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11/28/08

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento, parte 2.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.

O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações e continuamos daqui:
PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(Antropólogo e professor universitário)



Continuando...

FORTIM DE SÃO JOSÉ

As autoridades de Moçambique e da Índia, a partir do primeiro quartel do século XVIII, face ao constante aumento de interesse dos Franceses e Ingleses por Moçambique, excelente território para o fornecimento, em condições vantajosas, de escravos, começaram a preocupar-se, seriamente, com as Ilhas de Querimba ou de Cabo Delgado e com a sua defesa, uma vez que estava em jogo a segurança a Moçambique, da capital da Capitania Geral e demais portos da sua jurisdição.

Com o desenvolvimento do tráfico de escravos e consequente aumento do comércio clandestino, as autoridades portuguesas, sem meios de acção, foram perdendo prestígio e capacidade para gerir uma situação cada vez mais complexa e difícil de controlar.

As Ilhas que, até então, tinham constituído uma eficaz e firme barreira, pelo norte, do restante território sob o domínio português, encontravam-se, nos meados daquele século XVIII, sem qualquer fortificação digna desse nome e "em tais termos que é providência grande de Deus não se ter inserido nelas alguma nação estrangeira, mui, especialmente, naquelas que ficam mais a norte, vizinhas de Cabo Delgado, por lá não residir homem branco algum e aqueles cafres serem de condição de amigos de novidade ... ."(1)

Receava-se a perda das Ilhas de Cabo Delgado e, com a sua queda, de todo o território moçambicano. Para ultrapassar esta fase crítica, o Governo da Índia fizera saber a Lisboa da conveniência de "fortificar-se alguma das Ilhas para ao menos se arvorar uma bandeira da nação, porque de não a haver, tomam os Franceses pretexto para entrar nelas".

As suas condições eco-geográficas limitariam essa escolha, pois, nem todas poderiam "ser fortificadas por não haver nelas portos capazes de ancorarem navios e somente na Ilha do Ibo há uma grande baía de fundo para todo o lote de naus e junto a ela uma coroa de areia capaz de fortificação, a qual se deve erigir e por nela um capitão-mor com guarnição (...), porque doutra sorte se virão a perder e por ali entrava primeiro a ruína desta conquista toda". Reconhecia-se a importância e a necessidade urgente de uma obra de defesa, indispensável para proteger a barra do Ibo, manter o respeito dos habitantes ao seu Governador, conter "os diferentes régulos da terra firme com que avizinham, de cujo comércio dependem inteiramente as mesmas Ilhas". Mas mais do que essa obra, procurava implantar-se novos símbolos que aos olhos das populações locais, submetidas ou não, e dos estrangeiros, demonstrassem mais poder, autoridade e força.

Os levantamentos prévios da área pareciam apontar para a escolha da ilha do Ibo, que era aquela que oferecia melhores condições para a implantação de uma fortaleza.

Por influências de moradores locais ou por outras razões, para as quais, por agora, não se encontram explicação, optou-se pela ilha de Matemo, que com as ilhas do Ibo e Querimba forma uma enseada e um surgidouro, sendo o mais capaz e mais seguro o situado "entre a Ilha do Ibo e a terra firme, porquanto todo o fundo é limpo de pedra e consiste o fundo de areia e erva."(2)
As Instruções de 21 de Julho de 1753, provenientes de Moçambique não deixavam quaisquer dúvidas, ao determinarem que na parte sul da ilha de Matemo deveria ser erigida "uma fortificação no melhor terreno e paragem que achar para defender a entrada da barra", sendo suficiente que dispusesse de "uma bateria sobre o canal, que o defenda, capaz de sete ou oito canhões e algum fogo nos lados quanto baste a fazê-la defensável e com a capacidade de ter dentro dos quartéis, para água da guarnição(...) cisterna ou poço de que beba"(3). Para as Ilhas e segundo as mesmas Instruções, foi mandado, expressamente, um Capitão Engenheiro com a missão de examinar:
  • 1- O local mais vantajoso para a nova fortificação;
  • 2- Se no mesmo local existia pedra para a construção e da qual também se pudesse fazer cal, de modo a evitar as despesas de transporte de Moçambique e, igualmente, se havia lenha perto para os fornos de cal;
  • 3- Da existência de ostras na marinha próxima ou de pedra do mar, que localmente é designada por momba de que se faz a melhor cal, devendo na recolha de informação para além de ver, ouvir as pessoas práticas das Ilhas e o Juiz delas;

  1. A.H.U., Doc. Av. Moç. Cx. 6, Doc. 14, Carta do Cap. Gen. para o Reino, de 11/10/1745.


  2. B.N., Códice 617, cit., fls. 13v. O Capitão da Fragata levava ordens expressas para fazer "certa diligência nas Ilhas de Querimba" e para esse efeito se chegaram "para elas para melhor as conhecer". É bem provável que esse reconhecimento estivesse ligado à construção da futura fortificação.


  3. A.H.U., Códice 1310, que contém as Instruções para o Levantamento da Fortaleza da Matemo, de 21/7/1753, dadas ao Cap. Engº António José de Melo, fls. 6, e Carta de 22/7/1753, do Cap. Gen. para o Cap. das Ilhas.

  • 4- O fundo existente entre os canais que separam as diferentes ilhas, elaborando um Mapa de todas elas em que esteja desenhada a fortificação projectada na ilha de Matemo, como também de toda a costa que corre até Moçambique.
Deveria ainda o mesmo oficial elaborar o orçamento das despesas previstas para pessoal, material e fretes, fornecendo indicações sobre o número de oficiais e serventes necessários e o tempo julgado indispensável para a conclusão da obra.
No iate que transportou às Ilhas o dito Capitão Engenheiro e os seus colaboradores, seguiriam, a fazer de lastro, "vinte pipas de cal e vinte milhares de tijolo, a maior parte quebrado" e ainda alavancas, enxadas e picaretas, destinadas a principiar a construção da fortaleza que foram dados à guarda do único português morador na ilha de Matemo.
Antes do início das obras, previsto para Outubro de 1753, com a ajuda de oficiais vindos de Moçambique, havia que preparar, localmente, grande quantidade de cal que seria paga a seis cruzados o moio. Os habitantes das ilhas de Matemo e da Querimba foram convidados a manufacturar 500 moios de cal (chunambo), que seriam pagos em panos.
Tratava-se de uma construção dispendiosa para as débeis disponibilidades financeiras da Fazenda Real, apenas possível, com a ajuda dos foreiros e demais autoridades auxiliares e respectivas escravaturas.
As dificuldades financeiras porque passavam os senhores das Ilhas e algumas daquelas autoridades, especialmente, as cristãs, levou o Capitão General a estender o seu pedido de auxílio à comunidade islâmica, considerada mais obreira e próspera, mas nem sempre colaborante com os detentores do poder colonial.
Os trabalhos topográficos e hidrográficos executados na área levaram à conclusão de que a "fortaleza deve fazer-se na ilha do Ibo porque fica mais próxima ao canal do que a de Matemo" (1), que não tem barra capaz.
A este contratempo outros se iriam somar, que seriam responsáveis pelo atraso no início das obras. Apesar de facilitadas, pela existência próxima de pedra, tanto para as fundações e paredes como para o fabrico de cal, elas não arrancariam pelo facto de não haver oficiais em Moçambique e os 20 recrutados em Damão e Diutardarem a chegar.
O atraso constatado no começo do forte viria a ser aproveitado politicamente para denegrir a acção governativa de um Capitão Generalque era acusado e responsabilizado por algumas desordens provocadas por um mouro da ilha de Querimba, apenas possíveis por não estar construída a fortificação, que, aliás, o mesmo Capitão General achava indispensável para evitar o ingresso de navios estrangeiros nas ditas Ilhas.
Mas as coisas em vez de se tornarem fáceis complicavam-se. O Conselho Ultramarino solicitava a Moçambique, em 23/5/1758, Parecer sobre as fortificações levantadas e por levantar nos portos da costa de Moçambique. Em resposta o Capitão General, no que respeitava às Ilhas de Querimba, prestava uma informação que parecia contrariar todas as expectativas até então existentes. Pura e simplesmente manifestava a opinião "de que na Ilha do Ibo, cuja barra é capaz de nela entrar toda a sorte de embarcações (...) não deve haver fortificação". Como fundamento para a sua argumentação apontava como principais causas:

  • a falta de verbas para suportar as despesas necessárias e não ser possível recorrer-se a empréstimos indispensáveis para as despesas ordinárias, por não haver, baneanes ou moradores, que os possam ou queiram fazer a El-Rei de Portugal;


  • a escassez de efectivos militares para a defesa de qualquer ofensiva do inimigo e a impossibilidade de ser socorrida, com êxito, de Moçambique, devido à distância e aos ventos, por vezes, contrários, levariam a sua queda, dando-se assim ao adversário uma "casa segura" à custa de erário público;


  • a sua queda viria a ser a ruína do resto do território por a praça de Moçambique passar a ter por vizinho um poderoso inimigo que não se limitaria ao domínio das Ilhas mas intentaria alargá-lo a horizontes mais vastos;


  • e, finalmente, a posse das Ilhas por qualquer nação europeia, representaria a perda do comércio dos Yao(2).


  1. Idem, Doc. Av. Moç. Cx. 8, Doc. 41, Carta de 20/11/1753, do Cap. Gen. para a Corte. Junto com esta Carta remete-se uma planta cartografada das Ilhas e uma planta onde está desenhada a Fortificação a fazer no Ibo, que não se encontrou; Ver também Cartas de 21/11/1753, Cx. 8, Doc. 44 e de 27/12/1753, Cx. 9, Doc. 18.


  2. Idem, Ibid, Cx. 15, Doc. 63, Carta de 30/12/1758,cit . do Cap. Gen. para Lisboa e também no Arquivo das Colónias, Vol. IV, 1919, fls. 76 e 77. O Parecer do Cap. Gen. mereceu a concordância de El-Rei de Portugal (Carta de 13/8/1760, do Cap. Gen. para Cap. das Ilhas, Cx. 18, Doc. 56).

- Continua em próximo post...

Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo - Imprecisões comentadas pelo Dr. Carlos Lopes Bento.

O ForEver Pemba vem publicando há algum tempo com muita satisfação, tentando contribuir para que a verdadeira História de Moçambique seja conhecida com isenção e limpa de cores políticas inconvenientes ou parciais, dividido em post's periódicos, trabalho do Capitão-Tenente da Marinha Portuguesa Adelino Rodrigues da Costa escrito em seu livro "As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique", edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa.
O último post de 13/11/08, "Retalhos da História de Cabo Delgado: A Ilha do Ibo." mereceu por parte do Dr. Carlos Lopes Bento, antropólogo e prof. universitário, profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas além de Amigo e colaborador deste blogue radicado em Lisboa, o seguinte complemento que visa somar informações:

PARA A HISTÓRIA DAS FORTIFICAÇÕES DE CABO DELGADO, MOÇAMBIQUE
Por Carlos Lopes Bento(1)

.
Pela leitura da obra do sr. comandante Adelino Rodrigues da Costa sobre “As Ilhas de Quirimba”, que tem vindo a ser publicada em http://foreverpemba.blogspot.com/, na parte respeitante à Ilha do Ibo e às fortificações nela edificadas pelos Portugueses, verifico existirem algumas imprecisões, devidas, segundo julgo, à limitação e à natureza das fontes utilizadas. Parte do seu texto:

“Gaspar Ferreira Reymão que em princípios do século XVII invernou na ilha do Ibo na sua viagem para a Indía, refere que a ilha tem "uma fortaleza, cercada bastante para se defender dos cafres, que às vezes passam de guerra de baixa mar a pé as ilhas, com muito bom aposento de casas de pedra e cal, capazes para se aposentar nelas a pessoa de um Vice-rei, como esteve Rui Lourenço de Távora com toda a sua casa".(43)... ...

Quando em 1752 a reforma pombalina decretou uma nova organização para os territórios ultramarinos portugueses, Moçambique autonomizou-se e foi separado do governo de Goa, passando a ser governado por Francisco de Mello e Castro que, de acordo com as instruções recebidas de Lisboa, determinou que a fortaleza existente no Ibo fosse substituída por uma outra, numa tentativa de levar as posições territoriais portuguesas mais para o Norte.
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A nova fortificação foi construída em 1754 e foi baptizada como Forte de S. João Baptista mas, em 1791, foi reconstruída e reforçada na ponta NW da ilha, tendo a forma de uma estrela com muralhas de 16 pés e sem fosso. A protecção da ilha foi ainda assegurada por dois fortins: o fortim de S. José, localizado a SW da ilha e que era artilhado com 9 peças e o fortim de S. António, situado a SE da ilha e que era artilhado com 6 peças.(45)
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Com esta proteção fortificada, a ilha do Ibo ficou mais ligada aos interesses portugueses, garantiu alguma autonomia em relação à influência mercantil e cultural árabe, conseguiu resistir às tentativas francesas e holandesas para dela se apossarem e, também, aos assaltos dos sakalavares de Madagáscar que tinham começado a fazer incursões e assaltos naquela área.”
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Para que os leitores não fiquem com um conhecimento incompleto sobre tal temática, entendi divulgar alguns dados, por mim recolhidos nas pesquisas realizadas sobre os locais fortificados em Cabo Delgado, Moçambique(2) aliás, muitos deles já publicados, dando especial relevo aos edificados pelos Portugueses, no tempo da sua administração colonial. Os factos:

Para assegurarem o seu domínio e manterem uma rota marítima livre de inimigos por onde a sua frota pudesse circular com segurança, os novos ocupantes e senhores do Indico conceberam um plano estratégico e táctico, em que desempenharam papel destacado as fortalezas. Estes baluartes constituíam padrões de soberania cuja missão principal era defender tanto os portos de comércio como a penetração comercial e militar nalguns pontos do interior que, em Moçambique, se processou, numa primeira fase, ao longo do curso do rio Zambeze.

As Ilhas pela sua posição geo-estratégica em relação à ilha de Moçambique e às ilhas situadas a norte de Cabo Delgado e pela importância do seu comércio com as terras adjacentes de Montepuez e do Nyassa, cedo mereceram a atenção dos Portugueses, que nelas construíram locais de defesa adequados. É de admitir, segundo os vestígios existentes nas ilhas de Quisiva, Macaloé, Amisa e alguns locais das terras firmes próximas de Cabo Delgado(3), que muitas delas tivessem sido, anteriormente, fortificadas por Árabes e Suaílis. O seu aproveitamento pelas recém-chegadas autoridades coloniais...


  1. Antropólogo e prof .universitário.
  2. Para uma leitura completa sobre esta temática consultar em http://br.geocities.com/quirimbaspemba/capaeindice.htm, cap. VIII. Aí poderão ser encontradas todas as fontes utilizadas, não publicadas neste pequeno trabalho de divulgação, por razões óbvias.
  3. Ver: VERIN, Pierre - "Observations Preliminaires sur Mozambique", In Azania, Vol. V, 1970; MONTEIRO, Fernando Amaro, "Vestiges Archeólogiques du Cap. Delgado e de Mozambique", In Taloha 3, 1970; e GALVÃO, Henrique, Império Ultramarino Português - Monografia do Império, Lisboa, 1953, p. 24.
...portuguesas seria pouco provável visto as Ilhas ficarem arrasadas "quando as foram conquistando e tomadas (...) aos Mouros".(1)
Após a sua reconquista, no 1º quartel do século XVI, os novos senhores e foreiros, para sua defesa, viram-se na necessidade de construir habitações funcionalmente adequadas para o efeito, de que falam as descrições, desse tempo, chegadas até aos nossos dias.
As primeiras referências sobre a existência de fortificações nas Ilhas surgiriam com António Bocarro e Frei João dos Santos. Este frade dominicano, observador atento das realidades do seu tempo, assegura existir na ilha de Querimba "uma fortaleza cercada, em que mora o senhor da ilha e dono da mesma fortaleza", informação confirmada anos mais tarde por Gaspar Reimão, piloto da carreira da Índia que também esteve nas Ilhas. No seu Diário de Navegação consta:
... quanto aos sinais para identificação da Ilha de Querimba (...) é a 4ª ilha e descobrirdes a ponta da banda norte, vereis um arvoredo alto (...) e ao longo dele há uma praia, que é de areia muito alva e vereis casas grandes que é uma fortaleza e a casa de Santo António.(2)
Ainda em 1744, era feita referência à "ponta do forte da Ilha de Querimba"(3). Como as indicações um pouco anteriores a esta data, todas elas apontam para a não existência de qualquer fortificação nas Ilhas, será de admitir que tal alusão pretenderia querer significar haver ainda habitações como locais de defesa, facto que não será de excluir, uma vez que a Querimba continuava a ser a capital das outras ou então, apenas, desejaria mencionar a parte norte desta Ilha, assim denominada em recordação da localização passada das mesmas habitações. Quanto à ilha do Ibo, Gaspar Reimão não deixa dúvidas quando escreveu: "... Ficam aqui as naus da terra perto da fortaleza e da povoação"(4).
António Bocarro também o atestaria depois, quando na sua obra indicou ter esta ilha a "sua fortaleza com falcões que não mais é que uma casa de sobrado, de pedra e cal, que fez o dito senhorio."(5). Documento da mesma data e dela próxima, de autor anónimo, refere que a mesma Ilha "tem senhorio (...) e fortificação" que se destina a defendê-la "da terra firme que lhe fica perto com vau"(6). De salientar ainda a nota deixada numa carta, por um cartógrafo, segundo a qual o "Oybo tem boa barra e fortaleza"(7).
A norte da ilha do Ibo, o senhorio da Ilha de Macaloé construiu "nela uma casa de pedra e cal assobradada que lhe serve de forte"(8). Testemunhos, dos meados do século XVIII, referem ter existido, naquela Ilha, "uma fortaleza quadrangular, em forma de paralelogramo quase prolongado, com quatro baluartes de pedra e cal, parte da qual que cai para a praia com dois baluartes estava em ruína não há muitos anos e a que olha para terra em muitas partes demolida do tempo."(9)
Mais a norte dá-se como existente, no século XVI, uma fortaleza em Cabo Delgado Palma Velho desenhou-a na sua Carta Corográfica.Perante estas evidências factuais pode avançar-se com a explicação de que nos séculos XVI, XVII e parte do XVIII, os locais fortificados existentes nas ilhas, onde residiam os seus foreiros, então homens poderosos, eram casas assobradadas com falcões, construídas a pedra e cal, que para além de residência, serviriam também de igreja, de local de defesa e até de prisão. Ainda nos finais do século XVIII, as coisas se passavam, um pouco dessa maneira, na jurisdição da Amisa. Os seus principais...


  1. SANTOS, João dos, Etiopia Oriental, Vol. I, p. 274.


  2. REIMÃO, Gaspar, Roteiro da Navegação e Carreiras da Índia, com os seus Caminhos, e Derrotas, Sinais ... (25/3/1600),., fls. 12v.


  3. B. N., Códice 617, "Livro de Bordo da Fragata Nossa Senhora da Oliveira, na sua viagem de Goa para Moçambique", Diário de 19/3/1744, fls. 13v.


  4. REIMÃO, Gaspar, op. cit., fls. 17v.


  5. BOCARRO, António, Fortalezas Portuguesas ..., fls. 12v. Assinalada na carta de Palma Velho.


  6. B. N., Códice 29, cit., fls. 7.


  7. REIS, André Pereira dos, "A Costa Africana de Moçambique às Ilhas de Querimba", Carta de 1654, In Portugalia e Monumenta Cartográfica, cit., Vol. V, Estampa 542A.


  8. BOCARRO, António, op. cit., fls. 12v.


  9. ANONIMO, Notícia acerca da África Oriental Portuguesa. B. N., Reservados, X-2-10, Cx. 16, nº 58, c. 1758. Com pequenas alterações o mesmo texto encontra-se em Notícias dos Domínios Portugueses na Costa Oriental de África de Inácio Caetano Xavier, p. 150. Segundo Alexandre Lobato a elaboração da dita Notícia terá pertencido a Morais Pereira e teria sido escrita em 1758.

...moradores para se prevenirem dos ataques, nocturnos e diurnos, que os povos das terras firmes lhe costumavam fazer, fortificavam-se nas respectivas residências.
As casas fortaleza utilizadas, com o decorrer do tempo e à medida que se intensificava o tráfico de escravos e o número dos seus praticantes, tornaram-se incapazes de cumprir a sua missão de defesa, pelo que foi necessário a construção de locais fortificados próprios.
Sobre as três fortificações erigidas na ilha do Ibo, nos séculos XVII e XVIII e que chegaram aos nossos dias, Fortim de S. José, Fortaleza de S. João Baptista e Reduto de Santo António, alguns dados essenciais:
(clique na imagem para ampliar)
- Continua em próximo post...

11/13/08

Retalhos da História de Cabo Delgado - A ILHA DO IBO.

Dedico este post a meu muito prezado e querido Amigo António Baptista Carrilho.

Situada próximo da ilha Quirimba e com fácil ligação com ela, a ilha do Ibo tem cerca de 10 km de comprimento e cerca de 7 km de largura, sendo muito plana e arborizada.

Na sua parte norte localiza-se a vila do Ibo, o mais importante agregado populacional do arquipélago das Quirimbas.

Gaspar Ferreira Reymão que em princípios do século XVII invernou na ilha do Ibo na sua viagem para a Indía, refere que a ilha tem "uma fortaleza, cercada bastante para se defender dos cafres, que às vezes passam de guerra de baixa mar a pé as ilhas, com muito bom aposento de casas de pedra e cal, capazes para se aposentar nelas a pessoa de um Vice-rei, como esteve Rui Lourenço de Távora com toda a sua casa".(43)

Mais tarde, no ano de 1644, o "regimento e roteiro para virem de Portugal embarcações em direitura à ilha de Ceilão", recomenda que as embarcações "virão a Moçambique refrescar-se, ou ao Ibo, que é melhor, e tem mais água naquele porto, de onde partirão para a Índia nos primeiros dias de Agosto".(44)

Porém, em meados do séc. XVII, apesar de ter "bom aposento de casas de pedra e cal" e de ter "mais água" no seu porto, a ilha do Ibo entrou em acentuada decadência, como de resto aconteceu com as restantes ilhas do arquipélago, num processo em que se conjugaram muitos factores, que correspondem a um duplo abandono: o abandono dos residentes que inseguros e indefesos fugiam das frequentes incursões dos árabes de Zanzibar e Mombaça, mas também o abandono dos portugueses que deixaram de frequentar a região quando alteraram as suas rotas da carreira da Índia para evitarem a hostilidade holandesa no mar.

Adicionalmente, a partir da mesma época, o interesse português estava centrado no Brasil e todas as possessões portuguesas do Índico estiveram sujeitas a um certo tipo de isolamento ou mesmo de abandono.

No entanto, em meados do sé. XVIII, quando o comércio de escravos se tornou uma prática corrente na costa oriental africana, a ilha do Ibo prosperou rapidamente como um dos mais importantes elos dessa lucrativa cadeia dominada pelos mercadores árabes. A hidrografia da região proporcionava boas condições de acesso ao litoral e as ilhas vizinhas garantiam abrigos e fundeadouros seguros e discretos aos traficantes.

A povoação do Ibo cresceu com esse comércio intenso e surgiram novas actividades e novos edifícios, enquanto a sociedade local, que até então era predominantemente macua, foi acrescentada com elementos árabes e indianos, mas também com muitos mestiços e, em menor grau, com portugueses.

Quando em 1752 a reforma pombalina decretou uma nova organização para os territórios ultramarinos portugueses, Moçambique autonomizou-se e foi separado do governo de Goa, passando a ser governado por Francisco de Mello e Castro que, de acordo com as instruções recebidas de Lisboa, determinou que a fortaleza existente no Ibo fosse substituída por uma outra, numa tentativa de levar as posições territoriais portuguesas mais para o Norte.

A nova fortificação foi construída em 1754 e foi baptizada como Forte de S. João Baptista mas, em 1791, foi reconstruida e reforçada na ponta NW da ilha, tendo a forma de uma estrela com muralhas de 16 pés e sem fosso. A protecção da ilha foi ainda assegurada por dois fortins: o fortim de S. José, localizado a SW da ilha e que era artilhado com 9 peças e o fortim de S. António, situado a SE da ilha e que era artilhado com 6 peças.(45)

Com esta proteção fortificada, a ilha do Ibo ficou mais ligada aos interesses portugueses, garantiu alguma autonimia em relação à influência mercantil e cultural árabe, conseguiu resistir às tentativas francesas e holandesas para dela se apossarem e, também, aos assaltos dos sakalavares de Madagáscar que tinham começado a fazer incursões e assaltos naquela área.

No entanto, a autoridade portuguesa do Ibo parece não ter sido suficientemente interessada e eficaz na repressão da escravatura, que terá sido muito importante naquela área até quase ao final do século XIX.

*43 - Gaspar Ferreira Reymão, Op. cit., p. 32.
*44 - Alberto Iria, Op. cit., p. 102.
*45 - Leotte do Rego, Op. cit., p. 89.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.

O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

- Do mesmo autor neste blogue:


  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!


  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!


  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de Mocimboa da Praia - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 1 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 2 - Aqui!


  • Retalhos da História de CABO DELGADO - Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas - Parte 3 - Aqui!

- Outros post's deste blogue que falam do Ibo e região, com textos e documentos do também historiador e profundo conhecedor do Arquipélago das Quirimbas e de Moçambique, Dr. Carlos Lopes Bento - Aqui e aqui!
- Em breve neste blogue:

  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

10/09/08

HÁ 150 ANOS TUFÃO CAUSA TERROR, CONFUSÃO E ANGÚSTIA NA CAPITAL DE MOÇAMBIQUE E TERRAS FIRMES - Parte 2.

- Por Carlos Lopes Bento - Prof. Universitário e antropólogo.
Continuação daqui!

O tufão em Moçambique.

A Cidade de Moçambique acaba de presenciar e sofrer uma das maiores calamidades por que poderia passar.
Como se não bastasse a progressiva decadência que há muitas dezenas de anos tem cabido em sorte a esta Província, digna, por certo, de melhor destino, a Providência permitiu que, nos dias passados, caísse sobre ela um furioso temporal que arruinou, por muito tempo, uma boa parte da sua navegação e comércio; destruiu em larga escala a já de si diminuta agricultura da terra firme, de cujos produtos se alimenta a população da Cidade.
De 14 navios, que se achavam fundeados no porto, apenas escaparam do temporal, e se mantiveram seguros nas suas amarrações, a Barca. Adamastor, a Barca francesa, Charles y George e o Brigue Amizade.
Os demais, parte soçobraram abertos em água, parte foram arrojados às praias pela violência do mar e do vento, uns com ruína total, outros com avaria notável.
Acresce mais a esta desgraça que nem os lucros do abatido comércio animam os armadores às despesas do reparo de suas embarcações, nem Moçambique possui infelizmente um arsenal provido do necessário para acudir de pronto a desastres desta ordem. Dá-se ainda uma outra circunstância que agrava este grande mal. Parte dos navios surtos no porto, estavam próximos a seguir para os portos do sul da Província com os efeitos do comércio trazidos do norte. Haverá portanto dificuldade de abastecer os mercados do sul com os artigos que ali são pedidos, os quais, tendo de ficar detidos na Alfândega da Capital, perderam a oportunidade de boa venda, e serão depreciados, porque a Cidade não oferece proporções de bastante consumo.
Muitas vidas se perderam também neste desgraçado acontecimento; milhares de palmeiras e outras arvores foram arrancadas e arrojadas a larga distância; os campos ficaram talados e as sementeiras e plantações de arbustos inteiramente destruídos nestas vizinhanças, o que há-de, necessariamente, ter decidida influência na subsistência pública deste Distrito.
Havia 8 dias que o mau tempo se tinha anunciado por copiosas chuvas, que levaram a ruína a muitas habitações da Cidade e do Continente, porém, na madrugada do 1º de Abril, o vento declarou-se pelo sudoeste, e foi crescendo com impetuosa fúria durante o dia inteiro até ás 9 horas e meia da noite.
Começou então a abonançar: às 11 o mar caiu de repente, o vento tornou-se perfeitamente calmo e atmosfera mostrava a mais serena aparência.
Mentirosa ilusão!...
O barómetro marítimo tinha indicado com antecedência que um grande temporal ia ter lugar e desceu, progressivamente, até ás 11 horas, a 28 polegadas e 74 centésimos.
Tendo o vento e mar cessado a esta hora, era de esperar que esta circunstância coincidisse com a subida do barómetro; não sucedeu porém assim; pelo contrário continuou a descer até 28 polegadas e 70 centésimos, o que na verdade era de muito mau agouro. E com efeito logo depois o vento saltou a noroeste com mais irosa fúria e com maior estrago.
De sorte que, em quanto o temporal corria desfeito do quadrante do sudoeste, ia arremessando as embarcações ao litoral da Cabaceira, e aluindo as árvores do Continente e depois de saltar ao noroeste arrojava às praias do norte da Cidade os navios e embarcações miúdas que tinham de ser parte desta horrorosa destruição e abatia no Continente o arvoredo, que não poude resistir a tanta violência.
O temporal continuou com força no dia 2; porém, do meio-dia em diante, foi declinando; e a vagarosa subida do barómetro deu sinal de que o mau tempo ia cessar. E na verdade assim aconteceu. O vento rondou, finalmente, no dia 3 para o nordeste: que é este o remate dos tufões ou monomocaias, nestas paragens.
O porto de Moçambique é muito exposto a estes reveses por ser completamente desabrigado, e de mau fundo. E não há meio algum eficaz de pôr termo a tão ruinosas perdas causadas pelos tufões, senão transferindo a sede do Governo-Geral para as margens da baía da Condúcia, onde o comércio achará um bom porto e a desejada segurança e a agricultura do continente maior desenvolvimento e importância.
(Comunicado)”
- Fonte: B.O. nº 14 de 3.3.1858, p.57-59.

O texto transcrito, que deverá constituir um alerta para as Autoridades Moçambicanas, mostra bem as dificuldades que há em controlar fenómenos da Natureza desta índole, em que os meios, por mais sofisticados e abundantes que sejam, serão sempre insuficientes para defender as comunidades humanas e seus bens.
- Almada, 8 de Outubro de 2008, Carlos Lopes Bento.

  • O Autor: Dr. Carlos Lopes Bento - Antigo administrador colonial. Foi presidente da Câmara Municipal do Ibo, entre 1969 e 1972 e administrador do concelho de Pemba entre 1972 e 1974. Antropólogo e prof. universitário é um dedicado amigo das históricas Ilhas de Querimba que continua a investigar, de maneira sistemática, e a divulgar as suas inquestionáveis belezas. É Director da Sociedade de Geografia de Lisboa.
  • Demais posts deste blogue onde se encontram trabalhos do Dr. Carlos Lopes Bento - aqui e aqui.

10/08/08

HÁ 150 ANOS TUFÃO CAUSA TERROR, CONFUSÃO E ANGÚSTIA NA CAPITAL DE MOÇAMBIQUE E TERRAS FIRMES - Parte 1.

- Por Carlos Lopes Bento - Prof. Universitário e antropólogo.
Almada, 8 de Outubro de 2008 - No dia em que se comemora o “Dia Internacional das Calamidades” e, em Moçambique, se vão realizar em 42 dos seus distritos exercícios de simulação para testar o nível de prontidão do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades, achei oportuno e pertinente lembrar o dia 1 de Abril de 1858, data em que um tufão assolou a Ilha de Moçambique e terras firmes adjacentes e tantas vidas ceifou e prejuízos causou.
Relembra-se a principal notícia então publicada na folha oficial do Governo Geral:

“Moçambique 3 de Abril.
No dia 1.° de Abril a Cidade e o Distrito de Moçambique sofreram os efeitos de uma tempestade horrorosa que, em menos de 21 horas, destruiu muitas fortunas, matou muitas esperanças e roubou a vida a um grande número de pessoas.
Não temos ainda notícias circunstanciadas sobre a extensão das perdas que o temporal causou. — Esperamos que elas nos sejam fornecidas pelas autoridades competentes, mas infelizmente podemos, desde já informar o público, que elas foram muito grandes tanto do mar, como na terra.
O Porto de Moçambique contava fundeados os navios seguintes — Barca Francesa, Charles & George, — Galera Portuguesa Adamastor, Brigues — Amizade, 2 Irmãos e N.S. do Socorro Flor do Mar, Iates —19 de Maio, Esperança e Livramento, 29 Pangaios Árabes e a Goleta de Guerra Francesa —L'Eglé.
O tempo tinha estado inconstante desde o dia 29 de Março — alguns aguaceiros, ventos variáveis, e a atmosfera coberta de grossas nuvens, carregadas de electricidade, foram princípio do terrível temporal, que começou na manhã do 1.° de Abril. — Até ás 11 horas do dia, os aguaceiros fortes de SO não tinham tido nada de extraordinário.
Mas, ao meio dia, o vento começou de soprar com fúria, os aguaceiros foram mais frequentes, e os horizontes mais curtos, e carregados.
O vento foi constantemente crescendo, e o mar com ele, de sorte (que depois das 4 horas da tarde alguns Pangaios, Iate 19 de Maio, o Iate Livramento, e outros navios haviam garrado, cedendo há violência do vento. As rajadas foram aumentando para a noite de sorte que o temporal era já furioso ao pôr do sol. — Desde então foi ele gradualmente crescendo de modo que todos os Pangaios, excepto um só chamado Mantalla, perderam as suas amarrações e alguns deles, bem como Iates 19 de Maio e Livramento, foram arrojados contra a costa da Cabaceira, e aí encalharam. — O Iate Livramento lançado primeiramente sobre a costa do norte do Porto, virou-se — e depois de ter sido impelindo sobre a outra banda veio soçobrar ao meio do canal grande, quando o vento deu para uma direcção oposta.
Quatro homens que puderam segurar-se ao casco, que não submergiu completamente, foram salvos pela tripulação da Galera Adamastor, cujo Capitão mandou um escaler acudir aos naufragados, que bradavam por socorro.
Às 9 horas da noite o vento abrandou um pouco da sua fúria, e pareceu que a tempestade tinha terminado. Este sossego porém foi de curta duração. O vento pareceu cessar, para começar de novo com maior impetuosidade soprando do NO. — Os estragos que a 1ª parte desta cena terrível tinha causado, eram já bem consideráveis.
As fazendas da outra banda já tinham sofrido bastante. — muitas árvores tinham sido derrubadas, muitas palhotas e casas tinham sido arruinadas — e algumas embarcações tinham sofrido grandes avarias ; mas isto ainda não era bastante; era necessário que esta calamidade- já grande para o estado decadente desta Província, fosse ainda maior, mais completa.
Proximamente às 11 horas. depois do sossego ilusório de que falámos, o vento se desencadeou furioso de NO.
Duras rajadas se sucediam rapidamente umas às outras , aumentando sempre de força. Os aguaceiros se tornaram mais amiudados e violentos. O céu escuro, caliginoso, não deixava perceber uma só estrela.— A escuridão medonha da noite vinha aumentar o horror das cenas que este grande transtorno da natureza produziu.
O trânsito era impossível nas ruas da Cidade, inundadas de água; e a areia levantada das praias, redemoinhava pelos ares, elevando-se a grande altura. As casas ainda as mais sólidas tremiam com a violência impetuosa do vento, que derrubava tudo quanto encontrava.
A chuva copiosa encheu as casas — muitas árvores, e algumas colossais, foram derrubadas, e os arbustos e plantas rasteiras ficaram queimadas pelo vento — grossos ramos foram violentamente arrancados dos troncos, e levados a grande distância. Todos estes sons sinistros, misturados aos gritos dos infelizes, que por intervalos sobressaiam horrorosos ao sibilar do vento, levavam o terror, e o susto à população consternada da Cidade.
Muitos tectos e paredes das palhotas da missanga foram arrebatados pelo vento, muitas outras ficaram quase enterradas na areia, que o mar, e o vento lançava sobre a ilha.
Mas se esta tormenta era horrorosa, e medonha em terra quanto mais o não deveria ser sobre o mar — ali aonde a todos os horrores do temporal, havia a acrescentar ainda a fúria do mar encapelado, a fragilidade das embarcações, a escuridão medonha da noite e a impossibilidade absoluta de esperar socorro alheio; devendo ser bem cruéis as horas de angústia assim passadas pelos infelizes que o temporal colheu sobre as embarcações frágeis refúgios contra a violência de uma tão temerosa tempestade! — Quando o vento se tornou verdadeiramente terrível, isto é depois de 11 horas da noite, os Pangaios começaram a descair uns sobre os outros, sem poderem nem segurar-se, nem evitar-se. Tudo foi desordem, confusão e terror.
Então era triste ouvir os gritos desesperados dos infelizes, que vendo a morte diante de si, bradavam socorro, e levantavam os braços para Deus, que só os podia salvar. — Confrangia ouvir esses gritos penetrantes dados por homens, e crianças no máximo desespero ou quando o mar os envolvia e ameaçava engoli-los ou quando arrojados à praia vinham despedaçar-se contra os rochedos. Alguns Pangaios soçobraram e outros vieram quebrar-se inteiramente na praia da Ilha. Os destroços numerosos que se encontram pela praia atestam ao mesmo tempo a violência do temporal, e a extensão da catástrofe. Com eles alguns cadáveres têm sido encontrados ainda que não em grande número.
Somente puderem conservar-se nas amarrações os três navios que mencionámos. A Galera Adamastor, a Barca Charles e George e o Brigue Amizade.
A Goleta Francesa, L'Eglé, que pôde sustentar-se e, segundo é de crer, ficaria firme sobre os ferros, também garrou depois das 11 horas da noite em consequência de dois Pangaios, que caíram sobre ela, e dos quais pôde ainda salvar 14 pessoas
A perícia e intrepidez dos oficiais, a disciplina da guarnição, e os meios de que dispunha não puderam evitar, que a goleta perdesse alguns ferros, perdesse o leme e, com outras avarias, encalhasse. — Felizmente, a solidez da sua construção a preservou de abrir água e, hoje, está salva, depois de alguns esforços felizes.
O Iate do Estado 19 de Maio também foi lançado sobre a praia da Cabaceira com pequena avaria no casco e bem assim um Pangaio mandado do lbo e retido neste porto, a bordo do qual estavam 4 praças portuguesas de marinhagem, que nada sofreram
Além dos navios, e Pangaios perdidos durante o temporal, um grande número de lanchas e outras embarcações miúdas foram feitas em pedaços contra a praia.
Os Brigues 2 Irmãos, e N. S. Socorro Flor do Mar, varados na praia da Ilha com mais ou menos avarias, ainda se poderão utilizar, fazendo-lhes os grandes consertos de que carecem para navegar.
Na terra firme, outra banda, o temporal destruiu algumas casas, derrubou muitas cabanas, arrancou muitas árvores, matou alguns negros, e gados — e arrasou palmares e plantações inteiras. Nenhuma propriedade ali deixou de sofrer e os estragos, ainda que até agora nos não sejam miudamente conhecidos, sabemos que são muito consideráveis e devem causar senão a ruína completa dos proprietários, pelo menos graves perdas. Na tarde do dia 2, a tempestade foi gradualmente declinando, até cessar de todo durante a noite desse dia.
Enfim, este temporal foi uma calamidade que afectará mais ou menos toda a Província, não só pelos resultados imediatos, como por aqueles que se lhes hão de seguir.
Todas as providências possíveis se adoptaram para pre­venir os roubos, e desordens conseguintes a semelhantes catástrofes. Abriu-se a Alfândega, postaram-se postos Mili­tares em diversos pontos, enterraram-se os cadáveres, fizeram-se recolher à Alfandega os objectos naufragados, e enfim, apesar de grande número de escravos do que a Ilha abunda, não há nem grandes roubos, nem desordem alguma a lamentar.
À medida que obtivermos informações iremos dando conhecimento delas ao público.
Confiamos na Providência, tenhamos ânimo e resignação e esperamos que o Governo da Metrópole não será indiferente a esta catástrofe, que tão terríveis efeitos produziu sobre a fortuna dos habitantes, devendo retardar ainda mais e desenvolvimento agrícola e comercial na Província, já pouco próspero.
É de justiça mencionar que o Sr. Juiz de Direito Silva Campos, o Capitão do Porto, os Empregados do Arse­nal, o Capitão Pereira de Almeida, Capitão Tavares de Almei­da, tenente Carvalho e o Alferes Sá Nogueira, oficiais do Estado Maior, o Snr. Fonseca, Escrivão interino da Fazenda, e os oficiais de Marinha Oliveira,ntinua e Sousa de Andrade, acompanharam o Governador Geral, e o coadjuvaram com os seus serviços, cumprindo as ordens que lhes foram dadas e as circunstancias exigiam, com todo o zelo, e prontidão.
- Continua em próximo post.

  • O Autor: Dr. Carlos Lopes Bento - Antigo administrador colonial. Foi presidente da Câmara Municipal do Ibo, entre 1969 e 1972 e administrador do concelho de Pemba entre 1972 e 1974. Antropólogo e prof. universitário é um dedicado amigo das históricas Ilhas de Querimba que continua a investigar, de maneira sistemática, e a divulgar as suas inquestionáveis belezas. É Director da Sociedade de Geografia de Lisboa.
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9/18/08

Retalhos da História de CABO DELGADO - O nascimento de MOCIMBOA DA PRAIA

Não há informações seguras sobre a origem de Mocimboa da Praia, pois o comandante Leote do Rego é o primeiro autor que se lhe refere com algum detalhe, ao mencionar que "em 1855 havia em Mossimboa 398 habitantes christãos e mouros" e que, cinquenta anos depois, eram poucos mais (Leotte do Rego, Op. cit., p. 78.).
No entanto, nos registos da corveta Mindelo que entrou na baía de Mocimboa da Praia em Fevereiro de 1882 "a fim de fazer aguada e receber frescos", verifica-se que o seu comandante se lhe referia como um "estabelecimento português bastante importante a 50 milhas a sul de Cabo Delgado", onde foi " recebida lenha e alguma água" (António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol. XVII, p. 45.).
No seu relatório de governo, também Mouzinho de Albuquerque salienta que até 1894 a ocupação de Moçambique pelos portugueses se resumia de facto a uma estreita faixa do litoral, à excepção de alguns pontos isolados no interior, como Sena, Tete, Zumbo e pouco mais, acrescentando que no norte "apenas o Tungue, Mocimboa e Ilha do Ibo estavam ocupadas no distrito de Cabo Delgado" (J. Mousinho de Albuquerque, Moçambique (1896-1898), Sociedade de Geografia de Lisboa, 1913, p. 37.).
A concessão da Companhia do Niassa incluía Mocimboa nos seus domínios e nos registos do imposto de palhota por ela cobrado em 1903, que atingiram 13.97 contos de reis, verifica-se que Tungue rendeu 3.5, Mocimboa 2.9, o Ibo 2.28 e Porto Amélia 0.34, o que significava que, no mínimo, Mocimboa tinha alguma importância fiscal (René Pélissier, Op. cit., Vol. I, p. 378.).
Por outro lado, escreveu-se mais tarde que "Mocimboa da Praia era, em 1916, um lugar deserto na imensa costa moçambicana", "mato virado ao mar" e que "em 1917, só havia ali dois europeus, ambos funcionários da antiga Companhia do Niassa", um edifício que era a Administração do Concelho e residências de funcionários (Rodrigues Júnior, Diários de Viagem (8.000 quilómetros em Moçambique), p. 73.).
Numa visão concordante com aquela, também se escreveu que "o grande animador de Mocimboa da Praia" ou "o criador de Mocimboa da Praia", foi António Vieira, que foi telegrafista na última campanha de África (Rodrigues Júnior, Op. cit., p. 65.).
Terminada a guerra, o telegrafista António Vieira e dois companheiros fixaram-se naquele local, fizeram uma sociedade com sede no Ibo e com uma sucursal em Mocimboa da Praia, iniciando atividades agrícolas e comerciais. Como não havia estradas, os produtos eram transportados à cabeça dos carregadores desde o interior ao litoral, seguindo depois em lanchas à vela até ao Ibo, de onde embarcavam para a Europa.
"Mocimboa ficava no fim de tudo. Ali não ia vapor" (Rodrigues Júnior, Op. cit., p. 74.).
Mais tarde, o comandante João Coutinho referia-se a Mocimboa como "porto de valioso comércio", informando que as embarcações de cabotagem têm fácil acesso ao porto e que "últimamente têm ali afluido alguns produtos do interior, avultando, pelo seu preço, o marfim" (João Coutinho, De Nyassa a Pemba, p. 16.).
Em meados da década de 60 Mocimboa da Praia já era uma pequena vila onde residiam algumas famílias europeias, indianas e asiáticas, dispondo de algum comércio, um aeroporto servido regularmente pela DETA, uma ponte-cais para pequenas e médias embarcações, armazéns portuários, algumas instalações militares e diversas ruas bem alinhadas com residências de boa construção destinadas aos funcionários.
No entanto, era uma povoação isolada de onde só se podia sair por terra em colunas militares e que foi alvo de alguns flagelamentos de artilharia por parte da Frelimo.
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O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.
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O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;Edição - Comissão Cultural da Marinha;Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.
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Do mesmo autor neste blogue:
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 1 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 2 - Aqui!
  • Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia - Parte 3 - Aqui!

- Em breve neste blogue:

  • Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas;
  • A Ilha do Ibo;
  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

9/02/08

Retalhos da história de PEMBA - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia. Parte 3.

(Clique na imagem para ampliar)
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A COMPANHIA DO NIASSA E A FUNDAÇÃO DE PORTO AMÉLIA. - (continuação daqui!)
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O chamado distrito militar de Cabo Delgado que se localizava em Pampira, na orla da baía de Pemba, foi extinto em 1981 e o território entre os rios Rovuma e o Lúrio foi concedido a partir de 1894 a uma companhia majestática - a Companhia do Niassa, isto é, sem deter o controlo ou exercer qualquer tipo de autoridade ou influência no interior do território, o governo português entregava a exploração de todo o norte de Moçambique a uma sociedade privada.
A Companhia do Niassa inspirou-se no modelo da British South Africa Company criada por Cecil Rhodes e era uma companhia privada de capitais e influência maioritáriamente britânicas, tendo por objecto a exploração colonial do território. A administração da Companhia do Niassa era exercida por seis administradores em Lisboa e quatro em Londres, tendo o governo português um Intendente no Ibo, cujo concelho não integrava os territórios da companhia.
Assentava num negócio financeiro que se pretendia ser muito lucrativo para satisfazer os seus accionistas e, estatutáriamente, tinha a concessão por 35 anos para a exploração de um território com cerca de 200.000 Km², devendo construir um caminho-de-ferro e podendo cobrar impostos, arrecadar as receitas da alfândega e exercer em exclusivo o direito de conceder as autorizações para quaisquer actividades comerciais, agrícolas, minerais e industriais.
O resultado não poderia ser bom, devido às lógicas bolsistas e às mudanças de accionistas, de orientações e de gestão da companhia e, sobretudo, porque o seu sentido não era o desenvolvimento do território, mas apenas a sua exploração.
Como salienta René Pélissier, "o extremo norte, colónia privada no interior de uma colónia portuguesa, era portanto a quintessência da mais egoista dominação europeia. A Companhia não estava em África para colonizar mas sim para extorquir o máximo lucro"(René Pélissier, Op. cit., Vol. I, p. 396).
Em Maio de 1897, quando a sede da Companhia ainda estava no Ibo, foi designado o capitão José Augusto Soares da Costa Cabral para instalar uma povoação na baía de Pemba, que deveria posteriormente ser a capital dos territórios da Companhia do Niassa.
Em 13 de Outubro de 1899 foi criado um posto fiscal à entrada da baía de Pemba e em 30 de Dezembro de 1899, por proposta da Companhia do Niassa, a povoação de Pampira passou a denominar-se Porto Amélia, em homenagem à raínha de Portugal.
O Boletim da Companhia do Niassa, n.º 23, de 13 de Janeiro de 1900, insere a Ordem n.º 230, cujo teor é o seguinte:

-- Tendo o Exm.° Conselho de Aministração da Companhia do Niassa deliberado dar o nome de Sua Magestade a Rainha Senhora Dona Amélia à nova povoação de Pemba, que deve ser a futura capital dos territórios, prestando assim um preito de homenagem, respeito e sympatia a tão Excelsa Senhora, e tendo Sua magestade auctorizado tal deliberação;

Hei por conveniente ordenar que essa povoação na bahia de Pemba, e futura capital dos territórios da Companhia do Nyassa, se denomine - Porto Amélia.

Secretaria do Governo dos territórios de Cabo Delgado, no Ibo, 30 de Dezembro de 1899.

O Governador - J. A. A. Mesquita Guimarães.

O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.
Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.
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O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;
Edição - Comissão Cultural da Marinha;
Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.
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- Em breve neste blogue:
  • O nascimento de Mocimboa da Praia;
  • Zanzibar e a escravatura nas Quirimbas;
  • A Ilha do Ibo;
  • As Quirimbas em finais do século XIX e a decadência do Ibo.

8/14/08

Retalhos da História de PEMBA - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia. Parte 2.

(Clique na imagem para ampliar)
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A COMPANHIA DO NIASSA E A FUNDAÇÃO DE PORTO AMÉLIA. - (continuação daqui!)
A colónia de Pemba foi um fracasso e foi abandonada alguns anos depois, tendo a corveta Mindelo encontrado em 1882 no Ibo, "dois negociantes portugueses, os únicos que restavam da colónia de Pemba, que ali se haviam estabelecido há 24 anos". (António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol. XVII, p. 44).
Em 1884, Augusto Castilho, informava "que o único vestígio d'esta ephemera e desastrosa occupação reduz-se apenas a uma insignificante fortificação abandonada" (Augusto Castilho, Relatório acerca de alguns portos da província de Moçambique, p. 49.), com o formato de um hexágono regular "de uns 10 metros de lado com duas canhonheiras por lado, e uma porta a meio da face occidental. As muralhas terão uns 3 metros de alto acima do terreno, e são cercadas de um ridículo fosso de 1,5 metros de largo, sobre talvez 0,8 metros de fundo", mas informa que a sua localização fora bem escolhida.
António Enes deixou-nos um relatório já antes mencionado, que além de ser um texto de grande qualidade literária, é também um documento de grande interesse histórico para a compreensão da situação da administração portuguesa em Moçambique. Neste documento, o norte de Moçambique só marginalmente é referenciado porque de facto não tinha instalada uma administração coerente e não havia uma lei a cumprir, sendo afirmado que "capitais há de distritos e distritos inteiros, como o de Cabo Delgado, onde totalmente faltam elementos policiais".
No que respeita aao povoamento do território diz António Enes que "em 1891 vi desembarcar e acompanhei com a vista os centenares de colonos que a Metropole despejou para Moçambique por medida policial e económica, e o resultado da minha observação foi mandar pedir ao governo que não continuasse a remeter para lá semelhante gente". (António Enes, Moçambique, p. 62).
A calamitosa situação administrativa de Moçambique também o inspirou a propor importantes reformas, que apoiou com um projecto de orçamento das receitas e despesas da província. (António Enes, Op. cit., 4.ª Edição, Agência Geral do Ultramar, Lisboa, 1971, p. 557-577).
Relativamente ao distrito de Moçambique, esse orçamento previa a colocação de um comandante militar superior de Cabo Delgado e concelho do Ibo, um comandante militar de Palma e um comandante militar de Mocímboa, além de outros funcionários administrativos, significando a vontade de instalar uma administração no concelho do Ibo, que não existia de forma estruturada.
Em finais do século, na linha do pensamento expresso por António Enes, também o governador Mouzinho de Albuquerque traçava um panorama desolador em relação ao povoamento europeu de Moçambique: "Hoje abona o Estado um certo número de passagens mensaes a colonos, mas estes são escolhidos a capricho, sem ter em attenção as circunstancias e carencias da provincia. Vão muitos vadios, vão pobres jornaleiros do campo que é muito dificil, senão impossivel, empregar alli. Succede por vezes, como ainda em Janeiro de 1897, chegar alli mais de um cento de colonos, a maior parte sem officios ou profissão definida, sem que d'isso houvessem sido avisadas as autoridades locaes. Isto não é colonisar, povoar ou nacionalisar, é apenas fazer um estendal de miséria." (J. Mousinho de Albuquerque, Moçambique (1896-1898), Sociedade de Geografia de Lisboa, 1913, p. 110.)
- Continua em breve...
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O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.
Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.
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O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;
Edição - Comissão Cultural da Marinha;
Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

7/31/08

Retalhos da História de Pemba - A Companhia do Niassa e a fundação de Porto Amélia.

(Clique na imagem para ampliar)
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A COMPANHIA DO NIASSA E A FUNDAÇÃO DE PORTO AMÉLIA.
Até principios do século XIX a administração do território de Moçambique pelos portugueses era muito limitada e precária, exercendo-se apenas em alguns pontos do litoral através de concessões dadas a alguns indivíduos, geralmente sob a forma de "prazos da coroa".
Depois, ao longo do século XIX, as autoridades portuguesas, continuaram a não conseguir mobilizar emigrantes para se estabelecerem em África, mas tiveram algum sucesso no propósito de incentivar os goeses a emigrar para Moçambique.
Eduardo Mondlane escreveu que "a pequena colónia de Goa foi sujeita a uma influência portuguesa como nenhuma outra colónia africana e a emigração goesa foi, em muitos sentidos, mais portuguesa que indiana" (Eduardo Mondlane, The Strugle for Mozambique, p. 55), porque os goeses falavam português e eram predominantemente católicos.
Nessas condições, em 1871 verificava-se que havia em Moçambique apenas oito padres católicos, sendo sete originários de Goa e apenas um de Portugal (Mozambique - a brief survey, p. 70).
Neste quadro de dificuldades na mobilização de emigrantes portugueses que então tinham o Brasil por preferência, a fixação de colonos no norte de Moçambique era um enorme desafio. Não se estranha, por isso, que na sua descrição roteirista da costa de Moçambique, António Lopes da Costa Almeida tivesse escrito em 1840, que a baía de Pemba "muito pouco conhecida he do Europeos" (Costa Almeida, Roteiro Geral dos Mares, Costas, Ilhas e Biaxos Reconhecidos no Globo, parte V, p. 57).
A primeira tentativa séria para fixar colonos no norte de Moçambique aconteceu em 1857. No dia 21 de Junho de 1857 largou de Lisboa a escuna Angra sob o comando do 1º tenente Jerónimo Romero, com a missão de estabelecer uma colónia de sessenta emigrantes portugueses na baía de Pemba, cujo chefe seria Albano Apolinário Moniz da Maia, um agricultor de 28 anos, solteiro e natural de Torres Novas (António Marques Esparteiro, Op. cit., Vol. XXII, p. 105).
A escuna Angra dirigiu-se ao Ibo e, no dia 22 de Outubro, Jerónimo Romero tomou posse como Governador de Cabo Delgado. No dia 10 de Novembro de 1857, a escuna largou para a baía de Pemba com o governador, os colonos e o vigário do Ibo, tendo chegado à baía pelas 17 horas desse mesmo dia.
Entretanto, chegou a Moçambique o iate Dezanove de Maio com uma força militar e com material destinado à fundação da nova colónia, enquanto do Ibo chegaram duas embarcações com soldados.
No dia 12 de Novembro desembarcou o 1º tenente Jerónimo Romero que foi recebido pelo régulo Said-Ali e por muita população. Lavrou-se um auto de vassalagem e construiu-se um barracão de 57 metros por 7 metros de largura, com 12 compartimentos para servir de alojamento aos colonos e à tropa, botica e depósito de mantimentos e de material.
Os colonos constituiram-se em sociedade para "empreender na maior escala possível a cultura da cana do açucar, café, arroz, algodão, gergelim, etç., e comerciar com géneros do país".
No dia 8 de Dezembro ficou formalmente constituída a colónia de Pemba, na presença dos colonos, da tropa e de muita população. Houve missa cantada e grossa festa de batuque. Só em Abril de 1858 a escuna Angra deixou a baía de Pemba com destino a Moçambique, levando consigo um pangaio árabe que entretanto tinha sido apresado.
- Continua em breve...
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O autor:
Adelino Rodrigues da Costa entrou para a Escola Naval em 1962 como cadete do "Curso Oliveira e Carmo", passou à reserva da Armada em 1983 no posto de capitão-tenente e posteriormente à situação de reforma. Entre outras missões navais que desempenhou destaca-se uma comissão de embarque realizada no norte de Moçambique entre 1966 e 1968, onde foi imediato da LGD Cimitarra e comandante das LFP Antares e LFG Dragão.
Especializou-se em Artilharia, comandou a LFG Sagitário na Guiné, foi imediato da corveta Honório Barreto, técnico do Instituto Hidrográfico, instrutor de Navegação da Escola Naval, professor de Navegação da Escola Náutica e professor de Economia e Finanças do Instituto Superior naval de Guerra. Nos anos mais recentes foi docente universitário, delegado da Fundação Oriente na Índia e seu representante em Timor Leste. É licenciado em Sociologia (ISCSP), em Economia (ISEG), mestre em Comunicação, Cultura e Tecnologias de Informação (ISCTE) e membro da Academia de Marinha.
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O livro:
Título - As Ilhas Quirimbas - Uma síntese histórico-naval sobre o arquipélago do norte de Moçambique;
Edição - Comissão Cultural da Marinha;
Transcrição da publicação "As ilhas Quirimbas de Adelino Rodrigues da Costa, edição da Comissão Cultural da Marinha Portuguesa, 2003 - Capítulo 11, que me foi gentilmente ofertado pelo Querido Amigo A. B. Carrilho em Pinhal Novo, 26/06/2006.

7/02/08

Ronda pela imprensa moçambicana: Inaugurada sede do Arquivo Histórico de Moçambique.

É inaugurado hoje, em Maputo, o edifício da sede do Arquivo Histórico de Moçambique, uma instituição pertencente à Universidade Eduardo Mondlane (UEM).
O acto será dirigido pelo Ministro da Educação e Cultura, Aires Ali, acompanhado por vários quadros do cenário educacional e cultural do país e estrangeiros, com destaque para a presença do Reitor da UEM, Padre Filipe Couto, e do Ministro português das Finanças, Teixeira dos Santos.
Esta cerimónia coincide com a semana comemorativa do 74º aniversário do Arquivo Histórico de Moçambique, e o acto será seguido de uma série de debates sobre arquivos e investigação científica, e arquivos e governação.
Ainda no quadro da semana dos arquivos, haverá o encerramento do curso profissional de arquivos, que terá lugar na sexta-feira.
- Notícias, 02Jul2008.

6/24/08

MEMÓRIAS DE CABO DELGADO - ACHEGAS PARA O ESTUDO DO MUNICIPALISMO EM MOÇAMBIQUE-VII

- Continuando daqui - parte 1, parte 2, parte 3, parte 4, parte 5 e parte 6!.
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A CÂMARA DA ILHAS DE CABO DELGADO. POSTURAS E REGULAMENTOS
4ª PARTE
Por Carlos Lopes Bento[1]
(Continuação)
...Art.26.º - É proibido abrir poços sem licença da autoridade administrativa, e, quando autorizados, serão sempre revestidos de alvenaria e nunca de madeira, e deverão ter sempre uma barbacan de 0m,90 de altura pelo menos. Os infractores pagarão 5$ de multa por qualquer das infracções, sendo obrigados a entulhar a escavação que tenham feito, no prazode oito dias, caso o não revistam de alvenaria, imediatamente.
Art. 27.º
- Não são permitidos na área da vila currais de gado suíno ou qualquer outro prejudicial à saúde pública; os infractores incorrem na multa de 10$ e serão obrigados a fa­zer imediatamente a remoção do gado.
§1.° - Não se compreendem nesta disposição os animais que forem trazidos para consumo, os quais serão impreteri­velmente abatidos dentro de três dias, sob pena de 5$ de multa.
§2.° - É permitida a permanência na vila, mas em está­bulos ou abegoarias próprias, de bois ou quaisquer animais empregados em trabalho.
Art. 28.º - Os donos de animais e viaturas para trabalho ou para recreio, incluindo os rickshaus, são obrigados à ma­tricula na secretaria do concelho, pagando as seguintes quan­tias:

Por cada cavalo - 1$
Por cada burro - 1$
Por cada boi - 1$
Por cada carro puxado por boi ou qualquer outro animal - 2$
Por cada richshaw - 1$50

§Único. - Os infractores pagarão de multa o dobro da taxa referida neste artigo com a obrigação de fazerem a ma­tricula em acto contínuo à aplicação da multa.

Art. 29.º - Todo aquele que tiver algum animal atacado de mormo ou doutra qualquer moléstia contagiosa, é obri­gado a fazê-lo abater e conduzir nas horas de menor trânsito para o local que pela autoridade administrativa lhe for de­signado para o enterramento.
Art. 30.º - Nenhuma rés de gado vacum, suíno ou de qual­quer outra espécie será abatida para consumo público sem que seja previamente inspeccionada no matadouro pelo chefe do serviço de saúde ou quem suas vezes fizer, e seja favorá­rel a sua opinião, sob pena de 5$ de multa.
§1º - Para cumprimento do disposto neste artigo o inte­ressado dará parte na secretaria do concelho a fim de ser prevenido o funcionário de saúde, e terá a rês no curral do matadouro pelo menos seis horas antes de ser abatida..
§2º - Pela inspecção pagará o interessado por cada rés de gado vacum 1$, e $50 pela de outro qualquer gado.
§3º - O funcionário de saúde irá inspeccionar o gado no matadouro.
Art. 31.º - É proibido abater-se gado sem ser no mata­douro público sob pena de 5$ de multa.
§Único - Exceptuam-se cabritos, leitões e outros animais pequenos.
Art.32.° - O gado abatido para consumo público pagará para a Companhia $01 por cada quilo de carne.
Art. 33.º - A Companhia poderá, quando o julgue exeqüível e conveniente aos seus interesses, dar por arrematação, a quem melhores condições oferecer, o exclusivo de forneci­mento de carnes verdes ao público.
Art. 34.º - É proibido vender leite de vaca, parida de me­nos de oito dias.
§1º - É proibida a venda de leite do vacas doentes, e es­pecialmente das afectadas de doenças infecciosas, contagiosas ou constitucionais, bem como do que tenha mistura de água ou qualquer outro líquido, e ainda do que tenha mau sabor ou cor anormal.
§2º - É proibido, na venda de leite, usar vasilhas ou empregar medidas que não estejam rigorosamente asseadas.
§3º - Os que transgredirem o disposto neste artigo e seus parágrafos pagarão a multa de 1$ e perderão o leite que de­verá ser inutilizado.
Art. 35.º - É proibido, sob pena, de 1$50 de multa, ven­der pão que não esteja bem levedado ou suficientemente co­zido.
§Único - O pão suspeito de estar nalguns destes casos será apresentado ao medico da Companhia para, em vista da sua opinião, ter ou não lugar a aplicação da multa.
Art. 36.º - As medidas que servirem nalgum líquido oleoso, não podem servir a um outro qualquer, sob pena de 1$ de multa..
Art. 37.º - É proibida a medição de quaisquer líquidos acidulados por medidas de ferro, cobre, estanho, zinco ou de barro não vidrado, sob pena de 1$ de multa.
Art. 38.º - Sem licença da autoridade administrativa não é permitido pôr nas paredes exteriores dos prédios, dentro dos cercados ou nas suas proximidades, mastros para içar bandeiras de qualquer nacionalidade ou sinais indicativos de estabelecimentos, sob pena de 5$ de multa.
§Único - Não são compreendidos nas disposições deste artigo os estabelecimentos do Governo, da Companhia, ou os edifícios consulares, regendo-se estes últimos pelas praxes em vigor.
Art. 39.º - Todo o vendedor é obrigado a fazer aferir, até 31 de janeiro de cada ano, todos os pesos, medidas e balanças de que fizer uso, sob pena de 10$ de multa.
§1.° - Pela aferição de que trata este artigo será paga a seguinte taxa: por cada balança, $50; por cada medida de seco, $20; por cada medida de liquido, $10; por cada medida de metro em metal, $50; por cada medida de metro em ma­deira, $25; por cada peso, $10.
§2º - Além destas taxas, pagarão mais os interessados $01 por cada impresso e ao aferidor: Por cada jogo de pesos ou de medidas de líquidos ou de secos, $10; por cada medida linear, $02; por cada balança, $03.
Art. 40.° - Os instrumentos de pesar ou medir encontra­dos com qualquer falta não podem continuar a servir e serão apreendidos, pagando o vendedor a multa de 3$00.
§Único - Pagará igualmente a multa de 1$ o vendedor que não tiver em devido estado de asseio as balanças, pesos e medidas que estiverem em uso e bem assim as vasilhas onde estejam expostos á venda os géneros, quer sólidos quer líquidos.
Art. 41.° - A autoridade administrativa é competente para proceder ou mandar proceder às buscas e exames necessários a verificar o cumprimento do disposto no artigo 39.º, para depois lançar as multas e fazer mais apreensões prescritas no artigo anterior e nos dois seguintes, se houver lugar.
Art. 42.º - Para os efeitos de transgressão do artigo pre­cedente serão considerados em uso todos os instrumentos de pesar e medir que forem encontrados em actos de venda vo­lante ou em estabelecimentos onde os objectos, artigos ou géneros vendáveis, estejam expostos à venda, não se admi­tindo prova em contrário.
Art. 43.º - Todo aquele que em qualquer parte vender artigos de vestuário ou alimentícios ou ainda outros que, só por peso e medida podem ser vendidos, é obrigado não só a pesá-los ou medi-los como também ter as balanças, medidas, e pesos do sistema métrico-déci­mal necessários para tais fins e devidamente aferidos, sob pena de 10$ de multa, sem prejuízo de ser relaxado ao Po­der Judicial para lhe serem aplicadas as penas estabelecidas mi artigo 450º do Código Penal.
Art. 44.º - Todo aquele que, vendendo cousa que deva ser pesada ou medida, der ao comprador menos do que deve, considera-se que a não pesou ou mediu, como era obrigado a fazer, não se admitindo prova em contrário, e pagará pela transgressão a multa de 5$.
§Único - Em igual multa incorrerão os negociantes que comprando aos indígenas géneros por estes oferecidos à venda, os pretendam defraudar empregando na medição quaisquer medidas que não sejam as que estão em uso legal no concelho.
Art. 45° - Todos os artigos ou géneros obrigados a pesa­gem ou medição no acto da venda podem ser apreendidos no decurso dela ou logo em seguida, para se verificar o peso ou medida, sendo logo restituídos a seu dono.
Art. 46.º - Todo o pão que for exposto para vender, deve ter o peso de 500, 200 ou 100 gramas, qualquer que seja a sua forma, sob pena de 1$ de multa.
§Único - Tolera-se a falta de 50 gramas no pão de 500 gramas, de 20 no pão do 200 gramas e de 10 no pão de 100 gramas; mas esta tolerância não desobriga o vendedor de preencher com contrapeso a falta que o pão tiver em relação ao peso que deva ter, sob pena de multa consignada neste artigo.
Art. 47.º - Todo aquele que tiver poço ou tanque é obri­gado a franqueá-lo para acudir aos incêndios, logo que para isso seja intimado pela autoridade competente, sob pena de 10$ de multa.
Art. 48.º - É proibida a venda de peixe fresco ou seco fora, do bazar. O transgressor incorrerá na multa de $50.
Art. 49.° - É igualmente proibida a venda, fora do bazar, de peixe frito, mucates, cigarros e outros artigos considera­dos de bazar, e bem assim, bebidas cafreais, sem estarem os vendedores munidos da respectiva licença, sob pena de 1$ de multa.
§Único - Por esta multa são responsáveis os patrões dos indígenas que sejam encontrados a vender por conta dos mesmos patrões.
Art. 50.º - É proibido aos indígenas transitarem pelas ruas da vila, sem trazerem a coberto o tronco e pernas até os joelhos, sob pena de 1$ de multa.
§Único - Exceptuam-se os indígenas que andarem em serviço de carga e descarga ou outros análogos, que poderão trazer o tronco descoberto.
Art. 51.º
- Aos asiáticos baneanes não será permitido o uso do pano de forma a deixar ver a perna acima do joelho, sob pena de 5$ de multa.

Cap. III(Art. 52º. a 64º.)- Das construções e reparações:

Art. 52.º - Todo aquele que quiser construir, reconstruir, acrescentar, modificar ou reparar algum prédio ou palhota, deverá pedir licença à secretaria do concelho, pela qual pagará 3$ quando o prédio seja de alvenaria, 1$50 quando de madeira revestido de alvenaria e $50 quando palhota, juntando ao requerimento no primeiro caso, isto é, quando se tratar de prédios, planta que dê uma ideia geral da obra a realizar, a fim de lhe ser, dado o alinhamento e a cota de nível.
§1º - O que não cumprir as disposições deste artigo pagará 10$ de multa, sendo obrigado a tirar a licença e a apresentar a planta da obra no prazo de três dias depois de intimado para o fazer.
§2º - Não será aprovada planta alguma de prédio que não apresente 3m,5 de pé direito e as janelas 1m,3 de altura e 0m,60 de largura, e bem assim a que apresentar balcão, degraus, grades etc., fora do alinhamento.
§3º - Incorrerá na multa de 10$ aquele que não der plena execução à planta aprovada pela secretaria do concelho, ou de qualquer forma, sem previamente ter obtido a respectiva licença, a alterar, ficando mais obrigado a destruir as alterações dentro de quinze dias, sendo embargada, pela autoridade administrativa a obra enquanto não forem cumpridas estas disposições.
Art. 53º - Todo aquele que construir palhota, sem ter tirado a respectiva licença pagará 1$ de multa, sendo alem disso obrigado a demoli-la quando não esteja no devido alinhamento.
§Único - Na mesma multa incorrerá aquele que, tendo-lhe sido dado o alinhamento para construção de palhota, a fizer fora do alinhamente, sendo igualmente obrigado a demoli-la.
Art. 54.º - Aquele que tiver tirado licença para construção de palhota e depois na sua construção a revestir de alvenaria sem previamente ter obtido a respectiva licença, pagará a multa de 4$, não podendo prosseguir na sua construção sem que seja tirada a respectiva licença para tais construções.
Art. 55.º - Os proprietários ou administradores de qualquer prédio são obrigados, no prazo de três meses, a contar da publicação do presente regulamento, a dar direcção às águas não aproveitadas por meio de canos fechadas e não salientes que vão desembocar conforme as regras seguintes:
1.ª - Nos pontos onde haja valetas, com ou sem passeios, desembocarão directa e imediatamente nas mesmas valetas, sem contudo as obstruir ou deformar.
2ª - Nos pontos onde não haja valetas, mas sim passeios, desembocarão na face externa e perpendicular destes e ao nível da rua.
3ª - Nos pontos onde não haja nem passeios nem valetas, desembocarão na face das respectivas paredes e ao nível da rua.
§Único - Os que não cumprirem o que fica disposto incorrerão na multa de 10$.
Art. 56° - Quando à autoridade administrativa pareça, que qualquer edificação se acha em estado de ruína mandará vistoriá-la por indivíduos competentes, os quais apresentarão por escrito à mesma autoridade o resultado da vistoria.
§1.º - Se por este exame se evidenciar que efectivamente a edificação ameaça ruína, a autoridade administrativa fará intimar o respectivo dono ou administrador para a demolir prazo que lhe for marcado.
§2.° - Da decisão da autoridade administrativa que mandar fazer a demolição e marcar o prazo não haverá recurso algum.
§3.º - Se, passando o prazo a que se refere o § não tiver sido feita, a demolição ordenada, a autoridade administrativa mandá-la-á fazer à custa do intimado, o qual pagará mais a multa de 20$; e neste caso a autoridade administrativa fica com o direito de cobrar a despesa que tiver feito com a demolição pelo valor dos materiais dela resultantes, os quais para isso se venderão em hasta pública, e quando o produto da venda não chegar para o pagamento integral, haverá o resto do intimado; assim como a autoridade administrativa poderá, se a julgar conveniente, exigir logo do intimado, por inteiro, as despesas da demolição, deixando-lhe os materiais.
Art. 57.º - Toda a edificação deverá ser concluída no prazo que lhe for marcado na respectiva licença.
§1º - Findo o prazo marcado na licença, se a edificação - não tiver sido começada, poderá a licença ser renovada por mais seis meses, pagando o proprietário nova licença.
§2.º - Se a edificação não ficar concluída dentro dos prazos marcados, o proprietário será intimado para a concluir dentro do prazo que lhe for marcado, sob pena de 20$ de multa e de demolição.
Art. 58.º - É expressamente proibido o emprego, na cobertura das casas e suas dependências dentro da vila, doutro material que não seja telha ou zinco.
§Único - É permitido na cobertura de palhotas dentro dos quintais o emprego de macute; porém, as mesmas palhotas devem ser rebocadas por dentro e por fora no prazo dum ano depois da publicação deste regulamento e separadas dez metros das edificações ou palhotas vizinhas. O contraventor pagará a multa de 1$ e o dobro por cada nova contravenção.
Art. 59.º - As paredes laterais dos prédios, quando se avistem das ruas ou caminhos públicos e bem assim os muros de vedação, serão rebocadas e caiadas nas épocas competentes.
Art. 60.º - Os indivíduos a quem foram concedidos terrenos para construção de prédio são obrigadas a cercá-los no prazo de noventa dias e a começar as obras dentro de seis meses. Os transgressores pagarão a multa de 10$, sendo intimados a cumprir as disposições deste artigo no prazo de trinta dias, findo o qual, continuando a transgressão, ficará nula e de nenhum efeito a concessão, revertendo es terrenos à posse da Companhia.
Art.61.º - Em todas as casas a reconstruir ou que sofram reparações nas paredes exteriores, são obrigados os proprietários a rasgarem as janelas, quando estas tenham dimensões inferiores às determinadas no § 2.º do artigo 52.º. Quando não satisfaçam a esta obrigação serão intimados para a cumprirem, pagando de multa, por cada janela que não satisfaça às condições indicadas, 1$, e sendo-lhes mandada sustar a obra pela, autoridade administrativa até que cumpram esta prescrição.
Art.62.º - Todos os proprietários ou administradores de prédios em que tenham de se fazer reparações exteriores, e os daqueles que de novo se construírem, são obrigados a vedar o terreno de construção por meio de tapume de madeira ou qualquer outro sistema de vedação, afim de impedir o trânsito pelo local da obra e evitar qualquer sinistro. Os transgressores pagarão 5$ de multa.
§Único - Ficam obrigados a reparar a rua ou argamassa que deteriorarem com os materiais para a obra ou com vedação, ficando, no caso de transgressão, sujeitos à multa indicada neste artigo.
Art. 63º. - É proibida a construção de palhotas na vila, confinando com as ruas principais, em terrenos não murados, devendo as que não estiverem nestas condições ser removidas no prazo de seis meses, sob pena, de 5$ de multa, remível com cinquenta dias de trabalho e demolição por conta do transgressor.
Art. 64.º - Todos os prédios dentro da vila serão numerados, havendo numeração especial para cada rua, segundo as indicações da autoridade administrativa.
§Único - Todos os proprietários ou administradores de prédios urbanos, na parte não compreendida nos bairros indígenas, são obrigados a conservar e renovar, quando for necessário, os números de polícia, que devem ter na parte mais visível dos seus prédios, sendo a falta de número infracção punida com $50 de multa.

Cap. IV(Art.ºs. 65º. a 69º.) - Da organização da guarda civil:

Art. 65.º - O serviço policial da vila do lbo será desempenhado por uma guarda civil, cuja composição normal será a seguinte:
1 comissário de polícia (o chefe do concelho).
1 chefe de secção (segundo sargento)..
2 chefes de esquadra.
2 sub-chefes de esquadra.
25 guardas.
Art. 66.º - A organização normal da guarda civil poderá ser alterada pelo governador dos territórios, em ordem publicada no Boletim conforme determinação do Conselho de Administração da Companhia.
Art. 67.° - O chefe de secção será nomeado pelo governador dos territórios, sob proposta do comissário, de entre os segundos sargentos do corpo de polícia militar. Os chefes e sub-chefes de esquadra serão nomeados pelo comissário de entre os guardas que tenham melhores aptidões.
Art. 68.º - Na ausência ou impedimento do chefe do concelho, as funções de comissário serão desempenhadas por quem for mandado exercer as do chefe do concelho.
Art. 69.º - Do efectivo da guarda civil serão escolhidos três ou quatro guardas para o serviço administrativo, os quais serão considerados guardas de 1.ª classe.

Cap. V (Art.ºs 70º. a 78º.) - Atribuições do pessoal:

Art. 70.º - A vila do Ibo será dividida em duas zonas, correspondendo respectivamente às esquadras da guarda civil, sendo os seus limites e a sua distribuição do pessoal determinados pelo comissário, conforme as conveniências do serviço.
Art. 71.º - Os chefes, sub-chefes de esquadra e os guardas terão alojamento nos postos policiais, quando para isso haja instalações convenientes, podendo os que tiverem família ser dispensados de permanecer ali, se não houver prejuízo de serviço.
Art. 72.º - O serviço policial é permanente, exercendo-se não só na área da vila, mas também nos arredores, e em geral em todo o concelho, sendo os indivíduos que fazem parte da guarda, civil obrigados a presta-lhe sempre que lhes seja exigido-, excepto quando doentes ou gozo de licença.
Art. 73.º - Os guardas poderão ser empregados, sem prejuízo do serviço público, em serviços policiais de interesse particular, mediante remuneração estabelecida de acordo com o comissário, o qual terá conhecimento prévio do serviço pretendido, decidindo da conveniência ou inconveniência, de o conceder.
Art. 74.° - Para a execução do serviço do polícia compete especialmente ao comissário:
1.º - Dirigir superiormente todos os serviços para o que dará aos seus subordinados as convenientes ordens e instruções.
2.º - Propor ao Governador dos Territórios quaisquer medidas ou providências que careçam do autorização superior, por não estarem previstas na lei ou regulamentos.
3.º - Velar pela correcta execução do serviço policial por parte dos seus subordinados e pela disciplina destes.
4.º - Distribuir o pessoal pelas esquadras pela forma mais conveniente para o serviço.
Art. 75.º - Ao chefe de secção compete:
a) O cumprimento das instruções superiores, relativamente ao serviço policial, transmitindo-as aos seus subordinados;
b) Não se afastar da secretaria, mesmo por motivo de serviço, sem se fazer substituir por um dos chefes de esquadra;
c) Rondar durante o dia a área da vila e ao menos uma vez em cada quarto da noite;
d) Velar pela disciplina. dos seus subordinados, exigindo-lhes, além do cumprimento de todos os deveres policiais, a maior regularidade nos seus uniformes.
e) Fiscalizar o maior asseio e limpeza das esquadras e calabouços;
f) Instruir convenientemente os seus subordinados acerca da execução dos serviços que lhes incumbam;
g) Dar às oito horas de cada dia conhecimento ao comissário, por escrito, de todas as ocorrências que se tiverem dado nas últimas vinte e quatro horas, e entregar as participações dos factos ocorridos a que se tenha de proceder e onde devem vir mencionadas as respectivas testemunhas desses factos;
h) Em caso de ocorrência muito grave, mandar prevenir imediatamente o comissário.
Art. 76.° - Aos chefes e sub-chefes compete a execução dos serviços mencionados no artigo 75.º na área das suas esquadras, dando parte de todas as ocorrências ao chefe de secção.
Art. 77.º - Compete aos guardas, além dos serviços que lhes forem designados e os expressos no regulamento policial de limpeza e sanidade pública:
1.º - Admoestar todo o indivíduo que por qualquer modo perturbar o sossego público, sem que manifeste embriaguez, e sendo improfícua a admoestação, detê-lo.
2.º - Não permitir que se profiram ou pratiquem obscenidades, sendo os transgressores detidos e conduzidos à esquadra mais próxima, quando não tenham obedecido à admoestação.
3.º - No caso de incêndio, dar o sinal de alarme, fazendo com que sejam prestados socorros prontos, dando conhecimento imediato ao chefe da, esquadra mais próxima e intimando os habitantes a coadjuvar a extinção do fogo, sob pena de desobediência, tomando o chefe de secção a direcção do ataque ao incêndio, quando não esteja presente o chefe do concelho ou o respectivo escrivão.
a) Os guardas disponíveis formarão cordão a distância conveniente do incêndio, a qual será designada, por quem dirigir o ataque ao incêndio.
4.º - Exercer a mais rigorosa, vigilância sobre qualquer indivíduo que suspeite ser vadio, apresentando-o ao chefe de secção, quando tenha a certeza de o ser.
5.º - Avisar o chefe da secção, quando saiba que se joga jogo proibido, indicando-lhe o local onde tal se pratica, detendo os donos da casa, todas as pessoas que nela forem encontradas a jogar ou assistindo ao jogo e apreendendo o dinheiro que se encontrar.
6.º - Se forem encontrados em qualquer local indígenas jogando, serão detidos pelos guardas que os encontrarem.

Art. 78.º - É proibido a todos os indivíduos que fizerem parte da guarda civil:
1.º - Fazer publicamente apreciações dos seus superiores.
2.º - Fazer manifestações colectivas.
3.º - Entrar em casas particulares sem autorização do seus donos, excepto havendo gritos de socorro, ou nos casos permitidos por lei, não se considerando casas particulares as tabernas, as cantinas e as casas de toleradas e ainda os estabelecimentos comerciais durante as horas em que estiverem abertos ao público.
4.º - Receber gratificações de particulares, por motivo do seu serviço, a não ser com autorização e por intermédio do comissário.
5.º - Fazer uso das armas que lhe tenham sido distribuídas, a não ser em defesa, própria ou em circunstâncias especiais, por exigência da conservação da ordem ou em virtude de determinações dos seus superiores.
6.º - Durante as horas de serviço conversarem com quaisquer indivíduos ou afastarem-se do seu posto de serviço, a não ser por cumprimento dos seus deveres policiais.

Cap. VI(Art.ºs 79.º a 82.º) - Da disciplina:

Art. 79.° - Compete:
1.º - Ao comissário: aplicar a pena de repreensão em particular ou na presença dos de igual graduação, quando europeus.
a) Impor a pena de suspensão de vencimentos fazendo serviço até vinte dias e de suspensão de exercício e vencimentos até trinta dias aos chefes, sub-chefes e guardas, e a expulsão do serviço a estes últimos.
2.º - Ao chefe de secção: impor aos guardas a repreensão em particular ou na presença das restantes praças da sua esquadra, a nomeação para serviço que lhes não pertença por escala, e, em circunstâncias graves e urgentes, a suspensão do exercício, a qual carece de ser confirmada pelo comissário que fixará a sua duração, para produzir perdas, de vencimentos.
Art. 80.º - Ao Governador dos Territórios compete impor a pena de suspensão de vencimentos ao chefe de secção, fazendo serviço até trinta dias, e regresso ao Corpo de Polícia ou a demissão do serviço da Companhia.
Art. 81.º - O comissário, por si ou sob proposta do chefe de secção, poderá, como prémio de qualquer serviço importante, dispensar até oito dias com vencimentos o chefe ou sub-chefe de esquadra, ou guarda que tiver prestado esse serviço.
Art. 82.° - O comissário poderá igualmente conceder licença com perda de vencimentos a qualquer guarda, quando o serviço não seja prejudicado.

Cap. VII(Art.ºs 83.º a 95.º) - Da ordem e segurança:

Art. 83.º - O indivíduo detido por perturbar o sossego público sem estar embriagado, pagará a multa de 2$, e quando esta não seja paga imediatamente será cobrada, por meio coercivo seguindo-se os termos do respectivo regulamento, salvo se o detido for indígena, pois em tal caso ser-lhe-á imposta, a pena de vinte dias de trabalho correccional sem vencimento, mas com direito a $01 para alimentação.
§Único - Cada reincidência agravará com 1$ a multa de que trata este artigo.
Art. 84.º - Todo o indivíduo que presenciar qualquer agressão ou resistência contra um chefe ou guarda policial deverá prestar o auxílio que lhe seja solicitado e esteja ao seu alcance.
Art. 85.º - Os que estando em ajuntamento tumultuoso não debandarem à ordem de dispersão, dada por qualquer chefe ou guarda, serão detidos como desobedientes.
§Único - No caso previsto neste artigo deixará de se instaurar o respectivo processo se os infractores pagarem a muna de 1$ até 10$, imposta ao arbítrio do comissário conforme as circunstâncias.
Art. 86.º - Aos indivíduos detidos por empregarem obscenidades por palavras, gestos ou factos será aplicada a multa de 2$. e, sendo o infractor indígena, trabalho correcional por dez dias nas obras dos concelhos.
Art. 87.° - O vadio não indígena será apresentado na secretaria do concelho afim de se lhe obter emprego ou passagem para fora do território.
Art. 88.º - Quando houver conhecimento de que em alguma casa, estabelecimento comercial ou palhotas, se joga jogo proibido, proceder-se-á à visita domiciliária, sendo detidos os donos das casas, todas as pessoas que nelas forem encontradas jogando ou assistindo ao jogo e apreendido o dinheiro que se encontrar.
Art. 89.º - As pessoas detidas nos termos do artigo antecedente serão punidas, sendo indígenas, com trabalho correcional no concelho por trinta, dias e nas reincidências com sessenta dias, com direito à ração diária de $04. Aos não indígenas será aplicado o disposto no artigo 265.º do Código Penal.
Art. 90.° - O comissário ordenará, com frequência, rusgas ás palhotas adjacentes à vila do Ibo, a fim de se cumprir o que fica determinado com respeito ao jogo.
Art. 91.º - Os indígenas que forem encontrados em qualquer local jogando, serão detidos, apreendidas as cartas ou dados, aplicando-se o artigo 89.º.
Art. 92.° - O dinheiro e efeitos destinados ao jogo e mais objectos, a que se refere o § único do artigo 267.º do Código Penal, que forem apreendidos, serão perdidos, metade a favor do cofre da Companhia e metade a favor dos apreensores.
Art. 93.° - Todo aquele que jogar qualquer jogo com menores de vinte e um anos ou filho famílias, incorre, não sendo indígena, na pena do artigo 266.º do Código Penal, e sendo indígena ser-lhe-á aplicada a multa de 10$ ou trinta dias de trabalho correccional, nos termos do artigo 89.º.
Art. 94.º
- O indígena que usar das violências ou ameaças, a que faz referencia o artigo 268.º do Código Penal, incorre na pena de 20$ ou noventa dias de trabalho correcional no concelho.
Art. 95.° - Todo o indivíduo, de qualquer classe, que pretender intrometer-se no serviço policial ou auxiliar a resistência, será punido como se praticasse o acto que a polícia pretendia reprimir.

Do cap. VIII(Art.ºs 96.º a 101.º) - Das disposições gerais sobre multas:

Art. 96.º - As multa cominadas neste regulamento, quando não pagas voluntariamente, serão cobradas por meio coercivo, seguindo-se as prescrições do regulamento de execuções fiscais administrativas em vigor nos territórios.
Art. 97.° - As multas e as penas são relativas a cada infracção ou transgressão e tantas vezes aplicadas quantas as transgressões ou infracções praticadas.
Art. 98.° - Os empregados administrativos e policiais de qualquer categoria são competentes para multar, pertencendo-lhes um terço das multas.
Art. 99.º - Quando as multas sejam impostas a indígenas, podem elas ser remidas com trabalho, quando se reconheça não terem eles dinheiro para as pagar, arbitrando-se $10 por cada dia de trabalho.
Art. 100.° - O chefe do concelho é competente para impor as penas de trabalho correccional cominadas neste regulamento e bem assim para aplicar a remissão de que trata o artigo antecedente.
Art. 101.°
- As multas arrecadadas constituem receita da Companhia.

Uma leitura atenta do Regulamento, mostra-nos a existência de uma sociedade colonial complexa e desigual e uma grande preocupação das autoridades coloniais com problemas relacionados não só com a higiene, sanidade, moral, ordem e segurança públicas, como também com a defesa de pessoas e bens. Alguns dos aspectos considerados inovadores serão assinalados no texto a Negrito.

Fim.

  • (1) O Autor: Dr. Carlos Lopes Bento - Antigo administrador colonial. Foi presidente da Câmara Municipal do Ibo, entre 1969 e 1972 e administrador do concelho de Pemba entre 1972 e 1974. Antropólogo e prof. universitário é um dedicado amigo das históricas Ilhas de Querimba que continua a investigar, de maneira sistemática, e a divulgar as suas inquestionáveis belezas. É Director da Sociedade de Geografia de Lisboa.
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