepuez”, ela me pôe muito pensativo quando na página 81 fala do faroleiro que sempre guarnecia aquele farol em tempos de sua juventude.

Apresentando-se com o pseudônimo, Angie Paraízo, a nossa escritora, que é natural de Cabo Delgado, apresenta um faroleiro que ficava horas a fio, sentado nos primeiros degraus do farol esperando ver os tentáculos do polvo gigante que emergia silencioso e rápido do fundo das águas do mar. Passava as tardes à espera do seu único amigo, a sua única visita, apesar de saber que ele só vinha ao pôr-do-sol. O velho faroleiro gretado pelo vento e pelo sol, cofió na cabeça de cabelos brancos, pés descalços, olhar perscrutando o mar até ao limite do horizonte.

Ás vezes, conforme Angie Paraízo, o polvo surpreendia o coitado do velho faroleiro, elevando os grandes tentáculos acima do nível do mar, deixando-os deslizar pelas paredes escuras do farol para em seguida rodopiar em espiral provocando agitação nas águas. O velho sorria e agradecia. Estamos perante um maringanha morto e monótono.
:: Júlio Gabão, Jaime L. Gabão e o saudoso Rodrigo Carrilho ::

O que gostaria então de dizer a minha amiga luso-moçambicana, é que no mesmo sítio, estou a dizer, no farol da Maringanha, já não há nada que justifique a solidão de que sofreu o faroleiro. O bairro da Maringanha não tem hipótese de ficar isolado, não há lugar para ser apenas o polvo a brincadeira do faroleiro e não só.Maringanha fica hoje alguns quilómetros mais perto da cidade de Pemba, porque a engenhosidade de mentes particularmente empresariais permitiu queo farol seja não só aquele dispositivo sinaleiro, mas também o nome de um complexo turístico-cultural, enfim, lugar para todo o tipo de lazer, que Pemba há muito precisava.

Aliás, não há mato a partir da praia do Wimbe, a pouco e pouco foram aparecendo lugares de restauro e brincadeiras adultas, sendo que a seguir vem a “Aquilla Romana”, depois temos a sempre trabalhadora Célia, o campismo, etç., etç., salta-se um pouco para permitir que um pequeno bosque ainda continue a viver por razões humanas. É que lá está o cemitério dos hindus, é lá onde se queimam, depois do que estamos no complexo “O Farol”.

É Albertino Cuomo, o cabo-verdiano que agora (há duas semanas) fez o destino obrigatório dos que sabem descansar, claro, com certas posses.

Houve tempos em que aos fins-de-semana tínhamos pessoas a irem a Nampula para se deleitarem com os ambientes quentes do “Xitende” ou “Monteiro Splays” ou ainda nas Quintas Nasa, do Galo e muito recentemente no complexo “O Bambo”. Noutros tempos a gente dirigia-se a Montepuez para usufruir do que “Zavala” proporcionava, hoje não.

Pudesse eu convidar a minha amiga Angie Paraízo para, com ela, com a sua idade, ficar pelo menos trinta minutos no “Farol”, depois iríamos pela costa até noutro complexo pertencente a Chabane Combo, só para ver que o espaço está sendo ocupado, por isso a solidão do faroleiro não mais voltará, pelo menos em Maringanha.
PS - Em tempo: Estiveram cá os “Massucos” do Niassa, para confirmarem que são na verdade os mais-mais da atualidade. Há muito que Pemba precisava de espetáculos de luxo, fora da cassete que se traz e se imita burlando deste modo o público que muito respeito merece. Ficou de parabéns Narciso Gabriel e o seu restaurante Wimbe que trouxeram os “Massucos”, agora traga-nos os “Eyuphuros” e verá.
- Pedro Nacuo - Notícias de 27/09/2002-Texto cedido por Anvar e Inez Andrade Paes.

(Transferência de arquivos do sitio "Pemba" que será desativado em breve)